Perguntas dos Leitores
● Será que a maneira em que a Tradução do Novo Mundo na edição em inglês verte João 1:1 não viola as regras da gramática grega ou esta em conflito com a adoração de apenas um só Deus?
A Tradução do Novo Mundo, na edição em inglês, verte João 1:1 do seguinte modo: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era um deus.” Alguns objetaram à tradução de “um deus”, que aparece na parte final deste versículo. Afirmam que os tradutores erraram ao colocarem “um” antes de “deus”. Trata-se realmente duma tradução errônea?
Embora a língua grega não tenha artigo indefinido que corresponda a “um” em inglês (ou português, língua em que não surge o caso levantado quanto ao inglês), ela tem o artigo definido ho, muitas vezes vertido em inglês por “the” (“o”). Por exemplo, ho Khristós, “o Cristo”, ho Ky’rios, “o Senhor”, ho Theós, literalmente, “o Deus”.
Freqüentemente, porém, ocorrem em grego substantivos sem o artigo. Os gramáticos chamam estes substantivos de “anartros”, significando “usados sem artigo” ou “sem articulação”. É de interesse notar que, na parte final de João 1:1, a palavra grega para “deus”, theós, não tem na frente dela o artigo definido ho. Como vertem os tradutores tais substantivos gregos anartros em inglês?
Muitas vezes acrescentam o artigo indefinido, inglês, “a” (“um”) para dar à passagem o devido sentido. Por exemplo, na parte final de João 9:17, o texto grego diz literalmente, segundo a tradução interlinear, literal, do clérigo Alfred Marshall, D. Litt.: “E ele disse [,] — Um profeta ele é.” Não há artigo definido diante da palavra grega para “profeta”. Portanto, o tradutor verteu a palavra por “um profeta”, assim como fazem muitas outras traduções em inglês. — Authorized Version, New American Standard Bible, e também as traduções de Charles B. Williams e William F. Beck.
Isto não significa, porém, que, cada vez que no texto grego ocorre um substantivo anartro deva aparecer em inglês com o artigo indefinido. Os tradutores vertem estes substantivos de vários modos, às vezes com o artigo “the” (“o”), entendendo que são definidos, embora o artigo definido esteja faltando. Em Mateus 27:40, por exemplo, diversas versões inglesas da Bíblia vertem a frase por “o Filho de Deus”, embora a palavra grega para “filho” esteja sem artigo definido.
Que dizer de João 1:1? A tradução interlinear de Marshall reza ali: “Em [o] princípio era a Palavra, e a Palavra estava com — Deus, e Deus era a Palavra.” Conforme já mencionado, não aparece o artigo “o” perante “Deus” na parte final deste versículo. A Comissão da Tradução do Novo Mundo da Bíblia decidiu inserir ali em inglês o artigo indefinido “um”. Isto ajuda a distinguir “a Palavra”, Jesus Cristo, como um deus ou uma pessoa divina, com amplo poder, de o Deus “com” o qual estava, Jeová, o Todo-poderoso. Alguns dos que conhecem e grego afirmam que, ao fazerem isso, os tradutores, em inglês, violaram uma regra importante da gramática grega. Por quê?
O problema, dizem eles, é a ordem das palavras. Lá em 1983, o erudito grego E. C. Colwell publicou em inglês um artigo intitulado “Regra Definida do Uso do Artigo no Novo Testamento Grego”. Nele escreveu: “Um nominativo predicativo definido possui o artigo quando segue o verbo não possui o artigo quando precede o verbo. . . . Um nominativo predicativo que precede o verbo não pode ser traduzido como substantivo indefinido ou ‘qualificativo’ apenas por falta do artigo; se o contexto sugerir que o predicativo é definido, deve ser traduzido como substantivo definido, apesar da ausência do artigo.”
Em João 1:1, o substantivo predicativo anartro theós de fato precede o verbo, sendo que a ordem literal das palavras em grego é: “Deus [predicativo] era [verbo] a Palavra [sujeito].” A respeito deste versículo, Colwell concluiu: “O versículo inicial do Evangelho de João contêm uma das muitas passagens em que esta regra sugere a tradução dum predicativo como substantivo definido.” Por isso, alguns eruditos afirmam que a única maneira correta de traduzir esta frase é: “E a Palavra era Deus.”
Provam estas declarações de Colwell que a tradução “um deus” é uma versão errada de João 1:1? Talvez tenha notado a fraseologia deste erudito, no sentido de que um substantivo predicativo anartro que precede o verbo deve ser entendido como definido “se o contexto sugerir” isso. Mais adiante no seu argumento, Colwell enfatiza que o predicativo é indefinido nesta posição “apenas quando o contexto o exige”. Em parte alguma diz ele que todos os substantivos predicativos anartros que precedem o verbo em grego são substantivos definidos. O que deve orientar o tradutor, em tal caso, não é uma regra inviolável de gramática, mas o contexto.
O testo grego das Escrituras cristãs contém muitos exemplos deste tipo de substantivo predicativo, em que outros tradutores acrescentaram o artigo indefinido “um” em inglês. Veja, por exemplo, a tradução interlinear de Marshall dos seguintes versículos: “Diz-lhe a mulher: Senhor, percebo que um profeta predicativo] és verbo] tu sujeito].” (João 4:19) “Disse portanto a ele — Pilatos: Não realmente um rei [predicativo] és [verbo] tu [sujeito]? Respondeu — Jesus: Tu dizes que um rei predicativo] sou eu [verbo com sujeito incluído].” — João 18:37.
Notou as expressões “um profeta”, “um rei” (duas vezes)? Estes são substantivos predicativos anartros que precedem o verbo em grego. Mas, o tradutor os verteu com o artigo indefinido “um”. Há numerosos exemplos adicionais disso em versões da Bíblia em inglês. Como ilustração adicional considere os seguintes do Evangelho de João, na Nova Bíblia Inglesa: “Um Diabo” (Jo 6:70); “um escravo” Jo 8:34); “um assassino . . . um mentiroso” (Jo 8:44); “um ladrão” (Jo 10:1); “um assalariado” (Jo 10:13); “um parente” (Jo 18:26).
Alfred Marshall explica por que usa o artigo indefinido na sua tradução interlinear de todos os versículos mencionados nos dois parágrafos precedentes e em muitos outros: “O uso dele na tradução é um assunto de critério individual. . . . Inserimos ‘um’ como coisa lógica onde parece necessário” (na língua inglesa). Naturalmente, nem Colwell (conforme mencionado acima), nem Marshall achavam necessário colocar “um” diante de “deus” em João 1:1. Mas isso não se devia a uma regra inflexível da gramática. Era “critério individual” deles, que os eruditos e tradutores têm o direito de espressar. A Comissão da Tradução do Novo Mundo da Bíblia expressou um critério diferente na edição inglesa, neste lugar, com a tradução de “um deus”.a
Certos eruditos salientaram que os substantivos predicativos anartros que precedem o verbo em grego podem ter significado qualificativo. Quer dizer, podem descrever a natureza ou condição do sujeito. Assim, alguns tradutores vertem em inglês João 1:1: “O Logos era divino”, (Moffatt); “a Palavra era divina’ (Goodspeed); “a natureza da Palavra era a mesma que a natureza de Deus”, (Barclay); “a Palavra estava com Deus e compartilhava sua natureza”, (The Translator’s New Testament).
Será que ser Jesus Cristo “divino” ou semelhante a Deus significa que ele mesmo era todo-poderoso e coeterno com Deus, o Pai?
É verdade que os trinitaristas atribuem significado especial à condição divina de Jesus. Até mesmo empregam um termo grego não-bíblico, especial, homoousios (“consubstancial” ou “coessencial”) neste respeito. A Nova Enciclopédia Católica (em inglês) explica sob o verbete “Consubstancialidade”, que é a maneira em que verte homoousios: “A consubstancialidade definida pelo [Concílio] de Nicéia I [325 E. C.], portanto, . . . afirma essencialmente que o Filho é igual ao Pai, é tão divino como o Pai, sendo de Sua substância e da mesma substância que Ele; segue-se daí, necessariamente; que o Filho não pode pertencer ao que foi criado . . . Por causa da absoluta unicidade, união e simplicidade de Deus, a identidade da substância não é apenas específica [como no caso dos humanos, que têm em comum a natureza humana], mas absoluta ou numérica.”
No entanto, onde, nas Escrituras, se encontra tal raciocínio? A resposta é simples: Em parte alguma. A Palavra escrita de Deus nem contém a palavra homoousios, nem a idéia que os trinitaristas lhe dão. Trata-se de mera filosofia.
Será que a idéia de Jesus Cristo ser “um deus” entra em conflito com o ensino bíblico de que há apenas um só Deus? (1 Cor. 8:5, 6) De modo algum. Às vezes, as Escrituras Hebraicas empregam o termo usado para Deus, ’elohím, com referência a criaturas poderosas. Por exemplo, lemos no Salmo 8:5: “Também passaste a fazê-lo [o homem] um pouco menor que os semelhantes a Deus.” (Em hebraico: ’elohím; “um deus”, New English Bible; Jerusalem Bible) A Versão dos Setenta grega verte ali ’elohím por “anjos”. Os tradutores judaicos desta versão não viram nenhum conflito com o monoteísmo na aplicação do termo usado para Deus a pessoas espirituais, criadas. (Veja Hebreus 2:7, 9.) De modo similar, os Judeus do primeiro século E. C. não viram nenhum conflito com sua crença em um só Deus no Salmo 82, embora os Sal 82 versículos 1 e 6 deste salmo usem a palavra ’elohím (theói, plural de theós, Versão dos Setenta) com referência a juízes humanos. — Veja João 10:34-36.
Jesus Cristo, segundo as Escrituras, é “a imagem do Deus invisível”. (Col. 1:15) No entanto, os cristãos que tem uma vocação celestial esperam ter a imagem de Cristo na sua plenitude, tornando-se participantes da “natureza divina” ao chegarem ao céu. (2 Ped. 1:4; 1 Cor. 15:49; Fil. 3:21) Já tiveram início nesta direção por “novo nascimento” espiritual enquanto ainda na terra. (1 Ped. 1:3, 4) Isto, porém, não significa que sejam coiguais com Deus. Tampouco significa isso para Jesus, ter ele junto com tais a “natureza divina”.
A tradução inglesa de “um deus” em João 1:1 não faz injustiça à gramática grega. Nem está em conflito com a adoração Daquele a quem o ressuscitado Jesus Cristo chama de “meu Deus” e a quem o próprio Jesus esta sujeito. — João 20:17; Rev. 3:2, 12; 1 Cor. 11:3; 15:28.
[Nota(s) de rodapé]
a Queira ver um exame mais detalhado de João 1:1 no artigo “Grandioso Porta-voz — Quem É?”, na Sentinela de 15 de setembro de 1975, páginas 557-560.