CANAÃ, CANANEU
[provavelmente do hebraico kaná‘, ‘ser humilde’; daí, baixo, humilhado].
1. O quarto filho alistado de Cã, e neto de Noé. (Gên. 9:18; 10:6; 1 Crô. 1:8) Era o progenitor de onze tribos que, com o tempo, habitaram a região ao longo do leste do Mediterrâneo, entre o Egito e a Síria, desta forma lhe dando o nome de “a terra de Canaã”. — Gên. 10:15-19; 1 Crô. 16:18; veja o N.° 2 abaixo.
Depois do incidente da embriaguez de Noé, Canaã ficou sob a maldição profética de Noé, que predizia que Canaã se tornaria escravo tanto de Sem como de Jafé. (Gên. 9:20-27) Visto que o registro menciona apenas que “Cã, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai e foi contá-lo aos seus dois irmãos lá fora”, surge a questão quanto à razão de ter sido Canaã, ao invés de Cã, o objeto dessa maldição. Comentando o V. 24, que declara que, quando Noé despertou dos efeitos do vinho, “soube o que lhe havia feito seu filho mais moço”, uma nota na tradução de Rotherham, em inglês, afirma: “Sem dúvida Canaã, e não Cã: Sem e Jafé, por causa de sua piedade, são abençoados; Canaã, por causa de alguma baixeza não mencionada, é amaldiçoado; Cã, por causa de sua negligência, é negligenciado.” Similarmente, uma publicação judaica, The Pentateuch and Haftorahs (O Pentateuco e as Haftorás), editada por J. H. Hertz, sugere que a breve narrativa “se refere a algum ato abominável em que Canaã parece ter estado envolvido”. E, depois de comentar que a palavra hebraica traduzida “filho”, no V. 24, pode significar “neto”, esta fonte declara: “A referência é evidentemente feita a Canaã.” The Soncino Chumash, editado por A. Cohen, também indica que alguns creêm que Canaã “se tenha entregado a uma concupiscência pervertida quanto a [Noé]”, e que a expressão “filho mais moço” se refere a Canaã, que era o filho mais moço de Cã.
Tais conceitos são, necessariamente, conjecturais, visto que o registro bíblico não fornece quaisquer pormenores quanto ao envolvimento de Canaã na ofensa contra Noé. Todavia, algum envolvimento parece definitivamente tencionado pelo fato de que, pouco antes de se relatar o caso de Noé, introduz-se abruptamente Canaã no relato (V. 18), e, ao descrever as ações de Cã, o registro se refere a ele como “Cã, pai de Canaã”. (V. 22) Que a expressão “viu a nudez de seu pai” talvez indique certo abuso ou perversão que envolvia Canaã, é uma conclusão razoável. Pois, na maioria dos casos em que a Bíblia fala de se ‘descobrir a nudez’ ou de se ‘ver a nudez de outrem’, tem-se presente o incesto ou outros pecados sexuais. (Lev. 18:6-19; 20:17) Assim, é possível que Canaã tenha cometido ou tentou cometer algum abuso contra o inconsciente Noé, e que Cã, embora tivesse conhecimento disso, falhou em impedi-lo ou deixou de tomar medidas disciplinares contra o ofensor, e agravou ainda mais seu erro por falar a seus irmãos sobre a vergonha de Noé.
Deve-se também considerar o elemento profético da maldição. Não existe evidência que indique que o próprio Canaã se tornasse escravo de Sem ou de Jafé durante sua vida. Mas, a presciência de Deus operava, e, visto que a maldição expressa por Noé fora divinamente inspirada, e visto que o desfavor de Deus não é expresso sem causa justa, é provável que Canaã já tivesse manifestado uma característica definitivamente corrupta, talvez uma natureza concupiscente, e que Deus previu os maus resultados por fim advindos desta característica entre os descendentes de Canaã.
2. O nome Canaã também se aplica à raça que descendeu do filho de Cã, e à terra em que residiram. Canaã era o nome mais antigo e nativo daquela parte da Palestina situada a O do rio Jordão (Núm. 33:51; 35:10, 14), embora os amorreus cananeus invadissem a terra a E do Jordão algum tempo antes da sua conquista pelos israelitas. — Núm. 21:13, 26.
LIMITES E PRIMÓRDIOS HISTÓRICOS
A mais antiga descrição dos limites de Canaã mostra que se estendia desde Sídon, ao N, descendo até Gerar, perto de Gaza, a SO, e indo até Sodoma e as cidades vizinhas a SE. (Gên. 10:19) No tempo de Abraão, contudo, Sodoma e outras “cidades do Distrito” parecem ter sido consideradas como separadas da Canaã propriamente dita. (Gên. 13:12) Os posteriores territórios de Edom e de Moabe, habitados pelos descendentes de Abraão e de Ló, também eram aparentemente considerados como estando fora da terra de Canaã. (Gên. 36:6-8; Êxo. 15:15) O território de Canaã que foi prometido à nação de Israel acha-se delineado em mais pormenores em Números 34:2-12 e é evidente que começava, ao N, além de Sídon, e se estendia, ao S, até o “vale da torrente do Egito” e Cades-Barnéia. Os filisteus, que não eram cananeus (Gên. 10:13, 14), tinham ocupado a região costeira ao S da planície de Sarom, mas esta, também, tinha sido anteriormente “considerada” como terra cananéia. — Jos. 13:3.
A relativa facilidade com que Abraão, e, mais tarde, Isaque e Jacó, puderam movimentar-se por essa terra com seus grandes rebanhos e suas grandes manadas indica que a região ainda não era tão densamente povoada. (Compare com Gênesis 34:21.) As investigações arqueológicas também suprem evidência de uma colonização um tanto esparsa naquele tempo, a maioria das cidades pequenas se localizando ao longo da costa, na região do mar Morto, no vale do Jordão e na planície de Esdrelom.
Durante a grande fome que resultou em Jacó se transferir para o Egito com sua família, a terra de Canaã tornou-se empobrecida e ficou notavelmente dependente do Egito quanto a alimentos. (Gên. 47:4, 13-16) A história secular indica que o Egito exercia a suserania sobre Canaã por cerca de 200 anos antes da sua conquista pelos israelitas. Nesse período, mensagens (conhecidas como as cartas de Tel el-Amarna), enviadas pelos regentes vassalos na Síria e na Palestina para os faraós Amenotep III e Aquenatão, apresentam um quadro de consideráveis contendas e intrigas políticas entre as cidades da região. Na época da chegada de Israel à sua fronteira (1473 A.E.C.), Canaã era uma terra de numerosas cidades-estados, ou pequeninos reinos, embora ainda mostrasse certa coesão, segundo as relações tribais. Os espias que sondaram a terra, cerca de 40 anos antes, a consideraram uma terra rica em frutos, e suas cidades bem fortificadas. — Núm. 13:21-29; compare com Deuteronômio 9:1; Neemias 9:25.
DISTRIBUIÇÃO DAS TRIBOS DE CANAÃ
Dentre as 11 tribos cananéias, os amorreus parecem ter ocupado uma das posições principais daquela terra. (Veja AMORREU.) Além da terra conquistada por eles a E do Jordão, em Basã e em Gileade, as referências aos amorreus mostram que eram fortes na região montanhosa da Canaã propriamente dita; tanto ao N como ao S. (Jos. 10:5; 11:3; 13:4) Talvez em segundo lugar, quanto à força, estavam os hititas, que, embora encontrados tão ao S quanto Hébron, no tempo de Abraão (Gên. 23:19, 20), mais tarde parecem ter-se fixado principalmente ao N, na direção da Síria. — Jos. 1:4; Juí. 1:23-26; 1 Reis 10:29.
Dentre as outras tribos, os jebuseus, os heveus e os girgaseus são, em sequência, as mais freqüentemente mencionadas na época da conquista. Os jebuseus centralizavam-se evidentemente na região montanhosa em volta de Jerusalém. (Núm. 13:29; Jos. 18:16, 28) Os heveus estavam espalhados desde Siquém, bem no sul (Gên. 33:18; 34:2), até o sopé do monte Hermon, no N. (Jos. 11:3) O território dos girgaseus não é indicado.
As 6 tribos restantes, os sidônios, os arvadeus, os hamateus, os arqueus, os sineus e os zemareus, bem que podem estar incluídos no termo abrangente “cananeus”, e que é amiúde usado em relação aos nomes específicos de outras tribos, a menos que a expressão seja usada simplesmente para se referir a cidades ou a grupos que possuíam uma população cananéia mista. (Êxo. 23:23; 34:11; Deut. 7:1; Núm. 13:29) Todas essas 6 tribos parecem ter estado primariamente localizadas ao N da região que originalmente foi conquistada pelos israelitas e que não foi mencionada de forma específica no relato da conquista.
CONQUISTA DE CANAÃ POR PARTE DE ISRAEL
No segundo ano depois do Êxodo, os israelitas fizeram uma tentativa inicial de penetrar nas fronteiras meridionais de Canaã, mas, fizeram isso sem apoio divino, e foram postos em debandada pelos cananeus e seus aliados amalequitas. (Núm. 14:42-45) Perto do fim do período de 40 anos de peregrinação, Israel novamente avançou sobre os cananeus e foi atacado pelo rei de Arade, no Negebe, mas, desta feita, as forças cananéias foram derrotadas e suas cidades foram destruídas. (Núm. 21:1-3) Assim mesmo, os israelitas não deram seqüência a esta vitória com uma invasão pelo S, mas, deram a volta para aproximar-se pelo E. Isto os colocou em conflito com os reinos amorreus de Síon e Ogue, e a derrota desses reis colocou toda Basã e Gileade sob controle israelita, inclusive 60 cidades “com muralha alta, portas e tranca”, somente em Basã. (Núm. 21:21-35; Deut. 2:26 a 3:10) A derrota desses poderosos reis teve um efeito debilitante sobre os reinos cananeus a O do Jordão, e a subsequente travessia milagrosa do Jordão, a pé enxuto, pela nação israelita, fez com que o coração dos cananeus ‘começasse a derreter-se’. Assim, os cananeus não atacaram o acampamento israelita em Gilgal durante o período da recuperação de muitos dos varões israelitas que foram circuncidados, e durante a subseqüente celebração da Páscoa. — Jos. 2:9-11; 5:1-11.
Conseguindo então água em abundância do Jordão, e obtendo suprimentos alimentares da região conquistada a E do Jordão, os israelitas em Gilgal tinham boa base para se lançar à conquista da terra. Jerico, a vizinha cidade e posto avançado, agora rigorosamente fechada, foi seu primeiro alvo, e suas fortes muralhas caíram pelo poder de Jeová. (Jos. 6:1-21) Daí, as forças invasoras subiram uns 915 m para a região montanhosa ao N de Jerusalém, e, depois dum revés inicial, capturaram Ai e a incendiaram. (Jos. 7:1-5; 8:18-28) Ao passo que os reinos cananeus por todo o país começaram a formar uma coalizão maciça para repelir os israelitas, certas cidades dos heveus procuraram então a paz com Israel por meio dum subterfúgio. Esta secessão por parte de Gibeão e três outras cidades vizinhas foi, evidentemente, considerada pelos outros reinos cananeus como um ato de traição, pondo em perigo a unidade da inteira ‘liga cananéia’. Cinco reis cananeus, portanto, uniram-se para lutar, não contra Israel, mas contra Gibeão, e as tropas israelitas, sob Josué, empreenderam uma marcha, durante toda a noite, para salvar a cidade sitiada. A derrota infligida por Josué aos cinco reis atacantes foi acompanhada por uma saraivada milagrosa de enormes pedras e também por Deus provocar a demora do pôr- do-sol. — Jos. 9:17, 24, 25; 10:1-27.
As forças israelitas vitoriosas então avançaram impetuosamente por toda a metade sul de Canaã (exceto as planícies da Filístia), conquistando as cidades da Sefelá, a região montanhosa, e o Negebe, e então voltaram ao seu acampamento-base em Gilgal, junto ao Jordão. (Jos. 10:28-43) Daí os cananeus no setor norte, sob a liderança do rei de Hazor, começaram a juntar suas tropas e seus carros de guerra, unindo suas forças num encontro junto às águas de Merom, ao N do mar da Galiléia. O exército de Josué, contudo, fez um ataque de surpresa à confederação cananéia, e os pôs em fuga, após o que marchou para capturar as cidades deles, indo bem ao N até Baal-Gade, ao sopé do monte Hermom. (Jos. 11:1-20) A campanha evidentemente abrangeu considerável período de tempo, sendo seguida por outra ofensiva na região montanhosa ao S, tal ataque sendo dirigido para os gigantescos anaquins e suas cidades. — Jos. 11:21, 22.
Já se haviam passado então 6 anos desde o começo da luta. A parte principal da conquista de Canaã já tinha sido realizada, e se tinha esvaído a força das tribos cananéias, permitindo assim o início da distribuição da terra entre as tribos israelitas. No entanto, várias regiões ainda precisavam ser subjugadas, inclusive grandes áreas de importância capital, tal como o território dos filisteus, que, embora não fossem cananeus, eram usurpadores da terra prometida aos israelitas; o território dos gesuritas (compare com 1 Samuel 27:8); o território da área ao redor de Sídon até Gebal (Byblos), e toda a região do Líbano. (Jos. 13:2-6) Além destes, havia bolsões de resistência espalhados por toda a terra, alguns dos quais foram mais tarde capturados pelas tribos herdeiras de Israel, ao passo que outros continuaram sem ser conquistados ou se permitiu que permanecessem, sendo obrigados a fazer trabalhos forçados para os israelitas. — Jos. 15:13-17; 16:10; 17:11-13, 16-18; Juí. 1:17-21, 27-36.
BASE PARA O EXTERMÍNIO
O relato histórico mostra que as populações das cidades cananéias conquistadas pelos israelitas foram submetidas à completa destruição. (Núm. 21:1-3, 34, 35; Jos. 6:20, 21; 8:21-27; 10:26-40; 11:10-14) Alguns críticos usam tal fato como meio de representar as Escrituras Hebraicas ou “Velho Testamento” como estando imbuído dum espírito de crueldade e de matança desenfreada. A questão envolvida, porém, é claramente a de se a soberania de Deus sobre a terra e seus habitantes é ou não reconhecida. Ele havia passado a escritura do direito de posse da terra de Canaã à ‘descendência de Abraão’, fazendo-o por meio dum pacto juramentado. (Gên. 12:5-7; 15:17-21; compare com Deuteronômio 32:8; Atos 17:26.) O propósito de Deus, porém, envolvia mais do que simples expulsão ou desalojamento dos ocupantes dessa terra. Estava também envolvido seu direito de agir como “Juiz de toda a terra” (Gên. 18:25), e de decretar a sentença de morte sobre os que Ele julgava merecedores dela, bem como Seu direito de prover os meios para fazer executar tal decreto.
Conforme adrede observado, a justeza da maldição profética de Deus sobre Canaã foi plenamente confirmada pelas condições que se desenvolveram em Canaã por ocasião da sua conquista pelos israelitas. Jeová permitira que se passassem 400 anos desde o tempo de Abraão para que o ‘erro dos amorreus se completasse’. (Gên. 15:16) Serem as esposas hititas de Esaú uma “fonte de amargura de espírito para Isaque e Rebeca”, ao ponto de Rebeca ‘chegar a abominar sua vida por causa delas’, é certamente indício da maldade já manifesta entre os cananeus. (Gên. 26:34, 35; 27:46) Nos séculos que se seguiram, a terra de Canaã ficou saturada das detestáveis práticas da idolatria, da imoralidade e do derramamento de sangue. A religião cananéia era extraordinariamente vil e degradada, seus “postes sagrados” sendo evidentemente emblemas fálicos, e muitos dos rituais praticados em seus “altos” envolviam crassos excessos e depravações sexuais. (Êxo. 23:24; 34:12, 13; Núm. 33:52; Deut. 7:5) O incesto, a sodomia e a bestialidade eram parte do ‘modo de agir da terra de Canaã’, que tornava imunda a terra, sendo que, por tais erros, ela deveria ‘vomitar os seus habitantes’. (Lev. 18:2-25) A mágica, a feitiçaria, o espiritismo e o sacrifício de seus filhos por meio do fogo achavam-se também entre as práticas abomináveis dos cananeus. — Deut. 18:9-12.
Jeová exercera seu direito soberano de executar a sentença de morte sobre a população iníqua do inteiro planeta, no tempo do Dilúvio global; ele o fizera com relação ao inteiro distrito das cidades de Sodoma e de Gomorra por causa do ‘alto clamor de queixa contra eles e seu pecado muito grave’ (Gên. 18:20; 19:13); ele executara um decreto de destruição sobre as forças militares de Faraó no mar Vermelho; e também exterminara as casas de Corá e de outros rebeldes entre os próprios israelitas. No entanto, nestes casos, Deus empregara forças naturais para realizar tal destruição. Em contraste com isso, Jeová designara agora, aos israelitas, o dever sagrado de servirem quais principais executores deste decreto divino, guiados pelo seu mensageiro angélico e apoiados pelo onipotente poder de Deus. (Êxo. 23:20-23, 27, 28; Deut. 9:3, 4; 20:15-18: Jos. 10:42) Todavia, os resultados foram precisamente os mesmos para os cananeus como seriam se Deus resolvesse destruí-los por meio de algum fenômeno, tal como uma enchente, uma explosão ardente, ou um terremoto, e terem agentes humanos realizado a sentença de morte desses povos condenados, não importa quão desagradável possa parecer sua tarefa, não pode alterar a justeza dessa medida divinamente ordenada. (Jer. 48:10) Por usar este instrumento humano, lançado contra “sete nações mais populosas e mais fortes” do que eles, magnificou-se o poder de Deus, e provou-se sua Divindade. — Deut. 7:1; Lev. 25:38.
Os cananeus não eram ignorantes da poderosa evidência de que Israel era o povo e o instrumento escolhidos de Deus. (Jos. 2:9-21, 24; 9:24-27) Entretanto, excetuando-se Raabe e sua família, e as cidades dos gibeonitas, aqueles que mereciam a destruição nem procuraram obter misericórdia, nem aproveitaram a oportunidade para fugir, mas, ao invés, preferiram radicalizar sua rebelião contra Jeová. Ele não os obrigou a curvar-se e ceder à Sua vontade expressa, mas, ao invés, ‘deixou seus corações ficarem obstinados para que declarassem guerra a Israel, a fim de os devotar à destruição, para que não obtivessem consideração favorável, mas para que os aniquilasse’, em execução de seu julgamento contra eles. — Jos. 11:19, 20.
Josué, sabiamente, “não tirou nenhuma palavra de tudo o que Jeová ordenara a Moisés” quanto à destruição dos cananeus. (Jos. 11:15) Mas, a nação israelita deixou de seguir seu exemplo nisto e de eliminar por completo a fonte de poluição da terra. A presença contínua dos cananeus entre eles infetou Israel, de modo que, com o passar do tempo, isso sem dúvida contribuiu para mais mortes (sem se mencionar o crime, a imoralidade e a idolatria) do que teriam resultado do extermínio decretado de todos os cananeus, caso tivesse sido fielmente executado. (Núm. 33:55, 56; Juí. 2:1-3, 11-23; Sal. 106:34-43) Jeová tinha avisado os israelitas de que Sua justiça e Seus julgamentos não seriam parciais, e que, se os israelitas iniciassem relacionamentos com os cananeus, casando-se com eles, praticando a comunhão de fés e adotando seus costumes religiosos e suas práticas degeneradas, isso inevitavelmente traria sobre tais israelitas o mesmo decreto de aniquilamento e resultaria em serem também ‘vomitados da terra’. — Êxo. 23:32, 33; 34:12-17; Lev. 18:26-30; Deut. 7:2-5, 25, 26.
Juízes 3:1, 2, declara que Jeová permitiu que algumas das nações cananéias permanecessem, “para por elas provar a Israel, isto é, a todos os que não tinham passado por nenhuma das guerras de Canaã; foi só para que as gerações dos filhos de Israel tivessem a experiência, para ensinar-lhes a guerra, isto é, somente aos que antes não tiveram experiência de tais coisas”. Isto não contradiz a declaração anterior (Juí. 2:20-22), de que Jeová não expulsou estas nações devido à infidelidade de Israel, e também para “provar a Israel, se guardarão ou não o caminho de Jeová”. Antes, harmoniza-se com tal motivo e mostra que as gerações posteriores dos israelitas teriam destarte a oportunidade de demonstrar obediência às ordens de Deus com respeito aos cananeus, pondo à prova a sua fé, a ponto de colocarem sua vida em perigo na guerra, de modo a provar-se obedientes. As guerras contra as nações de Canaã, descritas depois disso no livro de Juízes, e as guerras posteriores, travadas por Saul e Davi, exemplificam esse objetivo.
Em vista de tudo isso, torna-se patente que as opiniões de alguns críticos da Bíblia, de que a destruição dos cananeus por parte de Israel não se harmoniza com o ‘espírito’ das Escrituras Gregas Cristãs, não se ajusta aos fatos, como demonstra uma comparação de textos tais como Mateus 3:7-12; 22:1-7; 23:33; 25:41-46; Marcos 12:1-9; Lucas 19:14, 27; Romanos 1:18-32; 2 Tessalonicenses 1:6-9; 2:3; Revelação 19:11-21.
HISTÓRIA POSTERIOR
Após a conquista, a situação entre os cananeus e os israelitas tornou-se gradualmente de relativa coexistência pacifica, embora para o prejuízo de Israel. (Juí. 3:5, 6; compare com Juízes 19:11-14.) Os regentes sírios, moabitas e filisteus obtiveram sucessivamente o domínio temporário sobre os israelitas, mas não foi senão no tempo de Jabim, chamado “rei de Canaã”, que os cananeus recuperaram suficiente poder para realizar um domínio de 20 anos sobre Israel. (Juí. 4:2, 3) Depois de Baraque ter finalmente derrotado Jabim, as dificuldades de Israel, durante o período anterior ao reinado, provieram mormente de fontes não-cananéias — dos midianitas, dos amonitas e dos filisteus. Semelhantemente, durante o reinado de Saul, só são mencionados brevemente os amorreus, dentre as tribos cananéias. (1 Sam. 7:14) O Rei Davi expulsou os jebuseus de Jerusalém (2 Sam. 5:6-9), mas suas principais campanhas foram contra os filisteus, os amonitas, os moabitas, os edomitas, os amalequitas e os sírios. Assim, os cananeus, embora ainda possuíssem cidades e detivessem certas áreas no território de Israel (2 Sam. 24:7, 16-18), eles, como é evidente, haviam deixado de ser uma ameaça em sentido militar. Menciona-se, entre a força combatente de Davi, dois guerreiros hititas. — 1 Sam. 26:6; 2 Sam. 23:39.
Durante sua regência, Salomão submeteu as remanescentes tribos cananéias a trabalhos forçados em seus muitos projetos (1 Reis 9:20, 21), ampliando sua obra de edificações até mesmo à cidade cananéia de Hamate, bem ao N. (2 Crô. 8:4) Mas esposas cananéias contribuíram mais tarde para a queda de Salomão, para que grande parte do seu reino fosse tomada por seu herdeiro, e para a corrupção religiosa daquela nação. (1 Reis 11:1, 13, 31-33) Desde o reinado de Salomão (1037-997 A.E.C.) até a regência de Jeorão, de Israel (c. 917-905 A.E.C.), apenas os hititas parecem ter mantido considerável medida de proeminência e força como tribo, embora evidentemente se localizassem ao N do território de Israel e nas adjacências da Síria, ou dentro dela. — 1 Reis 10:29; 2 Reis 7:6.
O casamento misto com os cananeus ainda era um problema entre os exilados israelitas que voltaram do cativeiro babilônico (Esd. 9:1, 2), mas os reinos cananeus, inclusive os dos hititas, haviam evidentemente se desintegrado sob o impacto da agressão síria, assíria e babilônia. O termo “cananeu” veio a referir-se primariamente à Fenícia, como na profecia de Isaías sobre Tiro (Isa. 23:1, 11, NM, nota da ed. 1958, em inglês; PIB, nota) e no caso da mulher “fenícia” (literalmente, cananéia [Gr. , Khananaíos]) da região de Tiro e Sídon que se chegou a Jesus. — Mat. 15:22; compare com Marcos 7:26.
IMPORTÂNCIA COMERCIAL E GEOPOLÍTICA
Canaã formava uma ponte terrestre ligando o Egito com a Ásia, e, mais especificamente, com a Mesopotâmia. Embora a economia do país fosse basicamente agrícola, participava também em trocas comerciais, e as cidades portuárias de Tiro e Sídon se tornaram os principais centros de comércio, com esquadras de navios renomadas por todo o mundo então conhecido. (Compare com Ezequiel, capítulo 27.) Assim, remontando até ao tempo de Jó, a palavra “cananeu” se tornou sinônimo de ‘comerciante’ ou ‘mercador’, e é assim traduzida. (Jó 41:6; Sof. 1:11; observe também a referência a Babilônia como “a terra de Canaã”, Ezequiel 17:4, 12.) Canaã ocupava assim um lugar muitíssimo estratégico no “Crescente Fértil”, e era o alvo dos grandes impérios da Mesopotâmia, da Ásia Menor e da África, que procuravam controlar a passagem de forças militares e o tráfego comercial dentro de seus limites. Ter Deus colocado seu povo escolhido nessa terra, portanto, certamente atrairia a atenção das nações, e teria efeitos de longo alcance; em sentido geográfico, e, mais importante do que isso, em sentido religioso, os israelitas podiam ser mencionados como habitando “no meio da terra”. — Eze. 38:12.