Ucrânia
Jesus contou uma ilustração sobre a semente plantada em solo excelente, descrevendo os que desenvolvem um profundo apreço pela Palavra de Deus. Eles “dão fruto com perseverança” por continuarem fielmente a proclamar a mensagem de Deus, apesar de dificuldades e de sofrimentos. (Luc. 8:11, 13, 15) Em poucos lugares do mundo se evidencia isto mais do que na Ucrânia, onde, apesar de mais de 50 anos de proscrição e de cruel perseguição, as Testemunhas de Jeová sobreviveram e aumentaram em número.
No ano de serviço de 2001, houve neste país um auge de 120.028 publicadores. Mais de 56.000 destes aprenderam a verdade bíblica nos últimos cinco anos. Durante os últimos dois anos, os irmãos distribuíram mais de 50 milhões de revistas, um número equivalente ao da população do país. Todo mês, o escritório da congênere recebe mil cartas em média de pessoas interessadas que pedem mais informações. Tudo isto seria inimaginável no passado não muito distante. Que vitória para a adoração pura!
Antes de virarmos as páginas da história da Ucrânia, vamos dar uma olhada no país em si. Além do solo figurativo mencionado por Jesus, a Ucrânia possui um excelente solo em sentido literal. Quase metade do país é coberto de um rico solo negro de prados, chamado pelos ucranianos de chernozem, que significa “terra negra”. Este solo, junto com o clima moderado, fez da Ucrânia uma das mais produtivas regiões agrícolas do mundo, produzindo beterraba sacarina, trigo, cevada, milho e outros produtos. Desde há muito, a Ucrânia é conhecida como a cesta de pão da Europa.
Tem uns 1.300 quilômetros de leste a oeste e uns 900 quilômetros de norte a sul, sendo um pouco maior do que a França. Conforme se pode ver no mapa, na página 123, o país situa-se na Europa Oriental, ao norte do mar Negro. O norte da Ucrânia é adornado de florestas. No sul, acham-se as ricas planícies férteis, vindo em seguida os belos montes da Criméia. No leste, os contrafortes levam aos íngremes montes Cárpatos, o habitat de lobos-cervais, ursos e bisões.
A Ucrânia tem cerca de 50 milhões de habitantes. Trata-se de um povo humilde, hospitaleiro e trabalhador. Muitos falam ucraniano e russo. Quando recebem alguém em sua casa, é bem provável que lhe sirvam borche (uma sopa de beterraba) e varenyky (bolinhos de massa cozidos). Depois de uma agradável refeição, talvez entretenham o visitante entoando canções folclóricas, pois muitos ucranianos gostam de cantar e de tocar instrumentos musicais.
O povo da Ucrânia foi exposto a uma variedade de crenças religiosas. No décimo século, foi introduzida aqui a religião Ortodoxa Oriental. Mais tarde, o Império Otomano trouxe o islamismo ao sul da Ucrânia. Também, na Idade Média, os nobres poloneses difundiram o catolicismo. No século 20, muitos, sob o regime comunista, se tornaram ateus.
Existem Testemunhas de Jeová no país inteiro. Mas, antes da Segunda Guerra Mundial, a maioria residia na Ucrânia ocidental, que estava dividida em quatro regiões: a Volínia, a Galícia, a Transcarpática e a Bucovina.
Lançadas na Ucrânia as sementes da verdade
Os Estudantes da Bíblia, como eram conhecidas as Testemunhas de Jeová naquela época, têm estado ativos na Ucrânia por mais de um século. Durante sua primeira viagem para o estrangeiro, em 1891, C. T. Russell, um Estudante da Bíblia, que estava na dianteira, visitou muitos países da Europa e o Oriente Médio. De passagem pela antiga Constantinopla, a Turquia, ele visitou Odessa, na parte sul da Ucrânia. Mais tarde, em 1911, proferiu uma série de discursos bíblicos nas principais cidades da Europa, inclusive em Lvov, Ucrânia ocidental.
Em viagem de trem, o irmão Russell chegou a Lvov, onde havia sido alugado um grande salão conhecido por Câmara do Povo para seu discurso programado para 24 de março. Nove anúncios em sete jornais regionais, bem como grandes cartazes, convidavam todos a ouvir o discurso “Sionismo na Profecia”, pelo “famoso e ilustre orador de Nova York” — o Pastor Russell. Planejara-se que o irmão Russell proferisse esse discurso duas vezes naquele dia. Entretanto, um rabino judeu dos Estados Unidos, que se opunha ferozmente à obra de Russell, mandou por cabograma uma mensagem a seus associados em Lvov, condenando os Estudantes da Bíblia. Isso incitou alguns a tentar interromper o discurso de Russell.
Embora o salão estivesse apinhado de gente tanto na parte da tarde como à noite, os opositores estavam presentes. Um jornal regional, o Wiek Nowy, dizia: “Quando o intérprete [de Russell] proferiu as primeiras palavras, os sionistas fizeram um clamor e, com seus gritos e assobios, impediram o missionário de falar. O Pastor Russell foi obrigado a deixar o palco. . . . As manifestações foram ainda maiores no discurso das vinte horas naquela noite.”
Mas muitos queriam ouvir o que o irmão Russell tinha a dizer. Estavam interessados na sua mensagem e solicitaram publicações bíblicas. Mais tarde, o irmão Russell comentou a sua visita a Lvov. Disse ele: “Só Deus sabe quais as suas providências com relação a estas experiências. . . . A comoção [dos judeus] sobre o assunto pode levar alguns a fazer uma investigação mais profunda do que se nos tivessem escutado de modo respeitável e ordeiro.” Embora não houvesse aceitação imediata da mensagem, tinham sido lançadas sementes da verdade e, mais tarde, foram formados muitos grupos de Estudantes da Bíblia não só em Lvov, mas também em outras regiões da Ucrânia.
Em 1912, o escritório dos Estudantes da Bíblia na Alemanha publicou um grande anúncio num calendário que circulava na Ucrânia. O anúncio incentivava a leitura dos volumes, em alemão, de Studies in the Scriptures (Estudos das Escrituras). Em conseqüência, o escritório na Alemanha recebeu cerca de 50 cartas de pessoas na Ucrânia que encomendaram tanto Estudos das Escrituras como assinatura da revista A Sentinela. O escritório manteve contato com essas pessoas interessadas até estourar a guerra em 1914.
Após a Primeira Guerra Mundial, a Ucrânia foi dividida entre quatro países vizinhos. Os territórios do centro e do leste da Ucrânia foram tomados pela Rússia comunista e incorporados à União Soviética. A Ucrânia ocidental foi dividida entre três outros países. As regiões da Galícia e da Volínia foram anexadas à Polônia; a Bucovina, à Romênia e a Transcarpática, à Tchecoslováquia. Estes três países concederam certa medida de liberdade religiosa e permitiram aos Estudantes da Bíblia efetuar sua atividade de pregação. Assim, muitas sementes da verdade lançadas na Ucrânia ocidental mais tarde produziriam frutos.
Os primeiros rebentos
No início do século 20, muitas famílias partiram da Ucrânia para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor. Alguns leram ali nossas publicações baseadas na Bíblia e as enviaram a parentes na Ucrânia. Outras famílias aprenderam os ensinamentos dos Estudantes da Bíblia, retornaram à sua terra e começaram a pregar em suas cidades de origem. Surgiram diversos grupos de Estudantes da Bíblia que mais tarde aumentaram e se tornaram congregações. Em princípios dos anos 20, sementes da verdade foram lançadas na Galícia e na Volínia por Estudantes da Bíblia procedentes da Polônia. Nesse meio tempo, irmãos da Romênia e da Moldávia levaram a verdade para a região da Bucovina.
Lançou-se assim um bom fundamento para mais crescimento. A Sentinela de 15 de dezembro de 1921 (em inglês) relatava: “Recentemente, alguns de nossos irmãos visitaram [a Bucovina] . . . O resultado de sua visita de algumas semanas ali foi a organização de sete classes que estudam agora os volumes e ‘Sombras do Tabernáculo’. Uma dessas classes tem cerca de 70 membros.” Em 1922, na pequena cidade de Kilinkvtsi, na Bucovina, Stepan Koltsa aceitou a verdade, batizou-se e começou a pregar. Pelo que se sabe, ele foi o primeiro irmão a ser batizado na Ucrânia. Mais tarde, dez famílias se uniram a ele. Um crescimento similar aconteceu na região da Transcarpática. Em 1925, havia aproximadamente 100 Estudantes da Bíblia na pequena cidade de Velyki Luchky e nos vilarejos vizinhos. Depois disso, os primeiros servos de tempo integral começaram a pregar na Transcarpática, realizando reuniões nas casas dos Estudantes da Bíblia. Muitas pessoas foram batizadas.
Alexei Davidjuk, uma antiga Testemunha de Jeová, descreve como as pessoas naquela época chegavam a conhecer a verdade. Ele conta: “Em 1927, um aldeão levou uma de nossas publicações ao vilarejo de Lankove, na região da Volínia. Depois de lê-la, diversas pessoas ali ficaram curiosas sobre os ensinamentos a respeito do inferno de fogo e da alma. Como o livro trazia o endereço do escritório dos Estudantes da Bíblia em Lodz, na Polônia, escreveram uma carta solicitando que alguém visitasse sua cidade. Um mês depois, um irmão foi até lá e organizou um grupo de estudo bíblico. Quinze famílias se uniram a esse grupo.”
Era comum tal entusiasmo pela verdade nessa época do início da obra. Veja as palavras de apreço numa carta enviada da região da Galícia à sede dos Estudantes da Bíblia em Brooklyn: “Os livros que publicam são uma cura para muitas feridas de nossa gente e conduzem as pessoas à luz do dia. Mas peço, por favor, que nos enviem mais desses livros.” Outra pessoa interessada escreveu: “Decidi pedir-lhes que nos enviem literatura, porque não consigo obter aqui. Um homem em nossa cidade recebeu livros que lhe mandaram, mas os vizinhos os tiraram dele. Ele nem sequer conseguiu lê-los. Agora, está passando nas casas dos moradores para tentar reaver seus livros.”
Esse profundo interesse resultou no estabelecimento de um escritório dos Estudantes da Bíblia na Rua Pekarska, em Lvov. O escritório recebia muitos pedidos de publicações procedentes da Galícia e da Volínia e encaminhava-os regularmente a Brooklyn para serem atendidos.
Em meados dos anos 20, as sementes da verdade tinham certamente brotado na Ucrânia ocidental. Muitos grupos de Estudantes da Bíblia foram organizados e alguns deles mais tarde tornaram-se congregações. Embora bem poucos registros tenham sido guardados dessa atividade no início, os relatórios disponíveis mostram que 12 pessoas celebraram a Comemoração na Galícia em 1922. Em 1924, A Sentinela (em inglês) relatou que 49 pessoas assistiram à Comemoração na cidade de Sarata, na região sul da Ucrânia. Em 1927, mais de 370 pessoas assistiram à Comemoração na Transcarpática.
Descrevendo a obra em vários países do mundo, A Sentinela (em inglês) de 1.º de dezembro de 1925 publicou o seguinte: “Este ano, um irmão foi enviado da América aos ucranianos da Europa; . . . um ótimo trabalho tem sido realizado entre os ucranianos na parte controlada pela Polônia. Tem havido ali grande e crescente procura de publicações.” Diversos meses depois, a revista A Idade de Ouro (agora Despertai!) relatava: “Só na Galícia, há vinte classes [congregações] . . . Algumas delas . . . organizaram reuniões e as realizam no meio da semana; outras se reúnem só nos domingos e ainda outras estão em fase de organizar-se. Há esperança de que surjam mais classes; só é preciso alguém para liderá-las.” Tudo isso indicava que, em sentido espiritual, o solo ucraniano era muito fértil.
O ministério de campo na fase inicial
Vojtech Chehy, da Transcarpática, foi batizado em 1923 e ingressou mais tarde na atividade de pregação por tempo integral na região de Berehove. Ele ia ao ministério de pregação geralmente com uma sacola de publicações numa das mãos, outra presa em sua bicicleta e com uma mochila cheia de publicações nas costas. Ele relata: “Fomos designados para um território de 24 cidades pequenas. Éramos 15 publicadores e tínhamos de nos esforçar para trabalhar com publicações nessas cidades duas vezes por ano. Todos os domingos, às quatro horas da manhã, nosso ponto de encontro era numa dessas cidades. De lá, íamos a pé ou de ônibus, percorrendo uns 15 quilômetros ou mais, até as regiões circunvizinhas. Começávamos nosso ministério de casa em casa em geral às 8 horas da manhã e trabalhávamos até as 14 horas. Voltávamos para casa muitas vezes a pé e, nas reuniões à noite naquele mesmo dia, todos contavam alegremente suas experiências. Encurtávamos o caminho atravessando os bosques e os rios, com tempo bom ou ruim, e nenhum de nós jamais se queixava. Nós nos sentíamos felizes de servir e glorificar nosso Criador. As pessoas percebiam que levávamos realmente uma vida como verdadeiros cristãos, estando dispostos a caminhar mais de 30 quilômetros para assistir às reuniões ou para pregar.
“Encontrávamos várias pessoas em nosso ministério. Certa vez, ofereci o folheto O Reino de Deus É a Felicidade do Povo a uma senhora que disse que gostaria de obtê-lo, mas que não tinha dinheiro para contribuir. Eu estava com fome, de modo que lhe disse que podia trocar o folheto por um ovo cozido. Ela adquiriu o folheto e eu comi um ovo.”
Na época do Natal, a população da Transcarpática ia de casa em casa e entoava canções sobre o nascimento de Jesus Cristo. Os irmãos aproveitaram bem esse costume. Levavam publicações em suas pastas e iam às casas das pessoas para entoar cânticos que expressavam sua fé. Muitos gostavam das melodias. Os irmãos eram freqüentemente convidados a entrar nas casas e as pessoas pediam que cantassem mais cânticos. Às vezes, elas lhes davam dinheiro por isso, e os irmãos alegremente davam em troca publicações bíblicas. Assim, na época do Natal, muitas vezes o depósito de publicações se esvaziava. Essas campanhas de entoar cânticos duravam duas semanas, visto que os católicos romanos e os católicos gregos fazem suas celebrações natalinas em semanas diferentes. Perto do fim dos anos 20, porém, quando se tornou clara para os Estudantes da Bíblia a origem pagã do Natal, as campanhas de entoar cânticos foram descontinuadas. Os irmãos sentiam grande alegria na sua intensa atividade de pregação e novos grupos de publicadores continuavam a surgir na Transcarpática.
Os primeiros congressos
Em maio de 1926, o primeiro congresso das Testemunhas de Jeová na região da Transcarpática foi realizado na pequena cidade de Velyki Luchky. A assistência foi de 150 pessoas e 20 foram batizadas. No ano seguinte, 200 pessoas assistiram a um congresso ao ar livre no parque central de Uzhgorod, uma cidade naquela mesma região. Logo outros congressos foram organizados em várias cidades da Transcarpática. Em 1928, Lvov teve seu primeiro congresso. Mais tarde, realizaram-se outros congressos na Galícia e na Volínia.
Em princípios de 1932, realizou-se um congresso na pequena cidade de Solotvyno, Transcarpática, no quintal de uma casa onde os Estudantes da Bíblia realizavam suas reuniões regulares. Compareceram aproximadamente 500 pessoas, incluindo alguns irmãos em posições de responsabilidade vindos da Alemanha. Mykhailo Tilniak, ancião da congregação local, relata: “Apreciamos imensamente os discursos bem preparados pelos irmãos que vieram da Alemanha e da Hungria ao nosso congresso. Com lágrimas nos olhos, eles nos encorajaram a permanecer fiéis nas provações que viriam.” E vieram mesmo grandes provações ao começar a Segunda Guerra Mundial.
Em 1937, fretou-se um trem inteiro para os congressistas viajarem para um grande congresso em Praga, Tchecoslováquia. O trem saiu da cidade de Solotvyno e percorreu toda a Transcarpática, parando em cada estação ferroviária para o embarque de congressistas. Do lado de fora de cada vagão do trem, havia um cartaz que rezava “Congresso das Testemunhas de Jeová — Praga”. Foi um ótimo testemunho para a população daquela região e os mais velhos lembram-se até hoje desse evento.
Construção de locais para adoração
Ao serem formados os primeiros grupos de Estudantes da Bíblia, surgiu a necessidade de construir locais para adoração. A primeira construção destinada à adoração foi feita em 1932 na pequena cidade de Dibrova, Transcarpática. Mais tarde, outros salões foram construídos nas pequenas cidades vizinhas de Solotvyno e Bila Tserkva.
Apesar de alguns desses salões terem sido destruídos durante a guerra e outros confiscados, os irmãos continuaram a desejar ter seus próprios Salões do Reino. Atualmente, há 8 Salões do Reino na cidade de Dibrova e 18 Salões do Reino em seis cidades vizinhas.
Serviço de tradução
Em fins do século 19 e início do século 20, muitas famílias emigraram da Ucrânia para os Estados Unidos e para o Canadá. Algumas delas aceitaram a verdade no novo país em que se encontravam, de modo que se formaram muitos grupos de língua ucraniana. Já em 1918, foi publicado em ucraniano O Plano Divino das Eras. Mas havia necessidade de fazer muito mais para suprir de alimento espiritual a população de língua ucraniana tanto na Ucrânia como no estrangeiro. Em princípios dos anos 20, tornou-se evidente a necessidade de um irmão habilitado para traduzir publicações bíblicas regularmente. Em 1923, Emil Zarysky, que morava no Canadá, aceitou o convite de ingressar no serviço de tempo integral. Para ele, isto significou principalmente traduzir publicações bíblicas para o ucraniano. Ele também visitava grupos ucranianos, poloneses e eslovacos no Canadá e nos Estados Unidos.
Emil Zarysky nasceu perto da cidade de Sokal, na Ucrânia ocidental e, mais tarde, junto com seus pais, mudou-se para o Canadá. Ali, casou-se com uma moça da Ucrânia chamada Mariya. Criaram cinco filhos. Mesmo com pesadas responsabilidades na família, Emil e Mariya puderam cumprir suas designações teocráticas. Em 1928, a Watch Tower Society comprou uma casa em Winnipeg, no Canadá, que serviu de sede para o trabalho de tradução para o ucraniano.
Naquela época, os irmãos usavam no seu ministério de casa em casa fonógrafos portáteis com discursos bíblicos gravados. O irmão Zarysky foi convidado a ir a Brooklyn para fazer gravações desses discursos em ucraniano. Na década de 30, diversos programas de rádio em ucraniano, de meia hora de duração, eram preparados na emissora de Winnipeg. Nessas transmissões por rádio, Emil Zarysky e outros irmãos experientes apresentavam discursos públicos significativos. Esses discursos eram acompanhados de coral a quatro vozes, do cancioneiro que havia sido publicado em 1928. A reação dos ouvintes foi tal que centenas de cartas e telefonemas expressando apreço foram recebidos.
Durante 40 anos, Emil Zarysky, junto com a esposa, Mariya, cumpriram fielmente sua designação como tradutores. Nesse período, cada número da revista A Sentinela foi traduzido para o ucraniano. Em 1964, Maurice Saranchuk, que, junto com a esposa, Anne, já por muitos anos vinha ajudando o irmão Zarysky, foi designado para supervisionar o trabalho de tradução.
A chegada de ajuda espiritual
Embora alguns publicadores zelosos tivessem individualmente plantado e regado as sementes da verdade em toda a Ucrânia, foi somente depois de 1927 que começou na Transcarpática e mais tarde na Galícia uma obra de pregação organizada. Antes disso, grande número de livros e folhetos havia sido distribuído em romeno, húngaro, polonês e ucraniano, embora naquela época a atividade de pregação não fosse relatada. Grupos isolados começaram a ser organizados em congregações e os publicadores passaram a pregar regularmente de casa em casa. Muitas publicações bíblicas foram colocadas naqueles anos. Em 1927, abriu-se na cidade de Uzhgorod, Transcarpática, o primeiro depósito de publicações. Em 1928, o escritório em Magdeburgo, Alemanha, foi designado para cuidar das congregações e dos colportores na região da Transcarpática, que na época fazia parte da Tchecoslováquia.
Em 1930, estabeleceu-se um escritório na cidade de Berehove, perto de Uzhgorod, para a supervisão da obra dos Estudantes da Bíblia na Transcarpática. Vojtech Chehy serviu nesse escritório como supervisor. Essa iniciativa foi muito benéfica para a obra de pregação.
Diversos irmãos dos escritórios de Praga e de Magdeburgo mostraram espírito de abnegação, viajando muitas vezes longas distâncias pelos montes Cárpatos para levar as boas novas do Reino de Deus até as partes mais distantes dessa bela região. Um desses zelosos irmãos foi Adolf Fitzke, do escritório de Magdeburgo. Ele foi enviado para pregar em Rakhiv, nos montes Cárpatos. Muitas Testemunhas de Jeová dessa localidade guardam até hoje boas recordações desse irmão fiel, modesto e tolerante. Em 2001, havia quatro congregações nesse lugar.
Durante a década de 30, o “Fotodrama da Criação” foi exibido em muitas cidades e vilas na Transcarpática. O “Fotodrama” era uma apresentação de slides (diapositivos) e de filmes cinematográficos, sincronizados com gravações fonográficas de comentários baseados na Bíblia. Erich Frost foi enviado da Alemanha para ajudar os irmãos locais com o “Fotodrama”. Antes do programa, os irmãos distribuíam volantes e usavam cartazes para convidar o público para as exibições. Havia grande interesse. Na cidade de Berehove, houve um número tão grande de pessoas que mais de mil tiveram de esperar do lado de fora. Quando a polícia viu a multidão, teve receio de um tumulto que viesse a ficar fora de seu controle. Por isso, os policiais cogitaram cancelar o evento, mas decidiram não cancelá-lo. Depois da exibição, muitas pessoas que queriam ver de novo o “Fotodrama” deram seu endereço. Esse interesse fez com que líderes religiosos daquele lugar usassem todos os meios possíveis para impedir a obra de pregação das boas novas. Apesar disso, Jeová Deus continuou a abençoar a obra com sucesso.
Nos anos 20 e 30, as regiões da Volínia e da Galícia estavam sob a supervisão da congênere da Polônia em Lodz. Em 1932, os irmãos da Polônia concentraram sua atenção nessas regiões, fazendo revisitas a todos os assinantes da revista A Sentinela, cujo endereço haviam recebido de Brooklyn.
Wilhelm Scheider, na época superintendente da congênere da Polônia, comentou: “Os ucranianos aceitaram a verdade com grande entusiasmo. Como cogumelos depois de uma chuva, surgiram subitamente nas cidades e vilarejos da Galícia grupos de pessoas interessadas. Houve casos em que esses grupos cresceram tanto que abrangiam comunidades inteiras.”
Embora a maioria dos irmãos fosse pobre, faziam muito sacrifício para adquirir publicações e gravações fonográficas que os ajudariam a pregar e a crescer em sentido espiritual. Mykola Volochii, da Galícia, batizado em 1936, vendeu um de seus dois cavalos para comprar um fonógrafo. Imagine o que significava para um agricultor vender um cavalo! Embora tivesse de prover sustento para seus quatro filhos, chegou à conclusão de que podia arranjar-se com apenas um cavalo. Muitos novos chegaram a conhecer e a servir a Jeová por meio dos discursos bíblicos e cânticos do Reino no idioma ucraniano tocados nesse fonógrafo.
Ilustrando o grande aumento em publicadores na Galícia e na Volínia nos anos 30, Wilhelm Scheider disse: “Em 1928, alcançamos na Polônia 300 publicadores, mas em 1939 tínhamos mais de 1.100, sendo metade deles ucranianos, embora a obra tenha sido iniciada bem mais tarde na região deles (a Galícia e a Volínia).”
Para cuidar desses aumentos, Ludwik Kinicki foi enviado da congênere da Polônia à Galícia e à Volínia como superintendente viajante para ajudar na obra de pregação. Sua família, que era de Chortkiv, Galícia, emigrara no início do século 20 para os Estados Unidos, onde o irmão Kinicki aprendeu a verdade. Mais tarde, ele retornou à sua terra natal para ajudar as pessoas sinceras ali. Muitos irmãos jamais esquecerão a ajuda espiritual que receberam desse zeloso ministro. Quando, no outono de 1936, se impôs uma proibição na edição polonesa da revista A Idade de Ouro e seu editor foi sentenciado a um ano de prisão, o irmão Kinicki foi nomeado editor da revista Novo Dia, publicada em lugar da proibida A Idade de Ouro. Em 1944, ele foi preso pela Gestapo e levado para o campo de concentração de Mauthausen-Gusen, onde morreu fiel a Jeová.
Deus atrai toda sorte de homens
No começo dos anos 20, um Estudante da Bíblia de nome Rola voltou à sua cidade natal de Zolotyi Potik, na Galícia. Com o uso de seu exemplar da Bíblia, Rola começou a pregar as boas novas. As pessoas diziam que ele tinha enlouquecido, porque havia destruído todas as suas imagens religiosas. O sacerdote daquele lugar tentou impedir que Rola pregasse. O sacerdote procurou um policial e disse-lhe: “Se fizer alguma coisa para Rola não poder mais andar, eu lhe dou um litro de uísque.” O policial disse que seu serviço não era bater nas pessoas. Mais tarde, Rola começou a receber pacotes de publicações enviados pelos irmãos nos Estados Unidos. O sacerdote de novo falou com o policial e disse-lhe que havia chegado à agência dos correios um pacote com livros comunistas. No dia seguinte, o policial esperou na agência dos correios para ver quem viria apanhar o pacote. Naturalmente, Rola foi apanhá-lo. O policial levou Rola à delegacia de polícia e intimou também o sacerdote a comparecer. O sacerdote gritou, dizendo que os livros eram do Diabo. Para determinar se as publicações continham ensinamentos comunistas, o policial enviou algumas para o tribunal local. As demais ele guardou para si. Ao ler as publicações, compreendeu que o que estava escrito nelas era a verdade. Logo ele e a esposa começaram a assistir às reuniões dos Estudantes da Bíblia. Mais tarde, ele se batizou e se tornou um publicador zeloso. Assim, embora o sacerdote se empenhasse em impedir a obra de fazer discípulos, sem querer incentivou Ludwik Rodak a aceitar a verdade.
Por volta dessa época, um sacerdote católico grego, junto com a esposa, mudou-se de Lvov para os Estados Unidos. Pouco tempo depois, a esposa faleceu. Pesaroso, queria saber para onde tinha ido a alma de sua esposa. Ele obteve o endereço de pessoas espíritas em Nova York. Ao procurar onde se reuniam, foi por engano a outro andar do prédio e acabou indo parar numa reunião dos Estudantes da Bíblia. Ali, ele aprendeu a verdade sobre a condição dos mortos. Mais tarde, batizou-se e trabalhou por algum tempo na gráfica do Betel de Brooklyn. Depois, voltou à Galícia e zelosamente continuou a pregar as boas novas.
Um raio de luz na Ucrânia oriental
Conforme vimos, grande parte da atividade de pregação no início foi efetuada na Ucrânia ocidental. Como a verdade chegou às outras partes do país? Será que o solo espiritual ali produziria tão abundantemente como na Ucrânia ocidental?
Em princípios do século 20, o irmão Trumpi, um Estudante da Bíblia, veio da Suíça para trabalhar como engenheiro numa região de mineração de carvão na Ucrânia oriental. Ele é conhecido como o primeiro Estudante da Bíblia naquela região. Sua atividade de pregação na década de 20 resultou na formação de um grupo de estudo bíblico na pequena cidade de Liubymivskyi Post, perto da cidade de Kharkov.
Em 1927, mais um irmão veio da Europa ocidental para trabalhar como engenheiro numa mineração de carvão na pequena cidade de Kalynivka. Ele trouxe uma mala cheia de publicações bíblicas, usando-as na pregação a um pequeno grupo de batistas que mostraram grande interesse na esperança do Reino. Depois de algum tempo, esse irmão voltou para seu país natal, deixando um pequeno grupo de pessoas que se tornaram Estudantes da Bíblia. A Sentinela de 1927 relatou que 18 pessoas se reuniram em Kalynivka para a Comemoração. Na cidade vizinha de Yepifanivka, 11 pessoas compareceram. Além disso, naquele ano, 30 pessoas realizaram a Comemoração em Liubymivskyi Post.
Irmãos da sede em Brooklyn concentraram contínua atenção à marcha dos acontecimentos na União Soviética, procurando estabelecer legalmente ali a obra de pregação do Reino. Com isso em mente, um irmão canadense, George Young, chegou à URSS em 1928. Durante sua estada, ele pôde visitar a cidade de Kharkov, na Ucrânia oriental, onde organizou um pequeno congresso de três dias com o grupo local de Estudantes da Bíblia. Mais tarde, a oposição por parte das autoridades resultou em ele ter de deixar o país. Ele observou que existiam naquele tempo grupos de Estudantes da Bíblia também em Kiev e em Odessa.
O irmão Young relatou a Brooklyn a situação na União Soviética. Com a recomendação feita pelo irmão Young, Danyil Starukhin, da Ucrânia, foi designado para representar os Estudantes da Bíblia não só na Ucrânia, mas também na inteira URSS. Diversos anos antes da visita de George Young, o irmão Starukhin defendera a Bíblia num debate com Anatoly Lunacharsky, na época o Comissário de Educação soviético. Numa carta a J. F. Rutherford, da sede de Brooklyn, o irmão Young escreveu: “Danyil Starukhin é zeloso e ativo. Quando rapaz de 15 anos, teve uma discussão sobre a Bíblia com um sacerdote. O sacerdote ficou tão irado que pegou sua cruz e bateu com ela na cabeça do menino, fazendo-o cair desmaiado no chão; ele ainda tem a cicatriz na cabeça. Danyil teria sido enforcado, mas, por ser menor de idade, só foi sentenciado a quatro meses de prisão.” Embora o irmão Starukhin procurasse registrar a congregação local e obter licença oficial para imprimir publicações bíblicas na Ucrânia, as autoridades soviéticas não lhe permitiram fazer isso.
Em fins dos anos 20 e durante os anos 30, as autoridades soviéticas promoveram com empenho o ateísmo. A religião era ridicularizada e os que pregavam a outros eram considerados “inimigos da pátria”. Depois de uma abundante safra em 1932, os comunistas confiscaram todos os produtos alimentícios dos aldeões na Ucrânia. Mais de seis milhões de pessoas morreram por causa da fome artificialmente induzida que se seguiu.
Os relatórios indicam que pequenos grupos de servos de Jeová mantiveram sua integridade nesses tempos difíceis, mesmo sem terem nenhum contato com os irmãos de fora do país. Alguns passaram muitos anos em prisões por causa de sua fé. Os Trumpis, os Hausers, Danyil Starukhin, Andrii Savenko e a irmã Shapovalova são apenas alguns dos que mantiveram a integridade. Temos certeza de que Jeová não se ‘esquecerá da sua obra e do amor que mostraram ao seu nome’. — Heb. 6:10.
Período de severa provação
O fim da década de 30 trouxe grandes mudanças nas fronteiras de muitos países da Europa oriental. A Alemanha nazista e a URSS expandiram suas esferas de influência para absorver países menos potentes.
Em março de 1939, a Hungria, com a ajuda da Alemanha nazista, ocupou a Transcarpática. Foi imposta uma proibição à atividade das Testemunhas de Jeová e todos os Salões do Reino foram fechados. As autoridades maltrataram brutalmente os irmãos e mandaram muitos para a cadeia. A maioria das Testemunhas nas pequenas cidades ucranianas de Velykyi Bychkiv e Kobyletska Poliana foi encarcerada.
Quando os soviéticos chegaram à região da Galícia e da Volínia em 1939, as fronteiras ocidentais da Ucrânia foram fechadas. Assim, perdeu-se contato com o escritório na Polônia. Depois de começar a Segunda Guerra Mundial, a organização passou a operar às ocultas. Os irmãos se reuniam em pequenos grupos, chamados círculos, e continuaram seu ministério com mais cautela.
Mais tarde, os exércitos nazistas invadiram a Ucrânia. Durante a ocupação alemã, o clero começou a incitar as massas contra os servos de Jeová. Houve atroz perseguição na Galícia. As janelas das casas de Testemunhas de Jeová foram despedaçadas e muitos irmãos foram severamente espancados. No inverno, alguns irmãos foram forçados a ficar de pé em água fria por horas a fio por se recusarem a fazer o sinal da cruz. Algumas irmãs receberam 50 golpes com pedaços de pau. Diversos irmãos morreram mantendo a sua integridade. Por exemplo, a Gestapo executou Illia Hovuchak, ministro de tempo integral da região dos montes Cárpatos. Um sacerdote católico entregou o irmão Hovuchak à Gestapo porque ele pregava zelosamente a respeito do Reino de Deus. Foi um período de duras provações. Contudo, os servos de Jeová continuaram firmes.
As Testemunhas de Jeová ajudavam umas às outras, embora muitas vezes fosse perigoso fazer isso. Na cidade de Stanislav (agora Ivano-Frankovsk), uma mulher de origem judaica e suas duas filhas tornaram-se Testemunhas de Jeová. Elas moravam num gueto judeu. Os irmãos ficaram sabendo que os nazistas planejavam executar todos os judeus daquela cidade, de modo que organizaram a fuga das três irmãs. Arriscando a própria vida, as Testemunhas esconderam as irmãs judias pelo inteiro período da guerra.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os irmãos na Ucrânia ocidental perderam temporariamente contato com a organização e não sabiam ao certo que rumo tomar. Alguns achavam que o começo da Segunda Guerra Mundial era o início do Armagedom. Esse ensinamento causou por algum tempo equívocos entre os irmãos.
Sementes que brotaram no campo de batalha
A Segunda Guerra Mundial trouxe tristeza e ruína à Ucrânia. Por três anos, o país transformou-se num enorme campo de batalha. Ao passo que a zona de batalha se mudava por todo o território da Ucrânia, primeiro para o leste e depois de volta para o oeste, muitas cidades e vilas foram completamente destruídas. Cerca de dez milhões de cidadãos ucranianos foram mortos durante aqueles anos, incluindo cinco milhões e meio de civis. Em meio aos horrores da guerra, muitos ficaram desiludidos com a vida e deixaram de lado os princípios morais. Entretanto, mesmo nessas circunstâncias, alguns aprenderam a verdade.
No ano de 1942, Mykhailo Dan, um rapaz da Transcarpática que apreciava ouvir as Testemunhas de Jeová antes da Segunda Guerra Mundial, foi convocado para o serviço militar. Durante um exercício militar, um sacerdote católico distribuiu entre os soldados uma brochura religiosa que continha a promessa de vida no céu para quem matasse pelo menos um comunista. Esta informação deixou o jovem soldado intrigado. Na guerra, ele viu um clérigo matar pessoas. Isto o ajudou a convencer-se de que as Testemunhas de Jeová estavam com a verdade. Depois da guerra, ele voltou para casa, encontrou as Testemunhas de Jeová e foi batizado no fim do ano de 1945.
Mais tarde, o irmão Dan suportou os horrores das prisões soviéticas. Depois de ser posto em liberdade, ele foi designado ancião e serve agora como superintendente presidente numa das congregações na Transcarpática. Lembrando a brochura já mencionada, com ironia ele diz: “Não matei nenhum comunista. Portanto, não espero ter vida no céu, mas espero ansiosamente viver para sempre no Paraíso na Terra.”
Um solo fértil que produz frutos nos campos de concentração
Conforme mencionado no início, um solo rico tem potencial para produzir safras abundantes. Portanto, durante a ocupação por parte da Alemanha nazista, a fértil terra negra foi retirada da Ucrânia. Vagões de carga, um após outro, foram enchidos de solo fértil da Ucrânia central e mandados para a Alemanha.
Entretanto, outros vagões de carga continham o que mais tarde se tornou por assim dizer um solo fértil. Cerca de dois milhões e meio de homens e mulheres jovens foram levados da Ucrânia à Alemanha para trabalhos forçados. Um número considerável deles foi mais tarde mandado para campos de concentração. Ali chegaram a conhecer Testemunhas de Jeová alemãs que estavam presas por causa de sua neutralidade cristã. Nem mesmo nos campos de concentração as Testemunhas deixaram de compartilhar com outros as boas novas tanto em palavras como pela sua conduta. Uma prisioneira relembra: “As mulheres Testemunhas eram diferentes das demais no campo de concentração. Tinham disposição amistosa e otimista. Sua conduta mostrava que tinham uma coisa muito importante a dizer às outras presas.” Durante aqueles anos, muitos da Ucrânia aprenderam a verdade ouvindo as Testemunhas alemãs que estavam com eles nos campos de concentração.
Anastasiya Kazak conheceu a verdade no campo de concentração de Stutthof, na Alemanha. Quando terminou a guerra, várias centenas de presos, incluindo Anastasiya e 14 Testemunhas de Jeová, foram transportadas numa barcaça para a Dinamarca, onde os irmãos dinamarqueses as procuraram e cuidaram de suas necessidades físicas e espirituais. Naquele mesmo ano, Anastasiya foi batizada aos 19 anos de idade num congresso em Copenhague e voltou à Ucrânia oriental, onde ela trabalhou zelosamente para lançar sementes da verdade. Mais tarde, por causa de sua atividade de pregação, a irmã Kazak foi novamente presa por um período de 11 anos.
Eis o conselho dela aos jovens: “O que quer que lhes aconteça na vida — tribulação, oposição ou outras dificuldades — não desistam jamais. Continuem a pedir ajuda a Jeová. Conforme pude ver, ele nunca abandona os que o servem.” — Sal. 94:14.
Provações durante a guerra
A guerra é dura e cruel, trazendo dificuldades, sofrimentos e morte tanto a soldados como a civis. As Testemunhas de Jeová não são poupadas das tristes conseqüências da guerra. Mas, embora estejam no mundo, não fazem parte dele. (João 17:15, 16) Imitando seu Líder, Jesus Cristo, elas mantêm estrita neutralidade política. Para as Testemunhas na Ucrânia, como em outras partes, essa determinação as tem destacado como genuínos cristãos. E, ao passo que o mundo honra seus heróis de guerra, vivos e mortos, Jeová honra os que com bravura mostram a sua lealdade a ele. — 1 Sam. 2:30.
Em fins de 1944, as tropas soviéticas retomaram a Ucrânia ocidental e anunciaram um recrutamento militar em massa. Nessa mesma época, grupos de guerrilheiros ucranianos lutaram contra as tropas alemãs e as tropas soviéticas. A população da Ucrânia ocidental foi pressionada a se juntar aos guerrilheiros. Tudo isso representou novas provações para os servos de Jeová na questão da neutralidade. Por se recusarem a lutar, diversos irmãos foram executados.
Ivan Maksymiuk e seu filho Mykhailo aprenderam a verdade com Illia Hovuchak. Durante a guerra, recusaram-se a pegar em armas, por isso foram detidos pelos guerrilheiros. Algum tempo antes, esses guerrilheiros haviam prendido também um soldado soviético. Os guerrilheiros ordenaram a Ivan Maksymiuk que matasse o soldado cativo, dizendo que, se fizesse isso, eles o poriam em liberdade. Quando o irmão Maksymiuk se recusou, eles o mataram sadicamente. Seu filho Mykhailo foi morto do mesmo modo, assim também Yurii Freyuk e Mykola, seu filho de 17 anos.
Outros irmãos foram executados por recusarem juntar-se ao exército soviético. (Isa. 2:4) Ainda outros foram sentenciados a dez anos de prisão. Os irmãos presos tinham bem pouca chance de sobrevivência, pois, durante o período pós-guerra na Ucrânia, até mesmo os que estavam em liberdade morriam de fome. Em 1944, Michael Dasevich foi preso por causa de sua neutralidade. Antes de ficar preso por dez anos, ficou sob investigação por seis meses, o que o deixou totalmente esgotado. As autoridades médicas da prisão prescreveram-lhe uma “dieta de alto teor calórico”. Assim, a equipe da cozinha da prisão começou a acrescentar uma colher de chá de óleo na sua porção de papa — o único alimento que lhe concediam. O irmão Dasevich sobreviveu e serviu como membro da comissão do país na URSS por 23 anos e, mais tarde, como membro da comissão do país na Ucrânia.
Em 1944, sete irmãos de uma congregação na Bucovina recusaram-se a prestar serviço militar e cada um deles foi sentenciado a três ou quatro anos de detenção. Quatro destes morreram de fome na prisão. Naquele mesmo ano, cinco irmãos de uma congregação vizinha foram sentenciados a dez anos de detenção num campo de prisão na Sibéria. Só um voltou para casa — os outros morreram ali.
O Anuário de 1947 (em inglês) comentava esses eventos como se segue: “Quando, em 1944, o monstro nazista avançou para o oeste, toda pessoa capaz . . . foi mobilizada na Ucrânia ocidental para levar a guerra a um término favorável para a Rússia. De novo nossos irmãos mantiveram inviolável o pacto eterno e sua neutralidade. Alguns perderam a vida por causa de sua fidelidade ao Senhor e outros — dessa vez bem mais de 1.000 — foram novamente levados ao leste, às vastas planícies deste imenso continente.”
Apesar desse grande deslocamento, as Testemunhas de Jeová continuaram a crescer em número. No ano de 1946, a assistência à Comemoração na Ucrânia ocidental foi de 5.218 pessoas, incluindo quatro dos ungidos.
Alívio temporário
Depois de terminar a Segunda Guerra Mundial, os irmãos — que haviam suportado todas essas dificuldades e permanecido leais a Deus — pregaram uma vibrante mensagem de esperança e encorajamento aos que retornaram dos campos de batalha. Soldados e prisioneiros de guerra voltaram para casa desiludidos, mas ansiosos por encontrar um objetivo na vida. Conseqüentemente, muitos aceitaram com alegria a verdade da Bíblia. Por exemplo, em fins de 1945, na pequena cidade de Bila Tserkva, Transcarpática, 51 pessoas foram batizadas no rio Tisza. No fim do ano, havia 150 publicadores nessa congregação.
Naquela época, desenvolvera-se ódio entre os ucranianos e os poloneses na Ucrânia ocidental e na Polônia oriental. Formaram-se várias gangues ucranianas e polonesas. Em alguns casos, essas gangues assassinaram os habitantes de vilarejos inteiros onde moravam representantes da outra nacionalidade. Infelizmente, alguns irmãos morreram nesses massacres.
Mais tarde, por meio de um acordo entre a União Soviética e a Polônia, aproximadamente 800.000 poloneses da Ucrânia ocidental foram levados para a Polônia e uns 500.000 ucranianos da Polônia oriental foram mandados para a Ucrânia. Havia entre os migrantes muitas Testemunhas de Jeová. Congregações inteiras foram deslocadas, e os irmãos receberam novas designações teocráticas, considerando essa repatriação como uma possibilidade para pregarem em novos territórios. O Anuário de 1947 (em inglês) comentava: “Todos esses deslocamentos contribuíram para a verdade ser divulgada de modo rápido em regiões que em tempos normais dificilmente seriam alcançadas. Assim, até mesmo todas essas circunstâncias infelizes desempenharam seu papel na glorificação do nome de Jeová.”
Quando foram fechadas as fronteiras ocidentais da Ucrânia, os irmãos tomaram providências para organizar as atividades das Testemunhas de Jeová na Ucrânia e nas outras repúblicas da URSS. Pavlo Ziatek havia sido designado para servir como servo do país para a Ucrânia e para as demais partes da União Soviética. Mais tarde, dois outros irmãos zelosos, Stanislav Burak e Petro Tokar, foram designados para o ajudarem. Morando ocultamente na casa de uma irmã cristã em Lvov, eles imprimiam publicações para que o alimento espiritual pudesse ser fornecido à inteira URSS. Com grande risco, as publicações eram trazidas da Polônia para serem traduzidas e impressas em Lvov. De tempos a tempos, diversos irmãos e irmãs conseguiam obter permissão de visitar parentes na Polônia e, ao retornarem, traziam secretamente nossas publicações. Por certo tempo, um maquinista de trem transportava publicações numa caixa de metal escondida dentro de uma caldeira a vapor!
No fim de 1945, o irmão Ziatek foi detido e sentenciado a dez anos de prisão. No lugar dele, o irmão Burak tornou-se servo do país.
De novo a perseguição
Em junho de 1947, enquanto um irmão carregava publicações impressas para entregar aos irmãos, foi interceptado na rua em Lvov e detido. O serviço de segurança apresentou-lhe a proposta de registrar legalmente a nossa organização se ele fornecesse o endereço das Testemunhas a quem ele entregava regularmente publicações impressas. O irmão, na confiança, forneceu o endereço de quase 30 irmãos, do irmão Burak inclusive, servo do país na época. Mais tarde, todos foram presos. Esse irmão se arrependeu sinceramente e reconheceu que sem merecimento tinha confiado no serviço de segurança.
Os irmãos detidos foram levados a uma prisão em Kiev para mais investigações e audiências em tribunal. Pouco depois, o irmão Burak morreu na prisão. Antes de ser detido, o irmão Burak conseguira entrar em contato com o servo de distrito, Mykola Tsyba, da região da Volínia, e passar para ele a supervisão da obra na Ucrânia e nas outras partes da União Soviética.
Era a primeira vez que, com um só golpe, o serviço de segurança soviético prendia tantos irmãos em posições de responsabilidade, bem como outros que trabalhavam nas gráficas ocultas. As autoridades da URSS consideravam nossas publicações anti-soviéticas. As Testemunhas de Jeová foram acusadas falsamente de atividade que perturbava a ordem social do país, e muitas foram condenadas à morte. Entretanto, as sentenças de morte foram substituídas por 25 anos em campos de prisão.
Os irmãos foram condenados a cumprir seus termos de prisão na Sibéria. Quando perguntaram a um advogado sobre o motivo de serem mandados para tão longe, por brincadeira ele respondeu: “Provavelmente, vocês precisam pregar ali a respeito de seu Deus.” Mais tarde essas palavras realmente se cumpriram!
No período entre 1947 e o fim de 1951, muitos irmãos em posições de responsabilidade foram presos. As Testemunhas de Jeová eram detidas não só porque imprimiam publicações, mas também porque não prestavam serviço militar, não votavam nas eleições nem inscreviam seus filhos nas organizações Liga Pioneira ou Komsomol (União Comunista da Juventude). O mero fato de alguém ser Testemunha de Jeová era motivo suficiente para ser preso. Muitas vezes, testemunhas falsas prestavam depoimentos nos tribunais. Em geral, eram vizinhos ou colegas que haviam sido intimidados ou subornados pelo serviço de segurança.
Às vezes, as autoridades governamentais mostravam-se favoráveis, embora não abertamente. Ivan Symchuk foi detido e lançado numa solitária por seis meses. Ali, o silêncio era total; não se ouvia nem barulho de rua. Depois disso, ele foi levado perante o tribunal. Entretanto, o investigador o ajudou dizendo-lhe como responder: “Não diga nada sobre de onde e de quem obteve máquinas de escrever e publicações! Não responda a essas perguntas!” E, ao ser levado aos interrogatórios, o investigador lhe dizia: “Ivan, não desista! Não desista, Ivan!”
Em alguns vilarejos, as Testemunhas de Jeová não tinham permissão de usar cortinas nas janelas de suas casas. Exigia-se isso para que vizinhos e policiais pudessem ver facilmente se as Testemunhas estavam lendo suas publicações ou realizando reuniões. Contudo, os irmãos encontraram meios para se alimentar espiritualmente. Às vezes, a “tribuna” do dirigente do Estudo de A Sentinela era excepcional. Ao dirigir e ler A Sentinela, o irmão ficava sentado debaixo de uma mesa coberta com uma toalha que chegava até o chão. A “assistência” se sentava em volta da mesa, ouvindo atentamente e fazendo seus comentários. Ninguém suspeitaria que as pessoas em volta da mesa estavam desfrutando uma reunião religiosa!
Testemunho perante tribunais
Mykhailo Dan, já mencionado, foi detido no fim de 1948. Nessa época, ele estava casado, tinha um filho de um ano de idade e a esposa estava esperando outro bebê. Durante o julgamento, o promotor público exigiu 25 anos de prisão. O irmão Dan, na sua última declaração dirigida aos juízes, usou as palavras de Jeremias 26:14, 15: “Eis que estou na vossa mão. Fazei-me segundo o que for bom e segundo o que for direito aos vossos olhos. Tão-somente deveis acima de tudo saber que, se me entregardes à morte, é sangue inocente que poreis sobre vós mesmos, e sobre esta cidade, e sobre os seus habitantes, pois, em verdade, Jeová deveras me enviou para falar aos vossos ouvidos todas estas palavras.” Este aviso teve um efeito sobre os juízes. Eles ponderaram e proferiram a decisão: dez anos de prisão e cinco anos de exílio em regiões remotas da Rússia.
O irmão Dan foi acusado de trair a pátria. Quando ficou sabendo disso, ele disse aos juízes: “Nasci na Ucrânia sob o governo tcheco e mais tarde vivi sob o domínio da Hungria; agora a União Soviética veio ao nosso território e sou de nacionalidade romena. Que pátria eu traí?” Naturalmente, esta pergunta ficou sem resposta. Depois do julgamento, o irmão Dan recebeu a alegre notícia do nascimento de sua filha. Isto o ajudou a suportar todas as indignidades das prisões e dos campos na Rússia oriental. Em fins dos anos 40, muitos irmãos da Ucrânia, Moldávia e Belarus morreram de fome nas prisões soviéticas. O próprio irmão Dan perdeu 25 quilos.
Perseguição contra irmãs na Ucrânia
Não só irmãos foram perseguidos e condenados pelo regime soviético a cumprir longos termos de prisão; irmãs também foram tratadas do mesmo modo brutal. Por exemplo, Mariya Tomilko aprendeu a verdade no campo de concentração de Ravensbrück durante a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, ela voltou à Ucrânia e pregou na cidade de Dnepropetrovsk. Por causa de sua atividade de pregação, ela foi sentenciada em 1948 a 25 anos num campo de prisão.
Outra irmã, que foi condenada a 20 anos num campo de prisão, recorda-se: “Durante o inquérito judicial, fui colocada numa cela com muitas criminosas. Mas não fiquei com medo delas e preguei a essas mulheres. Para a minha surpresa, elas me escutaram atentamente. A cela estava apinhada de gente. Dormíamos todas no chão como sardinhas em lata. Durante o sono, o único modo de nos virar era todas juntas ao mesmo tempo e quando se combinava fazer isso.”
Em 1949, um líder batista na cidade de Zaporozh’ye forneceu ao serviço de segurança local informações contra cinco de nossas irmãs, que foram então detidas. Elas foram acusadas de agitação anti-soviética e sentenciadas a 25 anos nos campos de prisão. Todos os seus bens foram confiscados. Por sete anos, até que lhes foi concedida uma anistia, cumpriram suas penas de prisão no extremo norte da Rússia. Lydia Kurdas, uma dessas irmãs, recorda-se: “Tínhamos permissão de escrever apenas duas cartas por ano para nossa família, e essas cartas eram minuciosamente censuradas. Durante todo esse tempo, não tínhamos nenhuma publicação.” Contudo, elas permaneceram fiéis a Jeová e continuaram a pregar as boas novas do Reino.
Ajuda aos irmãos na Moldávia
Mesmo nesses tempos difíceis, as Testemunhas de Jeová mostraram amor entre si. Em 1947, houve uma severa fome no país vizinho da Moldávia. Os irmãos da Ucrânia, apesar de serem eles mesmos pobres, cuidaram imediatamente das necessidades de seus concrentes na Moldávia, enviando-lhes farinha. Testemunhas da Ucrânia ocidental convidaram diversas Testemunhas da Moldávia a se hospedar em suas casas.
Um irmão que morava na Moldávia nessa época relembra: “Como órfão, eu devia receber do governo 200 gramas de pão por dia. Mas, por não pertencer à Liga Pioneira, eu não recebia. Ficamos muito felizes quando os irmãos da Ucrânia ocidental nos enviaram farinha, suficiente para cada publicador receber quatro quilos.”
Tentativa de obtenção de registro legal na URSS
Em 1949, três anciãos da região da Volínia (Mykola Pyatokha, Ilya Babijchuk e Mykhailo Chumak) fizeram requerimento para registro legal de nossa obra. Logo depois, o irmão Chumak foi preso. Um dos dois irmãos que restaram, Mykola Pyatokha, relembra que, quando o requerimento foi enviado pela primeira vez, não veio resposta. Portanto, encaminhou-se a Moscou um segundo requerimento. Os documentos foram transferidos para Kiev. As autoridades ali concederam aos irmãos uma audiência e disseram-lhes que o registro seria possível, mas só se as Testemunhas de Jeová cooperassem com elas. Os irmãos, naturalmente, não concordaram em transigir em sua neutralidade. Logo, esses dois irmãos foram também detidos e sentenciados a 25 anos cada um em campos de prisão.
Num memorando especial enviado de Moscou às autoridades locais na Volínia, declarava-se que o “culto” religioso das Testemunhas de Jeová era “um movimento definitivamente anti-soviético e não passível de registro”. Ordenou-se ao chefe do Escritório de Assuntos Religiosos da localidade que vigiasse as Testemunhas de Jeová e as denunciasse ao serviço de segurança do Estado.
Líderes religiosos cooperam com as autoridades governamentais
Em 1949, um líder batista na Transcarpática apelou para as autoridades governamentais, queixando-se de que as Testemunhas estavam convertendo seu rebanho. Em resultado disso, Mykhailo Tilniak, um ancião na congregação local, foi detido e condenado a dez anos de prisão. A esposa foi deixada em casa com dois filhos pequenos.
Essas ações por parte de líderes religiosos ajudaram pessoas sinceras a entender e a valorizar a obra das Testemunhas de Jeová. Em 1950, uma moça batista, Vasylyna Biben, da Transcarpática, ficou sabendo que o clérigo de sua igreja havia informado as autoridades sobre a atividade de duas Testemunhas em sua comunidade. As Testemunhas foram presas e condenadas a seis anos de prisão. Depois de serem soltas, voltaram para casa, mas não mostraram hostilidade contra o clérigo. Vasylyna entendeu que essas Testemunhas amavam realmente o próximo. Impressionada com isso, estudou a Bíblia com as Testemunhas e foi batizada. Ela diz: “Sou grata a Jeová por ter encontrado o caminho que conduz à vida eterna.”
Mandados para o exílio na Rússia
As verdades bíblicas proclamadas pelas Testemunhas de Jeová eram incompatíveis com a ideologia ateísta do regime comunista. Como estavam bem organizadas, as Testemunhas imprimiam e distribuíam secretamente publicações que promoviam o Reino de Deus. Além disso, divulgavam ensinamentos bíblicos a vizinhos e parentes. Entre 1947 e 1950, as autoridades prenderam mais de 1.000 Testemunhas. Apesar disso, os irmãos continuaram a aumentar em número. De modo que, em 1951, as autoridades prepararam secretamente um plano que achavam que esmagaria os servos de Deus. Mandariam as Testemunhas que restavam para o exílio, a 5.000 quilômetros de distância, em direção do leste, bem longe na Sibéria, Rússia.
Em 8 de abril de 1951, mais de 6.100 Testemunhas foram mandadas da Ucrânia ocidental para o exílio na Sibéria. De manhã cedo, chegaram caminhões com soldados à casa de cada Testemunha e deram o prazo de apenas duas horas para a família arrumar seus pertences para a viagem. Só podiam ser levados objetos de valor e de uso pessoal. Todos os que se achavam em casa foram exilados — homens, mulheres e crianças. Ninguém foi poupado por ter idade avançada ou condição física precária. Velozmente, num só dia, foram conduzidos para dentro de vagões de carga e mandados para a Sibéria.
Os que não estavam em casa ficaram e as autoridades não os procuraram. Alguns submeteram requerimentos oficiais às autoridades para se juntarem a suas famílias exiladas. As autoridades não responderam a tais requerimentos, tampouco informaram para onde os parentes haviam sido mandados.
Além das Testemunhas na Ucrânia, outras foram exiladas da Moldávia, de Belarus ocidental, da Lituânia, da Letônia e da Estônia. Ao todo, cerca de 9.500 Testemunhas foram exiladas dessas seis repúblicas. Foram mandadas com escolta militar em vagões fechados, que as pessoas chamavam de estábulos, visto que esses vagões eram normalmente usados só para transportar gado.
Nenhuma das Testemunhas sabia para onde elas estavam sendo levadas. Durante a longa viagem, oravam, entoavam cânticos e ajudavam umas às outras. Alguns estenderam panos do lado de fora dos vagões, identificando-se com as palavras: “Somos Testemunhas de Jeová da região da Volínia” ou “Somos Testemunhas de Jeová da região de Lvov”. Nas paradas em estações ferroviárias ao longo do percurso, viam trens similares de outras regiões da Ucrânia ocidental com faixas parecidas. Isso ajudou os irmãos a entender que Testemunhas de outras regiões também estavam sendo exiladas. Esses “telegramas” fortaleceram os irmãos durante sua viagem de trem, que durou duas a três semanas, até a Sibéria.
Esse deslocamento era considerado um exílio permanente. O plano era nunca permitir às Testemunhas de Jeová deixar a Sibéria. Elas tinham de se apresentar regularmente nos postos locais de registro, embora não estivessem numa prisão. Se alguém deixasse de fazer isso, era sentenciado a diversos anos de prisão.
Na chegada, algumas Testemunhas simplesmente foram despejadas na floresta e receberam machados para cortar árvores e providenciar suas próprias acomodações e meios de subsistência. Para sobreviverem durante os primeiros invernos, muitas vezes tinham de escavar o solo e fazer abrigos primitivos, nos quais colocavam cobertura de torrões de terra gramada.
Hryhorii Melnyk, que serve agora como ancião na Criméia, recorda-se: “Depois de minha irmã ser presa em 1947, freqüentemente eu era levado pelas autoridades a interrogatórios. Batiam em mim com cassetetes de madeira. Diversas vezes, fizeram-me ficar de pé encostado numa parede por 16 horas. Faziam tudo isto para me forçar a apresentar evidência falsa contra minha irmã mais velha que era Testemunha de Jeová. Eu tinha 16 anos. Por me recusar a testemunhar contra ela, as autoridades locais não gostavam de mim e queriam acabar comigo.
“Portanto, quando chegou o ano de 1951, eu, meus dois irmãos mais novos e minha irmã mais nova fomos mandados para o exílio na Sibéria, apesar de sermos órfãos. Nossos pais já tinham morrido e meu irmão mais velho e minha irmã mais velha estavam cumprindo sentenças de dez anos de prisão. Aos 20 anos de idade, eu arcava com a responsabilidade de cuidar de meus dois irmãos e minha irmã, que eram mais jovens.
“Lembro-me muitas vezes dos dois primeiros anos na Sibéria, quando subsistíamos apenas de batata e chá. Tomávamos o chá em pratos de sopa, pois naquela época xícaras eram artigos de luxo. Mas, em sentido espiritual, eu me sentia muito bem. Nos primeiros dias depois de nossa chegada, comecei a dirigir reuniões públicas. Mais tarde, começamos também a realizar a Escola do Ministério Teocrático. Não era fácil para mim a incumbência de tais responsabilidades, por causa do serviço braçal muito cansativo que tinha de fazer para cuidar de meus irmãos e minha irmã, que eram mais jovens.” Apesar dessas dificuldades, a família Melnyk manteve sua fidelidade a Jeová e à Sua organização.
Com o objetivo de impedir a comunicação entre as Testemunhas de Jeová que logo iriam chegar e o povo local, as autoridades da Sibéria espalharam o boato de que chegariam canibais à Sibéria. Depois da chegada de um grupo de Testemunhas, estas tiveram de esperar alguns dias para serem colocadas em moradias nos vilarejos locais. Assim, sentaram-se ao ar livre à beira do rio Chulim, que estava congelado. Embora fosse meados de abril, ainda havia muita neve no solo. Os irmãos fizeram uma grande fogueira, aqueceram-se, entoaram cânticos, oraram e relataram experiências de suas viagens. Para a sua surpresa, nenhum dos moradores locais se aproximou deles. Em vez disso, fecharam todas as portas e janelas das casas, não convidando as Testemunhas a entrar. No terceiro dia, os mais valentes do vilarejo, munidos de machados, aproximaram-se das Testemunhas e começaram a conversar. No início, pensavam realmente que haviam chegado canibais! Mas logo ficaram sabendo que isto não era verdade.
Em 1951, as autoridades também planejaram exilar as Testemunhas da Transcarpática. Até trouxeram vagões de carga vazios. Entretanto, a decisão de exilar os irmãos foi cancelada por algum motivo desconhecido. A Transcarpática veio a ser a principal região onde se produziam publicações para a inteira União Soviética durante a proscrição.
Uma união que continua
Visto que a maioria dos irmãos havia sido mandada para o exílio na Sibéria, muitos dos que ficaram perderam contato com a organização. Por exemplo, Mariya Hrechyna, de Chernovtsy, passou mais de seis anos sem contato com a organização ou com concrentes. Contudo, ela continuou a confiar em Jeová e permaneceu fiel. De 1951 até meados dos anos 60, estando a maioria dos irmãos presos ou exilados, foi necessário as irmãs tomarem a liderança em muitas congregações.
Michael Dasevich, testemunha ocular desses eventos, relembra: “O exílio na Sibéria não me atingiu diretamente, porque, quando as listas dos que seriam exilados foram preparadas, eu ainda estava na Rússia, cumprindo uma pena de prisão. Logo depois de eu voltar à Ucrânia, a maioria das Testemunhas da minha região foi mandada para a Sibéria. Portanto, tive de procurar as Testemunhas individuais que haviam perdido o contato com a organização e organizá-las em grupos de estudo de livro e em congregações. Comecei assim a desincumbir-me das responsabilidades de um superintendente de circuito, embora não houvesse ninguém que me designasse para esse serviço. Eu visitava mensalmente todas as congregações, recolhia os relatórios e distribuía de uma congregação para outra as publicações que ainda possuíamos. Muitas vezes, nossas irmãs faziam o serviço de servos de congregação e, em algumas regiões, elas cumpriam responsabilidades de servos de circuito, visto que não havia irmãos disponíveis. Por motivos de segurança, realizávamos todas as reuniões de servos de congregação do nosso circuito nos cemitérios, à noite. Sabíamos que as pessoas em geral tinham medo dos mortos, de modo que tínhamos certeza de que ninguém viria perturbar-nos. Em geral, falávamos em voz bem baixa nessas reuniões. Certa vez, sussurramos um pouco alto demais, e dois homens que estavam passando ao lado do cemitério saíram correndo o mais rápido possível. Devem ter pensado que os mortos estavam falando!”
Após o exílio de 1951, Mykola Tsyba, servo do país na época, continuou a trabalhar secretamente num lugar subterrâneo, imprimindo publicações bíblicas. Em 1952, o serviço de segurança descobriu onde ele se encontrava, resultando em ele ser preso e ficar encarcerado por muitos anos. O irmão Tsyba permaneceu fiel até sua morte em 1978. Além do irmão Tsyba, diversos outros irmãos que o ajudavam também foram presos.
Nessa época, os irmãos não tinham contato com o exterior. Em resultado disso, não conseguiam receber as publicações correntes em tempo. Certa vez, alguns irmãos conseguiram obter um suprimento das revistas A Sentinela em romeno, dos anos de 1945 a 1949. Irmãos locais as traduziram para o ucraniano e para o russo.
As Testemunhas na Ucrânia que não haviam sido exiladas ou presas mostravam profunda preocupação pelos seus concrentes. Fizeram grandes esforços para compilar uma lista dos que estavam presos, a fim de lhes mandarem agasalhos, mantimentos e publicações. Por exemplo, as Testemunhas de Jeová na Transcarpática mantiveram contato com irmãos em 54 campos de prisão em toda a União Soviética. Muitas congregações fizeram uma caixa adicional de contribuições, chamada “Para boas esperanças”. O dinheiro coletado nessa caixa era usado para ajudar os que estavam presos. Quando calorosas cartas de agradecimentos, junto com relatórios de serviço de campo, eram recebidas das prisões e dos campos, isso era um grande encorajamento para aqueles fiéis e abnegados irmãos que estavam em liberdade.
Uma melhora das condições
Após a morte do primeiro-ministro soviético Joseph Stalin, melhorou a atitude para com as Testemunhas de Jeová. A partir de 1953, proclamou-se uma anistia na URSS, resultando na soltura de alguns irmãos das prisões. Mais tarde, foi formada a Comissão do Estado que analisou as sentenças de prisão. Em resultado disso, muitos irmãos foram postos em liberdade, ao passo que, no caso de outros, seus termos de prisão foram reduzidos.
Ao longo dos anos que se seguiram, a maioria das Testemunhas presas foi posta em liberdade. Mas a anistia não se aplicava aos exilados em 1951. Em algumas prisões e campos de prisão, o número dos que se haviam tornado Testemunhas de Jeová era maior do que o número de Testemunhas que haviam sido enviadas para lá. Esse crescimento encorajou os irmãos e os convenceu de que Jeová os havia realmente abençoado por permanecerem firmes durante aquele período.
Depois de serem postos em liberdade, muitos irmãos puderam voltar para a sua terra natal. Fez-se grande esforço para encontrar as Testemunhas que haviam perdido contato com a organização. Volodymyr Volobuyev, que morava na região de Donetsk, relembra: “Até a minha nova detenção em 1958, pude encontrar e ajudar aproximadamente 160 Testemunhas que haviam ficado sem contato com a organização.”
A proclamação da anistia não significou que os irmãos tivessem recebido mais liberdade para pregar. Muitos irmãos e irmãs foram postos em liberdade, mas logo foram sentenciados de novo a longos termos de prisão. Por exemplo, por ocasião da anistia de março de 1955, Mariya Tomilko, de Dnepropetrovsk, havia cumprido apenas 8 anos de sua sentença de 25 anos de prisão. Entretanto, três anos mais tarde, ela foi condenada de novo a dez anos de prisão e a cinco anos de exílio. Por quê? Sua sentença de tribunal rezava: “Ela conservou e leu publicações e manuscritos de matéria jeovista”, e “realizou uma obra ativa, divulgando crenças jeovistas entre seus vizinhos”. Sete anos mais tarde, ela foi posta em liberdade por invalidez física. A irmã Tomilko suportou toda sorte de provações e tem permanecido fiel até hoje.
O amor nunca falha
As autoridades governamentais fizeram esforço especial para separar as famílias de Testemunhas de Jeová. Muitas vezes, o serviço de segurança colocava diante das Testemunhas a seguinte escolha: Deus ou a família. Na maioria dos casos, os servos de Jeová mostraram-se leais a Jeová mesmo diante das mais duras provações.
Hanna Bokoch, da Transcarpática, cujo marido, Nutsu, foi detido por causa de sua zelosa pregação, relembra: “Durante sua permanência na prisão, meu marido suportou muitos insultos maldosos. Passou seis meses numa solitária, sem ter uma cama, tendo apenas uma cadeira. Batiam nele brutalmente e privavam-no de alimento. Em poucos meses, ele ficou tão magro que pesava apenas 36 quilos, metade de seu peso normal.”
Sua fiel esposa foi deixada sozinha com a filhinha deles. As autoridades pressionaram o irmão Bokoch a transigir em sua fé e a cooperar com eles. Mandaram-lhe escolher entre a família e a morte. O irmão Bokoch não renunciou à sua fé, mas permaneceu fiel a Jeová e à Sua organização. Ele passou 11 anos em prisões e, depois de ser solto, continuou a empreender sua atividade cristã como ancião e mais tarde como superintendente de circuito até sua morte em 1988. Com freqüência, derivava força das palavras do Salmo 91:2: “Vou dizer a Jeová: ‘Tu és meu refúgio e minha fortaleza, meu Deus, em quem vou confiar.’ ”
Considere outro exemplo de grande perseverança. Yurii Popsha era superintendente viajante na Transcarpática. Dez dias depois de seu casamento, ele foi preso. Em vez de estar em lua-de-mel, passou dez anos na prisão em Mordvinia, Rússia. Sua fiel esposa, Mariya, visitou-o 14 vezes, viajando uns 1.500 quilômetros todas as vezes tanto na ida como na volta. Atualmente, o irmão Popsha serve como ancião numa das congregações locais na Transcarpática e sua amada Mariya o apóia fiel e amorosamente.
Mais um exemplo de perseverança durante provações é o casal Oleksii e Lydia Kurdas, que morava na cidade de Zaporozh’ye. Em março de 1958, o casal foi preso, 17 dias depois do nascimento da filha, Halyna. Outras 14 pessoas dessa região também foram detidas. O irmão Kurdas foi sentenciado a 25 anos em campos de prisão e a esposa, a 10 anos de prisão. Eles foram separados — Oleksii foi mandado para os campos em Mordvinia e Lydia com a filhinha, para a Sibéria.
Eis como a irmã Kurdas descreve a viagem de três semanas da Ucrânia até a Sibéria: “Foi terrível. Estávamos ali eu e minha filhinha; Nadiya Vyshniak, com seu bebê nascido na prisão apenas alguns dias antes, durante as investigações, e mais duas outras irmãs. Colocaram a nós seis numa cela de vagão de carga fechado, projetada para transportar apenas dois prisioneiros. Colocamos as crianças no beliche inferior e nós nos sentamos agachadas no beliche superior durante a viagem inteira. Subsistimos com pão, arenque seco e água. Deram alimento só para quatro presos adultos. Não deram nenhum alimento para nossos filhos.
“Quando chegamos ao nosso destino, puseram-me no hospital da prisão com meu bebê. Conheci muitas irmãs ali e disse-lhes que o investigador ameaçara tirar minha filha e mandá-la para um orfanato. De algum modo, as irmãs conseguiram contar meu problema aos irmãos locais na Sibéria. Mais tarde, Tamara Buriak (agora Ravliuk), que tinha 18 anos, veio ao hospital do campo de prisão para levar minha filha Halyna. Era a primeira vez que eu via Tamara. Foi muito angustiante entregar minha amada filhinha a uma pessoa que eu nunca havia visto antes, mesmo sendo minha irmã espiritual. Entretanto, fiquei grandemente consolada quando as irmãs no campo me falaram da lealdade da família Buriak. Meu bebê tinha cinco meses e 18 dias quando eu o entreguei aos cuidados de Tamara. Foi só sete anos depois que pude juntar-me de novo a minha filha!
“Em 1959, uma nova anistia fora proclamada pela URSS. Aplicava-se a mulheres que tinham filhos com menos de sete anos de idade. Mas as autoridades carcerárias me disseram que primeiro eu tinha de renunciar à minha fé. Não concordei com isso, de modo que fui obrigada a permanecer no campo de prisão.”
O irmão Kurdas foi solto em 1968, com 43 anos de idade. Ao todo, ele ficou 15 anos na prisão por causa da verdade, incluindo 8 anos em prisão de segurança máxima. Finalmente, voltou à Ucrânia, para junto da esposa e da filha. Enfim a família estava unida de novo. Quando Halyna conheceu o pai, sentou-se no colo dele e disse: “Paizinho! Eu não pude sentar-me no seu colo por muitos anos, agora vou recuperar o tempo que perdi.”
Depois disso, a família Kurdas mudou-se muitas vezes de um lugar para outro, pois as autoridades sempre os expulsavam de onde residiam. Primeiro, moraram na Ucrânia oriental, depois na Geórgia ocidental e em seguida na Ciscaucásia. Por fim, mudaram-se para Kharkov, onde continuam morando felizes. Halyna agora está casada. Todos eles continuam servindo fielmente a seu Deus, Jeová.
Um nobre exemplo de fé
Às vezes, duras provas de fé continuavam por meses, anos e até por décadas. Considere um exemplo. Yurii Kopos nasceu e cresceu não muito distante da bela cidade de Khust, na Transcarpática. Em 1938, aos 25 anos, tornou-se Testemunha de Jeová. Em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, foi sentenciado a oito meses de prisão por ter recusado juntar-se ao exército húngaro que apoiava o regime nazista. Na Transcarpática, as leis locais naquela época não permitiam executar presos por motivo de crença. Os irmãos eram, portanto, mandados para as linhas de frente, onde a lei nazista permitia tais execuções. Em 1942, acompanhado de uma escolta militar, o irmão Kopos, junto com outros prisioneiros, incluindo 21 outras Testemunhas de Jeová, foi mandado para as linhas de frente, perto de Stalingrado, Rússia. Eles foram mandados para lá com o fim de serem executados. Pouco depois de sua chegada, porém, o exército soviético começou a atacar, capturando as tropas militares alemãs e os irmãos também. As Testemunhas foram mandadas para um campo de prisão soviético, onde permaneceram até 1946, quando foram postas em liberdade.
O irmão Kopos voltou para casa e participou ativamente na obra de pregação no território de sua terra natal. Por causa dessa atividade, em 1950 as autoridades soviéticas o sentenciaram a 25 anos de detenção num campo de prisão. Em resultado de uma anistia, porém, ele foi solto depois de seis anos.
Agora em liberdade, o irmão Kopos, com 44 anos, planejou casar-se com Hanna Shyshko. Ela também era Testemunha e havia sido posta em liberdade depois de ter cumprido uma pena de dez anos de prisão. Eles entraram com a documentação para o casamento. Na noite antes do casamento, foram novamente detidos e sentenciados a dez anos num campo de prisão. Eles sobreviveram, porém, a todas essas provações, e seu amor suportou todas as coisas, incluindo dez anos de atraso de seu casamento. (1 Cor. 13:7) Finalmente, depois de serem soltos em 1967, eles se casaram.
Isto não é o fim de sua história. Em 1973, o irmão Kopos, já com 60 anos de idade, mais uma vez foi preso e sentenciado a cinco anos de detenção num campo de prisão e a cinco anos no exílio. Ele cumpriu a pena junto com a esposa, Hanna, em exílio na Sibéria, a 5.000 quilômetros de distância da cidade de Khust onde moravam. Não havia transporte para essa região nem por rodovia nem por ferrovia, só por via aérea. Em 1983, o irmão Kopos e a esposa voltaram à sua cidade natal em Khust. Hanna morreu em 1989, e ele continuou a servir a Jeová fielmente até sua morte em 1997. Ao todo, o irmão Kopos passou 27 anos em várias prisões, mais 5 anos no exílio — um total de 32 anos.
Este homem modesto e manso passou cerca de um terço de século em prisões e campos de trabalhos forçados soviéticos. Este extraordinário exemplo de fé mostra claramente que os inimigos não conseguem destruir a integridade dos leais servos de Deus.
Uma divisão temporária
O inimigo da humanidade, Satanás, o Diabo, emprega muitos métodos para lutar contra os que praticam a adoração verdadeira. Além de violência física, ele tenta criar dúvidas e causar dissensão entre os irmãos. Isto é em especial evidente na história das Testemunhas de Jeová na Ucrânia.
Durante os anos 50, as Testemunhas de Jeová foram continuamente importunadas. As autoridades vasculhavam sem cessar os locais onde as publicações eram impressas. Irmãos em posições de responsabilidade eram continuamente detidos. Por isso, os irmãos que estavam na dianteira da supervisão da obra eram substituídos vez após vez, até mesmo a cada poucos meses.
Vendo que as Testemunhas de Jeová não podiam ser silenciadas nem por meio de exílio, prisão, violência física nem tortura, o serviço de segurança empregou novas táticas. Tentou causar divisão na organização, semeando desconfiança entre os irmãos.
Em meados dos anos 50, o serviço de segurança de repente parou de prender os irmãos ativos que tinham posições de responsabilidade e começou a vigiá-los. Esses irmãos eram intimados a comparecer regularmente na delegacia do serviço de segurança. Ali eram informados de que receberiam dinheiro e teriam uma boa carreira se cooperassem. A recusa de cooperar resultaria em prisão e humilhação. Alguns, não tendo fé em Deus, transigiram devido ao medo ou à ganância. Permaneceram na organização, informando o serviço de segurança sobre as atividades das Testemunhas de Jeová. Também, obedeciam às instruções dadas pelas autoridades governamentais, fazendo irmãos inocentes parecer traidores aos olhos de outros irmãos fiéis. Tudo isso criou um espírito de desconfiança entre muitos irmãos.
Pavlo Ziatek sofreu tremendamente por causa de desconfiança e suspeitas sem fundamento. Este irmão humilde e zeloso passou muitos anos nos campos de prisão e devotou a vida inteira ao serviço de Jeová.
Em meados dos anos 40, o irmão Ziatek era servo do país. Foi detido e passou dez anos numa prisão na Ucrânia ocidental. Em 1956, ele foi solto e em 1957 reassumiu seu trabalho como servo do país. Além do irmão Ziatek, a comissão do país incluía oito irmãos: quatro da Sibéria e quatro da Ucrânia. Estes irmãos supervisionavam a obra de pregação do Reino em toda a URSS.
Por causa das vastas distâncias e da constante perseguição, estes irmãos não conseguiam manter uma boa comunicação nem realizar reuniões regulares. Com o tempo, espalharam-se rumores e boatos a respeito do irmão Ziatek e dos outros membros da comissão. Dizia-se que o irmão Ziatek estava cooperando com o serviço de segurança, que ele havia construído para si uma casa grande usando os fundos que deviam ser usados para promover a obra de pregação e que havia sido visto de uniforme militar. Estes relatos foram reunidos num álbum e enviados a superintendentes de distrito e de circuito na Sibéria. Nenhuma destas acusações era verdade.
Por fim, em março de 1959, alguns superintendentes de circuito da Sibéria deixaram de enviar seus relatórios de serviço de campo à comissão do país. Os que se afastaram fizeram isso sem consultar a sede. Também, não seguiam a orientação dos irmãos locais designados para prover supervisão. Isto causou uma divisão por alguns anos entre as Testemunhas de Jeová na URSS.
Os irmãos que se separaram persuadiram outros superintendentes de circuito a adotar uma posição similar. Em resultado disto, os relatórios mensais do serviço de campo de alguns circuitos foram enviados aos irmãos que se haviam separado, em vez de serem enviados à comissão designada do país. A maioria dos irmãos nas congregações não sabia que seus relatórios de serviço de campo não haviam sido recebidos pela comissão do país, de modo que a atividade das congregações não foi afetada. O irmão Ziatek viajou várias vezes para a Sibéria, e depois diversos circuitos começaram de novo a enviar seus relatórios de serviço de campo à comissão do país.
Um retorno à organização teocrática
Em 1.º de janeiro de 1961, retornando de uma viagem de serviço à Sibéria, o irmão Ziatek foi detido no trem. De novo foi sentenciado a dez anos de prisão, desta vez num campo de prisão “especial” em Mordvinia, Rússia. Por que é que esse campo era tão “especial”?
A detenção em diferentes campos de prisão fornecia aos irmãos a oportunidade de pregar a outros presos, e muitos ali se tornaram Testemunhas de Jeová. Isto aborrecia as autoridades. Por conseguinte, estas decidiram juntar as principais Testemunhas num só campo para que não pudessem pregar a outros. Perto do fim da década de 50, mais de 400 irmãos e umas 100 irmãs foram recolhidos de diferentes campos de prisão na URSS e colocados em dois campos de prisão em Mordvinia. Entre os presos, estavam irmãos da comissão do país junto com superintendentes de circuito e de distrito que se haviam separado do canal de comunicação de Jeová. Quando estes irmãos viram que o irmão Ziatek também estava preso, compreenderam que não havia muita base para crer que ele estivesse cooperando com o serviço de segurança.
Nesse ínterim, em razão de o irmão Ziatek ter sido preso, foram tomadas providências para que Ivan Pashkovskyi assumisse o serviço como servo do país. Em meados de 1961, o irmão Pashkovskyi reuniu-se com irmãos em posição de responsabilidade da Polônia e explicou que havia divisões entre os irmãos na URSS. Ele perguntou se Nathan H. Knorr, da sede em Brooklyn, podia escrever uma carta indicando que o irmão Ziatek tinha apoio. Mais tarde, em 1962, o irmão Pashkovskyi recebeu uma cópia da carta endereçada às Testemunhas de Jeová na URSS, datada de 18 de maio de 1962. Ela declarava: “As comunicações que têm chegado a mim de tempos em tempos têm indicado que vocês, irmãos na URSS, continuam a manter seu forte desejo de ser servos fiéis de Jeová Deus. Mas alguns de vocês têm tido problemas em se manter unidos com seus irmãos. Creio que isto seja devido a pouca comunicação e à deliberada circulação de histórias falsas por parte de alguns que se opõem a Jeová Deus. Portanto, escrevo para que saibam que a Sociedade reconhece o irmão Pavlo Ziatek e os irmãos que trabalham com ele como superintendentes cristãos em posição de responsabilidade na URSS. Tanto as transigências como os conceitos extremos devem ser rejeitados. Devemos ter bom senso, ser razoáveis e adaptáveis, também ser firmes a favor dos princípios divinos.”
Esta carta, junto com o fato de o irmão Ziatek estar sentenciado a dez anos de prisão, ajudou a unificar os servos de Jeová na URSS. Muitos irmãos separados que estavam nas prisões e nos campos de prisão começaram a se unir de novo com a organização. Compreenderam que o irmão Ziatek não havia traído a organização e que a sede o apoiava plenamente. Ao escreverem a suas famílias e a amigos, esses irmãos presos incentivaram os anciãos de suas congregações locais a contatar os irmãos que permaneceram fiéis e a começar a relatar sua atividade de serviço de campo. Na década seguinte, a maioria dos irmãos que se haviam separado seguiu esse conselho, embora, conforme veremos, continuasse a ser um desafio alcançar a meta da unificação.
Manter a lealdade nos campos de prisão
A vida nos campos de prisão era dura. Contudo, as Testemunhas presas muitas vezes passavam melhor do que outros presos, por causa de sua espiritualidade. Tinham publicações e se comunicavam com concrentes maduros. Tudo isso contribuía para o bom ânimo e o crescimento espiritual. Num campo de prisão, as irmãs enterravam as publicações de modo tão hábil que ninguém conseguia achá-las. Certa vez, um inspetor disse que, para acabar com todas as “publicações anti-soviéticas” daquele lugar, seria preciso escavar o solo em volta da prisão a dois metros de profundidade e peneirar a terra! As irmãs que estavam presas estudavam as revistas de modo tão cabal que até hoje, 50 anos depois, algumas delas ainda conseguem recitar trechos desses números da revista A Sentinela.
Os irmãos e as irmãs mantiveram sua lealdade a Jeová e não transigiram nos princípios bíblicos, apesar dos tempos difíceis que atravessaram. Mariya Hrechyna, que passou cinco anos nos campos de prisão por causa de sua atividade de pregação, relata o seguinte: “Quando recebemos A Sentinela que trazia o artigo ‘Inocência Mediante Respeito Pela Santidade do Sangue’, decidimos não almoçar no refeitório do campo de prisão quando se servia carne. Com freqüência, a carne servida nesses campos não havia sido sangrada devidamente. Quando o administrador da prisão ficou sabendo por que as Testemunhas recusavam-se a comer certas refeições, decidiu forçar-nos a abandonar nossos princípios. Ele ordenou que se servisse carne todos os dias no café da manhã, no almoço e no jantar. Por duas semanas, não comemos outra coisa a não ser pão. Confiávamos plenamente em Jeová, sabendo que ele vê todas as coisas e sabe até que ponto podemos agüentar. No fim da segunda semana com essa ‘nutrição’, o administrador mudou de atitude e começou a servir-nos legumes, leite e até mesmo um pouco de manteiga. Compreendemos que Jeová realmente se importa conosco.”
Ajuda para perseverar
Em comparação com outros presos, os irmãos mantinham um conceito muito positivo e confiante sobre a vida. Isto os ajudou a suportar os horríveis sofrimentos nas prisões soviéticas.
O irmão Oleksii Kurdas, que passou muitos anos nas prisões, relata: “O que me ajudou a perseverar foi a firme fé em Jeová e em seu Reino, a participação em atividades teocráticas na prisão e a oração regular. Outra coisa que me ajudou foi a convicção de que eu estava agindo dum modo que agradava a Jeová. Eu me mantinha ocupado também. Sentir tédio é horrível em todas as prisões. Pode destruir a personalidade da pessoa e causar doença mental. Portanto, eu procurava manter-me ocupado com assuntos teocráticos. Também, pedia da biblioteca da prisão quaisquer livros disponíveis sobre história geral, geografia e biologia. Procurava trechos que apoiavam meus conceitos sobre a vida. Assim, eu fortalecia minha fé.”
Em 1962, Serhii Ravliuk ficou três meses numa solitária. Não podia falar com ninguém, nem mesmo com os guardas da prisão. Para manter sua sanidade mental, ele começou a recordar todas as passagens bíblicas que conhecia. Ele se lembrava de mais de mil versículos da Bíblia e os escreveu em pedaços de papel com uma grafite de lápis. Ele guardava a grafite escondida numa fresta no chão. Lembrava também mais de 100 títulos de artigos da revista A Sentinela que estudara antes. Ele calculou a data da Comemoração para os 20 anos seguintes. Tudo isto o ajudou a perseverar não só mentalmente, mas também em sentido espiritual. Conservou viva e forte a sua fé em Jeová.
“Serviços” prestados pelos guardas da prisão
Apesar da oposição por parte do serviço de segurança, nossas publicações transpuseram todas as barreiras, chegando até mesmo aos irmãos na prisão. Os guardas da prisão estavam cientes disso e de vez em quando revistavam de modo cabal todas as celas, olhando literalmente dentro de cada fresta. Também, na tentativa de encontrarem publicações, os guardas mudavam regularmente os presos de uma cela para outra. Durante essas mudanças, os presos eram totalmente revistados e, quando se encontrava alguma publicação, ela era confiscada. Como é que os irmãos conseguiam evitar que as publicações fossem descobertas?
Geralmente, os irmãos escondiam as publicações dentro de travesseiros, colchões, sapatos e debaixo da roupa. Em alguns campos, copiavam as revistas A Sentinela à mão e com letra bem miúda. Quando os presos eram transferidos de uma cela para outra, os irmãos às vezes cobriam com plástico uma revista em miniatura e a escondiam debaixo da língua. Assim, conseguiam reter seu escasso alimento espiritual e continuavam a se alimentar espiritualmente.
Vasyl Bunha passou muitos anos na prisão por causa da verdade. Junto com seu colega de cela, Petro Tokar, fez um fundo falso numa caixa de ferramentas. Eles escondiam ali originais de publicações introduzidas secretamente na prisão. Esses irmãos eram os carpinteiros da prisão, e a caixa de ferramentas lhes era entregue quando faziam serviço de carpintaria na prisão. Quando pediam a caixa, retiravam a revista original para copiá-la. No fim do dia de trabalho, a revista era colocada de volta na caixa de ferramentas. O administrador da prisão guardava a caixa fechada a três chaves e por trás de duas portas trancadas, visto que serras, talhadeiras e outras ferramentas de carpintaria poderiam ser usadas pelos presos como armas. Por conseguinte, durante as buscas de publicações bíblicas, os guardas não pensavam em verificar a caixa de ferramentas, que era trancada e guardada entre os pertences da administração da prisão.
O irmão Bunha descobriu outro lugar para esconder os originais das publicações. Em virtude de ter vista fraca, ele tinha vários pares de óculos. Cada detento só tinha permissão de ficar com um par de óculos por vez. Os demais pares tinham de ser guardados num lugar especial, e os presos podiam solicitá-los se precisassem deles. O irmão Bunha fez estojos especiais para seus óculos e colocou neles os originais das publicações em miniatura. Quando os irmãos precisavam copiar as revistas, o irmão Bunha simplesmente pedia aos guardas da prisão que lhe trouxessem outro de seus pares de óculos.
Houve situações em que parecia que só os anjos poderiam proteger as publicações para não caírem nas mãos dos guardas da prisão. O irmão Bunha recorda-se de uma ocasião em que Cheslav Kazlauskas trouxe à prisão 20 barras de sabão. Metade delas estavam recheadas de nossas publicações. O guarda da prisão, perfurando seletivamente dez das barras de sabão, não perfurou nenhuma das que continham publicações.
Trabalho persistente de unificação
A partir de 1963, os irmãos da comissão do país puderam enviar regularmente a Brooklyn relatórios de serviço de campo. Providenciou-se também que os irmãos recebessem as publicações em microfilme. Nessa época, havia 14 circuitos em toda a URSS e 4 desses ficavam na Ucrânia. Com o aumento do número dos servos de Deus, formaram-se sete distritos na Ucrânia. Por razões de segurança, cada distrito tinha nome de mulher. O distrito da Ucrânia oriental era chamado Alla; da Volínia, Ustina; da Galícia, Lyuba; na Transcarpática, havia distritos chamados Katya, Kristina e Masha.
Nesse meio tempo, a KGB (Comitê de Segurança do Estado) continuava a fazer tentativas de quebrar a união das Testemunhas de Jeová. Um chefe de escritório da KGB escreveu a seu superior: “Com o fim de intensificar divisão na seita, estamos trabalhando para suprimir a atividade hostil dos líderes jeovistas, procurando depreciá-los aos olhos de seus correligionários e criar entre eles uma atmosfera de desconfiança. Os agentes da KGB tomaram medidas que contribuíram para dividir esta seita em dois grupos oponentes. Um grupo é composto dos seguidores do líder jeovista Ziatek, que está atualmente cumprindo pena de prisão, e o outro grupo consiste em aderentes da suposta oposição. Estas circunstâncias criaram condições favoráveis e base para dissensão ideológica entre os membros regulares e desintegração adicional das unidades organizacionais.” Em seguida, a carta admitia que os esforços da KGB estavam enfrentando dificuldades. Prosseguia, dizendo: “Os mais reacionários líderes jeovistas estão tomando providências para neutralizar nossas ações procurando de todo modo possível consolidar as unidades organizacionais.” Com efeito, os irmãos prosseguiram em levar avante a obra de unificação, e Jeová abençoou seus esforços.
A KGB apresentou aos irmãos separados uma carta falsa, supostamente do irmão Knorr, carta esta que apoiava a idéia de formar uma organização de Testemunhas de Jeová separadas e independentes. Citando o caso de separação entre Abraão e Ló como exemplo de separação permissível do canal da organização, a carta foi distribuída em toda a URSS.
Irmãos fiéis enviaram uma cópia da carta a Brooklyn e receberam uma resposta em 1971 que expunha a carta como totalmente falsa. Numa carta dirigida aos irmãos que continuavam separados dos demais servos de Deus, o irmão Knorr declarou o seguinte: “A única linha de comunicação usada pela Sociedade é aquela por meio dos superintendentes designados em seu país. Não há em seu país indivíduos autorizados a tomar a liderança entre os irmãos além dos superintendentes designados . . . Os verdadeiros servos de Jeová são um grupo unido. Portanto, espero e oro que todos retornem à união da congregação cristã sob a liderança dos superintendentes designados e que possamos ter uma participação unida em dar testemunho.”
Esta carta contribuiu muito para unificar os irmãos. Entretanto, alguns ainda procuravam estabelecer contato com a sede de modo independente, visto que ainda desconfiavam do canal de comunicação que existia. Assim, esses irmãos separados decidiram fazer um teste. Enviaram uma nota de dinheiro de dez rublos a Brooklyn e pediram aos irmãos que a cortassem em dois pedaços e enviassem ambos os pedaços de volta à Ucrânia: uma metade da nota, aos irmãos separados via correio e a outra metade, ao canal que seria usado pela sede.
Concordemente, uma metade da nota foi enviada pelo correio. A segunda metade foi levada por um mensageiro e entregue aos membros da comissão do país. Estes, por sua vez, a entregaram aos irmãos locais em posições de responsabilidade na Transcarpática, os quais foram ao encontro dos irmãos separados. Mas alguns dos irmãos separados que pensavam realmente que os membros da comissão do país estavam cooperando com o serviço de segurança continuaram desconfiando deles.
Entretanto, a maioria dos irmãos separados retornou à organização. Assim, fracassaram os esforços de Satanás e da KGB de acabar com a organização das Testemunhas de Jeová na URSS por meio de dissensão. Os servos de Jeová cresceram em número e em força, levando avante, com diligência, a obra de unificação e de plantar sementes da verdade em novos territórios.
Vasyl Kalin disse: “Eles empregaram muitos métodos para tentar suprimir nosso desejo de levar uma vida cristã. Mas nós continuamos a pregar aos exilados conosco que eram descrentes. Eles haviam sido exilados por vários motivos e por diversos crimes. Muitos mostraram interesse em nossa mensagem. Houve vários casos em que essas pessoas com o tempo se tornaram Testemunhas de Jeová. Fizeram isso apesar de saberem da perseguição que enfrentávamos tanto da parte da segurança do Estado como da administração local.”
Viver como cristão sob proscrição
Consideremos agora brevemente e de modo geral como era a atividade cristã durante as primeiras décadas da proscrição. A obra das Testemunhas de Jeová estava proibida em toda a Ucrânia a partir de 1939. Apesar disso, as atividades de pregação e congregacionais prosseguiram, embora os irmãos tivessem de usar de muita cautela para pregar. Nunca se dizia no início aos interessados que se tratava de uma visita das Testemunhas de Jeová. Muitas vezes, estudos bíblicos domiciliares eram dirigidos apenas com a Bíblia. Muitos aprenderam a verdade assim.
As reuniões congregacionais eram realizadas de forma similar. Em muitos lugares, os irmãos se reuniam diversas vezes por semana à noite ou tarde da noite. Colocavam cortinas de tecido grosso nas janelas para evitar que fossem descobertos e estudavam usando lâmpadas a querosene. Via de regra, cada congregação recebia apenas um exemplar da revista A Sentinela copiada à mão. Mais tarde, os irmãos começaram a receber revistas impressas em máquinas de duplicar. Em geral, os irmãos se reuniam duas vezes por semana em apartamentos particulares para o Estudo de A Sentinela. A KGB era inflexível na sua determinação de descobrir os lugares das reuniões das Testemunhas de Jeová para punir os irmãos em posição de responsabilidade.
Os irmãos aproveitavam também casamentos e funerais para se reunir e encorajar uns aos outros com discursos bíblicos bem preparados. Nos casamentos, muitos irmãos e irmãs jovens liam poemas sobre assuntos bíblicos e apresentavam dramas bíblicos em trajes típicos. Tudo isso dava um bom testemunho a muitos que estavam presentes e que não eram Testemunhas.
Nos anos 40 e 50, muitos dos irmãos foram detidos e encarcerados só por estarem presentes a essas reuniões. Mas, nos anos 60, a situação mudou. Quando se descobria uma reunião, o serviço de segurança geralmente fazia uma lista de todos os presentes à reunião e multava o dono da casa em meio salário mensal. Às vezes, esse procedimento chegava a um ponto absurdo. Certa vez, Mykola Kostiuk e a esposa foram visitar o filho. Imediatamente, chegou a polícia e fez uma lista de “todos os que estavam presentes”. Mais tarde, o filho do irmão Kostiuk foi intimado a pagar uma multa por causa de uma “reunião ilegal dos jeovistas”. A família Kostiuk entrou com uma ação de queixa sobre esse incidente, visto que não havia sido realizada nenhuma reunião. As autoridades cancelaram a multa.
Celebrações da Comemoração
Não era fácil enfrentar persistentes dificuldades. Contudo, os irmãos não se desanimaram e continuaram a reunir-se regularmente. O maior desafio era realizar a Comemoração. Os agentes da KGB dobravam a vigilância na época da Comemoração, pois sempre sabiam a data aproximada da celebração. Achavam que, se vigiassem as Testemunhas, descobririam os locais de reuniões da Comemoração. Assim, o serviço de segurança conseguiria “conhecer” as novas Testemunhas.
Os irmãos sabiam dessas táticas, de modo que eram extremamente cautelosos no dia da Comemoração. Realizavam a celebração em lugares difíceis de descobrir. Não se informava com antecedência aos interessados a data e o local da Comemoração. Em geral, as Testemunhas iam no dia da Comemoração às casas dos interessados e os levavam diretamente ao local da reunião.
Certa vez, os irmãos na Transcarpática realizaram a Comemoração no porão da casa de uma irmã. Visto que o porão estava alagado, ninguém pensaria que pessoas se reuniriam ali com água que dava até os joelhos. Os irmãos construíram uma plataforma acima do nível da água e tornaram o porão apresentável para a Comemoração. Embora tivessem de sentar-se agachados na plataforma sob um teto baixo, ninguém os perturbou enquanto celebravam alegremente a Comemoração.
Em outra ocasião, na década de 80, membros de uma família cristã saíram de casa de manhã cedo para assistir à Comemoração. Quase de noite, reuniram-se numa floresta com outros irmãos para a Comemoração. Chovia torrencialmente, e todos os irmãos tiveram de se juntar em círculo debaixo de guarda-chuvas, segurando velas para iluminação. Depois da oração final, todos partiram. Quando a família chegou em casa, notou os portões do quintal abertos. Era evidente que a polícia ou o serviço de segurança os havia procurado. Embora cansados e molhados, todos na família estavam felizes de terem saído de casa de manhã e de terem assistido à Comemoração, evitando confronto com as autoridades.
Era extremamente difícil para os irmãos em Kiev encontrar um local seguro para a Comemoração. Em certo ano, decidiram realizar a Comemoração sobre rodas. Um irmão trabalhava como motorista de ônibus para uma empresa de transportes, de modo que os irmãos fretaram um ônibus. O ônibus apanhou só Testemunhas de Jeová e afastou-se da cidade, indo até uma clareira na floresta. Dentro do ônibus, os irmãos puseram uma mesa pequena com os emblemas da Comemoração. Eles também tinham levado consigo alimento. De repente, apareceu a polícia. Mas os policiais não tinham motivo para molestar os irmãos, pois pareciam simplesmente estar lanchando no ônibus depois de um dia de trabalho.
Em outras regiões da Ucrânia, houve batidas da polícia nas casas dos irmãos na data da Comemoração. Logo após o pôr-do-sol, carros com três ou quatro policiais aproximavam-se das casas onde as Testemunhas de Jeová moravam. A polícia verificava se os irmãos estavam em casa ou se se aprontavam para ir a uma celebração religiosa. As Testemunhas estavam sempre preparadas para essas batidas da polícia. Vestiam roupas velhas de trabalho por cima de suas roupas de passeio e ocupavam-se com serviços domésticos comuns. Davam assim a impressão de que iam ficar em casa e que não planejavam ir a nenhuma celebração religiosa. Logo que terminava a batida da polícia, tiravam as roupas velhas e estavam prontas para ir à Comemoração. As autoridades locais ficavam satisfeitas de terem cumprido sua tarefa, e os irmãos conseguiam realizar a Comemoração em paz.
Como escondiam publicações
Lembre-se de que no fim dos anos 40, as Testemunhas de Jeová eram sentenciadas a 25 anos de prisão só por possuírem publicações em casa. Depois da morte de Stalin em 1953, as penas de prisão pela posse de publicações foram reduzidas a dez anos. Mais tarde, a posse de publicações das Testemunhas era punida com multas, e as publicações eram confiscadas e destruídas. Portanto, em todo o período da proscrição, os irmãos consideravam cuidadosamente como guardar as publicações num lugar seguro.
Alguns guardavam publicações nas casas de parentes ou de vizinhos que não eram Testemunhas; outros as enterravam em suas hortas dentro de recipientes de metal e de sacos plásticos. Vasyl Guzo, um ancião da Transcarpática, relembra que nos anos 60 ele usava uma floresta nos montes Cárpatos como “biblioteca teocrática”. Colocava suas publicações em tambores de leite, levava-os à floresta e os enterrava de modo que as tampas ficassem no nível do solo.
Um irmão que passou 16 anos em prisões por causa de suas atividades cristãs relata: “Escondíamos publicações onde quer que fosse possível: em lugares subterrâneos, na terra, dentro de paredes de edifícios, em caixas com fundo duplo e em canis com chão duplo. Escondíamos também publicações dentro de vassouras e dentro de rolos ocos de abrir massa (onde guardávamos em geral os relatórios do serviço de campo). Havia também outros lugares para esconder coisas: poços, vasos sanitários, portas, telhados e pilhas de lenha cortada.”
Gráficas secretas
Apesar dos olhares atentos dos espiões comunistas e das autoridades governamentais, o alimento espiritual continuava a ser fornecido aos que tinham fome e sede da justiça. Os inimigos da verdade não conseguiam impedir a entrada de nossas publicações na URSS, e tinham de admitir isso. No fim de 1959, o jornal soviético Gudok dos ferroviários até mesmo afirmava que as Testemunhas de Jeová usavam balões para introduzir publicações bíblicas na União Soviética!
Naturalmente, nossas publicações não entravam na Ucrânia por meio de balões. Eram reproduzidas localmente em casas particulares. Com o tempo, os irmãos perceberam que o lugar mais prático e mais seguro para imprimir publicações era um local subterrâneo bem disfarçado. Construíam subterrâneos assim em porões e nas montanhas.
Na década de 60, foi construído um desses subterrâneos na Ucrânia oriental. Tinha ventilação e eletricidade. A entrada do subterrâneo estava tão bem escondida que os policiais certa vez passaram um dia inteiro em cima do subterrâneo cutucando o chão com bastões de metal. Não descobriram nada.
Certa vez, uma gráfica secreta estava sendo rigorosamente vigiada pelos agentes do serviço de segurança. Eles desconfiavam que se imprimiam publicações em determinada casa, e queriam pegar os envolvidos. Isto representou um problema para os irmãos. Como introduzir papel na casa e como retirar de lá as publicações? Encontrou-se finalmente uma solução. Um irmão enrolava resmas de papel num cobertor de bebê e os levava para dentro da casa como se fosse um bebê. Uma vez lá dentro, depositava ali o papel, enrolava os recém-impressos números de nossas revistas no cobertor e levava esse “bebê” para fora da casa. Os agentes da KGB viam o irmão entrar e sair, mas não desconfiavam de nada.
Os irmãos na região de Donetsk, da Criméia, de Moscou e de Leningrado (agora São Petersburgo) recebiam publicações que eram impressas nesse subterrâneo. Um grupo de irmãos jovens construiu um subterrâneo similar na cidade de Novovolynsk, na região da Volínia. Esses irmãos estavam tão decididos a guardar sigilo sobre esse subterrâneo que só nove anos depois de nossa obra na Ucrânia ter sido legalizada permitiram que outros irmãos o vissem!
Uma gráfica similar também funcionava bem no interior da região dos montes Cárpatos. Os irmãos haviam canalizado a água de um córrego para dentro do subterrâneo, e a água fazia girar um pequeno gerador, produzindo assim eletricidade para iluminação, embora a impressora fosse acionada manualmente. Grande quantidade de publicações foi impressa nesse subterrâneo. Quando os agentes da KGB notaram que mais publicações estavam aparecendo na região, fizeram uma busca para descobrir a gráfica. A polícia escavou extensivamente para descobrir o subterrâneo. Os policiais até mesmo se disfarçaram em geólogos e andaram pelas montanhas.
Quando os irmãos suspeitaram que as autoridades estavam quase descobrindo o subterrâneo, Ivan Dziabko prontificou-se a cuidar da gráfica, pois não era casado e, se fosse preso, não deixaria filhos sem pai. No fim do verão de 1963, o subterrâneo foi descoberto e o irmão Dziabko foi imediatamente executado ali perto. As autoridades locais se deleitaram e fizeram um programa de visitação grátis para adultos e crianças ao “lugar onde as Testemunhas de Jeová se comunicavam com a América por radiotransmissor”. Embora esta afirmação fosse uma mentira, este triste incidente foi um testemunho a todas as pessoas na região. Muitos começaram a mostrar maior interesse pela nossa mensagem. Hoje há mais de 20 congregações nesta parte dos montes Cárpatos.
O valor da educação dada pelos pais
Além do confisco de publicações, multas, prisão, tortura e execução, algumas Testemunhas sofreram a dura experiência de seus filhos lhes serem tirados. Lydia Perepiolkina morava na Ucrânia oriental e tinha quatro filhos. O marido, que era ministro de assuntos internos, entrou com pedido de divórcio em 1964 porque Lydia era Testemunha de Jeová. O tribunal decidiu tirar da irmã Perepiolkina a guarda dos filhos. Seus filhos gêmeos de sete anos de idade — um menino e uma menina — foram entregues ao marido, que os levou para a Ucrânia ocidental, a 1.000 quilômetros de distância. O tribunal decidiu que os outros dois filhos fossem mandados para um orfanato. Quando se permitiu que Lydia se expressasse, ela disse ao tribunal: “Eu creio que Jeová tem o poder de me devolver meus filhos.”
Depois do julgamento, Lydia pôde ver a orientação de Jeová e seus cuidados. Por alguma razão desconhecida, as autoridades não mandaram os outros dois filhos para o orfanato, mas permitiram que ficassem com ela. Por sete anos consecutivos, Lydia viajou em suas férias para visitar seus outros dois filhos, os gêmeos. Embora seu ex-marido não permitisse que Lydia os visitasse, ela não desistiu. Ao chegar à cidade onde seus filhos moravam, ela passava a noite na estação ferroviária e depois ia ao encontro deles a caminho da escola. Ela usava essas preciosas oportunidades para lhes falar sobre Jeová.
Os anos passaram e Lydia lealmente ‘semeou com lágrimas’ sementes no coração de seus filhos. Mais tarde, ela pôde ‘ceifar com clamor jubilante’. (Sal. 126:5) Quando os gêmeos atingiram a idade de 14 anos, escolheram ficar com a mãe. Lydia esforçou-se muito para ensinar a verdade a seus filhos. Embora dois deles tenham escolhido outro rumo na vida, Lydia e seus filhos gêmeos servem lealmente a Jeová.
Uma mudança para melhor
Em junho de 1965, a Corte Suprema da Ucrânia decidiu que as publicações das Testemunhas de Jeová eram de natureza religiosa e não anti-soviéticas. Embora esta decisão se aplicasse apenas a um caso de tribunal, influenciou futuras decisões de tribunais em toda a Ucrânia. As autoridades governamentais pararam de prender pessoas que liam publicações bíblicas, mas continuaram a prender as Testemunhas por causa de sua atividade de pregação.
Outra mudança importante ocorreu perto do fim de 1965. O governo da URSS emitiu um decreto que ordenava soltar todas as Testemunhas que haviam sido exiladas na Sibéria em 1951. Agora elas podiam viajar livremente em toda a União Soviética, embora não pudessem reivindicar a devolução de suas casas, gado e outros pertences confiscados. Em razão de complicações sobre registros, apenas alguns puderam retornar ao seu antigo lugar de residência.
Muitos irmãos que haviam sido mandados para a Sibéria em 1951 começaram a fixar residência em diferentes partes da URSS, como Casaquistão, Quirguistão, Geórgia e Ciscaucásia. Outros se estabeleceram no leste e no sul da Ucrânia, levando sementes da verdade a essas regiões.
Firmes mesmo sob pressão
Embora as mudanças mencionadas acima fossem para melhor, a KGB não havia mudado sua atitude para com as Testemunhas de Jeová. Ela empregou diversas técnicas na tentativa de intimidá-las, para que renunciassem à sua fé. Por exemplo, um método empregado era tirar um irmão de seu local de trabalho e mantê-lo por alguns dias num escritório da KGB ou num hotel. Durante a detenção, três ou quatro membros da KGB falavam, interrogavam, procuravam persuadir com palavras enganosas e ameaçavam o irmão. Eles se revezavam em fazer isso para não deixá-lo dormir. Daí soltavam o irmão, só para detê-lo de novo um ou dois dias depois, usando a mesma tática. A KGB fez isso também com irmãs, embora com menos freqüência.
Os irmãos eram repetidamente intimados a comparecer nos escritórios da KGB. Pressionando os irmãos a renunciar à sua fé, os agentes do serviço de segurança esperavam conseguir novos colaboradores dentro da organização. Além disso, faziam pressão moral e emocional nos irmãos quando estes não concordavam em transigir em sua fé. Por exemplo, Mykhailo Tilniak, que serviu por muitos anos como superintendente de circuito na Transcarpática, relembra: “Durante uma conversa, os agentes do serviço de segurança, de uniforme militar, mostraram-se muito benevolentes e positivos. Convidaram-me para uma refeição com eles num restaurante lá perto. Mas eu simplesmente sorri para eles, coloquei 50 rublos (aproximadamente o valor de meio salário mensal) sobre a mesa e disse-lhes que podiam ir comer sem mim.” O irmão Tilniak estava bem apercebido de que eles certamente tirariam fotos dele comendo e bebendo com pessoas de uniforme militar. Essas fotos poderiam ser usadas mais tarde como “prova” de que ele havia transigido em sua fé. Isso semearia desconfiança entre os irmãos.
Para muitos, foram décadas de pressão para que renunciassem à sua fé. Bela Meysar, da Transcarpática, é um exemplo disso. Preso pela primeira vez em 1956, esse jovem inexperiente assinou inadvertidamente certas declarações a respeito de nossa obra, o que resultou em alguns irmãos serem intimados a apresentar-se no serviço de segurança. Mais tarde, o irmão Meysar compreendeu seu erro e suplicou a Jeová que nenhum daqueles irmãos fosse sentenciado. Eles não foram presos, mas o próprio irmão Meysar foi sentenciado a oito anos de prisão.
Depois de voltar para casa, foi-lhe vedado o direito de sair de seu vilarejo por dois anos. Toda segunda-feira ele tinha de comparecer na delegacia de polícia para se registrar. Em 1968, por se recusar a prestar serviço militar, foi condenado a um ano de prisão. Depois de cumprir a pena, voltou para casa e continuou zelosamente a servir a Jeová. Em 1975, aos 47 anos de idade, foi novamente sentenciado.
Depois de terminar de cumprir a pena de cinco anos de prisão, o irmão Meysar foi mandado para o exílio por cinco anos na região de Yakutsk, Rússia. Foi transportado para lá de avião, visto que não havia estradas até aquela região. Durante o vôo, os jovens soldados incumbidos de o escoltar perguntaram-lhe: “Ei, velho, o que fez para tornar-se um criminoso tão perigoso?” Em resposta, o irmão Meysar explicou a vida que ele levava e deu-lhes um bom testemunho a respeito do propósito de Deus para com a Terra.
No início, depois da chegada do irmão Meysar, as autoridades locais estavam com medo desse “criminoso de alta periculosidade”, conforme constava nos seus documentos. Mais tarde, em razão da excelente conduta cristã do irmão Meysar, as autoridades locais disseram ao agente de segurança: “Se tiver mais desses criminosos, mande-os para cá.”
O irmão Meysar voltou para casa em 1985, aos 57 anos. Durante seus 21 anos de reclusão, sua fiel esposa, Regina, ficou morando na casa deles na Transcarpática. Apesar da longa distância e da considerável despesa envolvida, ela visitou muitas vezes seu marido na prisão, viajando no total mais de 140.000 quilômetros para fazer isso.
Mesmo depois de ser solto, o irmão Meysar era com freqüência visitado em sua casa, no vilarejo de Rakoshyno, por policiais e agentes do serviço de segurança. Essas visitas ocasionaram uma situação engraçada. Em princípios da década de 90, Theodore Jaracz, do Corpo Governante, junto com os irmãos da comissão do país visitaram a cidade de Uzhgorod, na Transcarpática. Na viagem de volta a Lvov, decidiram fazer uma breve visita ao irmão Meysar. Uma irmã que morava perto viu três carros ir até a modesta casa do irmão Meysar e nove homens sair desses carros. Ela ficou com tanto medo que correu para a casa de um outro irmão e, ofegante, disse que a KGB tinha chegado para prender de novo o irmão Meysar! Como ela se sentiu feliz ao saber que estava enganada!
Mudanças e melhoras organizacionais
Em 1971, Michael Dasevich foi designado servo do país. A comissão do país naquela época incluía três irmãos da Ucrânia ocidental, dois da Rússia e um do Casaquistão. Cada um deles servia também como superintendente viajante. Além disso, todos eles faziam trabalho secular para sustentar suas respectivas famílias. Os territórios sob a supervisão dos irmãos da Ucrânia ocidental ficavam bem longe de onde residiam. Stepan Kozhemba viajava para a Transcarpática e Alexei Davidjuk visitava o resto da Ucrânia ocidental, bem como a Estônia, a Letônia e a Lituânia. O irmão Dasevich viajava para a Ucrânia oriental, Rússia ocidental e central, Ciscaucásia e Moldávia. Os irmãos da comissão do país visitavam regularmente as regiões acima mencionadas, realizavam reuniões com superintendentes de circuito e de distrito e encorajavam as Testemunhas de Jeová, bem como compilavam relatórios de serviço.
Esses irmãos tinham também ligações com mensageiros que vinham do exterior como turistas, trazendo publicações e correspondência. No período desde fins dos anos 60 até haver liberdade de religião em 1991, nossos opositores nunca conseguiram impedir a troca de correspondência.
Em 1972, o Corpo Governante orientou que se fizessem por escrito as recomendações de designação de anciãos. Alguns irmãos hesitavam em fazer isso, temendo que essas listas de recomendações caíssem nas mãos da polícia. Antes dessa época, nunca houve tais listas em nenhuma congregação. Muitas vezes, os irmãos nem sequer sabiam o sobrenome dos demais irmãos na congregação. No começo, poucos foram recomendados para servir como anciãos, porque muitos não queriam que seu nome aparecesse numa lista. Mas, depois de tomadas essas medidas sem conseqüências adversas, outros mudaram de idéia, foram recomendados e assumiram fielmente responsabilidades como anciãos nas congregações.
A proteção de Jeová durante as buscas
Certa manhã, apareceram policiais para vasculhar a casa de Vasyl e Nadiya Bunha. A irmã Bunha estava em casa com o filho de quatro anos que estava dormindo quando de repente escutou fortes batidas na porta. Percebendo que a polícia tinha chegado, a irmã Bunha jogou rapidamente dentro do fogão relatórios de serviço de campo e outros documentos relacionados com a atividade de pregação. Daí, ela abriu a porta para a polícia. Os policiais foram imediatamente ao fogão, retiraram com cuidado os relatórios chamuscados e os espalharam sobre um jornal em cima da mesa. A escrita no papel chamuscado ainda estava legível. Quando terminaram de vasculhar a casa, todos os policiais foram com a irmã Bunha até o estábulo para revistar ali também. Nesse meio tempo, o menino acordou, viu os papéis meio queimados em cima da mesa e decidiu arrumá-la. Pegou todos os relatórios queimados e os jogou na lata de lixo. Depois, foi de novo para a cama. Quando os policiais voltaram, ficaram chocados e desalentados de ver que sua frágil “prova pertinente” havia sido totalmente destruída!
Em 1969, a casa deles foi de novo vasculhada. Dessa vez o irmão Bunha estava em casa e a polícia encontrou o relatório de serviço de campo da congregação. Mas, por descuido, a polícia o deixou em cima da mesa, permitindo assim que o irmão o destruísse. Por fazer isso, ele foi sentenciado a 15 dias de detenção. Depois, o serviço de segurança forçou o irmão Bunha a se mudar do país; assim, por algum tempo, ele morou e pregou na Geórgia e no Daguestão. Mais tarde, voltou para a Ucrânia e continuou fiel até sua morte em 1999.
“Viagens missionárias” organizadas pelo serviço de segurança
Nos anos 60 e 70, muitos irmãos ativos foram obrigados pelo serviço de segurança a se mudar de um lugar para outro. Por quê? As autoridades locais não queriam mandar para Kiev relatórios negativos sobre os resultados da atividade anti-religiosa nos seus distritos. Com base em suas observações, as autoridades locais compreenderam que o número de Testemunhas de Jeová aumentava a cada ano. Nos relatórios enviados a Kiev, porém, eles queriam mostrar que as Testemunhas não estavam aumentando. Por conseguinte, as autoridades locais obrigavam os irmãos a se mudar para outro lugar, a fim de poderem relatar que as Testemunhas não estavam aumentando em número em sua região.
Esses deslocamentos de Testemunhas de uma região para outra resultaram em espalhar sementes da verdade. Geralmente, tratava-se de Testemunhas que estavam na dianteira da obra. Na verdade, esses zelosos irmãos e irmãs foram “incentivados” pelas autoridades a se mudar para onde, como dizemos hoje, “a necessidade era maior”. Serviram nessas regiões e com o tempo formaram-se ali novas congregações.
Por exemplo, Ivan Malitskyi, da vizinhança de Ternopol’, recebeu ordens de deixar sua cidade. Ele se mudou para a Criméia, região sul da Ucrânia, onde moravam poucos irmãos. Em 1969, havia apenas uma congregação na Criméia, mas agora há mais de 60! Ivan Malitskyi continua a servir como ancião numa delas.
Últimos anos sob proscrição
Em 1982, depois de uma mudança de governo na URSS, houve uma nova onda de perseguição em toda a Ucrânia que durou dois anos. Parece que essa perseguição não foi sancionada pelos líderes da URSS. Antes, novos líderes soviéticos exigiram mudanças e reformas nas repúblicas. Para mostrar seu zelo e desejo de fazer tais reformas, as autoridades locais em algumas partes da Ucrânia prenderam Testemunhas de destaque. Embora essa onda de perseguição não afetasse a maioria dos irmãos, algumas Testemunhas sofreram danos emocionais e físicos.
Em 1983, Ivan Migali, da Transcarpática, foi sentenciado a quatro anos de prisão. As autoridades soviéticas confiscaram todos os bens desse ancião de 58 anos de idade. Ao vasculhar a casa do irmão Migali, o serviço de segurança encontrou 70 de nossas revistas. Este homem humilde e pacífico era bem conhecido em sua comunidade como pregador da Bíblia. Estes dois fatos — estar ele de posse de publicações e participar na atividade de pregação — foram usados como base para o prender.
Em 1983 e 1984, houve uma série de julgamentos em grupo na Ucrânia oriental. Muitas Testemunhas ficaram presas por quatro a cinco anos. A maioria dos irmãos teve de cumprir suas penas de prisão não na gélida Sibéria nem no Casaquistão, mas na Ucrânia. Alguns foram perseguidos até mesmo na prisão por serem acusados falsamente de violar os regulamentos da prisão. O objetivo era achar motivos para prolongar seus termos de prisão.
Diversas autoridades carcerárias mandaram também irmãos para hospitais psiquiátricos soviéticos, para que as Testemunhas ficassem mentalmente doentes e parassem de adorar a Deus. Mas o espírito de Jeová amparou os irmãos e eles permaneceram leais a Jeová e à Sua organização.
O triunfo da teocracia
Na última metade da década de 80, houve um pouco de alívio na oposição à adoração pura. As congregações locais tiveram aumentos em publicadores e havia mais publicações disponíveis para os irmãos. Algumas Testemunhas que visitaram parentes no exterior trouxeram consigo revistas e livros. Para os irmãos, especialmente para os que haviam estado nos campos de prisão soviéticos, era a primeira vez que seguravam em suas mãos uma publicação bíblica original. Contudo, alguns jamais imaginavam que chegariam a ver o dia em que um exemplar original da revista A Sentinela penetraria a Cortina de Ferro.
Depois de muitos anos de contenda com as Testemunhas de Jeová, as autoridades finalmente começaram a abrandar-se. Os irmãos foram então convidados a audiências com representantes civis do ministério local de assuntos religiosos. Algumas dessas autoridades se dispuseram a reunir-se com Testemunhas de Jeová da sede mundial em Brooklyn. Compreensivelmente, os irmãos de início suspeitavam que fosse uma armadilha. Mas os tempos estavam certamente mudando para os servos de Jeová. Em 1987, as autoridades começaram a pôr em liberdade Testemunhas que estavam presas. Mais tarde, diversos irmãos fizeram empenho de assistir ao congresso de distrito de 1988 na vizinha Polônia. Segundo seus documentos, iam visitar amigos e parentes. Para a sua grande surpresa, as autoridades lhes concederam permissão de viajar para o exterior! Os irmãos poloneses compartilharam generosamente publicações com os visitantes da Ucrânia. Na viagem de volta, os irmãos da Ucrânia foram revistados na fronteira, mas, na maioria dos casos, os agentes da alfândega não confiscaram as publicações bíblicas. Assim, os irmãos conseguiram levar Bíblias e outras publicações para seu país.
Os irmãos na Polônia convidaram hospitaleiramente muitos outros da Ucrânia a visitá-los no ano seguinte. Assim, em 1989, milhares deles assistiram discretamente a três congressos internacionais na Polônia e levaram na volta mais publicações para a Ucrânia. Naquele mesmo ano, segundo um acordo com o Ministério de Assuntos Religiosos, as Testemunhas de Jeová tiveram permissão de receber do exterior, pelo correio, publicações religiosas, mas apenas dois exemplares de cada publicação por vez. Os irmãos na Alemanha começaram a enviar regularmente pacotes com livros e revistas. Em vez de fazerem às ocultas cópias de revistas em lugares subterrâneos ou tarde da noite no porão de suas casas, os irmãos recebiam agora oficialmente publicações por meio das agências locais dos correios. Parecia um sonho! Muitos dos irmãos veteranos se sentiam como os judeus que voltaram do exílio a Jerusalém: “Tornamo-nos como os que estão sonhando.” (Sal. 126:1) Mas isso foi apenas o começo do lindo ‘sonho’.
Congresso em Varsóvia
Em 1989, os irmãos de Brooklyn recomendaram que a comissão do país começasse negociações com as autoridades para registrar nosso ministério público. Além disso, Milton Henschel e Theodore Jaracz, do Betel de Brooklyn, visitaram os irmãos na Ucrânia. No ano seguinte, as autoridades governamentais permitiram oficialmente que milhares de Testemunhas de Jeová assistissem ao congresso na Polônia. Ao cuidarem da documentação para a viagem, os irmãos declararam — com exultação e brilho nos olhos — que queriam ir à Polônia não para visitar amigos e parentes, mas para assistir ao congresso das Testemunhas de Jeová!
O congresso em Varsóvia foi muito especial para os visitantes da Ucrânia. Lágrimas de alegria escorriam pelas suas faces: alegria por se reunirem com seus irmãos cristãos, alegria por receberem seus próprios exemplares de publicações em quatro cores em sua própria língua e alegria por terem a liberdade de se reunir. Os irmãos poloneses demonstraram amorosa hospitalidade, fornecendo-lhes tudo o que necessitavam.
Muitos ex-detentos da mesma crença se reuniram pela primeira vez nesse congresso em Varsóvia. Mais de cem deles do campo “especial” de Mordvinia — onde centenas de Testemunhas estiveram presas — encontraram-se ali. Muitos simplesmente ficaram parados olhando um para o outro e chorando de alegria. Uma Testemunha da Moldávia que havia passado cinco anos numa cela de prisão com Bela Meysar não o reconheceu. Por quê? “Lembro-me de você com roupa listrada, mas agora está de terno e gravata!”, exclamou ele.
Liberdade de religião, enfim!
No fim de 1990, instituições judiciais começaram a inocentar algumas Testemunhas de Jeová, restabelecendo seus direitos e suas prerrogativas. Ao mesmo tempo, a comissão do país formou um grupo para representar as Testemunhas de Jeová em suas reuniões com as autoridades governamentais. Willi Pohl, da congênere da Alemanha, foi designado para supervisionar esse grupo.
Prolongadas reuniões com as autoridades estatais em Moscou e em Kiev resultaram na há muito aguardada liberdade para as Testemunhas. A organização religiosa das Testemunhas de Jeová foi oficialmente registrada na Ucrânia em 28 de fevereiro de 1991, o primeiro registro desse tipo no território da URSS. Um mês depois, em 27 de março de 1991, a organização foi também registrada na Federação Russa. Assim, depois de mais de 50 anos de proscrições e perseguições, as Testemunhas de Jeová finalmente ganharam liberdade de religião. Logo depois disso, no fim do ano de 1991, a União Soviética deixou de existir e a Ucrânia proclamou sua independência.
Um solo excelente que produz com abundância
Em 1939, onde agora é a Ucrânia, havia cerca de 1.000 publicadores do Reino de Deus, os quais plantaram sementes da verdade num solo fértil: o coração das pessoas. Durante os 52 anos de proscrição, os irmãos sofreram os horrores da Segunda Guerra Mundial, o exílio na Sibéria, severos espancamentos, torturas e execuções. Apesar disso, em todo esse período, o “solo excelente” produziu mais de 25 vezes esse tanto. (Mat. 13:23) Em 1991, havia na Ucrânia 25.448 publicadores em 258 congregações e aproximadamente 20.000 publicadores nas outras repúblicas da ex-URSS que, na maior parte, haviam aprendido a verdade por intermédio dos irmãos ucranianos.
Esse solo precisava de “fertilizantes” na forma de publicações bíblicas. Portanto, após o registro legal de nossa obra, tomaram-se providências para o recebimento de publicações procedentes de Selters, Alemanha. A primeira remessa chegou em 17 de abril de 1991.
Os irmãos prepararam um pequeno depósito em Lvov, de onde enviavam as publicações por caminhão, trem e até por via aérea para as congregações em toda a Ucrânia, Rússia, Casaquistão e outros países da ex-União Soviética. Isto estimulou mais crescimento espiritual. Em princípios de 1991, Kharkov, uma cidade com dois milhões de habitantes, tinha apenas uma congregação. Mais tarde naquele ano, essa única congregação de 670 publicadores se havia tornado oito congregações distintas. Hoje, há mais de 40 congregações nessa cidade!
Embora a URSS deixasse de existir em 1991, a comissão do país cuidou de todas as 15 repúblicas da ex-União Soviética até 1993. Naquele ano, numa reunião com irmãos do Corpo Governante, chegou-se à decisão de formar duas comissões — uma para a Ucrânia e outra para a Rússia e as 13 outras repúblicas da ex-União Soviética. Além de Michael Dasevich, Alexei Davidjuk, Stepan Kozhemba e Ananii Hrohul, foram acrescentados mais três irmãos à comissão do país, na Ucrânia: Stepan Hlinskyi, Stepan Mykevych e Roman Yurkevych.
Tornou-se então necessário formar uma equipe de tradução para cuidar da crescente necessidade de publicações na língua ucraniana. Conforme já vimos, os irmãos canadenses Emil Zarysky e Maurice Saranchuk, junto com suas respectivas esposas, participaram nesse trabalho. Essa pequena equipe de trabalhadores devotados traduziu muitas publicações. A partir de 1991, porém, uma equipe maior de tradução para o ucraniano começou a trabalhar na Alemanha. Em 1998, essa equipe se mudou para a Polônia, onde continuou seu trabalho antes de finalmente mudar-se para a Ucrânia.
Congressos de distrito
Após uma reunião com os irmãos locais em Lvov em 1990, o irmão Jaracz examinou o estádio municipal e disse: “Talvez usemos este estádio para o congresso de distrito do ano que vem.” Os irmãos sorriram para ele, imaginando como isso seria possível, visto que nossa organização ainda não havia sido registrada e os irmãos nunca haviam organizado um congresso. Mas, já no ano seguinte, a organização foi registrada. Em agosto de 1991, compareceram 17.531 pessoas ao congresso de distrito naquele mesmo estádio e 1.316 irmãos e irmãs foram batizados! Irmãos poloneses haviam sido convidados à Ucrânia para ajudarem na organização do congresso.
No mesmo mês de agosto, planejou-se realizar outro congresso em Odessa. Mas, em razão da agitação política na Rússia no começo da semana do congresso, as autoridades locais informaram aos irmãos que não podiam realizar o congresso em Odessa. Os irmãos continuaram a solicitar permissão às autoridades municipais e prosseguiram com os preparativos finais, confiando plenamente em Jeová. Por fim, os irmãos em posições de responsabilidade foram chamados perante as autoridades na quinta-feira para estas lhes apresentarem a decisão final. Naquela tarde, os irmãos receberam licença para realizar o congresso.
Como foi surpreendente e magnífico ver 12.115 Testemunhas reunidas e 1.943 pessoas ser batizadas naquele fim de semana! Dois dias depois do congresso, os irmãos visitaram novamente as autoridades municipais, agradecendo-lhes a licença concedida para a realização do congresso. Deram ao presidente da câmara municipal um exemplar do livro O Maior Homem Que Já Viveu. Ele disse: “Eu não estive no congresso, mas sei de tudo o que ocorreu. Nunca vi nada melhor. Prometo-lhes que, toda vez que precisarem de licença para realizar suas assembléias, estarei sempre disposto a lhes conceder.” Desde então, os irmãos realizam regularmente congressos de distrito na bela cidade de Odessa.
Notável congresso internacional
Outro evento momentoso foi o Congresso Internacional “Ensino Divino”, realizado em Kiev, em agosto de 1993. A assistência de 64.714 foi a maior nos congressos realizados até então na Ucrânia e incluía milhares de congressistas de mais de 30 países. As apresentações do programa em inglês foram traduzidas simultaneamente em 16 línguas.
Como foi emocionante ver irmãos e irmãs, que lotaram cinco seções do estádio, pôr-se de pé e responder sim às duas perguntas do batismo! Nas duas horas e meia que se seguiram, 7.402 pessoas foram batizadas em seis tanques de batismo, o maior número de batizados em um único congresso na história dos tempos atuais dos servos de Deus! Este evento notável será sempre lembrado e prezado pelas Testemunhas de Jeová.
Como foi possível organizar um congresso tão grande com apenas 11 congregações na cidade? Tal como nos anos anteriores, irmãos da Polônia vieram ajudar no Departamento de Hospedagem. Junto com os irmãos locais, fizeram o maior número possível de contratos com hotéis e pensões, alugando até mesmo algumas barcas.
A tarefa mais difícil foi obter autorização para alugar o estádio. Além de servir para eventos esportivos, o estádio era usado como grande feira livre nos fins de semana, e ninguém havia jamais recebido autorização para cancelar a feira. Mas a autorização para isso foi concedida.
Até mesmo as autoridades municipais formaram uma comissão especial para ajudar os irmãos com os preparativos. Essa comissão incluía chefes de diferentes serviços municipais, como o chefe de polícia, dos transportes e o secretário de turismo. Foram tomadas providências excepcionais para o transporte de congressistas dentro da zona urbana. Os irmãos pagaram adiantado o transporte público, a fim de que as pessoas com crachá do congresso não precisassem pagar passagem no momento do embarque, mas fizessem isso no congresso. Assim, os irmãos puderam tomar rapidamente metrôs, bondes e ônibus da cidade ao irem e voltarem do Estádio Republicano (agora Olímpico), um dos maiores estádios da Europa Oriental. Para a conveniência dos congressistas, foram abertas padarias adicionais na vizinhança do estádio, a fim de que pudessem rapidamente comprar alimento para o dia seguinte.
O chefe de polícia ficou tão surpreso com a ordem do congresso que fez a seguinte observação: “Tudo o que vocês fizeram, junto com sua boa conduta, me impressionou mais do que a pregação que fazem. As pessoas podem esquecer o que ouviram, mas nunca esquecerão o que viram.”
Diversas mulheres que trabalhavam numa estação de metrô ali perto foram ao escritório da administração do congresso para agradecer aos congressistas a sua boa conduta. Essas mulheres fizeram a seguinte observação: “Nós trabalhamos aqui para muitos eventos esportivos e políticos, mas esta foi a primeira vez que vimos visitantes tão bem educados e alegres que demonstraram interesse em nós. Todos nos cumprimentaram. Não estamos acostumadas a receber cumprimentos durante outros eventos.”
As congregações em Kiev mantiveram-se ocupadas depois do congresso, pois uns 2.500 endereços foram entregues por pessoas interessadas que queriam aprender mais. Há atualmente mais de 50 congregações de zelosas Testemunhas em Kiev!
Um grupo de irmãos em viagem para o congresso foi assaltado e os ladrões roubaram tudo o que eles tinham. Entretanto, decididos a enriquecer-se espiritualmente, os irmãos continuaram a sua viagem até Kiev, chegando ao congresso com apenas a roupa do corpo. Mas um grupo de irmãos da ex-Tchecoslováquia trouxe roupas extras para os que as necessitassem. Quando isso foi levado ao conhecimento da administração do congresso, os irmãos que haviam sido assaltados foram logo supridos de toda a roupa necessária.
Ajuda para progredir
Esses exemplos de amor altruísta não foram casos isolados. Em 1991, o Corpo Governante convidou diversas congêneres da Europa Ocidental a fornecer alimento e roupa para seus irmãos na Europa Oriental. As Testemunhas sentiram-se gratas por essa oportunidade de ajudar, e sua disposição de compartilhar superou todas as expectativas. Muitos doaram gêneros alimentícios, bem como roupas usadas, ao passo que outros compraram artigos novos. As congêneres na Europa Ocidental juntaram caixas, malas e sacolas com tais artigos. Toneladas de gêneros alimentícios e roupas foram enviadas da Alemanha, Áustria, Dinamarca, Holanda, Itália, Suécia e Suíça para Lvov em comboios. Irmãos doaram até caminhões para uso na obra do Reino na Europa Oriental. As autoridades nas fronteiras foram muito prestativas em conceder a documentação necessária para que todas as entregas pudessem ser feitas com o mínimo de dificuldade.
Os irmãos que fizeram a entrega das mercadorias ficaram impressionados com a recepção que lhes foi dada. Um grupo de irmãos que dirigiram os caminhões da Holanda até Lvov contou como foi a viagem. Eles escreveram: “Uma força de trabalho, composta de 140 irmãos, estava presente para descarregar os caminhões. Antes de começarem a tarefa, esses humildes irmãos mostraram sua confiança em Jeová fazendo unidamente uma oração. Quando terminaram a tarefa, de novo se reuniram para uma oração de agradecimentos a Jeová. Depois de usufruirmos a hospitalidade dos irmãos locais, que nos deram abundantemente do pouco que eles possuíam, acompanharam-nos até a estrada principal, onde, reunidos à beira da estrada, fizeram uma oração antes de se despedirem de nós.
“Durante o longo percurso de volta, tínhamos muitas coisas a relembrar — a hospitalidade dos irmãos na Alemanha e na Polônia, bem como de nossos irmãos em Lvov; sua firme fé e atitude piedosa; sua hospitalidade em nos fornecer hospedagem e alimento, estando eles mesmos em condições precárias; sua união e companheirismo; sua gratidão. Pensamos também nos irmãos e irmãs em nossa terra que haviam feito doações tão generosas.”
Um motorista da Dinamarca disse: “Descobrimos que trouxemos de volta mais do que levamos. O amor e o espírito de abnegação demonstrados por nossos irmãos ucranianos fortaleceram grandemente a nossa fé.”
Muitos dos artigos doados foram encaminhados para a Moldávia, países bálticos, Casaquistão, Rússia e outros lugares onde havia também grande necessidade. Alguns carregamentos foram mandados por contêiner para a Sibéria e para Khabarovsk, mais de 7.000 quilômetros ao leste. Eram comoventes, encorajadoras e unificantes as calorosas cartas de apreço da parte dos que receberam ajuda. Assim, todos os envolvidos viram a veracidade das palavras de Jesus: “Há mais felicidade em dar do que há em receber.” — Atos 20:35.
Em fins de 1998, houve uma catástrofe na Transcarpática. Segundo fontes oficiais, 6.754 casas foram inundadas e 895 casas foram totalmente destruídas pelos deslizamentos de terra. Entre as casas destruídas, havia 37 que pertenciam a Testemunhas de Jeová. Imediatamente, a congênere em Lvov mandou para o local um caminhão carregado de gêneros alimentícios, água, sabão, camas e cobertores. Mais tarde, irmãos do Canadá e da Alemanha enviaram roupas e utilidades domésticas. Testemunhas da Eslováquia, Hungria, Polônia e República Tcheca forneceram gêneros alimentícios e enviaram também material de construção para a reconstrução das casas destruídas. Muitos irmãos locais também ajudaram na obra de reforma. As Testemunhas forneceram alimento, roupas e lenha não só a concrentes, mas também a outros. Limparam os quintais e os campos de pessoas que não eram Testemunhas e ajudaram a consertar suas casas.
Fornecimento de ajuda espiritual
A ajuda material, porém, não foi a única ajuda fornecida. Depois de mais de 50 anos sob proscrição, as Testemunhas ucranianas não estavam familiarizadas com o trabalho de organizar a obra numa atmosfera de liberdade. Por conseguinte, em 1992, foram enviados irmãos da Alemanha para ajudar a organizar a obra na Ucrânia. Isto lançou a base para o futuro serviço de Betel. Mais tarde, a Alemanha, o Canadá e os Estados Unidos enviaram outros irmãos para ajudar na supervisão das atividades de fazer discípulos.
Havia também grande necessidade de irmãos experientes no serviço de campo. No começo, chegaram da Polônia muitos que haviam cursado a Escola de Treinamento Ministerial para cuidar de congregações e mais tarde de circuitos e de distritos em todo o país. Além disso, chegaram do Canadá e dos Estados Unidos alguns casais que hoje servem no circuito. Vieram também alguns irmãos da Eslováquia, Hungria, Itália e República Tcheca para trabalharem como superintendentes de circuito. Estas providências têm ajudado muitas congregações locais a aplicar as normas bíblicas e a ajustar-se a elas em muitos aspectos do ministério.
Apreço por publicações bíblicas
A segunda metade da década de 90 foi marcada por campanhas especiais com publicações. Depois da distribuição de Notícias do Reino N.º 35 em 1997, quase 10.000 cupons foram recebidos de pessoas interessadas que solicitavam a brochura O Que Deus Requer de Nós? ou pediam para que fossem visitadas por alguém.
Há muito apreço pelas nossas publicações. Numa visita a uma maternidade, pediu-se aos irmãos que fornecessem ao hospital 12 exemplares por semana do livro O Segredo de Uma Família Feliz. Por quê? A equipe do hospital queria dar junto com a certidão de nascimento um livro a cada casal que ganhasse um bebê!
Em anos recentes, muitos se familiarizaram com nossas revistas e as apreciam. Por exemplo, ao pregarem num parque, as Testemunhas ofereceram um exemplar da revista Despertai! a certo senhor. Este agradeceu e perguntou: “Quanto custa?”
“Nossa obra é financiada por donativos voluntários”, explicaram os irmãos. Esse senhor contribuiu com uma nota de um hryvnia — equivalente a 54 centavos de dólar (EUA) na época —, sentou-se num banco do parque e começou imediatamente a ler a revista. Nesse meio tempo, os irmãos deram testemunho a outros no parque. Depois de 15 minutos, o homem aproximou-se dos irmãos e deu outro hryvnia como donativo pela revista que recebera. Daí, de novo foi sentar-se no banco e prosseguiu lendo enquanto os irmãos continuavam a pregar. Depois de algum tempo, o homem se aproximou novamente dos irmãos e deu mais um hryvnia. Disse-lhes que achou a revista extremamente interessante e queria lê-la regularmente.
A boa instrução acelera o crescimento
Depois de nossa obra ser legalmente reconhecida, acelerou-se o progresso. Mas não sem desafios. Inicialmente, alguns tinham dificuldade de adaptar-se ao ministério de casa em casa, em virtude de por mais de meio século todo o testemunho ter sido dado informalmente. Mas, com a ajuda do espírito de Jeová, os irmãos adaptaram-se com êxito àquilo que para eles era um novo modo de pregar.
Foi também possível organizar as cinco reuniões em todas as congregações. Isto tem desempenhado um papel vital em unir os publicadores e em motivá-los a se preparar para mais atividade. Os irmãos aprenderam rapidamente e progrediram em muitos aspectos de seu ministério de campo. Novas escolas forneceram boa instrução às Testemunhas na Ucrânia. Por exemplo, em 1991, foi estabelecida em todas as congregações a Escola do Ministério Teocrático para treinar as Testemunhas para a obra de pregação. Desde 1992, a Escola do Ministério do Reino, para anciãos e servos ministeriais, tem ajudado imensamente os irmãos a tomar a liderança no ministério de campo, no ensino nas congregações e no pastoreio do rebanho.
Em 1996, foi instituída na Ucrânia a Escola do Serviço de Pioneiro. Nos primeiros cinco anos, mais de 7.400 pioneiros regulares fizeram esse curso de duas semanas. Como os beneficiou? Uma pioneira escreveu: “Senti-me feliz de ser o barro nas mãos de Jeová e de ser moldada por meio desta escola.” Outra pioneira disse: “Depois da escola de pioneiros, comecei a ‘brilhar como iluminadora’.” Uma turma da escola de pioneiros escreveu: “Esta escola revelou ser uma verdadeira bênção para todos os que a cursaram. Motivou-nos a desenvolver grande interesse pelas pessoas.” A escola desempenhou um papel importante em contribuir com 57 auges consecutivos de pioneiros regulares.
Em virtude da situação econômica difícil, muitos se perguntam como os pioneiros conseguem prover às suas necessidades. Um pioneiro que é servo ministerial tem três filhos para sustentar. Ele diz: “Eu e minha esposa planejamos juntos bem cuidadosamente as nossas necessidades, adquirindo apenas as coisas indispensáveis para nossa subsistência. Levamos uma vida modesta, confiando em Jeová. Com a atitude correta, nós mesmos ficamos às vezes surpresos com o pouco que precisamos para cobrir as nossas despesas.”
A Escola de Treinamento Ministerial foi iniciada em 1999. No primeiro ano, quase cem irmãos a cursaram. Para muitos, foi um desafio fazer esse curso de dois meses de duração em meio às dificuldades econômicas. É evidente, porém, que Jeová fez provisões para esses irmãos.
Um irmão que recebeu o convite para cursar a Escola de Treinamento Ministerial servia como pioneiro regular numa região distante. Ele e seu companheiro no serviço de pioneiro haviam economizado o suficiente para comprar alimentos e carvão para o inverno seguinte. Quando ele recebeu o convite para cursar a escola, os dois tinham de optar por comprar carvão ou uma passagem de trem para ele ir cursar a escola. Analisaram o assunto e decidiram que ele deveria ir cursar a escola. Pouco depois de terem tomado essa decisão, sua irmã carnal, que mora no exterior, enviou-lhe certa importância em dinheiro como presente. Era o suficiente para ele viajar até a escola. Ao terminar a escola, esse irmão foi designado para servir como pioneiro especial.
Esses programas educacionais têm preparado os servos de Jeová para participarem com mais eficiência no serviço de campo e em atividades congregacionais. Os publicadores aprendem a pregar mais eficazmente; os anciãos e os servos ministeriais são ensinados a ser fonte de maior encorajamento em suas congregações. Como resultado, ‘as congregações continuam a ser firmadas na fé e a aumentar em número’. — Atos 16:5.
O rápido aumento traz mudanças
Desde o registro legal das Testemunhas de Jeová na Ucrânia, o número delas mais do que quadruplicou. Tem-se visto crescimento extraordinário em muitas regiões do país. Há também grande necessidade de anciãos qualificados. Muitas vezes, as congregações são divididas logo que um segundo ancião está disponível. Em algumas congregações há até 500 publicadores. Esse crescimento rápido exigiu mudanças na supervisão da obra.
Até os anos 60, a congênere da Polônia ajudou a supervisionar a obra na Ucrânia e, depois disso, a congênere da Alemanha forneceu supervisão e ajuda. Em setembro de 1998, a Ucrânia se tornou uma congênere sob a supervisão da sede mundial em Brooklyn. Nessa ocasião, formou-se uma Comissão de Filial para a administração dos assuntos organizacionais.
O crescimento rápido também tornou necessário ampliar as instalações da congênere. A partir de 1991, Lvov foi usada como centro de distribuição de publicações para as 15 repúblicas da ex-URSS. No ano seguinte, chegaram dois casais da congênere da Alemanha. Logo em seguida, começou a funcionar um pequeno escritório em Lvov. Um ano mais tarde, comprou-se uma casa que foi usada pelos trabalhadores no escritório por tempo integral. Em princípios de 1995, o número de voluntários que trabalhavam no escritório da Ucrânia aumentou rapidamente, tornando necessária uma nova mudança, dessa vez para um complexo de seis Salões do Reino compartilhados por 17 congregações. Durante todo esse tempo, os irmãos se perguntavam: “Quando e onde construiremos nosso próprio Betel?”
Construção de prédios da congênere e de Salões do Reino
Já em 1992, os irmãos começaram a procurar um terreno para construir dependências para a congênere. Passaram-se anos à medida que se examinavam lugares que fossem adequados. Os irmãos apresentavam em suas orações a Jeová essa necessidade, estando certos de que no devido tempo se encontraria um lugar apropriado.
Em princípios de 1998, encontrou-se uma propriedade numa pitoresca floresta de pinheiros, cinco quilômetros ao norte de Lvov, na pequena cidade de Briukhovychi. Era perto desse lugar que duas congregações realizavam suas reuniões na floresta durante a proscrição da obra. Um irmão disse: “Nunca pensei que dez anos depois de nossa última reunião na floresta eu teria novamente a oportunidade de me reunir nesta mesma floresta, mas em circunstâncias totalmente diferentes — na propriedade de nossa nova congênere!”
Em fins de 1998, chegaram os primeiros servos internacionais. Os irmãos do Escritório Regional de Engenharia em Selters, Alemanha, começaram um trabalho intenso para preparar as plantas. No começo de janeiro de 1999, depois de concedido o alvará, começou o trabalho no canteiro de obras. Mais de 250 voluntários de 22 nacionalidades trabalharam no canteiro de obras. Também uns 250 voluntários da região trabalhavam na construção nos fins de semana.
Muitos apreciaram grandemente o privilégio de trabalhar na construção. Congregações inteiras fretavam ônibus para chegar a Briukhovychi com o objetivo de trabalharem voluntariamente nos fins de semana. Muitas vezes, viajavam a noite inteira para estarem no canteiro de obras em tempo para ajudar na construção. Depois de um dia de trabalho árduo, viajavam de volta por mais uma noite, cansados, mas satisfeitos e felizes, desejando retornar. Um grupo de 20 irmãos viajou 34 horas de trem, de Luhans’k, região leste da Ucrânia, para trabalhar oito horas na construção do Betel! Por causa dessas oito horas de trabalho, cada irmão tirou dois dias de folga de seu serviço secular e gastou mais de meio salário mensal para as passagens de trem. Esse espírito de abnegação encorajou toda a equipe de construção e a família de Betel. A construção prosseguiu em ritmo acelerado, permitindo que os prédios da congênere fossem dedicados em 19 de maio de 2001. Trinta e cinco países estavam representados na ocasião. Numa reunião especial no dia seguinte, Theodore Jaracz proferiu um discurso perante uma multidão de 30.881 pessoas em Lvov e Gerrit Lösch perante 41.142 pessoas em Kiev — um total de 72.023.
E quanto a Salões do Reino? A partir de 1939, quando diversos salões na Transcarpática foram destruídos, oficialmente não havia Salões do Reino na Ucrânia até 1993. Nesse ano, construiu-se um lindo complexo de quatro Salões do Reino em apenas oito meses na pequena cidade de Dibrova, Transcarpática. Logo depois, foram terminados mais seis salões em outras regiões da Ucrânia.
Por causa do grande aumento no número de publicadores, havia tremenda necessidade de Salões do Reino. Entretanto, devido a complicados procedimentos legais, inflação e aumentos nos preços de material de construção, apenas 110 Salões do Reino foram construídos na década de 90. Centenas de outros eram necessários. Portanto, no ano 2000, inaugurou-se um novo programa de construção de Salões do Reino que já está ajudando a preencher as necessidades.
Avante com a colheita!
Em setembro de 2001, havia na Ucrânia 120.028 Testemunhas de Jeová em 1.183 congregações servidas por 39 superintendentes de circuito! As sementes da verdade lançadas durante um longo período produziram frutos bons e abundantes. Em algumas famílias, há cinco gerações de Testemunhas de Jeová. Isto demonstra que o “solo” é realmente excelente. “Depois de ouvirem a palavra com um coração excelente e bom”, muitos “a retêm”. No decorrer dos anos, os irmãos ‘plantaram’ sementes muitas vezes com lágrimas; outros ‘regaram’ o solo fértil. Jeová é que faz crescer, e suas fiéis Testemunhas na Ucrânia continuam a ‘dar fruto com perseverança’. — Luc. 8:15; 1 Cor. 3:6.
Em algumas regiões, é notável a proporção de Testemunhas em relação ao número de habitantes. Por exemplo, em oito cidades de língua romena, na região da Transcarpática, há 59 congregações agrupadas em três circuitos.
Os esforços dos opositores religiosos e seculares de acabar com as Testemunhas de Jeová na Ucrânia por meio de exílio e severas perseguições não tiveram êxito. O coração das pessoas nesta terra mostrou-se fértil no que diz respeito às sementes da verdade bíblica. As Testemunhas de Jeová estão colhendo agora uma abundante safra.
O profeta Amós predisse um tempo de colheita em que ‘o arador realmente alcançaria o ceifeiro’. (Amós 9:13) A bênção de Jeová torna o solo tão produtivo que a colheita ainda está em andamento quando chega o tempo de arar para a próxima temporada. As Testemunhas de Jeová na Ucrânia têm visto a veracidade dessa profecia. Olhando para o futuro, estão confiantes de que, com mais de 250 mil pessoas que assistiram à Comemoração em 2001, é animadora a perspectiva de mais crescimento.
Jeová promete, conforme registrado em Amós 9:15: “Eu hei de plantá-los no seu solo e não mais serão desarraigados do seu solo que lhes dei.” Continuando a plantar sementes da verdade e colhendo abundantes safras, os servos de Deus aguardam com grande interesse o tempo em que Jeová cumprirá plenamente essa promessa. Nesse meio tempo, erguemos os nossos olhos e observamos os campos, e vemos que estão realmente brancos para a colheita. — João 4:35.
[Destaque na página 140]
“Danyil teria sido enforcado, mas, por ser menor de idade, só foi sentenciado a quatro meses de prisão.”
[Destaque na página 145]
“As mulheres Testemunhas eram diferentes das demais no campo de concentração. Sua conduta mostrava que tinham uma coisa muito importante a dizer às outras presas.”
[Destaque na página 166]
Em 8 de abril de 1951, mais de 6.100 Testemunhas foram mandadas da Ucrânia ocidental para o exílio na Sibéria.
[Destaque na página 174
“Muitas vezes, nossas irmãs faziam o serviço de servos de congregação e, em algumas regiões, elas cumpriam responsabilidades de servos de circuito.”
[Destaque na página 183]
Em vez de estar em lua-de-mel, passou dez anos na prisão.
[Destaque na página 184]
“Foi muito angustiante entregar minha amada filhinha a uma pessoa que eu nunca havia visto antes.”
[Destaque na página 193]
Vendo que as Testemunhas de Jeová não podiam ser silenciadas nem por meio de exílio, prisão, violência física nem tortura, o serviço de segurança empregou novas táticas.
[Destaque na página 207]
A KGB apresentou aos irmãos separados uma carta falsa, supostamente do irmão Knorr.
[Destaque na página 212]
Os agentes da KGB dobravam a vigilância especialmente na época da Comemoração, pois sempre sabiam a data aproximada da celebração.
[Destaque na página 231]
Era a primeira vez que seguravam em suas mãos uma publicação bíblica original.
[Destaque na página 238]
“Tudo o que vocês fizeram, junto com sua boa conduta, me impressionou mais do que a pregação que fazem. As pessoas . . . nunca esquecerão o que viram.”
[Destaque na página 241]
“O amor e o espírito de abnegação demonstrados por nossos irmãos ucranianos fortaleceram grandemente a nossa fé.”
[Destaque na página 249]
Por causa dessas oito horas de trabalho, cada irmão tirou dois dias de folga de seu serviço secular e gastou mais de meio salário mensal para as passagens de trem.
[Foto na página 127]
◼ Vojtech Chehy
[Foto na página 129]
◼ O primeiro congresso na cidade de Borislav, na Galícia, em agosto de 1932
[Foto na página 130]
◼ Congresso em Solotvyno, na Transcarpática, em 1932
[Foto na página 132]
◼ Por 40 anos Mariya e Emil Zarysky cumpriram fielmente a sua designação como tradutores
[Foto na página 133]
◼ O primeiro depósito de publicações na Ucrânia ficava nesta casa, em Uzhgorod, de 1927 a 1931
[Foto na página 134]
◼ Grupo pronto para ir de ônibus ao ministério de campo na região de Rakhiv nos montes Cárpatos em 1935: (1) Vojtech Chehy
[Foto na página 135]
◼ Antiga gravação fonográfica em ucraniano, “A Religião e a Cristandade”
[Foto na página 136]
◼ A Congregação Kosmach em 1938: (1) Mykola Volochii vendeu um de seus dois cavalos para comprar um fonógrafo
[Foto na página 137]
◼ Ludwik Kinicki, lembrado com carinho por muitos como zeloso ministro, morreu fiel a Jeová num campo de concentração nazista
[Fotos na página 142]
◼ Illia Hovuchak (acima, à esquerda), que aparece aqui viajando com Onufrii Rylchuk para pregar nas montanhas e (à direita) com a esposa, Paraska, foi executado pela Gestapo depois de ser entregue por um sacerdote católico
[Foto na página 146]
◼ Anastasiya Kazak (1) com outras Testemunhas de Jeová que estiveram no campo de concentração de Stutthof
[Foto na página 153]
◼ Ivan Maksymiuk (acima, com a esposa, Yevdokiya) e seu filho Mykhailo (à direita) recusaram-se a transigir em sua integridade
[Foto na página 158]
◼ As primeiras publicações bíblicas em ucraniano
[Foto na página 170]
◼ Com 20 anos de idade, Hryhorii Melnyk arcou com a responsabilidade de cuidar de seus dois irmãos e de sua irmã, que eram mais jovens
[Foto na página 176]
◼ Mariya Tomilko suportou 15 anos de prisão e permaneceu fiel
[Foto na página 182]
◼ Nutsu Bokoch durante um breve encontro na prisão com a filha, 1960
[Fotos na página 185]
◼ Lydia e Oleksii Kurdas (acima), detidos e presos em campos de prisão diferentes quando a filha deles, Halyna, tinha 17 dias de vida; Halyna Kurdas, aos três anos de idade (à direita): Esta foto foi tirada em 1961 quando seus pais ainda estavam na prisão
[Foto na página 191]
◼ Na noite antes do casamento, Hanna Shyshko e Yurii Kopos foram detidos e sentenciados a dez anos num campo de prisão. Casaram-se dez anos mais tarde
[Foto na página 191]
◼ Yurii Kopos passou quase um terço de século em prisões e em campos de trabalhos forçados soviéticos
[Foto na página 194]
◼ Pavlo Ziatek devotou a vida inteira ao serviço de Jeová
[Foto na página 196]
◼ Carta datada de 18 de maio de 1962, de Nathan H. Knorr, aos irmãos na URSS
[Foto na página 214]
◼ Publicações para a Ucrânia e para outras partes da União Soviética eram impressas em subterrâneos como este na Ucrânia oriental
[Fotos na página 216]
◼ No alto: o monte coberto de floresta, bem no interior da região dos montes Cárpatos, onde Ivan Dziabko operava uma gráfica num subterrâneo secreto
◼ Acima: Mykhailo Dioloh sentado ao lado de onde ficava a entrada do subterrâneo onde ele fornecia papel a Ivan Dziabko
◼ À direita: Ivan Dziabko
[Foto na página 223]
◼ Bela Meysar passou 21 anos na prisão, tempo em que sua fiel esposa, Regina, viajou um total de mais de 140.000 quilômetros para visitá-lo freqüentemente
[Foto na página 224]
◼ Michael Dasevich foi designado servo do país em 1971
[Foto na página 233]
◼ O registro das Testemunhas de Jeová na Ucrânia em 28 de fevereiro de 1991 foi o primeiro desse tipo no território da URSS
[Foto na página 237]
◼ No congresso internacional de 1993 em Kiev, 7.402 pessoas foram batizadas, o maior número de imersos em um único congresso na história dos tempos atuais dos servos de Deus
[Foto na página 246]
◼ Formatura da primeira turma da Escola de Treinamento Ministerial em Lvov, em princípios de 1999
[Fotos na página 251]
◼ No alto: O complexo de Salões do Reino, onde a família de Betel serviu de 1995 a 2001
◼ No meio: A casa usada pela família de Betel em 1994 e 1995
◼ Embaixo: O Salão do Reino na cidade de Nadvirna — o primeiro construído sob o novo programa de construção de Salões do Reino na Ucrânia
[Fotos nas páginas 252, 253]
◼ (1-3) Os recém-dedicados prédios da congênere na Ucrânia
◼ (4) Comissão de Filial, da esquerda para a direita: (sentados) Stepan Hlinskyi, Stepan Mykevych; (de pé) Andrii Semkovych, Roman Yurkevych, John Didur e Jürgen Keck
◼ (5) Theodore Jaracz proferindo um discurso por ocasião da dedicação dos prédios da congênere da Ucrânia em 19 de maio de 2001
[Gráfico na página 254]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Pioneiros regulares na Ucrânia (1990-2001)
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2001
[Gráfico na página 254]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Testemunhas de Jeová na Ucrâniaa (1939-2001)
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1939 1946 1974 1986 1990 1992 1994 1996 1998 2001
[Nota(s) de rodapé]
a Os números nos anos entre 1939 e 1990 são aproximados.
[Gravura de página inteira na página 118]
[Mapa na página 123]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
POLÔNIA
BELARUS
RÚSSIA
GALÍCIA
VOLÍNIA
KIEV
Lvov
UCRÂNIA
Kharkov
BUCOVINA
Dnepropetrovsk
Luhans’k
TRANSCARPÁTICA
Zaporozh’ye
Donetsk
MOLDÁVIA
Odessa
ROMÊNIA
CRIMÉIA
BULGÁRIA
MAR NEGRO
TURQUIA
[Quadro/Foto na página 124]
Traduções da Bíblia ao longo dos séculos
Por algum tempo, o povo da Ucrânia usou a Bíblia na antiga versão eslavônia da igreja, traduzida no nono século. Em diferentes ocasiões, com as mudanças na língua, essa versão foi revisada. No fim do século 15, o arcebispo Gennadius supervisionou uma revisão completa da Bíblia na língua eslavônia. Essa edição levou a uma outra revisão que resultou na primeira Bíblia impressa na língua eslavônia. Essa tradução é conhecida como a Bíblia Ostrog e foi impressa na Ucrânia em 1581. Mesmo hoje, é considerada pelos entendidos no assunto um excelente exemplo da arte de impressão. Serviu de base para traduções posteriores da Bíblia para o ucraniano e para o russo.
[Foto]
◼ Ivan Fedorov imprimiu a Bíblia Ostrog na Ucrânia em 1581
[Quadro/Foto na página 141]
Entrevista com Vasyl Kalin
Nascimento: 1947
Batismo: 1965
Resumo biográfico: Exilado de 1951 a 1965. Imprimiu publicações pelo método fotográfico de 1974 a 1991. Desde 1993 serve na congênere da Rússia.
Meu pai teve de viver debaixo de muitos regimes diferentes de governo e de diferentes autoridades governamentais. Por exemplo, quando a Ucrânia ocidental foi ocupada pelos alemães, bateram em meu pai porque pensavam que ele fosse comunista. Por quê? O sacerdote disse a oficiais alemães que as Testemunhas de Jeová eram comunistas porque não iam à igreja. Daí, veio o regime soviético. Mais uma vez meu pai e muitos outros foram vítimas da opressão. Ele foi chamado de espião americano. Por quê? Porque as crenças das Testemunhas de Jeová eram diferentes das crenças da religião prevalecente na época. Foi por isso que meu pai e sua família foram exilados para a Sibéria, onde ele viveu até sua morte.
[Quadro/Foto nas páginas 147-151]
Entrevista com Ivan Lytvak
Nascimento: 1922
Batismo: 1942
Resumo biográfico: Preso de 1944 a 1946. Serviu em campos de trabalhos forçados desde 1947 até 1953 no extremo norte da Rússia.
Em 1947, fui preso por não querer envolver-me na política. Levaram-me a uma prisão de segurança máxima em Luts’k, Ucrânia, onde tive de ficar sentado ereto com as mãos no colo — não podia esticar as pernas. Fiquei sentado nessa posição por três meses. Um homem de casaco preto me interrogava. Ele queria que eu lhe dissesse quem eram os irmãos na liderança da obra. Ele sabia que eu sabia, mas eu me recusei a dizer-lhe.
Em 5 de maio de 1947, o tribunal militar sentenciou-me a dez anos de prisão em campos remotos de segurança máxima. Bem, visto que eu era jovem naquele tempo, fui classificado como o que eles chamavam de primeira categoria. Todos na primeira categoria eram rapazes jovens — tanto os que eram Testemunhas de Jeová como os que não eram. Fomos transportados em carros de boi para Vorkuta, que fica no extremo norte da Rússia. Depois, puseram-nos num navio a vapor e viajamos quatro dias até o estreito de Kara.
Não havia ali quase nenhuma vida, apenas a tundra e a bétula nanica do Ártico. De lá, fomos forçados a caminhar quatro dias e quatro noites. Bem, éramos jovens. Deram-nos crostas de pão seco e carne defumada de rena. Essas rações nos foram distribuídas junto com tigelas e cobertores finos para o frio. Chovia forte. Os cobertores que estávamos carregando ficavam tão encharcados de água que era impossível carregá-los. Dois de nós pegávamos um cobertor e o torcíamos, e ficava leve de novo.
Por fim, chegamos ao nosso destino. Eu pensava comigo mesmo: ‘Mais um pouco e haverá um teto, um teto sobre minha cabeça!’ Mas chegamos a um lugar descampado onde havia muito musgo. Os guardas disseram: “Acomodem-se. É aqui que vão morar.”
Alguns prisioneiros choraram, outros insultaram o governo. Eu nunca insultei ninguém ali. Orei em silêncio: “Jeová, meu Deus, és meu refúgio e minha fortaleza. Sê meu refúgio aqui também.”
Colocaram uma corda em volta daquela área, pois não havia arame. Postaram sentinelas. Como de costume, as sentinelas ficavam lendo o tempo todo, dizendo que, se nos aproximássemos num raio de dois metros, eles abririam fogo. Passamos a noite em cima do musgo. A chuva caía torrencialmente sobre nós. Acordei no meio da noite e olhei para as 1.500 pessoas ali e vi subir vapor de todas elas. Quando acordei de manhã, um lado meu inteiro estava dentro da água. Eu estava em cima do musgo, mas havia água também. Não tínhamos nada para comer. Disseram-nos que teríamos de preparar um campo de aviação para que um avião pudesse pousar e trazer-nos alimento. Nossos guardas tinham um trator especial com enormes pneus para que não atolasse. Eu transportava mantimentos para eles, mas eles não nos davam nada.
Trabalhamos três dias e três noites para preparar o campo de aviação. Tínhamos de remover o musgo para que o avião pudesse pousar. Um pequeno avião trouxe farinha. Eles misturaram a farinha com água fervente, e foi isso o que comemos.
O trabalho era desgastante. Trabalhamos para construir uma estrada e assentamos trilhos para uma ferrovia. Éramos como uma correia transportadora humana, carregando pedras pesadas. Durante o inverno, os dias eram escuros o tempo todo e fazia muito frio.
Tínhamos de dormir ao relento, sem teto. A chuva caía a cântaros sobre nós e estávamos molhados, com fome e com frio, mas, como éramos jovens, tínhamos alguma energia. Os guardas diziam para não nos preocuparmos que logo teríamos um teto. Por fim, um trator militar trouxe lona, o suficiente para abrigar 400 pessoas. Estendemos e montamos a lona, mas ainda não havia lugar para dormir, a não ser em cima do musgo. Todos nós colhemos capim e levamos para dentro das tendas improvisadas onde morávamos, e o capim apodreceu, virando adubo orgânico. Dormimos nesse adubo.
Daí, apareceram os piolhos. Eles nos picavam insuportavelmente. Não só estavam no nosso corpo, mas em toda a nossa roupa — grandes e pequenos. Era terrível. Voltávamos do trabalho, deitávamo-nos e eles nos picavam, e nós nos coçávamos sem parar. Quando adormecíamos, eles nos picavam sem cessar. Dissemos ao nosso capataz: “Os piolhos nos estão comendo vivos.” Ele disse: “Logo nós vamos matar esses piolhos de vocês.”
As autoridades carcerárias precisaram esperar o tempo ficar menos frio, pois a temperatura era regularmente de -30 °C. Bem, diminuiu um pouco o frio e trouxeram um posto portátil de desinfecção. Mas a temperatura estava 20 graus abaixo de zero e a tenda estava toda rasgada. “Tirem a roupa”, disseram-nos, “vocês vão se lavar. Dispam-se. Vamos desinfetar suas roupas”.
Assim, lá estávamos nós numa temperatura de 20 graus abaixo de zero e despindo-nos numa tenda toda rasgada até ficarmos nus. Eles nos trouxeram tábuas, que usamos como piso. Sentado numa dessas tábuas, olhei para meu corpo. Era horrível de ver! Daí, olhei para o homem ao meu lado. Era a mesma coisa. Não restava mais nenhum músculo. Tudo tinha definhado. Estávamos reduzidos a pele e osso. Eu não conseguia mais nem mesmo subir num vagão de carga. Estava exausto. Entretanto, fui classificado como de primeira categoria — jovem saudável para o trabalho.
Pensei que logo morreria. Muitos morreram — eram homens jovens. Passei a orar fervorosamente a Jeová para que me ajudasse, porque parecia que não havia mais saída. Alguns que não eram Testemunhas de Jeová deixavam deliberadamente a mão ou a perna congelar e a decepavam para se livrar do trabalho. Era pavoroso, horrível.
Certo dia, eu estava parado perto de um dos postos da sentinela e vi um médico de pé ali. Eu tinha viajado com ele depois que fui detido e lhe havia dado testemunho sobre o Reino de Deus. Ele era prisioneiro, mas recebera anistia. Aproximei-me dele e olhei bem, e era ele mesmo; parecia que estava livre. Chamei-o pelo seu nome; acho que era Sasha. Ele olhou para mim e disse: “Ivan, é você?” Ouvindo-o dizer isso para mim, chorei como uma criança. “Vá imediatamente à unidade médica”, disse ele.
Fui à unidade médica e retiraram-me da primeira categoria de trabalhadores. Mas eu ainda estava no campo. Visto que passara então para a terceira categoria, fui mandado a uma área para os que necessitavam de descanso. O comandante disse: “Eu não o convidei a vir aqui. Você é que veio para cá. Comporte-se e faça seu trabalho.” Assim, pouco a pouco comecei a acostumar-me com a vida naquele lugar. Não precisava mais realizar aquele trabalho desgastante.
Fui posto em liberdade em 16 de agosto de 1953. Foi-me dito: “Você está livre para ir embora.” Disseram-me que eu podia ir para onde quisesse. Fui primeiro até a floresta para agradecer a Jeová que me havia preservado. Entrei naquela pequena floresta, ajoelhei-me e agradeci a Jeová que me havia preservado com vida para o futuro e para o trabalho à frente de glorificar seu santo nome.
[Destaque]
‘Mais um pouco e haverá um teto, um teto sobre minha cabeça!’
[Destaque]
Entrei naquela pequena floresta, ajoelhei-me e agradeci a Jeová que me havia preservado com vida.
[Quadro/Foto nas páginas 155, 156]
Entrevista com Volodymyr Levchuk
Nascimento: 1930
Batismo: 1954
Resumo biográfico: Preso por causa de atividade política de 1946 a 1954. Conheceu as Testemunhas de Jeová num campo de trabalhos forçados em Mordvinia.
Eu era um nacionalista ucraniano. Por isso, em 1946, os comunistas me sentenciaram a 15 anos num campo de prisão. As Testemunhas de Jeová estavam lá. Pregaram a mim e eu reconheci imediatamente a verdade. Não tínhamos Bíblia, pois estávamos num campo de segurança máxima. De modo que eu procurava pedacinhos de papel e os guardava. Depois de ter ajuntado alguns, fiz um pequeno caderno. Eu pedia aos irmãos que citassem quaisquer passagens bíblicas que lembrassem e onde se achavam esses versículos na Bíblia. Daí, eu os escrevia no meu caderno. Perguntei isso também aos que chegaram mais tarde. Quando alguém sabia qualquer coisa sobre uma profecia da Bíblia, eu anotava isso também. Colecionei diversos textos bíblicos e comecei a usá-los em minha atividade de pregação.
Quando comecei a pregar, havia muitos como eu, rapazes bem jovens. Eu era o mais novo — tinha apenas 16 anos. Falava com esses jovens e lhes dizia: “Temos sofrido em troca de nada. Nós, junto com outras pessoas, arriscamos a vida por nada. Nenhuma das ideologias políticas nos levará a nada de bom. Vocês precisam tomar o lado do Reino de Deus.” Citava os versículos que havia decorado do meu caderno. Eu tinha excelente memória. Convenci logo meus colegas, e eles começaram a vir para o nosso lado, para o lado das Testemunhas de Jeová. Eles se tornaram irmãos.
[Quadro/Foto na página 157]
Os castigos impostos às Testemunhas de Jeová
Exílio interno: Os exilados eram mandados para uma região remota, geralmente para a Sibéria, onde tinham de trabalhar e residir. Não podiam sair de seu novo lugar de residência. Uma vez por semana ou uma vez por mês, tinham de apresentar-se na delegacia de polícia local para se registrar.
Prisões em celas: Três a dez presos eram mantidos numa cela trancada. Recebiam alimento duas ou três vezes por dia. Uma vez por dia ou uma vez por semana, permitia-se que caminhassem no pátio da prisão. Não faziam nenhum trabalho.
Campos de prisão: A maioria desses se achava na Sibéria. Centenas de presos viviam juntos em barracas (uma construção geralmente abrigava de 20 a 100 detentos). Trabalhavam pelo menos oito horas por dia nas dependências do campo ou em algum outro lugar. O trabalho era duro e envolvia construir fábricas, colocar trilhos de estrada de ferro ou abater árvores. Os detentos eram escoltados pelos guardas da prisão até o local de trabalho e de volta. Dentro do campo, os presos podiam locomover-se livremente depois das horas de trabalho.
[Foto]
◼ Sibéria, Rússia: Filhos de Testemunhas de Jeová exiladas cortam lenha em pequenos pedaços para servir de combustível, 1953
[Quadro/Foto nas páginas 161, 162]
Entrevista com Fyodor Kalin
Nascimento: 1931
Batismo: 1950
Resumo biográfico: Exilado de 1951 a 1965. Preso de 1962 a 1965.
Quando eu estava preso sob investigação, Jeová realizou certa vez algo que me pareceu um milagre. O diretor da KGB (Comitê de Segurança do Estado) veio com um papel na mão. O investigador estava sentado e o promotor público sentou-se ao seu lado. O diretor da KGB disse ao investigador: “Dê-lhe isto! Deixe que o leia para ver que seus irmãos na América têm más intenções!”
Entregaram-me o papel. Era uma resolução de congresso. Li uma vez; daí, li cuidadosamente uma segunda vez. O promotor estava ficando impaciente. Ele disse: “Sr. Kalin! Está memorizando isso?”
Eu disse: “Bem, a primeira vez, passei rapidamente os olhos. Quero captar o sentido.” No meu íntimo, eu estava chorando de alegria. Quando terminei de ler a resolução, eu a devolvi e disse: “Sou-lhes imensamente grato, mas agradeço a Jeová Deus que os motivou a fazer isto. Hoje minha fé se tornou muito mais forte lendo esta resolução! Junto-me a estas Testemunhas e louvarei o nome de Deus sem restrição. Falarei a respeito dele às pessoas no campo e na prisão e onde quer que eu esteja. Esta é a minha missão!
“Por mais que me torturem, não me silenciarão. Nesta resolução, as Testemunhas não disseram que estão prontas para causar algum tipo de revolta, mas resolveram que, aconteça o que acontecer, mesmo a pior perseguição, servirão a Jeová, sabendo que ele as ajudará a permanecer fiéis! Oro a Jeová Deus para que me fortaleça neste período difícil, a fim de permanecer firme na fé.
“Mas nada me abalará! Esta resolução me fortaleceu muito. Se me colocarem contra a parede para me fuzilarem agora, não vacilarei. Jeová salva até mesmo por meio da ressurreição!”
Percebi que os investigadores ficaram decepcionados. Compreenderam que tinham cometido um grande erro. A resolução devia enfraquecer minha fé, mas ela me fortaleceu.
[Quadro/Foto nas páginas 167-169]
Entrevista com Mariya Popovych
Nascimento: 1932
Batismo: 1948
Resumo biográfico: Passou seis anos em prisões e em campos de trabalhos forçados. Ajudou mais de dez pessoas a aprender a verdade.
Quando fui presa em 27 de abril de 1950, estava grávida de cinco meses. Em 18 de julho, fui sentenciada a dez anos de prisão. Fui condenada por pregar, por falar a verdade às pessoas. Sete Testemunhas de Jeová foram sentenciadas, quatro irmãos e três irmãs. Cada um de nós foi condenado a dez anos de prisão. Meu filhinho nasceu em 13 de agosto.
Bem, quando eu estava na prisão, não fiquei desanimada. Eu sabia pela Palavra de Deus, a Bíblia, que quem sofresse não por ser assassino ou ladrão, mas por ser cristão seria feliz. E eu me sentia feliz. Tinha alegria no coração. Colocaram-me numa solitária, e eu caminhava de um lado para outro na cela cantando.
Um soldado abriu a janelinha e disse: “Está nessa situação e canta?”
Eu disse: “Sinto-me feliz porque não fiz nada de mal a ninguém.” Ele simplesmente fechou a janela. Não bateram em mim.
Disseram: “Renuncie à sua fé. Veja em que situação está.” Queriam dizer que eu ia dar à luz meu bebê na prisão. Mas eu me sentia feliz por ter sido sentenciada por causa de minha fé na Palavra de Deus. Isto me fazia sentir bem. Eu sabia que eu não era criminosa. Eu sabia que estava perseverando por causa de minha fé em Jeová. Isto me deu alegria o tempo todo. Foi assim.
Mais tarde, enquanto eu estava trabalhando no campo, tive geladura nas mãos. Fui mandada para o hospital. A médica ali gostou de mim. Ela disse: “Sua saúde não está boa. Por que não vem trabalhar para mim?”
Naturalmente, o diretor do campo não gostou da idéia. Ele disse: “Por que deseja que essa mulher trabalhe para você? Escolha alguém de um outro grupo.”
Ela disse: “Não preciso de outra pessoa — eu preciso de pessoas boas e honestas no meu hospital. E ela vai trabalhar neste hospital. Sei que ela não vai roubar nada e não vai começar a usar drogas.”
Confiavam em nós. Tinham consideração especial por pessoas de fé. Viam que espécie de pessoas nós éramos. Isto foi bom para nós.
Por fim, a médica persuadiu o diretor. Ele queria manter-me no campo porque eu trabalhava bem cortando madeira. Onde quer que os servos de Jeová trabalhassem, eram sempre honestos e trabalhadores conscienciosos.
Nota: O filho de Mariya nasceu na prisão, em Vinnitsa, Ucrânia. Nos dois anos que se seguiram, ele foi mantido no orfanato da prisão. Depois disso, parentes enviaram o bebê ao pai, que já estava exilado na Sibéria. Quando a irmã Popovych foi posta em liberdade, seu filho estava com seis anos de idade.
[Destaque]
“Sinto-me feliz porque não fiz nada de mal a ninguém.”
[Quadro/Foto na página 175]
Entrevista com Mariya Fedun
Nascimento: 1939
Batismo: 1958
Resumo biográfico: Exilada de 1951 a 1965.
Uma vez acomodados no trem, acalmados e tendo iniciado a viagem, o que podíamos fazer? Conhecíamos cânticos e começamos a cantar. Entoamos todos os cânticos que lembrávamos, cânticos do cancioneiro.
No começo, ouvíamos o entoar de cânticos apenas no nosso vagão, mais tarde, porém, quando nosso trem dava passagem a outros trens, compreendemos que havia outros trens transportando irmãos nossos. O entoar de cânticos nesses outros trens chegava até nós. Havia os da Moldávia; depois passaram os romenos da Bucovina. Havia muitos trens. Esses trens ultrapassavam uns aos outros em vários pontos. Compreendemos que eram todos nossos irmãos.
Havia muitos cânticos que lembrávamos. Muitos cânticos foram escritos nesses vagões de trem. Eles nos deram encorajamento e uma atitude mental correta. Esses cânticos dirigiam realmente nossa atenção para Jeová.
[Quadro/Foto na página 177]
Entrevista com Lydia Stashchyshyn
Nascimento: 1960
Batismo: 1979
Resumo biográfico: É filha de Mariya Pylypiv, cuja entrevista aparece nas páginas 208-9.
Quando eu era criança, vovô era ancião; ele dirigia a congregação. Lembro-me de sua rotina: Ele se levantava de manhã cedo, lavava-se e depois orava. Daí, abria a Bíblia e todos nós nos sentávamos juntos para a leitura do texto diário e do capítulo inteiro. Vovô me pedia regularmente que levasse importantes documentos — embrulhados ou dentro de uma sacola — a outro ancião que morava na extremidade da cidade. Para chegar à casa dele, eu tinha de subir um morro. Eu não gostava daquele morro. Era muito íngreme e difícil de subir. Eu dizia: “Vovô, eu não quero ir! Por favor, posso ficar?”
Meu avô respondia: “Não, você precisa ir. Leve estes documentos.”
Eu dizia comigo mesma: ‘Eu não vou! Não vou!’ Depois, dizia: ‘Não, eu preciso ir, uma coisa importante talvez dependa disto.’ Eu sempre pensava assim. Realmente não queria ir, mas mesmo assim eu ia. Sabia que não havia outra pessoa para fazer isso. Fui muitas vezes. Era meu serviço, minha responsabilidade.
[Quadro/Foto nas páginas 178, 179]
Entrevista com Pavlo Rurak
Nascimento: 1928
Batismo: 1945
Resumo biográfico: Passou 15 anos em prisões e em campos de prisão. Serve atualmente como superintendente presidente em Artemovsk, na Ucrânia oriental.
Em 1952, eu estava num campo estritamente arregimentado em Karaganda, URSS. Éramos dez naquele campo. O tempo passava tão lentamente que era difícil para nós. Embora tivéssemos alegria e esperança, não tínhamos nenhum alimento espiritual. Nós nos encontrávamos depois do trabalho e conversávamos entre nós, relembrando o que havíamos aprendido por intermédio do “escravo fiel e discreto”. — Mat. 24:45-47.
Decidi escrever para minha irmã para descrever nossa situação no campo e explicar que não tínhamos nenhum alimento espiritual. Visto que os presos não tinham permissão de enviar cartas desse tipo, era difícil remetê-la. Por fim, porém, minha irmã recebeu a carta. Ela preparou um pacote, colocou dentro um pouco de pão crocante junto com o Novo Testamento e mandou-o para mim pelo correio.
A rotina era muito rigorosa. As autoridades nem sempre faziam a entrega de pacotes aos presos. Em geral, quebravam o que havia dentro. Tudo era cuidadosamente inspecionado. Por exemplo, eles examinavam os enlatados para ver se não havia nada escondido num fundo falso ou nos lados. Examinavam até mesmo pãezinhos secos.
Chegou o dia em que vi meu nome na lista dos que receberiam pacotes. Fiquei extremamente contente, embora não imaginasse que minha irmã havia colocado um Novo Testamento no pacote. O inspetor mais rigoroso estava de serviço; os presos o chamavam de Esquentado. Quando me apresentei para apanhar meu pacote, ele me perguntou: “De onde espera um pacote?” Eu lhe disse o endereço de minha irmã. Ele pegou uma alavanca curta e abriu a caixa.
Quando ele retirou a tampa, eu vi o Novo Testamento entre a parte lateral da caixa e o comestível! Só tive tempo de dizer em silêncio: “Jeová, dê-o para mim.”
Para a minha surpresa, o inspetor disse: “Depressa, leve embora esta caixa!” Sem acreditar no que havia acontecido, cobri a caixa e levei-a para a barraca. Retirei o Novo Testamento e coloquei-o dentro de meu colchão.
Quando contei aos irmãos que havia recebido um Novo Testamento, ninguém acreditou em mim. Foi um milagre de Jeová! Ele nos estava amparando em sentido espiritual, pois, nas condições em que estávamos, era impossível obter coisa alguma. Agradecemos a nosso Pai celestial, Jeová, sua misericórdia e seus cuidados. Começamos a ler e a nos fortalecer espiritualmente. Como nos sentíamos gratos a Jeová por isso!
[Quadro/Foto nas páginas 180, 181]
Entrevista com Lydia Bzovi
Nascimento: 1937
Batismo: 1955
Resumo biográfico: Exilada de 1949 a 1965.
Quando eu era adolescente, achava muito doloroso não ter papai conosco. Nós gostávamos de nosso pai, assim como se dá com a maioria das crianças. Não cheguei a me despedir dele. Nem eu nem Ivan o vimos partir. Estávamos no campo colhendo painço.
Quando voltamos do campo para casa, mamãe nos disse que papai tinha sido preso. Senti um vazio dentro de mim, uma dor no íntimo. Mas não entramos em pânico nem ficamos com ódio. O que aconteceu era de esperar. Éramos constantemente lembrados das palavras de Jesus: “Se me perseguiram a mim, perseguirão também a vós.” (João 15:20) Aprendemos este versículo um tanto cedo na vida. Nós o conhecíamos tão bem quanto a oração-modelo. Sabíamos também que, em virtude de não fazermos parte deste mundo, o mundo não teria amor por nós. O que as autoridades governamentais estavam fazendo, faziam-no por ignorância.
Durante o regime romeno na Moldávia, papai sabia que seu caso podia ser defendido no tribunal. Foi-nos permitido comparecer no tribunal. Foi um dia muito feliz para nós.
Papai deu um maravilhoso testemunho. Ninguém se interessava em ouvir as acusações do promotor público, mas todos ouviram boquiabertos o testemunho de papai. Ele falou por uma hora e 40 minutos em vindicação da verdade. Ele deu um testemunho muito claro e inteligível. Os funcionários do tribunal tinham lágrimas nos olhos.
Sentíamos orgulho por papai poder dar testemunho num tribunal para defender publicamente a verdade. Não ficamos nem um pouco desesperados.
Nota: Em 1943, as autoridades alemãs prenderam os pais da irmã Bzovi e os condenaram a 25 anos de prisão por alegada cooperação com os soviéticos. Um ano depois, chegaram as tropas soviéticas e os puseram em liberdade. Depois disso, as próprias autoridades soviéticas prenderam o pai dela. Ao todo, ele passou 20 anos nas prisões.
[Destaque]
Nós gostávamos de nosso pai, assim como se dá com a maioria das crianças. Não cheguei a me despedir dele.
[Quadro/Fotos nas páginas 186-189]
Entrevista com Tamara Ravliuk
Nascimento: 1940
Batismo: 1958
Resumo biográfico: Exilada em 1951. Ajudou cerca de 100 pessoas a aprender a verdade.
Esta é a história de Halyna. Em 1958, quando ela tinha apenas 17 dias de vida, seus pais foram presos. Ela e a mãe foram mandadas para um campo de prisão na Sibéria. Enquanto a mãe tinha leite para amamentar, o que se deu até o quinto mês, permitiu-se que Halyna ficasse com ela. Depois disso, a mãe teve de trabalhar, e a criança foi levada para uma casa de assistência de menores. Nossa família morava perto, na província de Tomsk. Os irmãos escreveram uma carta à nossa congregação perguntando se alguém podia aceitar a menina para criá-la até que seus pais fossem soltos da prisão. Naturalmente, quando a carta foi lida, todos deram um suspiro, penalizados. Era triste e trágico que um bebê estivesse nessa situação.
Deram-nos um tempo para pensar no assunto. Passou-se uma semana. Ninguém se ofereceu para aceitá-la. A situação estava difícil para todos nós. Na segunda semana, meu irmão mais velho disse à mamãe: “Vamos pegar essa menininha.”
Mamãe disse: “O que você quer dizer com isso, Vasia? Já estou velha e doente. Sabe, é uma grande responsabilidade pegar o bebê de outra pessoa. Não é um animal. Não se trata de vaca nem de novilha. É um bebê. Além disso, é o bebê de outra pessoa.”
Ele disse: “É por isso que devemos pegá-la, mamãe. Não é um animal. Imagine um bebê nessa situação, num campo de prisão! Ela ainda é tão pequena, tão indefesa.” Ele acrescentou: “Não devemos pensar que pode chegar um dia em que alguém nos dirá: ‘Estive doente, estava na prisão, estava com fome, mas não me ajudaram.’?”
Mamãe disse: “Sim, pode ser, mas é uma grande responsabilidade pegar o bebê de outra pessoa. E se acontecer alguma coisa com ela enquanto estiver conosco?”
Meu irmão disse: “E se lhe acontecer alguma coisa lá?” Daí, ele apontou para mim e disse: “Temos a Tamara. Ela pode viajar livremente e trazer a criança. Trabalharemos todos para prover às necessidades dessa criança.”
Bem, pensamos, conversamos e por fim decidimos que eu deveria ir buscá-la. Assim, fui aos campos de prisão de Mariinski. Fui buscar a menininha. Os irmãos me deram publicações para levar. Entregaram-me também uma máquina fotográfica para tirar uma foto da mãe, para a conhecermos, pois não a conhecíamos. Não me permitiram levar a máquina para dentro do campo, mas levei as publicações. Eu havia comprado um pote, colocado as publicações dentro do pote e óleo por cima. Quando passei pela porta de entrada, o guarda não verificou se havia alguma coisa debaixo do óleo. Assim, consegui levar as publicações para dentro do campo.
Pude conhecer a mãe da criança, Lydia Kurdas. E até passei a noite no campo porque era preciso preparar os documentos para a criança sair de lá. E assim trouxe Halyna para casa comigo. Quando cheguei em casa com ela, Halyna tinha cinco meses e alguns dias. Todos nós cuidamos bem dela, mas ela ficou muito doente. Os médicos vinham atendê-la, mas não descobriam nenhuma doença.
Os médicos pensavam que ela fosse meu bebê e me pressionavam, dizendo: “Que tipo de mãe você é? Por que não a amamenta?” Tínhamos medo de dizer que se tratava de um bebê da prisão e não sabíamos o que devíamos fazer. Eu simplesmente chorava sem dizer nada. Os médicos me repreendiam; gritavam com minha mãe, dizendo que eu era jovem demais para me terem casado, que eu própria precisava de leite. Eu tinha 18 anos.
Halyna estava muito doente e tinha dificuldades para respirar. Entrei debaixo da escada e orei: “Deus Jeová, Deus Jeová, se essa criancinha tem de morrer, tire minha vida em vez da vida dela!”
A criança começou a respirar com dificuldade bem na presença dos médicos. Eles disseram: “Não há esperança — ela não sobreviverá, não sobreviverá.” Disseram isso na minha frente — repetiam isso na frente de minha mãe. Mamãe chorava. Eu orava. Mas a criança sobreviveu. Ela ficou conosco até sua mãe ser posta em liberdade. Ficou sete anos conosco e não adoeceu mais, nenhuma vez.
Hoje, Halyna mora em Kharkov, Ucrânia. Ela é nossa irmã e é pioneira regular.
[Destaque]
“Deus Jeová, Deus Jeová, se essa criancinha tem de morrer, tire minha vida em vez da vida dela!”
[Foto]
◼ Da esquerda para a direita: Tamara Ravliuk (antes Buriak), Serhii Ravliuk, Halyna Kurdas, Mykhailo Buriak e Mariya Buriak
[Foto]
◼ Da esquerda para a direita: Serhii e Tamara Ravliuk, Mykhailo e Halyna Kuibida (antes Kurdas), Oleksii e Lydia Kurdas
[Quadro/Foto nas páginas 199-201]
Entrevista com Serhii Ravliuk
Nascimento: 1936
Batismo: 1952
Resumo biográfico: Passou 16 anos em prisões e em campos de prisão. Foi forçado a se mudar de casa sete vezes. Ajudou umas 150 pessoas a aprender a verdade. A entrevista com a esposa dele, Tamara, está nas páginas 186-9. Serhii serve agora como ancião na Congregação Rohan, perto da cidade de Kharkov.
Morei sete anos em Mordvinia. Embora fosse um campo de segurança máxima, muitas publicações foram distribuídas durante o tempo em que eu estive ali. Alguns guardas levaram publicações para casa, eles próprios as leram e depois as deram a suas respectivas famílias e parentes.
Às vezes, um guarda vinha falar comigo durante o segundo turno de trabalho. Ele me perguntava: “Tem alguma coisa, Serhii?”
“O que quer?”, dizia eu em resposta.
“Apenas alguma coisa para ler.”
“Será que vão revistar-nos amanhã?”
“Sim. Amanhã vão revistar a quinta unidade.”
“Está bem, em certo beliche, embaixo de uma toalha, encontrará uma revista A Sentinela. Pode pegá-la.”
Revistaram-nos, e ele levou aquela A Sentinela. Mas os guardas não encontraram nenhuma outra publicação, pois sabíamos de antemão que iriam revistar-nos. Desse modo, alguns guardas nos ajudavam. Eles se sentiam atraídos à verdade, mas tinham medo de ficar desempregados. Durante os muitos anos em que os irmãos permaneceram ali, os guardas viram como levávamos a vida. As pessoas de reflexão podiam ver que não éramos culpados de nenhum crime. Simplesmente não podiam dizer nada a respeito, do contrário seriam consideradas apoiadores das Testemunhas de Jeová e perderiam o emprego. De modo que até certo ponto apoiavam a nossa obra. Ficavam com publicações e as liam. Isso ajudou a abrandar as duras provações da perseguição.
Em 1966, havia cerca de 300 irmãos na Mordvinia. Os administradores sabiam em que data a Comemoração seria realizada. E estavam decididos a impedir-nos naquele ano. Eles disseram: “Vocês já estudam a sua A Sentinela, mas vamos pôr fim a essa Comemoração. Não conseguirão fazer nada.”
Os membros das várias unidades de guardas tinham de permanecer nos seus escritórios até o sinal de que o perigo havia passado. Todos eles estavam a postos: o pessoal da vigilância, da administração e o comandante do campo.
De modo que todos nós saímos para a estrada, para o campo de reunião onde todos os dias, de manhã e de noite, se fazia a chamada. Daí, juntamo-nos por congregação ou por grupo e caminhamos em volta do campo. Em cada grupo, um irmão deu o discurso ao passo que caminhava; os outros escutaram.
Não tínhamos emblemas, de modo que só houve o discurso. Naquela época, não havia nenhum ungido no campo. Às 21h30, tudo tinha terminado, todos os grupos haviam concluído a celebração realizada caminhando pela estrada.
Queríamos cantar o cântico juntos — todos os irmãos juntos. De modo que nos ajuntamos perto da casa de banhos, que ficava no canto mais distante da entrada do posto de controle. Imagine 300 homens dos quais uns 80 a 100 estavam cantando à noite na taiga! Pense só no eco desse cântico! Lembro-me de ter entoado o cântico número 25, intitulado “Morri por vós”, do cancioneiro antigo. Todos sabiam cantar esse cântico. Às vezes, até mesmo os soldados nas torres gritavam para nós, dizendo: “Por favor, cantem o cântico 25!”
Quando começamos a cantar naquela noite, todo o pessoal veio correndo de seus escritórios até a casa de banhos para nos fazer parar. Mas, quando chegaram, não conseguiram impedir o entoar do cântico, porque os irmãos que não estavam cantando tinham formado todos juntos um círculo firme em volta dos que estavam cantando. Portanto, os guardas simplesmente correram freneticamente até terminarmos de cantar. Terminado o cântico, todos se dispersaram. Os guardas não sabiam quem havia cantado e quem não. Não podiam lançar todos numa cela solitária.
[Quadro/Foto nas páginas 203, 204]
Entrevista com Victor Popovych
Nascimento: 1950
Batismo: 1967
Resumo biográfico: Nasceu na prisão, filho de Mariya Popovych, entrevistada nas páginas 167-9. Foi detido em 1970 e passou quatro anos na prisão por causa de sua atividade de pregação. Nos três dias de julgamento no tribunal, 35 pessoas testificaram que o irmão Popovych lhes havia pregado.
A situação em que as Testemunhas de Jeová se encontravam não deve ser avaliada meramente no contexto das relações humanas. A perseguição dos servos de Deus não pode ser explicada de modo pleno lançando-se a culpa no governo. A maioria dos funcionários do governo estava meramente fazendo o seu trabalho. Quando o governo mudava, os funcionários mudavam a sua lealdade, mas nós continuamos a ser os mesmos. Compreendíamos que a razão real de nossas dificuldades estava revelada na Bíblia.
Não nos considerávamos simplesmente vítimas inocentes de homens opressivos. O que nos ajudou a perseverar foi um entendimento claro da questão levantada no jardim do Éden — a questão do direito de Deus de governar. Era uma questão que ainda não tinha sido resolvida. Sabíamos que tínhamos a oportunidade de tomar o lado do governo de Jeová. Tomamos o lado de uma questão relacionada não só com os interesses pessoais dos humanos, mas também com os interesses do Soberano do Universo. Tínhamos um entendimento mais elevado das questões reais envolvidas. Isto nos fortaleceu e nos habilitou a manter nossa integridade mesmo nas mais extremas situações. Olhávamos para além das meras relações humanas.
[Destaque]
A perseguição dos servos de Deus não pode ser explicada de modo pleno lançando-se a culpa no governo.
[Quadro/Foto nas páginas 208, 209]
Entrevista com Mariya Pylypiv
Nascimento: 1934
Batismo: 1952
Resumo biográfico: Foi à Sibéria em 1951 para visitar sua irmã que tinha sido deportada para lá. Mariya aprendeu a verdade na Sibéria e mais tarde casou-se com um irmão que estava exilado ali.
Quando papai faleceu, a polícia veio à nossa casa. Chegaram muitos policiais. Vieram tanto da cidade como do município. Avisaram-nos que não queriam cânticos nem orações. Nós respondemos que não existia lei contra oração. Perguntaram quando seria o funeral. Nós lhes informamos e eles partiram.
Os irmãos chegaram cedo. Era proibido reunir-se, mas as pessoas podiam comparecer a um funeral. Começamos cedo, porque sabíamos que a polícia apareceria. Logo que um irmão começou a fazer a oração, chegou um caminhão cheio de policiais. O irmão terminou a oração e depois fomos ao cemitério.
Eles nos seguiram e permitiram que entrássemos no cemitério. Quando o irmão fez mais uma oração, a polícia tentou prendê-lo. Mas nós, as irmãs, tínhamos decidido que não deixaríamos que o pegassem. Havia muitos policiais, de modo que formamos um círculo em volta do irmão. Na confusão que se seguiu, uma irmã conduziu o irmão para fora do cemitério, por entre as casas, para a cidade. De repente, passou um conhecido num automóvel particular, de modo que o irmão entrou no carro e foi embora. Os policiais o procuraram em toda a parte, mas não o acharam. Daí, foram embora.
As irmãs muitas vezes protegiam os irmãos. Em geral, é o contrário, mas tinha de ser assim naquela época. As irmãs tinham de proteger os irmãos. Houve muitos casos assim.
[Destaque]
Tinha de ser assim naquela época. As irmãs tinham de proteger os irmãos.
[Quadro/Foto nas páginas 220, 221]
Entrevista com Petro Vlasiuk
Nascimento: 1924
Batismo: 1945
Resumo biográfico: Exilado de 1951 a 1965. Pouco tempo depois que o irmão Vlasiuk foi exilado, seu filho adoeceu e morreu. No ano seguinte, depois de dar à luz a mais um filho, sua esposa teve complicações, foi piorando e morreu. O irmão Vlasiuk ficou sozinho com o pequeno bebê. Em 1953, ele se casou de novo e sua segunda esposa ajudou a cuidar da criança.
Eu estava entre os que foram exilados da Ucrânia para a Sibéria em 1951. Olhe, nós não tínhamos medo. Jeová infundiu nos irmãos um espírito que lhes dava fé, uma fé que se evidenciava no seu modo de falar. Ninguém jamais teria escolhido viajar para um lugar assim como designação de serviço de pregação. Jeová Deus evidentemente permitiu que o governo nos transportasse para lá. Mais tarde, as autoridades disseram: “Cometemos um grande erro.”
Os irmãos perguntaram: “Em que sentido?”
“No sentido de os termos trazido para cá, e agora vocês estão convertendo as pessoas aqui também!”
Os irmãos disseram: “Vão cometer ainda outro erro.”
O segundo grande erro foi que, depois de nos soltarem, em virtude de uma concessão de anistia, não nos permitiram voltar para nossa terra natal. “Podem ir para onde quiserem, mas não para sua terra”, disseram. Depois, caíram em si e compreenderam que haviam tomado uma decisão errada. Por causa desse regulamento, as boas novas foram divulgadas em toda a Rússia.
[Quadro/Foto na página 227]
Entrevista com Anna Vovchuk
Nascimento: 1940
Batismo: 1959
Resumo biográfico: Exilada de 1951 a 1965. Ela tinha dez anos quando foi mandada para a Sibéria. Entre 1957 e 1980, trabalhou às ocultas imprimindo publicações bíblicas.
Os agentes da KGB muitas vezes tentavam fazer-nos identificar os irmãos. Mostravam-nos fotos. Eu dizia: “Para vocês, eu não sei nada. Não conheço ninguém para vocês.” É assim que sempre lhes respondíamos. Mais tarde, pouco depois de me casar, estava caminhando para a cidade quando me deparei com o chefe local da KGB em Angarsk. Muitas vezes ele me havia intimado a comparecer a interrogatórios e me conhecia bem.
Ele disse-me: “A respeito de Stepan Vovchuk, você me disse que não conhecia esse homem. E como é que agora está casada com ele?”
Eu respondi: “Não foi o senhor que o apresentou a mim com as fotos que me mostrou?”
Ele bateu a palma da mão na outra e disse: “É isso aí! De novo nós somos os culpados!”
E rimos juntos. Esse foi um momento feliz e alegre em minha vida.
[Quadro/Foto nas páginas 229, 230]
Entrevista com Sofiya Vovchuk
Nascimento: 1944
Batismo: 1964
Resumo biográfico: Exilada de 1951 a 1965. Ela tinha sete anos quando foi mandada junto com a mãe, a irmã e o irmão para a Sibéria.
Quando nos levaram para a Sibéria, fomos informados de que permaneceríamos ali para sempre. Nunca imaginamos que seríamos postos em liberdade. Quando líamos na revista A Sentinela a respeito de congressos em outros países, orávamos a Jeová pedindo que pelo menos uma vez na vida tivéssemos a oportunidade de assistir a um congresso como os que eram realizados em outros países. Não resta dúvida de que Jeová nos abençoou. Em 1989, pudemos assistir ao congresso internacional das Testemunhas de Jeová na Polônia. É impossível descrever a imensa satisfação e alegria de estarmos lá.
Os irmãos na Polônia nos receberam de braços abertos. Ficamos ali quatro dias. Nós assistimos a um congresso! Foi uma grande alegria aprender mais a respeito de Jeová e receber instrução da Palavra de Deus. Sentíamo-nos tão felizes! Contamos nossas experiências a todos. Embora fôssemos de tantas nacionalidades, eles eram nossos irmãos. Ao andarmos no estádio, tínhamos uma agradável sensação de paz. Depois de tudo — de termos estado por tanto tempo sob proscrição — parecia que já estávamos no novo mundo. Não ouvimos nenhum insulto, e tudo estava limpo e era lindo. Passávamos algum tempo juntos depois do programa. Não saíamos imediatamente; ficávamos em companhia dos irmãos, conversando com eles. Havia também intérpretes quando não entendíamos o idioma. Mesmo quando não entendíamos uns aos outros, nós nos beijávamos. Sentíamo-nos felizes.
[Quadro/Foto nas páginas 243, 244]
Entrevista com Roman Yurkevych
Nascimento: 1956
Batismo: 1973
Resumo biográfico: Ele passou seis anos em campos de prisão por causa de sua neutralidade. Serve na Comissão de Filial da Ucrânia desde 1993.
A verdade motiva a pessoa a ajudar e a amparar os outros. Sentimos isso especialmente em 1998 quando houve uma grande enchente na Transcarpática e centenas, sim, centenas de pessoas perderam numa só noite suas casas e tudo o que lhes pertencia.
Em dois dias, apareceu um grupo de irmãos que formou comissões de assistência. Estas comissões decidiram que ajuda seria dada a cada família, em cada cidade. Duas pequenas cidades foram duramente atingidas: Vary e Vyshkove. Em apenas dois ou três dias, os planos já haviam sido traçados sobre que ajuda se daria e a que família, bem como quem prestaria essa ajuda. Daí, chegaram nossos irmãos em caminhões e começaram a retirar com pás o mar de lama.
Trouxeram-nos lenha seca, o que surpreendeu a todos na região. As pessoas que não eram Testemunhas ficaram admiradas. Uma irmã, procedente de Vyshkove, estava no local onde uma equipe de irmãos retirava a lama com pás. Um jornalista a abordou e perguntou: “Sabe quem são essas pessoas?”
“Não as conheço bem”, respondeu ela, “porque falamos línguas diferentes — romeno, húngaro, ucraniano e russo. Mas sei de uma coisa: são meus irmãos e estão me ajudando.”
Em questão de dois ou três dias, os irmãos haviam enviado ajuda e tinham cuidado dessas famílias, que foram transferidas para outras regiões. Mas, depois de seis meses, a bem dizer todas as casas das Testemunhas haviam sido reconstruídas, e as Testemunhas foram as primeiras pessoas daquela região a retornar para morar em suas novas casas.
[Quadro na página 192]
Relato de um superintendente de circuito, 1958
“Sabendo que dez membros de uma organização da juventude comunista vigiam a bem dizer cada irmão, pode-se entender até certo ponto a grande dificuldade enfrentada pelos irmãos. Acrescente a isso vizinhos traidores; falsos irmãos; grande número de policiais; tribunais dando penas de prisão de até 25 anos em campos de trabalhos forçados ou em prisões; o exílio na Sibéria; trabalhos forçados vitalícios; encarceramentos, às vezes longos termos de detenção em celas escuras de prisões — tudo isso pode acontecer a uma pessoa que profere algumas palavras sobre o Reino de Deus.
“Apesar disso, os publicadores são destemidos. Seu amor a Jeová Deus é sem limite, sua atitude é similar à dos anjos e não pensam em abandonar a luta. Sabem que a obra é de Jeová e que tem de prosseguir até o fim vitorioso. Os irmãos sabem para com quem é a sua integridade. Sofrer por Jeová é uma alegria para eles.”