Atalhos construídos pelo homem para o comércio
Do correspondente de “Despertai!” no Canadá
ISTO tem sido classificado, em importância, como o mesmo que uma vitória em batalha, a aquisição de território ou a construção dum templo. É assim que se classifica a construção dum canal.
Está surpreso? Bem que poderá estar, pois o canal mais simples é apenas uma fossa para transportar água — dificilmente uma grande realização em si mesma. Embora certos supercanais tenham sido saudados como “a maravilha do século” ou “uma das maravilhas do mundo”, tais cursos d’água são mais prezados pelo que fazem do que como monumentos da consecução humana.
O homem há muito aprecia as vias navegáveis do planeta Terra, e as usa para transporte, comércio e recreação. Mas os rios nem sempre levam onde os homens desejam ir, e, às vezes, são turbulentos demais para aceitar barcos. Os oceanos são separados por massas terrestres que levam muitos dias para contornar. Assim, os homens construíram variantes que contornam as obstruções nos rios, e cavaram atalhos em faixas estreitas de terra. Tais canais então suplementam os cursos naturais d’água da terra.
Canais Antigos
O mais antigo canal transportador de navios, de que se tem registro, parece ter existido no Egito durante o segundo milênio antes da Era Comum. Esse curso d’água seguia quase a mesma rota que o moderno Canal de Suez.
Os antigos fenícios, assírios, sumérios e egípcios construíram todos elaborados sistemas de canais que serviam como meio de comunicação e de transporte. Em Babilônia, barcos rasos, semelhantes a cestões, e balsas transportavam itens de ida e volta para o mar. Os rios Quebar e Aava, mencionados na Bíblia, bem podem ter sido canais. — Eze. 1:1; Esd. 8:21.
No entanto, temos de olhar para os antigos chineses em busca de uma inovação mais significativa na construção de canais. No ano 983 de nossa Era Comum, diz-se que Chhiao Wei-Yo, comissário-adjunto de transporte duma parte do Grande Canal, inventou a primeira eclusa de retenção.
Eclusas
Uma eclusa é um elevador hidráulico que utiliza a água duma rede de canais para elevar ou baixar um navio de um nível para outro. Um tipo é a eclusa de retenção, que possui comportas em cada extremo e um sistema de adufas ou válvulas para enchê-la de água até o nível do canal acima, ou para esvaziá-la ao nível do canal abaixo. A primeira eclusa de retenção nos canais europeus foi provavelmente construída em 1373 E.C., em Vreeswijk, na Holanda.
Por volta de 1485 E.C., Leonardo da Vinci deu o toque final no projeto básico de eclusas por inventar a comporta giratória ou de engrenagem cônica, um tipo ainda usado. Quando a comporta se fecha, suas duas folhas formam um ângulo que aponta corrente acima, de modo que a água que flui corrente abaixo as retém firmemente unidas.
Com os novos projetos de eclusas, os construtores de canais podiam elevar navios de um lado duma elevação e baixá-los do outro, e circundar quedas-d’água ou corredeiras nos rios navegáveis. Estava pronto o cenário para a Era dos Canais na Europa e na América do Norte.
A Era dos Canais
O primeiro grande canal da Europa foi construído na França durante o início do século 17. O Canal Briare foi inaugurado em 1642. Tinha 55 quilômetros de comprimento, possuía 40 eclusas, e ascendia 39 metros de Briare, no rio Loire, depois disso baixando 81 metros para eventualmente conectar-se ao Sena. Reconstruído, é usado atualmente como parte dum sistema de canais que vão do Sena ao Ródano.
Outros grandes canais logo vieram. O Languedoc (agora chamado de Canal do Midi), de 241 quilômetros, foi inaugurado em 1681 para unir o mar Mediterrâneo ao oceano Atlântico. Construído há quase 300 anos, é reconhecido como o primeiro canal moderno.
O sistema de vias navegáveis da Europa continuou a expandir-se, especialmente durante a primeira metade do século 19. Novas eclusas e canais abriram atalhos e ligaram vias navegáveis para acelerar a Revolução Industrial e criar milhares de quilômetros de sistemas interligados, em uso atualmente.
Mais para o leste, construíram-se canais na Rússia, para ligar o mar Báltico com o mar Branco, bem como com o mar Negro e com o mar Cáspio, através do Volga. Este grande rio, com seus muitos tributários, oferecia uns 11.585 quilômetros de navegação.
Na Inglaterra, um frenesi de atividade de construção de canais, de 1760 a 1800, quase dobrou as vias navegáveis para cerca de 3.862 quilômetros. Considerando este trabalho em progresso, durante 1772, o visitante estadunidense, Benjamim Franklin, escreveu de Londres: “Os rios são coisas ingovernáveis, especialmente nos países colinosos. Os canais são tranqüilos e bem manejáveis.”
O elogio de Franklin aos canais ingleses talvez tenha estimulado a construção de canais nos Estados Unidos. No entanto, vários fatores trouxeram a Era dos Canais à América do Norte. Havia poucas rodovias, nenhuma delas era pavimentada, e a viagem por água era tanto conveniente como eficaz. Um cavalo na margem, puxando uma barcaça ao longo dum canal, podia movimentar 50 toneladas de mercadorias — cerca de 400 vezes mais do que poderia transportar nas costas!
Depois da Guerra de 1812, entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, o impulso foi no sentido de expandir-se para o oeste. A rota ao longo do rio São Lourenço para o lago Ontário não convinha aos EUA, pois era controlada na maior parte pelo Canadá. Ademais, não havia ainda nenhum meio de passar pelas Cataratas do Niágara para chegar ao lago Erie.
Assim, escavou-se o grande Canal do Erie. Tinha 584 quilômetros de extensão, com 82 eclusas, e ia de Albany, no rio Hudson, ao norte da cidade de Nova Iorque, até Búfalo, no lago Erie. Inaugurado em 1825, o Canal do Erie foi um sucesso comercial desde seu início. Conseqüentemente, no comércio estrangeiro, a cidade de Nova Iorque ascendeu sobre Baltimore, Boston e Filadélfia. O Canal do Erie contribuiu para tornar Nova Iorque um dos maiores portos marítimos do mundo.
De menos de 161 quilômetros de canais nos Estados Unidos, em 1816, as vias navegáveis daquele país aumentaram para 40.225 quilômetros de sistemas interiores e aprimorados canais litorâneos. Embora a vinda da locomotiva a vapor trouxesse o fim do domínio dos canais, um sexto de todo o frete interno dos EUA ainda é transportado pela água.
Depois da Guerra de 1812, o Canadá desejava uma rota segura para o interior do país e dos Grandes Lagos, bem afastada do São Lourenço e das fronteiras com os EUA. A razão principal era sua defesa, especialmente para levar suprimentos, sem interferências, de Montreal a Kingston, no lago Ontário.
O trajeto escolhido foi acima do rio Otava, tributário do São Lourenço, a cerca de 193 quilômetros ao noroeste de Montreal, onde o rio Rideau aflui do sul. Dali, o Canal de Rideau foi construído, para estender-se por 200 quilômetros, ao longo dos rios e lagos até Kingston, Ontário, Canadá. Foi inaugurado em 1832, e, junto com o rio Otava, constituiu, por certo tempo, a melhor rota de navegação de barco a vapor até os Grandes Lagos. O povoado que cresceu no local onde o Canal de Rideau se encontra com o rio Otava é conhecido hoje como Otava, capital do Canadá. Tão bem foi construído o canal que suas eclusas originais ainda são usadas. Mais movimentado do que nunca, a cada verão setentrional, o sistema Rideau deleita centenas de visitantes em embarcações de recreio.
Além do lago Ontário, as magnificentes Cataratas do Niágara bloqueavam o caminho para os quatro Grandes Lagos remanescentes. Em 1829, abriu-se o primeiro Canal de Welland, com a elevação de 99 metros para circundar as Cataratas e chegar ao lago Erie. Mais de um século depois, um aprimorado Canal de Welland tornou possível a via marítima artificial mais longa do mundo, o canal de São Lourenço-Grandes Lagos.
Grandes Canais Para Navios
Há muitos canais para navios. Mas suponhamos que consideremos três que são famosos.
Primeiro, há o Canal de Kiel, ou “Nord-Ostsee-Kanal”, que atravessa o istmo que separa o Mar do Norte do mar Báltico. Ali os viquingues certa vez usavam cavalos para arrastar seus navios pelo solo, em cilindros. A Alemanha abriu o canal que vai de mar a mar em 1895, como importante saída para sua marinha em expansão. O canal de 98 quilômetros logo ultrapassou sua origem naval e é agora um dos mais movimentados do mundo, recebendo mais navios do que os dois outros canais mais famosos — o de Suez e o do Panamá — somados juntos.
O Canal de Suez foi inaugurado em 1869, como “contribuição para a unidade mundial”. Tendo mais de 161 quilômetros de extensão, é apropriadamente chamado de “Grande Fossa”. Porque o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho têm a mesma elevação, o Canal de Suez que os liga não precisa de eclusas. Abrevia quase 6.434 quilômetros na maioria das viagens entre a Europa e a Índia.
O Canal de Suez deveria ficar aberto a todos os países na paz e na guerra, acordo que as nações em luta amiúde ignoraram. De junho de 1967 até 1974, foi fechado principalmente devido à luta árabe-israelense. Agora reaberta, a “Grande Fossa” será ainda ampliada para receber superpetroleiros de até 250.000 toneladas, caso os planos do Egito sejam levados a termo. Embora a reaberta via navegável esteja distinguindo-se no comércio e na economia mundiais, navios rápidos e gigantes petroleiros reduziram a anterior importância do Canal de Suez.
O Canal do Panamá também perdeu importância, mas ainda é sensível questão política e econômica. Aberto em 1914 como um atalho através do istmo do Panamá, de 80 quilômetros, abrevia 12.676 quilômetros numa viagem entre Nova Iorque e São Francisco, EUA.
No entanto, menos navios utilizam o Canal do Panamá. Mais de 3.000 dos navios mercantes do mundo, inclusive os maiores petroleiros, são compridos ou largos demais para tal via navegável, ou precisam de águas mais profundas quando estão com carga plena. Também, o futuro imediato do canal é incerto devido a questões políticas, econômicas e militares.
Em contraste, até agora, desde que foi inaugurado em 1959, a história da via marítima artificial mais comprida do mundo tem sido pacífica. Os navios oceânicos podem entrar no Canal Marítimo de São Lourenço por meio do golfo de São Lourenço. Em seguida, podem viajar rio acima até o lago Ontário, passando pelo Canal de Welland até os lagos Erie, Huron e Michigan, e então pelas eclusas de Sault Ste. Marie até o lago Superior. Neste ponto, já ascenderam mais de 183 metros desde que entraram no Canal Marítimo, o que eqüivale a um prédio de 60 pavimentos! Podem então cruzar para Duluth, no extremo oeste do lago Superior, a 3.768 quilômetros do oceano Atlântico. Também, em contraste com o Canal do Panamá, o tráfego no Canal Marítimo tem aumentado. Já se fala num aumento de sua capacidade antes de meados da década de 80.
Que Futuro Há Para os Canais?
Embora os canais e vias navegáveis interiores não mais constituam o único meio importante de transporte de mercadorias pesadas, continuam a desempenhar um papel vital neste respeito. Para muitos itens a granel, tais como cereais, minérios, carvão e madeira, o transporte por água interior ainda é o mais econômico. Desde a década de 60, a América do Norte, a Europa e a Ásia presenciaram todas o ressurgimento do transporte interior por água. As vias navegáveis têm sido modernizadas, e fazem-se planos para novos canais.
Mas existem preocupações, algumas políticas e outras econômicas. Por exemplo, dois novos canais propostos para a Europa ligariam o rio Reno com o rio Danúbio, e então o Reno a um sistema que se liga com o rio Sena. Algumas autoridades do Ocidente estão inquietas quanto a abrir o Danúbio como possível “rota de invasão” pela qual as frotas mercantes do bloco comunista possam penetrar nas vias navegáveis comerciais da Europa Ocidental.
Outras preocupações dizem respeito ao desequilíbrio que as vias navegáveis construídas pelo homem possam causar na criação natural. Os Canais do Erie e de Welland abriram o caminho para a lampreia-do-mar, originária do Atlântico Norte, similar à enguia, invadir os Grandes Lagos, onde decimou a população de peixes comercialmente valiosos. Também, o Canal Marítimo de São Lourenço levou à expansão da atividade industrial ao longo dos Grandes Lagos, e isto acelerou a poluição de suas águas.
Sim, as vias navegáveis construídas pelo homem podem provocar o desequilíbrio e podem levar à incrementada poluição em algumas regiões, mas Aquele que criou ‘todas as torrentes hibernais que correm para o mar’ pode acabar com a poluição e manter o devido equilíbrio através da criação. (Ecl. 1:7) Também, deve-se admitir que, não importa quão engenhosos possam ser os sistemas de canais, suas caraterísticas jamais podem igualar a sabedoria demonstrada nas vias navegáveis naturais da terra. O homem pode construir apenas suplementos para os oceanos, lagos e rios do globo, jamais os substitutos deles.
[Foto na página 16]
ANTIGA SUMÉRIA
GRANDE CANAL, CHINA
CANAL DO ERIE, NOVA IORQUE
CANAL DE KIEL, ALEMANHA
[Diagrama na página 18]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
tanque superior
comportas superiores
estação de controle
câmara da eclusa
comportas inferiores
tanque inferior
estação geradora de energia