A passagem do noroeste — via oceânica ou sonho evasivo?
Do correspondente de “Despertai!” no Canadá
A DESCOBERTA recente de amplas reservas petrolíferas na Vertente Norte do Alasca trouxe de novo à baila a questão: Podem as costas setentrionais da América do Norte ser usadas como rotas de navegação, cortando-se assim milhares de milhas de distância entre os Oceanos Atlântico e Pacífico? Os obstáculos para se estabelecer uma via oceânica através desta passagem do noroeste são formidáveis.
Isto se dá porque o Oceano Ártico, que se acha ao norte do Canadá e do Alasca, é quase que completamente recoberto de maciça banquisa de gelo, de metros de grossura. Apenas próximo das costas setentrionais há águas livres de gelo no verão. Mas, grande parte da rota acha-se bastante obstruída pelo gelo até mesmo na parte mais favorável do ano, ficando obstruída por compactas massas de gelo que descem da banquisa permanente de gelo ao noroeste. Em resultado, jamais um grande navio mercante navegara pela inteira passagem do noroeste.
Destarte, constituiu significativa façanha quando, em setembro de 1969, o SS Manhattan foi espumando por centenas de milhas de compacto gelo ártico para atravessar por fim a passagem. Mas, não foi uma viagem fácil. O SS Manhattan ficou preso no gelo pelo menos seis vezes, e precisava ser livrado por um acompanhante quebra-gelos canadense. Foi até mesmo necessário recuar depois de tentar passar por um dos maiores estreitos.
A Rota
Em 24 de agosto, o enorme SS Manhattan, de 150.000 toneladas, de cerca de 300 metros de comprimento, partiu de Chester, Pensilvânia, EUA, dirigindo-se para a costa atlântica, passou ao largo da Terra Nova, e atravessou o Estreito de Davis, entre a Groenlândia e a Ilha Baffin. Na Baía de Baffin encontrou pela primeira vez massas de gelo, que enfrentou cautelosamente.
Em 5 de setembro, o gigantesco navio-tanque entrou no Estreito de Lancaster, a entrada para a passagem do noroeste. Nas próximas 800 milhas, foi espumando e abrindo passagem pelo mar bloqueado de gelo que se acha pontilhado de numerosas ilhas canadenses. Teve de parar seriamente pela primeira vez em 9 de setembro, ao largo da Ilha Melville, e precisou ser socorrido pelo acompanhante quebra-gelos. Depois de abrir passagem por 100 milhas até o Estreito de McClure, por fim viu-se obrigado pelo gelo compacto a desviar-se. Seguindo outra rota, pelo Estreito Príncipe de Gales, conseguiu passar pela Ilha Banks.
Em 14 de setembro, o enorme navio-tanque saiu do pior gelo. Navegando do Estreito de Príncipe de Gales para o Golfo de Amundsen, no Mar de Beaufort, por fim entrou em águas livres de gelo, e a tripulação celebrou a passagem com êxito. No entanto, ainda restavam centenas de milhas a percorrer antes de alcançar o destino em Ponto Barrow, Alasca.
Há Muito É um Sonho
Em sua busca de uma rota marítima para o Oriente, os exploradores primitivos fizeram muitas tentativas para atravessar a passagem. Jacques Cartier, que reivindicou o Canadá para a França em 1534, procurava realmente tal rota marítima. Estes exploradores primitivos previam uma carga de ricas especiarias da China, se se pudesse descobrir uma rota navegável.
A maioria das viagens naqueles dias, contudo, eram assoladas por perdas trágicas, algumas com o desastre total. Os navios amiúde ficavam enredados no gelo por mais de um inverno, às vezes permanecendo encerrados no verão, de modo que só fizessem pouco ou nenhum progresso. A temível doença, o escorbuto, resultante da falta de vitamina C, colheu terrível preço de vidas humanas durante estas expedições.
Por volta de 1825, tornou-se claro que a via de acesso à passagem se achava pelo Estreito de Davis e a Baía de Baffin. O crédito da descoberta da chave para a passagem ao longo da costa continental é geralmente atribuído à Expedição de Franklin, de 1845-1848. Mas, os dois navios e os 129 homens dessa expedição pereceram nas vastidões congeladas. Por fim, em 1903-1906, a primeira viagem pela inteira passagem foi feita sob Roald Amundsen, norueguês, que seguiu a rota de Franklin com ligeira variação, viajando pela costa do leste para o oeste.
Em 1942, o vaso da Real Polícia Montada do Canadá, St. Roch, fez a primeira viagem bem sucedida pela mesma rota, do oeste para o leste. Dois anos mais tarde, seguiu uma rota mais setentrional do leste para o oeste. Com sua viagem, o SS Manhattan tentava estabelecer a exeqüibilidade de se construírem frotas de navios especialmente equipados para transportar produtos comerciais por esta passagem arriscada.
Cortar Distâncias de Navegação
Se se materializar este sonho de muitos séculos de uma passagem do noroeste, a economia em tempo e em milhas percorridas poderá ser tremenda. O uso da passagem diminuiria a distância de navegação entre Nova Iorque e Tóquio em 3.000 milhas. A rota atual de Londres a Tóquio, sem se usar o Canal de Suez, é de 15.000 milhas. Mas, pela passagem do noroeste ficaria reduzida a menos de 8.000! E de Iocoama a Liverpool são 12.250 milhas pelo Canal do Panamá, mas apenas 7.000 pela passagem do noroeste.
Outra consideração é: O petróleo do Oriente Médio atualmente viaja 8.000 milhas até o Japão e 11.000 milhas até a Europa. Não obstante, usando-se a passagem do noroeste, os campos de petróleo recentemente descobertos do Alasca e os em potencial na parte setentrional do Canadá distarão apenas 4.000 milhas do Oriente, 3.000 milhas da Inglaterra e 3.700 milhas da Europa ocidental.
Benefícios Comerciais em Potencial
Os computadores agora analisam informações colhidas pelo SS Manhattan para determinar se grandes navios-tanques poderão atravessar com êxito a passagem o ano todo. Outra viagem talvez seja tentada por ele em março para colher informações adicionais a fim de se decidir se a rota é comercialmente praticável. E se for?
Isto significará, segundo cálculos da “Humble Oil and Refining Company”, que custará de noventa centavos a um dólar estadunidense para despachar um barril de petróleo por navio-tanque dos campos petrolíferos do Alasca para a parte ocidental dos EUA. Isto será de trinta e cinco a quarenta e cinco centavos estadunidenses menos do que custaria para transportar o petróleo por oleoduto, ou por uma combinação de navio-tanque e oleoduto. As companhias de petróleo visualizavam que isso também significaria frotas de super quebra-gelos-navios-tanques transportando por esta via oceânica dois milhões de barris de petróleo por dia por volta de princípios de 1970, influindo possivelmente nos preços de petróleo e da gasolina, para o proveito do consumidor.
Um surto na construção naval resultaria assim da abertura da passagem do noroeste. Mas, o Canadá seria talvez o principal beneficiário, pois se diz que em torno de suas ilhas setentrionais há vastas reservas de petróleo e gás natural. As reservas petrolíferas, segundo se crê, são ainda maiores do que as descobertas no Alasca, onde as principais companhias petrolíferas já pagaram cerca de Cr$ 4.500 milhões para a exploração e direitos de pesquisa apenas.
Em adição, amplos depósitos minerais têm sido descobertos no Canadá setentrional e esperam-se mais descobertas. Minério de ferro de alto teor, chumbo, zinco, asbesto, cobre e prata foram encontrados. Se a passagem do noroeste puder ser usada comercialmente e a época de navegação setentrional puder ser alongada, tais riquezas poderiam ser exploradas.
Disputa Quanto à Soberania
Quem é dono da passagem? Essa é uma questão em disputa. No passado, o Canadá reivindicou a soberania sobre estas vias aquosas setentrionais, e ninguém se preocupou em questionar tais reivindicações. Os ministros do governo canadense fizeram recentemente declarações no sentido de que o Canadá continuará a exercer a soberania sobre as águas do arquipélago ártico.
Os navios que usarem a passagem aparentemente navegarão por águas canadenses, visto que, em certo ponto, têm de passar no limite das três milhas da costa, o limite marítimo da costa reconhecido. Assim, parece certa pelo menos a soberania canadense sobre parte da passagem. Como o Canadá considerará o restante da passagem e esperará que outras nações a considerem ainda está para ser resolvido pelo governo.
As nações que exercem a soberania sobre as vias aquosas devem prover ajudas de navegação e diretrizes. E as autoridades afirmam que serão possivelmente necessários seis quebra-gelos colocados ao longo da passagem a fim de ajudar os navios-tanques a atravessar o gelo. O Ministro de Transportes canadense, Don Jamieson, calculou que custaria ao Canadá cerca de Cr$ 5.000.000.000,00 para prover os serviços exigidos.
Embora um vaso mercante tenha navegado pela passagem do noroeste, o Comissário dos Territórios do Noroeste, Stuart Hodgson, observou: “Uma viagem apenas não significa êxito.” Os habitantes da região noroeste dizem que o verão passado foi excepcionalmente brando no norte, e que a viagem foi feita durante a época mais favorável. Os veteranos do norte gostariam de ver a passagem ser atravessada em “março, quando é realmente difícil”.
Conforme já observado, o SS Manhattan talvez tentasse isso. Pelo menos até então, não se saberá se a passagem do noroeste se tornará por fim uma via oceânica, ou permanecerá um sonho evasivo.
[Mapa na página 12]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Oceano Ártico
ALASCA
Ponto Barrow
GROENLÂNDIA
CANADÁ
ESTADOS UNIDOS