ARREPENDIMENTO
A palavra portuguesa “arrepender-se” tem o sentido de “mudar de atitude com respeito a uma ação ou conduta passada (ou tencionada), etc., por se sentir lástima ou dessatisfação”, ou “sentir lástima, contrição, ou compunção, pelo que a pessoa fez ou deixou de fazer”. Em muitos textos, esta é a idéia do hebraico nahhám. Nahhám pode significar “deplorar (sentir lástima), prantear, arrepender-se” (Êxo. 13:17; Gên. 38:12; Jó 42:6), embora, com igual freqüência, signifique ’consolar-se’ (Gên. 5:29; 37:35; 50:21), “aliviar-se ou livrar-se (como de inimigos da pessoa)”. (Isa. 1:24) Quer se sinta lástima quer conforto, pode-se depreender que está envolvida a mudança de idéia e/ou de sentimento.
Em grego, usam-se dois verbos em conexão com o arrependimento: metanoéo e metamélomai. O primeiro compõe-se de metá, “depois”, e de noéo (relacionado com nous, a mente, a disposição ou a consciência moral), significando “perceber, notar, capturar, reconhecer ou entender”. Por isso, metanoéo significa literalmente conhecimento posterior (em contraste com previsão, ou conhecimento prévio), e significa a mudança de idéia, de atitude ou de propósito da pessoa. Metamélomai, por outro lado, provém de mélo, que significa “cuidar de, ou ter interesse em”. O prefixo metá (“depois”) fornece ao verbo o sentido de ‘deplorar’ (Mat. 21:30; 2 Cor. 7:8), ou ‘arrepender-se’.
Assim, metanoéo sublinha o ponto de vista ou a disposição mudada, a rejeição do proceder ou da ação passada como sendo indesejável (Rev. 2:5; 3:3), ao passo que metamélomai dá ênfase ao sentimento de lástima por parte da pessoa. (Mat. 21:30) Como comenta o Theological Dictionary of the New Testament (Dicionário Teológico do Novo Testamento, Vol. IV, p. 629): “Quando, portanto, o N[ovo] T[estamento] separa os significados [destes termos], revela clara consciência da substância imutável de ambos os conceitos. Em contraste, o uso helenístico amiúde acabou com o limite entre as duas palavras.” Comentando as formas substantivas (p. 628), afirma: “Junto com μετάνοια [metánoia], a mudança de vontade, acha-se μετάμελος [metámelos; ou, metaméleia], remorso, mediante o qual o homem sofre a dor da auto-acusação.”
ARREPENDIMENTO HUMANO DE PECADOS
O que torna necessário o arrependimento é o pecado, deixar de satisfazer os justos requisitos de Deus. (1 João 5:17) Visto que todo o gênero humano foi vendido ao pecado por Adão, todos os descendentes dele precisam arrepender-se. (Sal. 51:5; Rom. 3:23; 5:12) Conforme indicado sob o verbete RECONCILIAÇÃO, o arrependimento (seguido pela conversão) é um pré-requisito para que o homem seja reconciliado com Deus.
O arrependimento talvez se dê quanto ao proceder da pessoa em toda a sua vida, proceder este que tem sido contrário ao propósito e à vontade de Deus e que, ao invés, tem-se harmonizado com o mundo sob o controle do adversário de Deus. (1 Ped. 4:3; 1 João 2:15-17; 5:19) Ou talvez se refira a determinado aspecto da vida da pessoa, a uma prática errada que manche e macule um proceder de outro modo aceitável; poderá referir-se a apenas um ato errado ou até mesmo a uma tendência, inclinação ou atitude errada. (Sal. 141:3, 4; Pro. 6:16-19; Tia. 2:9; 4:13-17; 1 João 2:1) Por conseguinte, o âmbito das falhas poderá ser mui amplo, ou bem específico.
Similarmente, a extensão em que a pessoa se desvia da justiça poderá ser grande ou pequena, e o grau de lástima será, logicamente, comensurável ao grau do desvio. Os israelitas “se revoltaram profundamente” contra Jeová, e estavam “apodrecendo” em suas transgressões. (Isa. 31:6; 64:5, 6; Eze. 33:10) Por outro lado, o apóstolo Paulo fala do ‘homem que dá um passo em falso antes de se aperceber disso’, e aconselha os que possuem qualificações espirituais a ‘tentarem reajustar tal homem num espírito de brandura’. (Gál. 6:1) Visto que Jeová considera de forma misericordiosa a fraqueza carnal de seus servos, eles não precisam ficar num estado constante de remorso, devido aos erros que resultam da imperfeição herdada. (Sal. 103:8-14; 130:3) Se estiverem andando conscienciosamente nos modos de Deus, podem sentir-se alegres. — Fil. 4:4-6; 1 João 3:19-22.
O arrependimento poderá dar-se por parte daqueles que já gozaram dum relacionamento favorável com Deus mas que se desviaram e sofreram a perda do favor e da bênção de Deus. (1 Ped. 2:25) Israel esteve em pacto com Deus; era um “povo santo”, escolhido dentre todas as nações (Deut. 7:6; Êxo. 19:5, 6); os cristãos também vieram a ocupar uma posição justa perante Deus, por meio do novo pacto mediado por Cristo. (1 Cor. 11:25; 1 Ped. 2:9, 10) No caso de tais pessoas que se desviaram, o arrependimento conduziu à restauração de sua relação correta com Deus, e aos benefícios e bênçãos conseqüentes de tal relação. (Jer. 15:19-21; Tia. 4:8-10) Para os que antes não usufruíam tal relação com Deus, tais como os povos pagãos das nações não-israelitas, durante o tempo em que vigorava o pacto de Deus com Israel (Efé. 2:11, 12), e também as pessoas de qualquer raça ou nacionalidade que estão fora da congregação cristã, o arrependimento é um passo primário e essencial para poderem adquirir uma posição correta perante Deus, tendo em vista a vida eterna. — Atos 11:18; 17:30; 20:21.
O arrependimento pode dar-se em base coletiva, bem como individual. Assim, a pregação de Jonas provocou o arrependimento da inteira cidade de Nínive, desde o rei até “o menor deles”, pois, aos olhos de Deus, todos eram partícipes do erro. (Jonas 3:5-9; compare com Jeremias 18:7, 8.) A inteira congregação de israelitas que retornaram, às instâncias de Esdras, reconheceu sua culpa comunal perante Deus, expressando o arrependimento através de seus representantes principescos. (Esd. 10:7-14; compare com 2 Crônicas 29:1, 10; 30:1-15; 31:1, 2.) A congregação em Corinto expressou arrependimento por ter tolerado, em seu meio, um praticante de crasso erro. (Compare com 2 Coríntios 7:8-11; 1 Coríntios 5:1-5.) Até mesmo os profetas Jeremias e Daniel não se isentaram por completo de culpa, ao confessarem os erros de Judá, que levaram à sua derrubada. — Lam. 3:40-42; Dan. 9:4, 5.
O que exige o verdadeiro arrependimento
O arrependimento envolve tanto a mente como o coração. O erro do proceder ou ação tem de ser reconhecido, e isto exige uma admissão de que as normas e a vontade de Deus são justas. A ignorância (ou o despercebimento) de sua vontade e de suas normas constitui uma barreira para o arrependimento. (2 Reis 22:10, 11, 18, 19; Jonas 1:1, 2; 4:11; Rom. 10:2, 3) Por esta razão, Jeová misericordiosamente enviou profetas e pregadores, concitando as pessoas ao arrependimento. (Jer. 7:13; 25:4-6; Mar. 1:14, 15; 6:12; Luc. 24:27) Por meio da divulgação das boas novas através da congregação cristã, e mormente a partir da conversão de Cornélio, Deus “está dizendo à humanidade que todos, em toda a parte, se arrependam”. (Atos 17:22, 23, 29-31; 13:38, 39) A Palavra de Deus — escrita ou falada — é o meio de ‘persuadi-los’, convencendo-os da correção do modo de Deus e do erro de seus próprios modos de agir. (Compare com Lucas 16:30, 31; 1 Coríntios 14:24, 25; Hebreus 4:12, 13.) A lei de Deus é “perfeita, fazendo retornar a alma”. — Sal. 19:7.
O Rei Davi menciona ‘ensinar aos transgressores os caminhos de Deus, de modo que possam retornar a ele’ (Sal. 51:13), tais pecadores, sem dúvida, sendo co-israelitas. Instruiu-se a Timóteo que não contendesse ao lidar com cristãos, nas congregações às quais servia, mas que ‘instruísse com brandura os que não estivessem favoravelmente dispostos’, visto que Deus talvez lhes desse o “arrependimento conduzindo a um conhecimento exato da verdade e eles voltem ao seu próprio juízo, saindo do laço do Diabo”. (2 Tim. 2:23-26) Por isso, o convite ao arrependimento poderá ser feito dentro da congregação do povo de Deus, bem como fora dela.
A pessoa tem de reconhecer que pecou contra Deus. (Sal. 51:3, 4; Jer. 3:25) Isto pode ser mui evidente no caso de blasfêmia direta ou declarada, do emprego vocal errado do nome de Deus, ou da adoração de outros deuses, como pelo uso de imagens de ídolos. (Êxo. 20:2-7) Mas, mesmo no que se poderia considerar um “assunto particular”, ou algo entre a própria pessoa e outro humano, é preciso reconhecer os erros cometidos como sendo pecados contra Deus, um tratamento desrespeitoso de Jeová. (Compare com 2 Samuel 12:7-14; Salmo 51:4; Lucas 15:21.) Mesmo os erros cometidos em ignorância ou por engano devem ser reconhecidos como tornando a pessoa culpada perante o Regente Soberano, Jeová Deus. — Compare com Levítico 5:17-19; Salmo 51:5, 6; 119:67; 1 Timóteo 1:13-16.
Havendo fé em Deus e amor por ele no coração da pessoa, haverá sincera lástima, tristeza devida ao proceder errado. O apreço pela bondade e grandeza de Deus fará com que os transgressores sintam vívido remorso por terem trazido vitupério sobre Seu nome. (Compare com Jó 42:1-6.) O amor ao próximo fará também que lamentem o dano causado a outros, o mau exemplo dado, talvez a forma como mancharam a reputação do povo de Deus entre as pessoas de fora. Procuram o perdão porque desejam honrar o nome de Deus e trabalhar para o bem de seu próximo. (1 Reis 8:33, 34; Sal. 25:7-11; 51:11-15; Dan. 9:18, 19) Penitentemente, sentem-se com o “coração quebrantado”, ‘quebrantados e humildes no espírito’ (Sal. 34:18; 51:17; Isa. 57:15), sentem-se ‘contritos no espírito e tremendo da palavra’ de Deus (Isa. 66:2), clamando a favor do arrependimento, e, com efeito, vêm “trêmulos a Jeová e à sua bondade”. (Osé. 3:5) Quando Davi agiu tolamente na questão do recenseamento, seu ‘coração começou a bater nele’. — 2 Sam. 24:10.
Por conseguinte, precisa haver a rejeição definida do proceder ruim, um ódio de coração a ele, a repugnância a ele. (Sal. 97:10; 101:3; 119:104; Rom. 12:9; compare com Hebreus 1:9; Judas 23.) Pois “o temor de Jeová significa odiar o mal”, inclusive a exaltação de si, o orgulho, o modo ruim de agir e a boca perversa. (Pro. 8:13; 4:24) Junto com isto, precisa haver o amor à justiça e a firme determinação de se aderir dali em diante a um proceder reto. Sem tanto este ódio ao mal como o amor à justiça, não haverá força genuína para o arrependimento, nem se seguirá a verdadeira conversão. Assim, o Rei Roboão humilhou-se sob a expressão do furor de Jeová, mas, depois disso, Roboão “fez o que era mau, pois não fixara firmemente seu coração em buscar a Jeová”. — 2 Crô. 12:12-14; compare com Oséias 6:4,6.
Tristeza de modo piedoso, não a do mundo
O apóstolo Paulo, em sua segunda carta aos coríntios, refere-se à “tristeza de modo piedoso” que expressaram como resultado da repreensão que ele lhes deu na sua primeira carta. (2 Cor. 7:8-13) Ele ‘deplorara’ (metamélomai) ter de escrever-lhes tão firmemente e lhes causar dor, mas deixou de sentir qualquer lástima ao ver que a tristeza que sua censura produziu foi da espécie piedosa, levando ao sincero arrependimento (metánoia) da atitude e do proceder errados deles. Ele sabia que a dor que lhes causara operava para o bem deles e não lhes causaria ‘nenhum dano’. A tristeza que levava ao arrependimento não era algo que eles tampouco deviam deplorar, pois os manteve no caminho da salvação, salvando-os do desvio ou apostasia, e dando-lhes esperança de vida eterna. Ele contrasta esta tristeza com “a tristeza do mundo [que] produz a morte”. Esta não provém da fé e do amor a Deus e à justiça. A tristeza do mundo, resultante do fracasso, do desapontamento, da perda, da punição pelo erro, e da vergonha (compare com Provérbios 5:3-14, 22, 23; 25:8-10), amiúde é acompanhada, ou produz, a amargura, o ressentimento, a inveja, e não leva a nenhum benefício duradouro, a nenhuma melhora, a nenhuma esperança genuína. (Compare com Provérbios 1:24-32; 1 Tessalonicenses 4:13, 14.) A tristeza mundana lamenta as conseqüências desagradáveis do pecado, mas não o próprio pecado e o vitupério que constitui para com Deus. — Isa. 65:13-15; Jer. 6:13-15, 22-26; Rev. 18:9-11, 15, 17-19; compare com Ezequiel 9:4.
Esaú expressou tristeza mundana, ao saber que seu irmão, Jacó, recebera a bênção do primogênito (direito que Esaú vendera insensivelmente a Jacó). (Gên. 25:29-34) Esaú bradou “de maneira extremamente alta e amargurada”, com lágrimas, buscando o “arrependimento” (metánoia) — não o seu próprio, mas uma “mudança de idéia” por parte de seu pai. (Gên. 27:34; Heb. 12:17, Int) Deplorou a perda, não a atitude materialista que o fez ‘desprezar a primogenitura’. — Gên. 25:34.
Judas, depois de ter traído a Jesus, “sentiu remorso [metamélomai]”, tentou devolver o suborno que havia barganhado, e, depois disso, cometeu suicídio por se enforcar. (Mat. 27:3-5) A enormidade do seu crime evidentemente o sobrepujou e, provavelmente, a certeza horrível do julgamento divino contra ele. (Compare com Hebreus 10:26, 27, 31; Tiago 2:19.) Sentiu o remorso (metámelos ou metaméleia) da culpa, do desengano, até do desespero, mas não existe nada que indique que expressou a tristeza piedosa que leva ao arrependimento (metánoia). Ele procurou, não a Deus, mas aos líderes judeus, para confessar seu pecado a eles, devolvendo o dinheiro, evidentemente com a idéia errada de que poderia, desta forma, desfazer em certa medida o seu crime. (Compare com Tiago 5:3, 4; Ezequiel 7:19.) Adicionou, ao crime de traição, e de contribuir para a morte dum homem inocente, o de matar a si mesmo. Seu proceder se realça em nítido contraste com o de Pedro, cujo choro amargo, depois de ter negado ao Senhor, provinha dum coração quebrantado e levava à sua restauração. — Mat. 26:75; compare com Lucas 22:31, 32.
A lástima, o remorso e as lágrimas, então, não são uma medida segura do genuíno arrependimento; a motivação de coração é determinante. Oséias expressa a denúncia de Jeová contra Israel, pois, em sua aflição “não clamaram a [Ele] por socorro de seu coração, embora continuassem uivando sobre as suas camas. Estavam vadiando por causa do seu cereal e do seu vinho doce . . . E passaram a retornar, não a algo mais elevado . . .” Seus uivos por alívio no tempo da calamidade tinham motivação egoísta e, se lhes fosse concedido alívio, não usariam a oportunidade para aprimorar sua relação com Deus, por meio da aderência mais de perto às Suas altas normas (compare com Isaías 55:8-11); eram como um “arco frouxo” que jamais atinge o alvo. (Osé. 7:14-16; compare com Salmo 78:57; Tiago 4:3.) O jejum, o pranto e a lamentação eram apropriados — mas apenas se os arrependidos ‘rasgassem os seus corações’ e não simplesmente suas vestes. — Joel 2:12, 13.
Confissão do erro
A pessoa arrependida, então, humilha-se, e busca a face de Deus (2 Crô. 7:13, 14; 33:10-13; Tia. 4:6-10), suplicando seu perdão. (Mat. 6:12) Não é como o fariseu autojusto, da ilustração de Jesus, mas como o coletor de impostos a quem Jesus representou como batendo no peito e dizendo: “ó Deus, sê clemente para comigo pecador.” (Luc. 18:9-14) Declara o apóstolo João: “Se fizermos a declaração: ‘Não temos pecado’, estamos desencaminhando a nós mesmos e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os nossos pecados e para nos purificar de toda a injustiça.” (1 João 1:8, 9) “Quem encobre as suas transgressões não será bem sucedido, mas, ter-se-á misericórdia com aquele que as confessa e abandona.” — Pro. 28:13; compare com Salmo 32:3-5; Josué 7:19-26; 1 Timóteo 5:24.
Confessar os pecados uns aos outros
Tiago aconselha: “Confessai abertamente os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sejais sarados.” (Tia. 5:16) Tal confissão não é porque qualquer humano sirva de “mediador” ou de “ajudador [Advogado, Al]” para o homem perante Deus, visto que apenas Cristo preenche esse papel, em virtude de seu sacrifício propiciatório. (1 Tim. 2:5, 6; 1 João 2:1, 2) Os humanos, por si mesmos, não podem realmente corrigir o erro contra Deus, em seu próprio favor ou em favor de outros, não podendo prover a expiação necessária. (Sal. 49:7, 8) Os cristãos, contudo, podem ajudar uns aos outros, e suas orações a favor de seus irmãos, ao passo que não exercem nenhum efeito sobre a aplicação da justiça por parte de Deus (visto que apenas o resgate de Cristo serve para remir pecados), deveras contam perante Deus, ao solicitar que Ele preste sua necessária ajuda e dê forças àquele que pecou e que procura auxílio. — Veja ORAÇÃO (A Resposta às Orações).
CONVERSÃO — UM RETORNO
O arrependimento assinala uma paralisação do proceder errado duma pessoa, a rejeição desse modo errado de agir e a determinação de seguir o proceder correto. Se genuíno, por conseguinte, será seguido da “conversão”. (Atos 15:3) Tanto em hebraico como em grego, os verbos relacionados com a conversão (Heb. , shuv; gr. , strépho; epistrépho) significam simplesmente “retornar, dar meia-volta ou voltar”. (Gên. 18:10; Pro. 15:1; Jer. 18:4; João 21:20; Atos 15:36) Usado em sentido espiritual, isto pode referir-se quer a um desvio de Deus (portanto o retorno a um proceder pecaminoso [Núm. 14:43; Deut. 30:17]), quer a um retorno a Deus, deixando um anterior modo errado de agir. — 1 Reis 8:33.
A conversão subentende mais do que simples atitude ou expressão verbal; envolve as “obras próprias do arrependimento”. (Atos 26:20; Mat. 3:8) É uma ativa ‘procura’, uma ‘busca’, uma ‘inquirição’ de Jeová com todo o coração e toda a alma da pessoa. (Deut. 4:29; 1 Reis 8:48; Jer. 29:12-14) Isto, necessariamente, significa buscar o favor de Deus por ‘escutar a Sua voz’, segundo expressa na palavra dele (Deut. 4:30; 30:2, 8), ‘mostrar perspicácia quanto à sua veracidade’ através de melhor entendimento e apreço de seus modos e de sua vontade (Dan. 9:13), observar e ‘cumprir’ seus mandamentos (Nee. 1:9; Deut. 30:10; 2 Reis 23:24, 25), ‘guardar a benevolência e a justiça’ e ‘constantemente esperar em seu Deus’ (Osé. 12:6), abandonar o uso de imagens religiosas ou a idolatria de criaturas, de modo a ‘dirigir seu coração inabalavelmente para Jeová e servir somente a ele’ (1 Sam. 7:3; Atos 14:11-15; 1 Tes. 1:9, 10), andar em Seus caminhos e não no caminho das nações (Lev. 20:23), ou de seu próprio modo. (Isa. 55:6-8) Orações, sacrifícios, jejuns e a observância de festividades sagradas não têm significado ou valor algum para com Deus, a menos que sejam acompanhados de boas obras, da justiça, da eliminação da opressão e da violência, do exercício de misericórdia. — Isa. 1:10-19; 58:3-7; Jer. 18:11.
Isto exige que se adquira “um novo coração e um novo espírito” (Eze. 18:31), o motivo e o alvo modificados da pessoa, na vida, produzindo novo temperamento, nova disposição e nova força moral. Para alguém que muda seu proceder na vida, o resultado é uma “nova personalidade, que foi criada segundo a vontade de Deus em verdadeira justiça e lealdade” (Efé. 4:17-24), livre da imoralidade, da cobiça, da linguagem e da conduta violentas. (Col. 3:5-10; compare com Oséias 5:4-6.) Para tais pessoas, Deus faz com que o espírito de sabedoria ‘borbulhe’, tornando-lhes conhecidas as Suas palavras. — Pro. 1:23; compare com 2 Timóteo 2:25.
Assim, o arrependimento genuíno produz real impacto, gera forças, motiva a pessoa a ‘dar meia-volta’. Por isso Jesus podia dizer aos de Laodicéia: “Sê zeloso e arrepende-te.” (Rev. 3:19; compare com 2:5; 3:2, 3.) Há evidência de ‘grande seriedade, reabilitação, temor piedoso, saudade, endireitamento do errado’. (2 Cor. 7:10, 11) A ausência da preocupação de corrigir os erros cometidos demonstra falta do verdadeiro arrependimento. — Compare com Ezequiel 33:14, 15; Lucas 19:8.
A expressão “homem recém-convertido”, “neófito” (AL), em grego é literalmente “nova planta” ou “recém-crescido” (neóphitos). (1 Tim. 3:6) A tal homem não deveriam ser designados os deveres ministeriais, numa congregação, para que não se ‘enfunasse de orgulho e caísse no julgamento aplicado ao Diabo’.
“ARREPENDIMENTO DE OBRAS MORTAS”
Hebreus 6:1, 2 mostra que a doutrina fundamental que serve de base para a madureza cristã começa com o “arrependimento de obras mortas e a fé para com Deus”, seguida pelo ensino sobre batismos, a imposição das mãos, a ressurreição e o julgamento eterno. As “obras mortas” (expressão que aparece, além disso, apenas em Hebreus 9:14) evidentemente significam, não apenas as obras pecaminosas do erro, obras da carne decaída que levam a pessoa à morte (Rom. 8:6; Gál. 6:8), mas todas as obras que, em si, são espiritualmente mortas, vãs, infrutíferas.
Isto incluiria as obras de autojustificação, os esforços feitos pelos homens de estabelecer sua própria justiça, à parte de Cristo Jesus e seu sacrifício de resgate. Assim, a guarda formal da Lei, por parte dos líderes religiosos judaicos e de outros, constituía “obras mortas”, porque lhe faltava o ingrediente vital da fé. (Rom. 9:30-33; 10:2-4) Isto os fez tropeçar diante de Cristo Jesus, que era da parte de Deus o “Agente Principal . . . para dar a Israel arrependimento e perdão de pecados”, ao invés de se arrependerem. (Atos 5:31-33; 10:43; 20:21) Assim, também, a observância da Lei, como se ainda vigorasse, tornou-se “obras mortas” depois que Cristo Jesus a cumprira. (Gál. 2:16) Similarmente, todas as obras que, de outro modo, seriam de valor, tornam-se “obras mortas” se a motivação não for o amor, o amor a Deus e o amor ao próximo. (1 Cor. 13:1-3) O amor, por sua vez, tem de ser “em ação e em verdade”, harmonizando-se com a vontade e os modos de Deus, comunicados a nós mediante sua Palavra. (1 João 3:18; 5:2, 3; Mat. 7:21-23; 15:6-9; Heb. 4:12) A pessoa que se volta para Deus, com fé, mediante Cristo Jesus, arrepende-se de todas as obras corretamente classificadas como “obras mortas”, e, depois disso, evita-as, sua consciência destarte tornando-se purificada. — Heb. 9:14.
O batismo (a imersão em água), exceto no caso de Jesus, era um símbolo divinamente provido, ligado ao arrependimento, tanto da parte dos que se achavam na nação judaica (que falhara em guardar o pacto de Deus, enquanto este vigorava), como da parte do povo das nações, que ‘dera meia-volta’ para render serviço sagrado a Deus. — Mat. 3:11; Atos 2:38; 10:45-48; 13:23, 24; 19:4; veja BATISMO.
OS IMPENITENTES E OS QUE ESTÃO ALÉM DE ARREPENDIMENTO
A falta de arrependimento genuíno levou ao exílio de Israel e de Judá, a duas destruições de Jerusalém e, por fim, à completa rejeição daquela nação por parte de Deus. Quando repreendidos, não se voltaram realmente para Deus, mas continuaram a ‘retornar ao proceder popular, qual cavalo que se arroja à batalha’. (Jer. 8:4-6; 2 Reis 17:12-23; 2 Crô. 36:11-21; Luc. 19:41-44; Mat. 21:33-43; 23:37, 38) Porque, em seu coração, não desejaram arrepender-se e ‘dar meia-volta’, o que ouviram e viram não lhes trouxe entendimento e conhecimento; havia um “véu” sobre seu coração. (Isa. 6:9, 10; 2 Cor. 3:12-18; 4:3, 4) Os infiéis líderes religiosos e profetas, como também falsas profetisas, contribuíram para isto, fortalecendo o povo em seu erro. (Jer. 23:14; Eze. 13:17, 22, 23; Mat. 23:13, 15) As profecias cristãs prediziam que a futura ação divina, repreendendo e concitando os homens ao arrependimento, seria similarmente rejeitada por muitos, as coisas que eles sofriam somente endurecendo-os e amargurando-os ao ponto de blasfemarem de Deus, muito embora seja a própria rejeição, por parte deles, de Seus modos justos, que constitua a raiz e a causa geradora de todas as suas dificuldades e pragas. (Rev. 9:20, 21; 16:9, 11) Tais pessoas ‘armazenam para si furor no dia da revelação do julgamento de Deus’. — Rom. 2:5.
Além de arrependimento
Os que ‘praticam o pecado deliberadamente’, depois de obterem conhecimento exato da verdade, ultrapassaram o ponto do arrependimento, pois rejeitaram a própria finalidade pela qual o Filho de Deus morreu, e, assim, juntaram-se às fileiras dos que o sentenciaram à morte, com efeito, ‘de novo penduram para si mesmos o Filho de Deus numa estaca e o expõem ao opróbrio público’. (Heb. 6:4-8; 10:26-29) Isto, então, é imperdoável “blasfêmia contra o espírito”, visto que é somente pelo espírito de Deus que a pessoa pode obter “conhecimento exato da verdade”. (Mat. 12:31, 32; Mar. 3:28, 29: João 16:13) Teria sido melhor que tais “hão tivessem conhecido de modo exato a vereda da justiça, do que, depois de a terem conhecido de modo exato, se desviarem do mandamento santo que lhes foi entregue”. — 2 Ped. 2:20-22.
Visto que Adão e Eva eram criaturas perfeitas, e visto que a ordem de Deus a eles era explícita e foi entendida por ambos, torna-se evidente que seu pecado foi deliberado e não era desculpável à base de qualquer fraqueza ou imperfeição humana. Por isso, as palavras de Deus, dirigidas a eles depois disso, não incluem nenhum convite ao arrependimento. (Gên. 3:16, 24) Assim, também, se deu com a criatura espiritual que os induziu à rebelião. O fim dela e de outras criaturas angélicas que se juntaram a ela é a destruição eterna. (Gên. 3:14, 15; Mat. 25:41) Judas, embora imperfeito, vivera em íntima associação com o próprio Filho de Deus e, ainda assim, tornou-se traidor; o próprio Jesus se referiu a ele como “o filho da destruição”. (João 17:12) O apóstata “homem que é contra a lei” é também chamado de “filho da destruição”. (2 Tes. 2:3; veja ANTICRISTO; APOSTASIA; HOMEM QUE É CONTRA A LEI.) Todos os classificados como “cabritos” figurativos, no tempo do julgamento régio de Jesus sobre a humanidade, semelhantemente “partirão para o decepamento eterno”, não lhes sendo estendido nenhum convite ao arrependimento. — Mat. 25:33, 41-46.
A ‘LÁSTIMA’ E ‘MEIA-VOLTA’ DE DEUS
Na maioria dos casos em que a palavra hebraica nahhám é usada no sentido de ‘deplorar’ ou ‘sentir lástima’, a referência é a Jeová Deus. Gênesis 6:6, 7 declara que “Jeová deplorou ter feito os homens na terra e sentiu-se magoado no coração”, a iniquidade deles sendo tão imensa que Deus determinou que os obliteraria da superfície do solo mediante um dilúvio global. Isto não pode significar que Deus deplorou ou sentiu lástima no sentido de ter cometido um erro em sua obra criativa, pois “perfeita é a sua atuação”. (Deut. 32:4, 5) A lástima é o oposto da satisfação e do regozijo agradáveis. Por isso, Deus deve ter deplorado que, depois de ter criado o gênero humano, ele agora se via obrigado (e com justiça) a destruí-lo, devido à má conduta dele, com exceção de Noé e sua família. Pois Deus ‘não se agrada na morte do iníquo’. — Eze. 33:11.
As normas justas de Deus permanecem constantes, estáveis, imutáveis, livres de flutuação. (Mal. 3:6; Tia. 1:17) Nenhuma circunstância pode obrigá-lo a mudar de idéia sobre elas, a desviar-se delas ou a abandoná-las. No entanto, a atitude e as reações de suas criaturas inteligentes para com tais normas perfeitas e para com a aplicação delas por parte de Deus, podem ser boas ou más. Se forem boas, isto agrada a Deus; se más, provocam-lhe lástima. Ademais, a atitude das criaturas pode mudar de boa para má, ou de má para boa, e, visto que Deus não altera suas normas para ajustar-se a tais, seu prazer (e suas bênçãos acompanhantes) podem, concordemente, mudar para a lástima (e a disciplina ou punição acompanhantes) ou vice-versa. Seus julgamentos e suas decisões, então, são totalmente isentos de caprichos, de inconstância, de instabilidade ou de erro; por isso está isento de toda conduta errática ou excêntrica. — Eze. 18:21-30; 33:7-20; compare com Jeremias 18:3-10; Romanos 9:19-21.