Estados Unidos da América (Parte Um)
Nossa narrativa começa em meados do século dezenove. Carroças cobertas ainda rodam pelas planícies abertas, levando os colonizadores para setores remotos do Oeste estadunidense. Grandes manadas de bisões ou de búfalos — cerca de vinte milhões em 1850 — ainda percorrem a região entre o maciço dos Apalaches e as Montanhas Rochosas.
A devastadora Guerra Civil assola o país e colhe seu quinhão mortífero de 1861 a 1865, seguida por uma era de industrialização. Em 1869, é concluída a primeira ferrovia transcontinental. Durante a década de 1870, surgem em cena pela primeira vez a luz elétrica e o telefone. O bonde elétrico facilita a viagem urbana na década de 1880, e, no fim do século, alguns automóveis proclamam ruidosamente sua presença.
Qual seria o clima religioso dessa era, parecia imprevisível para se dizer o mínimo. Charles Darwin esposara a teoria da evolução do homem em sua obra de 1859, Origem das Espécies. À medida que a evolução, a alta crítica da Bíblia, o ateísmo, o espiritismo e a infidelidade atacavam a religião organizada, a Igreja Católica Romana realizava o primeiro Concílio do Vaticano (1869-1870), fazendo assim esforços de fortalecer sua debilitante posição. Vários outros grupos aguardavam ansiosamente a iminente volta carnal de Cristo — porém, em vão.
Todavia, “a terminação do sistema de coisas” se acercava. Por certo, o “trigo” — os verdadeiros cristãos — devia existir em alguma parte no campo global de Deus sob cultivo. Mas, onde?
‘DIAS DAS COISAS PEQUENAS’
Estamos por volta de 1870, o lugar, a cidade de Allegheny Pensilvânia. Allegheny, que mais tarde tornou-se parte de Pittsburgo, é uma cidade de muitas igrejas. Certa noitinha, um jovem de dezoito anos anda por uma das ruas de Allegheny. Segundo sua própria admissão posterior, tinha ficado “abalado na fé, no tocante a muitas doutrinas aceitas por muito tempo” e se tornara “presa fácil da lógica da infidelidade”. Mas, hoje à noite, ele é atraído por alguns cânticos. Entra num salão poeirento, sombrio. Com que objetivo? Nas suas próprias palavras, “para ver se o punhado de pessoas que se reunia ali tinha algo mais sensato a oferecer do que as crenças das grandes igrejas”.
O jovem sentou-se e escutou. Jonas Wendell, adventista, proferiu o sermão. ‘Sua exposição das Escrituras não era inteiramente clara’, nosso ouvinte observou mais tarde. Mas, produziu algo. Ele teve de admitir: “Bastou, sob a direção de Deus, para restabelecer minha abalada fé na inspiração divina da Bíblia, e para mostrar que os registros dos Apóstolos e dos Profetas estavam indissoluvelmente vinculados. O que ouvi me mandou de volta à minha Bíblia, para estudá-la com mais zelo e cuidado do que nunca antes.”
O jovem inquiridor era Charles Taze Russell. Nascido em Allegheny, em 16 de fevereiro de 1852, era o segundo filho de Joseph L. e de Ann Eliza (Birney) Russell, ambos de descendência escocesa-irlandesa. A mãe de Charles, que o dedicara à obra do Senhor quando ele nasceu, morreu quando ele era um garotinho de nove anos. Mas, em tenra idade Charles obteve suas primeiras impressões da religião por parte de seus pais presbiterianos. Com o tempo, juntou-se à vizinha Igreja Congregacional por causa de seus conceitos mais liberais.
Como simples garoto de onze anos, Charles passou a ser sócio comercial do pai, o próprio rapazinho escrevendo os artigos do acordo sob o qual operava a empresa deles. Com quinze anos, estava associado ao pai numa crescente cadeia de lojas de roupas para homens. Com o tempo, possuíam lojas em Pittsburgo, Filadélfia e em outras partes.
Por todo esse tempo, o jovem Charles era sincero estudante das Escrituras. Desejava servir a Deus no melhor de suas habilidades. Com efeito, certa vez, quando tinha doze anos, seu pai o encontrou na loja da família, às duas horas da manhã, estudando atentamente uma concordância bíblica, sem se dar conta da hora.
Ao tornar-se mais velho, Russell ficou espiritualmente perturbado. Em especial se preocupava com as doutrinas do castigo eterno e da predestinação. Arrazoava ele: “Um Deus que usasse seu poder para criar seres humanos, os quais sabia de antemão e predestinara que fossem eternamente atormentados, não poderia ser sábio, nem justo nem amoroso. Sua norma seria mais baixa do que a de muitos homens.” (1 João 4:8) Sem embargo, o jovem Russell continuou a crer na existência de Deus. Com a mente assediada de preocupação com doutrinas, examinou os vários credos da cristandade, estudou as principais religiões orientais — e sentiu grave desapontamento. Onde se encontraria a verdade?
Na época em que Russell tinha dezessete anos um posterior associado afirma que este é o modo em que ele raciocinava, a saber: “Não me adianta tentar encontrar algo razoável sobre o futuro em qualquer dos credos, ou até mesmo na Bíblia, assim, eu simplesmente me vou esquecer de tudo e dedicar toda a minha atenção aos negócios. Se conseguir ganhar algum dinheiro, posso usá-lo para ajudar a humanidade sofredora, mesmo que não lhes possa fazer nenhum bem em sentido espiritual.”
Foi enquanto o jovem Russell entretinha tais pensamentos que ele entrou naquele salão sombrio em Allegheny e ouviu o sermão que ‘restabeleceu sua fé abalada na inspiração divina da Bíblia’. Entrando em contato com vários rapazes conhecidos seus, disse-lhes de sua intenção de estudar as Escrituras. Logo este pequeno grupo — de cerca de seis — começou a se reunir semanalmente para o estudo bíblico sistemático. Em suas reuniões regulares durante os anos de 1870 a 1875, o modo de pensar religioso desses homens sofreu profundas mudanças. Com o passar do tempo, Jeová os abençoou com crescente luz e verdade espirituais. — Sal. 43:3; Pro. 4:18.
“Chegamos a reconhecer”, escreveu Russell, “a diferença entre nosso Senhor como ‘o homem que se entregou’ e como o Senhor que voltaria de novo, um ser espiritual. Vimos que seres espirituais podem estar presentes, e, ainda assim, ser invisíveis aos homens. . . . sentimo-nos grandemente pesarosos pelo erro dos adventistas, que aguardavam Cristo na carne e pelo ensino de que o mundo e tudo nele, exceto os adventistas seria queimado em 1873 ou 1874, e cuja cronologia, desapontamentos e idéias toscas em geral quanto ao objetivo e à maneira de sua vinda trouxeram mais ou menos vitupério sobre nós e sobre todos que ansiavam e proclamavam seu vindouro Reino”.
Empenhando-se fervorosamente a contrabalançar tais ensinos errôneos, em 1873, C. T. Russell, com 21 anos, escreveu e publicou, às suas próprias custas, um opúsculo intitulado “O Objetivo e a Maneira da Volta do Senhor”. Cerca de 50.000 exemplares foram publicados e o mesmo gozou de ampla distribuição.
Por volta de janeiro de 1876, Russell recebeu um exemplar do periódico religioso The Herald of the Morning (O Arauto da Manhã). Pela capa, identificou-o com o adventismo, mas seu conteúdo constituiu uma surpresa. O editor, N. H. Barbour, de Rochester, Nova Iorque, entendia que o objetivo da volta de Jesus Cristo não era destruir, e sim abençoar todas as famílias da terra, e que sua vinda seria como a dum ladrão e não seria na carne mas como espírito. Com efeito, à base das profecias cronológicas bíblicas, Barbour pensava que Cristo se achava então presente, e que a obra de colheita do “trigo” e do “joio” já era chegada. Russell fez arranjos para um encontro com Barbour e, como resultado, a classe bíblica de Pittsburgo, de cerca de trinta pessoas, ficou afiliada ao grupo um pouquinho maior de Barbour em Rochester, Nova Iorque. De seus próprios fundos, Russell contribuiu para que se imprimisse o então quase suspenso Herald, tornando-se co-editor do jornal.
Com 25 anos, em 1877, Russell começou a vender seus interesses comerciais e dedicou-se à atividade de pregação de tempo integral. Então viajava de cidade em cidade, proferindo discursos bíblicos em reuniões públicas, nas ruas, e nas igrejas protestantes. Devido a este trabalho, tornou-se conhecido como “Pastor” Russell. Determinou investir sua fortuna na promulgação da obra, devotar sua vida à causa, proibir coletas em todas as reuniões e depender de contribuições não-solicitadas para continuar a obra, depois que seu próprio dinheiro se esgotasse.
Em 1877, Barbour e Russell editaram conjuntamente Three Worlds, and the Harvest of This World (Três Mundos, e a Colheita Deste Mundo). Este livro de 196 páginas combinava informações sobre a Restituição com profecias bíblicas sobre o tempo. Apresentava o conceito de que a presença invisível de Jesus Cristo e um período de quarenta anos, iniciando com uma colheita de três anos e meio, datavam do outono setentrional de 1874.
Mui digna de nota foi a surpreendente exatidão com que tal livro apontou para o fim dos Tempos dos Gentios, “os tempos designados das nações”. (Luc. 21:24) Mostrava (nas páginas 83 e 189) que este período de 2.520 anos, durante o qual as nações gentias ou não-judaicas regeriam a terra, sem interferência de qualquer reino de Deus, começou com a derrubada babilônica do reino de Judá, em fins do sétimo século A. E. C., e terminaria em 1914 E.C. Até mesmo antes disso, contudo, C. T. Russell escreveu um artigo intitulado “Tempos dos Gentios: Quando Terminam?” Foi publicado no Bible Examiner de outubro de 1876, e nele Russell disse: “Os sete tempos terminarão em 1914 A. D.” Vinculara corretamente os Tempos dos Gentios com os “sete tempos” mencionados no livro de Daniel. (Dan. 4:16, 23, 25, 32) Comprovando tais cálculos, 1914 deveras marcou o fim desses tempos e o nascimento do reino de Deus no céu, tendo a Cristo Jesus como rei. Pense só nisso! Jeová concedeu tal conhecimento a Seu povo cerca de quatro décadas antes de tais tempos expirarem.
Tudo foi bem por algum tempo. Daí, veio a primavera setentrional de 1878. Barbour esperava que os santos que viviam na terra fossem então arrebatados fisicamente para estarem para sempre com o Senhor no céu. Mas, isto não aconteceu. De acordo com Russell, Barbour “parecia achar que tinha por obrigação arranjar algo de novo para desviar a atenção do fracasso de os santos que viviam serem arrebatados em massa”. Ele logo fez isso. “Para nossa dolorosa surpresa”, diz o relato de Russell, “o Sr. Barbour logo depois escreveu um artigo para o Herald negando a doutrina da expiação — negando que a morte de Cristo fosse o preço-resgate de Adão e sua raça, afirmando que a morte de Cristo não era uma liquidação da penalidade pelos pecados do homem assim como espetar um alfinete no corpo duma mosca e fazê-la sofrer e morrer não seria considerado por um pai terrestre como justa reparação do mau procedimento de seu filho”.
No número de setembro do Herald foi publicado o artigo de Russell, “A Expiação”, sustentando o resgate e contradizendo o erro de Barbour. Até dezembro de 1878, a controvérsia continuou nas páginas do jornal. “Tornou-se então claro para mim”, escreveu Russell, “que o Senhor não mais gostaria que eu ajudasse em sentido financeiro, ou de qualquer modo me identificasse com algo que exercesse influência em oposição ao princípio fundamental de nossa religião sagrada”. Assim o que fez C. T. Russell? Continua ele: “Por conseguinte, depois do esforço mais cuidadoso, porém infrutífero, de recuperar o errante, afastei-me inteiramente de The Herald of the Morning e do convívio adicional com o Sr. Barbour.” Mas, isto não bastava para mostrar sua “contínua lealdade a nosso Senhor e Redentor”. Por isso, deu outros passos. Escreve Russell: “Por conseguinte, entendi ser a vontade do Senhor que iniciasse outro jornal, em que o estandarte da Cruz fosse erguido bem alto, a doutrina do Resgate fosse defendida e as Boas Novas de grande Gozo fossem proclamadas tão extensivamente quanto possível.”
C. T. Russell considerou ser a orientação do Senhor que deixasse de viajar e começasse a editar um jornal. Assim, em julho de 1879, surgiu o primeiro número de Zion’s Watch Tower and Herald of Christ’s Presence (A Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo). Agora conhecida mundialmente como The Watchtower (A Sentinela), esta revista sempre sustentou a doutrina bíblica do resgate. Como Russell certa vez escreveu: “Desde o início, tem sido especial defensora do Resgate; e, pela graça de Deus, esperamos que seja assim até o fim.”
O início do periódico era um “dia das coisas pequenas”, visto que seu primeiro número consistia em apenas cerca de 6.000 exemplares. (Zac. 4:10) C. T. Russell, presidente da classe bíblica de Pittsburgo, era o editor e redator. Cinco outros estudantes maduros da Bíblia serviam originalmente como contribuintes regulares para suas colunas. A revista foi dedicada a Jeová e aos interesses do reino de Deus. Depositou-se confiança em Deus, conforme indicado para exemplificar, quando se disse em seu segundo número: “‘A Torre de Vigia de Sião’ tem, cremos, a JEOVÁ como seu apoiador, e enquanto este for o caso, jamais suplicará nem pedirá aos homens seu apoio. Quando Aquele que diz: ‘Todo o ouro e a prata das montanhas são meus’, deixar de prover os fundos necessários, entenderemos que é o tempo de suspender a publicação.” Jamais foi suspensa sua publicação. Ao invés, sua impressão aumentou vertiginosamente para a média, de cada número, de mais de 9.800.000 em fins de 1975.
A firme determinação de sustentar e declarar a verdade bíblica resultou na bênção divina para aqueles estudantes da Bíblia da década de 1870. Apesar do crescimento de muito “joio” religioso no campo mundial, Deus agira em identificar o “trigo” ou os verdadeiros cristãos. (Mat. 13:25, 37-39) Inegavelmente, Jeová chamava as pessoas “da escuridão para a sua maravilhosa luz”. (1 Ped. 2:9) Em 1879 e 1880, C. T. Russell e seus associados fundaram cerca de trinta congregações em Pensilvânia, Nova Jersey, Nova Iorque, Massachusetts, Delaware, Ohio e Michigan. O próprio Russell programava visitas pessoais a cada congregação. Seu programa exigia uma ou várias reuniões bíblicas com cada grupo.
Aquelas congregações iniciais eram chamadas de “eclésias” (do grego ekklesía, significando “congregação”) e, às vezes, eram mencionadas como “classes”. Todos os membros da congregação votavam congregacionalmente sobre certos assuntos e também elegiam uma junta de anciãos, responsável de dirigir os assuntos congregacionais. As eclésias se uniam por aceitarem o padrão de atividade da congregação de Pittsburgo, onde C. T. Russell e outros escritores da Torre de Vigia eram anciãos.
Jesus Cristo ‘pregou o livramento aos cativos aprisionados’. (Luc. 4:16-21; Isa. 61:1, 2) Se as pessoas de coração honesto do século dezenove haviam de obter a liberdade dada por Deus, o erro religioso tinha de ser exposto. A Torre de Vigia de Sião cumpria tal finalidade. Todavia, outra coisa ajudou a satisfazer a necessidade — os “Tratados dos Estudantes da Bíblia” (também chamados “Publicação Trimestral da Velha Teologia”), escritos em 1880 e depois disso por Russell e seus colegas. Estes tratados eram fornecidos grátis para distribuição por parte dos leitores da Torre de Vigia.
C. T. Russell e seus associados criam estar na época da colheita, e eram poucos em número — apenas cerca de cem em 1881. As pessoas, porém, precisavam da verdade libertadora, e, pela benignidade imerecida de Deus, iriam recebê-la. “Desejados 1.000 Pregadores” era o título impressionante dum artigo na Torre de Vigia de Sião de abril de 1881. Sugerisse aos que podiam dedicar a metade ou mais de seu tempo exclusivamente à obra do Senhor: “Que se dirijam às cidades grandes ou pequenas, segundo sua habilidade, como Colportores ou Evangelistas, procurem achar em todo lugar os cristãos fervorosos, muitos dos quais verificarão ser possuidores de zelo por Deus, mas não segundo o conhecimento, a estes procurem tornar conhecidas as riquezas da graça de Nosso Pai, e as belezas de Sua palavra, dando-lhes tratados.” Entre outras coisas, estes colportores (precursores dos atuais publicadores pioneiros) deviam obter assinaturas da Torre de Vigia. Naturalmente, nem todos os leitores da Torre de Vigia podiam ser pregadores de tempo integral. Todavia, os que não podiam devotar todo o tempo não foram deixados de lado pois se lhes disse: “Se dispuserem de meia hora, ou uma hora ou duas, ou três, poderão usá-la e isso será aceitável ao Senhor da colheita. Quem pode dizer que bênçãos fluirão de uma hora de serviço, sob a direção de Deus?”
Os mil pregadores desejados não responderam então ao apelo para ação. (Durante 1885 havia cerca de 300 colportores.) Mas, os servos de Jeová sabiam que deviam pregar as boas novas. Apropriadamente, a Torre de Vigia de Sião, de julho e agosto de 1881, declarou: “Está pregando? Cremos que ninguém será do pequeno rebanho exceto os pregadores. . . . Sim, fomos chamados para sofrer com ele, e para proclamar as boas novas agora, para que, no devido tempo, possamos ser glorificados e realizar as coisas agora pregadas. Não fomos chamados, nem ungidos para receber honra e acumular riquezas, mas para nos gastarmos e sermos gastos, e para pregar as boas novas.”
Nesse mesmo ano — 1881 — C. T. Russell terminou dois grandes folhetos. Um era intitulado “Ensinos do Tabernáculo”. O outro — Alimento Para os Cristãos Refletivos — expunha certos erros doutrinais e explicava o propósito divino.
Originalmente, a impressão de tratados e da Torre de Vigia de Sião era feita quase que inteiramente por firmas comerciais. Mas, se a distribuição de publicações iria expandir-se, e se os Estudantes da Bíblia (como as testemunhas de Jeová eram então chamadas) haviam de receber contribuições para executar o trabalho, alguma espécie de sociedade era necessária. Assim, no início de 1881, a “Zion’s Watch Tower Tract Society” (Sociedade de Tratados da Torre de Vigia de Sião) foi estabelecida como grupo sem personalidade jurídica, tendo a C. T. Russell como seu gerente. Ele e outros contribuíram de forma generosa cerca de US$ 35.000 para colocar em operação esta organização gráfica. Durante 1884, a Sociedade, anteriormente sem personalidade jurídica, adquiriu tal personalidade jurídica como Sociedade de Tratados da Torre de Vigia de Sião, servindo Russell como seu presidente. Hoje, esta associação religiosa é conhecida como “Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania” (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pensilvânia).
“A finalidade para a qual se forma a Sociedade”, diziam seus estatutos, “é a disseminação das verdades bíblicas, em diversos idiomas, por meio da publicação de tratados, panfletos, escritos e outros documentos religiosos, e pelo uso de todos os meios lícitos que a sua Diretoria, devidamente constituída, achar conveniente para a promoção da finalidade declarada”.
“A disseminação das verdades bíblicas” deu notável passo à frente por uma série de livros intitulados “Aurora do Milênio” (mais tardei “Estudos das Escrituras”). Escrito por C. T. Russell em linguagem facilmente compreensível, o Volume I foi publicado em 1886. Primeiro chamado “O Plano das Eras” e, mais tarde, “O Plano Divino das Eras”, abrangia assuntos tais como “A Existência dum Supremo Criador Inteligente É Estabelecida”, “A Volta de Nosso Senhor — Seu Objetivo, a Restituição de Todas as Coisas”, “O Dia de Juízo”, “O Reino de Deus”, e “O Dia de Jeová”. Durante um período de quarenta anos, seis milhões de exemplares desta publicação foram distribuídos, ajudando a centenas de sinceros buscadores da verdade a sair da escravidão à religião falsa para a liberdade cristã.
No decorrer do tempo, C. T. Russell escreveu cinco outros livros da série “Aurora do Milênio”. Eram: Volume II, O Tempo É Chegado (1889), Volume III, Venha o Vosso Reino (1891); Volume IV, A Batalha do Armagedom (1897, originalmente chamado “O Dia de Vingança”), Volume V, A Expiação Entre Deus e o Homem (1899); Volume VI, A Nova Criação (1904). Russell não viveu para escrever o sétimo volume tencionado desta série.
Que tremenda acolhida tiveram essas publicações cristãs! O espírito de Deus movia as pessoas a agir. Em alguns casos, era rápido seu afastamento da religião falsa. “Sua verdade cativou de imediato meu coração”, escreveu certa senhora em 1889, depois de ler um volume da Aurora do Milênio. “Dali em diante, afastei-me da Igreja Presbiteriana, onde por tanto tempo tateara nas trevas, em busca da verdade, e não a achara.” Um clérigo escreveu, em 1891: “Depois de pregar na igreja m[etodista] e[piscopal] por três anos, durante todos os quais tenho procurado fervorosamente a verdade, posso agora, com a ajuda de Deus, ‘sair dela’.” — Rev. 18:4.
Vívido desejo de pregar as boas novas é demonstrado nas idéias que outros expressaram à Sociedade por meio de cartas. Por exemplo, em 1891, um senhor e sua esposa escreveram: “Consagramos nosso todo ao Senhor e a seu serviço, para ser usado para a Sua glória e, se o Senhor quiser irei experimentar o trabalho de colportor logo que consiga por as coisas em ordem, e, se o Senhor aceitar meu serviço e me abençoar ao fazer sua obra, então vamos deixar de nos preocupar com a casa e tanto eu como minha esposa nos empenharemos na obra de colheita.”
Bem interessante foi a correspondência que a Sociedade recebeu em 1894 de um senhor que obtivera os volumes da Aurora do Milênio de duas colportoras. Ele leu os livros, pediu exemplares adicionais, assinou a Torre de Vigia de Sião, e sentiu-se movido a escrever: “Minha querida esposa e eu já lemos estes livros com o mais vivo dos interesses e achamos que é uma dádiva de Deus e uma grande bênção termos tido a oportunidade de entrar em contato com eles. São deveras ‘prestimosa ajuda’ para o estudo da Bíblia. As grandes verdades reveladas no estudo desta série simplesmente inverteram nossas aspirações terrenas; e, dando-nos conta, pelo menos até certo ponto, da grande oportunidade de fazermos algo a favor de Cristo, pretendemos aproveitar esta oportunidade para distribuir estes livros, primeiro, entre os nossos parentes e amigos mais chegados, e depois entre os pobres que desejarem lê-los e não puderem obtê-los.’ Esta carta estava assinada por J. F. Rutherford, que se dedicou a Jeová doze anos mais tarde e por fim sucedeu a C. T. Russell como presidente da Sociedade Torre de Vigia dos EUA.
A CASA DA BÍBLIA
Os Estudantes da Bíblia tinham seus escritórios centrais primeiro à Quinta Avenida, 101, Pittsburgo, e, depois disso à Rua Federal, 44, Allegheny, Pensilvânia. Em fins da década de 1880, contudo, a obra acelerada de anunciar as boas novas e de ajuntar os semelhantes a ovelhas tornara necessária a expansão. Assim o povo de Jeová construiu seu próprio prédio. Terminado em 1889, ao custo de US$ 34.000, este prédio de tijolos, de quatro pavimentos, localizado na Rua do Arco, 56-60 (mais tarde com numeração 610-614), Allegheny, era conhecido como “Casa da Bíblia”. Originalmente, sua escritura estava em nome da “Tower Publishing Company”, uma firma particular dirigida por C. T. Russell, que por alguns anos editava as publicações da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) por um preço acertado. Em abril de 1898, a propriedade desta gráfica e de seu terreno foi transferida por doação para a Sociedade Torre de Vigia, a sua diretoria avaliando a construção e o equipamento em US$ 164.033,65.
A Casa da Bíblia serviu como sede da Sociedade por cerca de vinte anos.
“Como eram as coisas na Casa da Bíblia em 1907?” pergunta. Ora Sullivan Wakefield. Respondendo à sua própria pergunta, ela afirma, em parte: “Só havia trinta de nós na ‘família’ e, sendo pequena, era verdadeiramente uma família. . . . Todos comíamos, dormíamos, trabalhávamos e adorávamos nesse único prédio. A capela também dispunha dum lugar para o batismo, sob a tribuna.”
Pense só nisso! Lá atrás, em 1890, só havia cerca de quatrocentos associados ativos da Sociedade Torre de Vigia. Mas, o espírito santo de Jeová estava em operação e produzia excelentes resultados. (Zac. 4:6, 10) Assim sendo, na década de 1890, os tempos eram de aumento. Com efeito, centenas se reuniram, em 26 de março de 1899, para comemorar a morte de Jesus Cristo, um relatório incompleto citando 339 grupos, com 2.501 participantes. Deveras, os semelhantes a ovelhas afluíam ‘ao redil’. — Miq. 2:12.
O crescimento da obra de pregação fora estimulado pela viagem de C. T. Russell ao exterior em 1891. Esta excursão de mais de 27.000 quilômetros levou a ele e seu grupo até a Europa, Ásia e África. Depois disso, um depósito de publicações foi estabelecido em Londres. Também, fizeram-se arranjos para editar as publicações da Sociedade em alemão, francês, sueco, dano-norueguês, polonês, grego, e, mais tarde, em italiano.
“SUBAMOS À CASA DE JEOVÁ”
Davi regozijou-se quando lhe disseram: “Subamos à casa de Jeová.” (Sal. 122:1) Comparavelmente, os Estudantes da Bíblia iniciais deleitavam-se de reunir-se para reuniões e congressos. (Heb. 10:23-25) As recompensas espirituais eram muitas, mas uma coisa sempre faltava — a bandeja de coleta. Aplicável a todas as reuniões e congressos das testemunhas cristãs de Jeová é o lema: “Entrada franca, não se faz coleta.” E isso corretamente, também, em vista das palavras de Jesus Cristo: “De graça recebestes, de graça dai”. As contribuições voluntárias servem para cobrir quaisquer despesas relacionadas aos locais de reunião do povo de Jeová. — Mat. 10:8; 2 Cor. 9:7.
Suponhamos que nos juntemos aos concrentes dos tempos primitivos ao se dirigirem para suas reuniões semanais. “Antes e depois da virada do século”, comenta Ralph H. Leffler, “havia bem poucas, pouquíssimas reuniões que perdíamos. Naqueles dias não tínhamos carros. A única maneira de nós, que morávamos no interior, a uns oito quilômetros da cidade, chegarmos às reuniões era andar . . . ou usar uma charrete puxada a cavalo. Muitas e muitas vezes usávamos uma charrete ou carroça puxada a cavalo para percorrer os dezesseis quilômetros de ida e volta, duas vezes aos domingos, para assistir às reuniões. Ano após ano, no verão ou no inverno, chovesse ou fizesse sol compreendíamos ser nosso privilégio aprender cada vez mais as verdades da Bíblia e fortalecer nossa fé. Não queríamos perder nenhuma oportunidade de nos associar com outros de mesmíssima fé.” Hazelle e Helen Krull observam: “Quando a neve cobria o solo, íamos de cavalo e trenó cobrindo o cavalo com um cobertor durante a reunião. Às vezes o cavalo esperava pacientemente, e, às vezes, escarvava com impaciência.”
Como eram essas reuniões de antigamente? Uma delas se baseava no Sombras do Tabernáculo dos Melhores Sacrifícios, publicado inicialmente pela Sociedade em 1881. Considerava o significado profético do tabernáculo de Israel e dos sacrifícios oferecidos ali. Até mesmo as crianças se beneficiavam grandemente destes estudos. Recordando tais reuniões, realizadas em uma casa, comenta Sara C. Kaelin: “O grupo aumentara e, às vezes, as crianças tinham de sentar-se nos degraus da escada que conduzia ao sobrado, mas todas tinham de aprender e responder às perguntas. O que representava o novilho? O Átrio? O Santo? O Santíssimo? O Dia da Expiação? O Sumo Sacerdote? O subsacerdote? Estava tão inculcado em nossa mente que podíamos visualizar o Sumo Sacerdote cumprindo seus deveres e sabíamos o que isso significava.”
“Reuniões de Chalés” eram realizadas às quartas-feiras à noite. Estas também tornaram-se conhecidas como Reuniões de Oração, Louvor e Testemunho. A respeito delas, Edith R. Brenisen escreve: “Depois dum hino e duma oração, o líder lia um texto apropriado, dando alguns comentários, e então a reunião era aberta aos amigos, para comentarem o que quisessem. Às vezes era uma alegre experiência que alguém teve no serviço, ou alguma evidência da direção ou proteção especiais de Jeová. A pessoa estava livre para oferecer uma oração ou pedir que certo hino fosse entoado, a letra do qual amiúde expressava as idéias que havia no coração da pessoa, melhor que ela poderia fazê-lo. Era uma noitinha de meditação sobre o cuidado amoroso de Jeová, e de íntima associação com nossos irmãos e irmãs. Ao ouvirmos algumas de suas experiências, chegávamos a conhecê-los melhor. Observar sua fidelidade, ver como sobrepujavam suas dificuldades, não raro nos ajudava a solucionar algumas de nossas próprias perplexidades.” Esta reunião foi a precursora do que, desde esse tempo, se desenvolveu na reunião de serviço, realizada semanalmente pelas testemunhas de Jeová, hoje em dia, e de tanta ajuda para elas em sua obra de pregação.
Naqueles dias iniciais, “Círculos da Aurora” eram realizados nas noites de sexta-feira. Tais estudos bíblicos eram assim chamados por se usarem os volumes da Aurora do Milênio. Ralph H. Leffler recorda-se de que a noite de domingo era usualmente devotada a um estudo da Bíblia ou discurso baseado nas Escrituras. Talvez fosse proferido o que era conhecido como “discurso sobre a tabela”. O que era isto? Explica ele: “Na contracapa do Volume I dos Estudos das Escrituras havia uma longa tabela . . . Essa tabela foi ampliada até o tamanho duma faixa . . . e podia ser comprada na Casa da Bíblia em Allegheny, Pensilvânia. Essa tabela era pendurada na parede, em frente da assistência, para que todos a vissem, à medida que o orador da ocasião passava a explicar seus muitos arcos e pirâmides. A tabela era uma vívida ilustração dos principais eventos bíblicos desde a criação do homem até o fim do milênio e o começo das ‘eras vindouras’. . . . Aprendemos muita coisa sobre a história da Bíblia através destes discursos sobre a ‘tabela’. E eram proferidos com freqüência.”
Os “discursos sobre a tabela” talvez fossem proferidos nos locais regulares de reunião do povo de Jeová ou em outras partes. Eram eficazes tais discursos? Recorda C. E. Sillaway: “Os discursos devem ter dado alguns frutos, pois o pequeno grupo cresceu de seis adultos para cerca de quinze em menos de dois anos.” Em uma ocasião, William P. Mockridge proferiu um discurso sobre a tabela numa igreja batista na cidade de Long Island, Nova Iorque, “resultando que vários membros da igreja [do pregador batista] conheceram a verdade e o ministro . . . C. A. Erickson também conheceu a verdade e se tornou um dos oradores . . . viajantes da Sociedade.”
A comemoração anual da morte de Jesus Cristo dava aos iniciais Estudantes da Bíblia oportunidades de realizar congressos. (1 Cor. 11:23-26) Uma de tais reuniões ocorreu em Allegheny, Pensilvânia, de 7 a 14 de abril, de 1892. Achavam-se presentes cerca de 400 servos de Jeová e pessoas interessadas de cerca de vinte estados e de Manitoba, Canadá. Desde então, naturalmente, congressos espiritualmente recompensadores do povo de Deus foram realizados em muitas cidades através dos Estados Unidos e do mundo. E como Jeová tem feito as coisas crescerem! De mais de 123 países, a Assembléia Internacional Vontade Divina das Testemunhas de Jeová, de 1958, atraiu ao Estádio Ianque e ao Campo de Pólo, da cidade de Nova Iorque, uma assistência total de 253.922 pessoas!
CORAJOSOS E FORTES DE CORAÇÃO NO SERVIÇO DE DEUS
“Voluntários Desejados!” — esse era o impressionante título dum artigo na Torre de Vigia de Sião de 15 de abril de 1899. Propunha novo método de disseminação das verdades bíblicas — um que com certeza tomaria de assalto o clero de cristandade. Para participar nesse trabalho, a pessoa teria de ser corajosa e ter o coração forte. (Sal. 31:24) O povo de Jeová naquele tempo obteve a oportunidade de se empenhar na maciça distribuição gratuita de 300.000 exemplares dum novo folheto intitulado “A Bíblia vs. a Evolução”. Era entregue às pessoas à medida que saíam das igrejas no domingo. Voluntários cristãos, aos milhares, responderam de todo o coração ao apelo, e grande trabalho foi feito nos Estados Unidos, Canadá e Europa.
Esta obra voluntária continuou por anos, em especial aos domingos, e com o tempo se expandiu de forma a incluir a distribuição de tratados de casa em casa. Novos tratados eram publicados pelo menos duas vezes por ano, e eram entregues aos milhões aos freqüentadores de igrejas. De 1909 em diante, a Sociedade Torre de Vigia lançou nova série de tratados chamados “Púlpito do Povo” (daí, “Jornal de Todo o Mundo” e, mais tarde, “O Mensário dos Estudantes da Bíblia”). Por meio destes tratados mensais expôs-se o erro religioso, explicaram-se as verdades bíblicas e avisaram-se as nações sobre o ano altamente significativo de 1914. Caricaturas e ilustrações aumentaram a efetividade destes tratados. Por meio de tal distribuição de tratados, os servos de Deus foram cada vez mais notados pelo público, tornando-se amplamente conhecidos como Estudantes da Bíblia e Estudantes Internacionais da Bíblia.
“Cada classe possuía um Capitão dos Voluntários que planejava o trabalho”, afirma Edith R. Brenisen, “e os trabalhadores eram chamados Voluntários. . . . As manhãs de domingo eram gastas neste trabalho voluntário. Levava-nos às portas das igrejas. Distribuíamos os tratados à medida que as pessoas saíam da igreja. . . . Às doze horas, à medida que as pessoas saíam, entregávamos-lhes as publicações, e então esperávamos até às 13 horas, de modo a servir àqueles que permaneceram para a escola dominical. Quase todos aceitavam um tratado. Alguns jogavam seu exemplar no chão, e, naturalmente, nós os ajuntávamos de novo. A mensagem que os tratados continham era ‘Saí Dela, Povo Meu’.”
Muitas noites agradáveis eram gastas preparando os tratados para distribuição. Margaret Duth recorda as noites em que os concristãos se reuniam na casa dela para tal fim, e escreve: “Abríamos em plena extensão a mesa da sala de jantar e alguns de nós separávamos os tratados, enquanto que outros os dobravam, outro grupo os carimbava com a hora e o local do discurso da tarde de domingo.”
Em seguida vinha a própria distribuição. Segundo Samuel Van Sipma, esta “era uma atividade dos Estudantes da Bíblia em que praticamente todos participavam”. Acrescenta: “Muitos de nós levantávamos cedo, domingo de manhã [por volta das cinco horas] e deixávamos tratados nas varandas ou debaixo das portas numa parte do território designado, duas ou quatro pessoas usualmente trabalhando juntas. Naturalmente, também em outras ocasiões se distribuíam tratados . . . Alguns se referiam, de modo nada inapropriado, a esta atividade com tratados como espalhar pérolas como o orvalho da manhã e, inquestionavelmente, muitos se sentiram deveras revigorados em resultado de lerem estas páginas inspiradas da verdade divina.”
Até mesmo crianças cristãs participavam na obra de distribuir tratados. Grace A. Estep recorda-se de como ela e seus dois irmãos mais velhos “iam na ponta dos pés até às varandas bem cedo nas manhãs de domingo, e metiam os tratados debaixo das portas”. Talvez se encontrasse oposição, pois continua a irmã Estep: “Às vezes uma porta se abria de repente e um verdadeiro gigante, um adulto, aparecia, usualmente berrando invectivas e às vezes nos escorraçando com vassouras ou varas ou braços agitados, e fazendo terríveis ameaças caso ousássemos voltar. . . . Vez por outra, contudo, alguém aceitava o tratado ou sorria para nós, e então corríamos para casa para contar isso a nossos pais.”
O uso de tratados produziu bons resultados. Exemplificando: Victor V. Blackwell nos conta: “Foi um tratado que trouxe a verdade do Reino à nossa casa. Um tratado foi o início dum sólido alicerce de verdade bíblica para meu pai, minha mãe, eu mesmo e os filhos, além de muitos outros que aceitaram e abraçaram a informação esperançosa e inspiradora de fé sobre o governo do Reino para toda a humanidade.”
USANDO A IMPRENSA PÚBLICA
“Outra modalidade [da obra] que não pode ser despercebida irrefletidamente” afirma George E. Hannan, “era a publicação dos sermões do Pastor Russell nos jornais”. Montou-se uma cadeia jornalística internacional para publicação dos sermões de C. T. Russell. Mesmo que Russell estivesse viajando, enviava semanalmente a esta agência, composta de quatro membros da equipe da sede da Sociedade, um sermão de cerca de duas colunas de jornais. Eles, por sua vez, retelegrafavam-no para os jornais nos Estados Unidos, Canadá e Europa. A Sociedade arcava com as despesas do telégrafo, mas o espaço nos jornais era cedido grátis.
Certa publicação chamada “O Continente” uma vez declarou sobre C. T. Russell: “Diz-se que seus escritos gozam de maior circulação nos jornais, cada semana do que os de qualquer outro homem vivo, maior, sem dúvida do que a circulação combinada dos escritos de todos os sacerdotes e pregadores da América do Norte; maior do que a obra de Arthur Brisbane, Norman Hapgood, George Horace Lorimer, Dr. Frank Crane, Frederick Haskins, e uma dúzia de outros dos mais conhecidos editores e escritores de cadeias de jornais tomados juntos.” Mas, não era Russell como homem que era importante. A ampla circulação das boas novas era vitalmente significativa. “Mais de 2.000 jornais, com uma circulação combinada de quinze milhões de leitores, publicavam em certa época seus discursos”, disse A Torre de Vigia de 1.º de dezembro de 1916. “Ao todo, mais de 4.000 jornais publicavam estes sermões.” Eis aqui então, outro meio de disseminar as verdades bíblicas.
“OBRA DE EXTENSÃO DA CLASSE”
As corajosas atividades dos servos de Jeová se intensificavam ao passo que outra modalidade de sua obra surgia em cena em 1911. Conhecida como “obra de extensão da classe”, era extensiva campanha de discursos públicos. Quarenta e oito ministros viajantes assumiram este novo trabalho, sendo enviados em itinerários designados como oradores públicos. Mas, a “obra de extensão da classe” envolvia mais do que isso. Obtinham-se os nomes e endereços dos interessados que assistiam aos discursos, e os Estudantes da Bíblia visitavam tais pessoas em suas casas, tudo isso no empenho de ajuntar tais pessoas e formar novas congregações. Os colportores ajudavam a organizar essas congregações, e formaram-se muitas novas. Em 1914, com efeito, 1.200 congregações funcionavam em relação com a Sociedade Torre de Vigia (EUA) por toda a terra.
“Depois de obter permissão para usar um salão para um discurso público”, dizem Hazelle e Helen Krull, “fazíamos arranjos para anúncios no semanário e fazíamos visitas para entregar convites pessoais. Também colocávamos um quadro-negro inclinado à entrada do salão, com o anúncio da reunião escrito a giz. Muitos destes salões só possuíam luz de lamparina. Se na reunião inicial houvesse interesse, continuávamos com outros discursos. Fazíamos questão de saudar e falar pessoalmente a cada um do pequeno grupo que se reunia (e era usualmente um grupo pequeno) e de visitar as casas dos interessados para cultivar seu interesse.”
VIAJANDO COM OS PEREGRINOS
Já em 1894, vinte e um representantes viajantes da Sociedade Torre de Vigia (EUA) foram enviados para realizar reuniões públicas e edificar espiritualmente as congregações dos Estudantes da Bíblia. Viajavam num itinerário fixo, e, à medida que as congregações cresciam em número, outros peregrinos, como eram chamados, eram enviados em viagens. Os peregrinos serviram aos interesses do povo de Deus desde a década de 1890 até fins da década de 1920. Sua atitude era como a de Paulo, que disse aos cristãos romanos: “Anseio ver-vos, para vos conferir algum dom espiritual, a fim de que sejais firmados, ou, antes, para que haja um intercâmbio de encorajamento entre vós, cada um por intermédio da fé que o outro tem, tanto a vossa como a minha.” — Rom. 1:11, 12.
Os traços da personalidade dos peregrinos viajantes variavam, como os dos apóstolos de Jesus Cristo. (Luc. 9:54; João 20:24, 25; 21:7, 8) “O irmão Thorn tinha modos mui brandos, era um homem baixo, excelentemente bem penteado, que usava cavanhaque”, comenta Grant Suiter, adicionando: “Os peregrinos eram impressionantemente asseados. . . . Mais importante, ajudavam os ouvintes a ter fé na Palavra de Deus. Quando Harold B. Duncan encontrou-se pela primeira vez com o irmão Thorn, “isso lhe causou uma impressão amorosa e duradoura”. Afirma o irmão Duncan: “Seu discurso ao grupo era como o de um pai que dava conselho amoroso e afetivo a seus filhos e filhas, e netos, uma espécie de patriarca dos tempos antigos.”
Grace A. Estep recorda: “O irmão Hersee amava a música, e, depois de nos terem mandado ir dormir, a mamãe tocava piano, papai violino, e o irmão Hersee entoava os ‘hinos’. . . . Quanto aos outros que conhecíamos e a quem tanto amávamos — o irmão [Clayton J.] Woodworth, o irmão Macmillan e outros, cujas vidas eram tão excelente exemplo de perseverança — há uma afeição especial pelo irmão Van Amburgh. Ele era tão cheio de gentilezas e ternura para com os ‘mui queridos’ que amiúde me fazia pensar em como devia ter sido o amado apóstolo João.”
Rememorando os dias em que era jovem e os irmãos peregrinos pousavam em sua casa, Ethel G. Rohner declara: “Sempre se interessavam em nós, jovens — em minha irmã e meu irmão também. Sempre apreciávamos suas visitas. Como jovem, ficava um pouco pasmada de ver sua tranqüila confiança e fé — aceitando todas as coisas como a vontade de Jeová. Realmente deram a nós, jovens, excelente exemplo de fortaleza moral e fé cristãs.”
Sem dúvida, muitos dos peregrinos se tornaram queridos por seus concrentes também porque ficavam “à vontade” quando os visitavam. “O que tornava a sua visita tão agradável?”, pergunta Mary M. Hinds. Responde ela: “Dispensando as saudações, o peregrino pergunta ao papai sobre as reuniões públicas, se ele tem quaisquer perguntas sobre os artigos de A Torre de Vigia, como vão indo as coisas na cidadezinha, se alguém mais mostrou interesse desde sua última visita, e outras perguntas rotineiras. Por um pouco de tempo, dirige sua atenção a nós, crianças (somos três agora), antes de se retirar para seu quarto. ‘Não é bonzinho? Ele conversa conosco!’ Ficamos emocionadas e é um bom início para usufruirmos cada minuto de sua estada, usualmente de um ou dois dias. Talvez seja Benjamim Barton, que me deu uma foto de cartão-postal que comprou do congresso do Lago Chatauqua, de 1910, e colou seu retrato nas costas dela. Ou talvez o irmão J. A. Bohnet, que fez uma pipa para meu irmão e o ajuda a soltá-la . . . O irmão A. H. Macmillan talvez tire uns instantes para ir ao milharal junto conosco e escolher seis ótimas espigas de milho para o seu jantar.”
“Alguns dos peregrinos tinham peculiaridades pessoais, e estas eram notadas, naturalmente”, admite Harold P. Woodworth, “mas havia notáveis qualidades — dons do espírito santo que deixavam profunda e duradoura influência.” Observa a irmã Earl E. Newell: “Eu nunca, mas nunca mesmo, esquecerei uma declaração do irmão Thorn que me tem ajudado até o dia de hoje. Ele disse, e eu o cito: ‘Sempre que começo a pensar demais sobre mim mesmo, levo-me para um canto, por assim dizer, e digo: “Você, sua partícula diminuta de pó. Que tem para tanto se orgulhar?”’” Uma caraterística digna de nota, deveras, pois “o resultado da humildade e do temor de Jeová é riquezas, e glória, e vida”. — Pro. 22:4.
Estes peregrinos viajantes não gozavam de facilidades ao viajar dum lugar para outro. A respeito das viagens de seu marido Edward, que certa vez serviu nessa posição, Edith R. Brenisen escreveu: “Para alcançar alguns lugares afastados, amiúde era preciso viajar de trem, diligência, carroças de todos os tipos e a cavalo. Algumas de tais viagens eram muito excitantes. . . . Um compromisso era em Klamath Falls, Oregon, ou perto de lá. A fim de chegar ali, depois de viajar parte do caminho de trem ele teve então de fazer a viagem noturna de diligência. No dia seguinte, numa cidadezinha, veio a seu encontro um irmão, com uma buckboard. (No caso de jamais ter visto uma, posso lhe dizer que é apenas uma carreta de madeira montada sobre quatro rodas colocadas nos eixos, sem nenhuma mola. Se a pessoa não sofria da espinha antes da viagem, certamente iria sofrer depois.) Longa viagem levou-os às montanhas, à fazenda do irmão num lindo vale junto a um riacho da montanha.”
O que dizer sobre essa mesma visita do peregrino? A irmã Brenisen adiciona: “Logo o quintal estava cheio de parelhas de animais de todas as descrições, trazendo os amigos de longe para ouvirem o peregrino. A reunião começou às quinze horas, com um discurso de duas horas, após o qual houve o incentivo para se fazerem perguntas, e houve muitas. Realmente pararam o suficiente para um excelente jantar que as irmãs tinham preparado, após o qual houve outro discurso de duas horas seguido de mais perguntas.” Essa noite, as irmãs dormiram na casa e os irmãos sobre o feno. Reservara-se um quarto da casa para o peregrino, mas o irmão Brenisen preferiu ir para o estábulo junto com os irmãos. “Chegou a manhã”, diz a irmã Brenisen, “e depois de reanimador desjejum o irmão selou três cavalos, um cavalo de carga e um para cada um deles. Para chegar ao trem que o levaria a seu próximo compromisso, tiveram de fazer uma viagem de quase cem quilômetros pela região selvagem até a próxima estação ferroviária. Algum tempo depois Edward recebeu uma carta da irmã, dizendo-lhe que, depois que partiram, ela foi buscar o travesseiro no estábulo e lá estava ele, com a marca de sua cabeça nele. Quando ela o apanhou, bem debaixo daquele lugar estava grande cascavel toda enrolada, tendo apreciado o calor da cabeça dele. A cobra ficou muito indignada de ser perturbada e mostrou isso. Quão melhor é amiúde ignorar certos fatos!”
O que dizer dos discursos dos peregrinos? Como eram eles? A respeito de certo peregrino, o irmão Toutjian, afirma Ray C. Bopp: “Este irmão era um instrutor mesmo. Ensinava por meio de ilustrações. . . . [Ele possuía] um modelo reduzido do tabernáculo do deserto, que colocava sobre uma mesa . . . O santo, o santíssimo, o átrio com o altar do holocausto e a bacia estavam cercados por uma cerca de pano de uns dez centímetros de altura, pendurada como se fosse uma cortina, de pequenas barras de metal. Estatuetas de sacerdotes, com vestes autênticas, eram colocadas em seus devidos lugares e eram movidas à medida que cumpriam suas funções . . . [à medida que o irmão Toutjian] descrevia cada observância e seu significado profético, baseado no livro de referências, Sombras do Tabernáculo.”
“Sempre se programava um discurso público”, comenta Mary M. Hinds, “e muitas vezes os peregrinos proferiam um discurso sobre a Tabela, explicando as ‘dispensações’ e as ‘eras’ marcadas nela. Pelo menos um irmão, M. L. Herr, tinha um discurso ilustrado. Usando diapositivos estáticos, fazia com que a Rutinha de seu discurso voltasse à vida por meio da ressurreição. Sim, impressões que durariam a vida inteira foram causadas por tais irmãos, que foram o elo de ligação, naqueles dias, entre a sede desta crescente organização e os assinantes isolados da Torre de Vigia e as ‘eclésias’ que estavam sendo organizadas.” Ollie Stapleton expressa seus sentimentos, dizendo: “Estas visitas eram ocasiões de edificação e instrução espirituais, e nos ajudavam a trabalhar em mais íntima união com a organização de Jeová.”
A EXPANSÃO, À MEDIDA QUE OS TEMPOS DOS GENTIOS APROXIMAM-SE DO SEU FIM
Ao se acharem os Estudantes da Bíblia na primeira década do século vinte, ficaram cônscios de que se escoava o tempo para as nações. Há muito o povo de Deus considerava 1914 como o fim dos Tempos dos Gentios, de 2.520 anos de duração. (Luc. 21:24, Versão Almeida) Agora, faltavam apenas uns poucos anos, e C. T. Russell preparou-se para empreender uma campanha total e mundial como testemunho para as nações. Mas, para essa obra internacional extensiva, a Casa da Bíblia em Allegheny era pequena demais.
Em 1908, portanto, vários representantes da Sociedade Torre de Vigia, inclusive J. F. Rutherford (então seu consultor jurídico), foram enviados a Nova Iorque. Por quê? Para conseguir instalações mais adequadas, uma propriedade que o próprio Russell havia localizado numa viagem anterior. Fizeram isso mesmo, comprando o antigo “Betel de Plymouth”, Rua Hicks, 13-17, Brooklyn, Nova Iorque. Era o prédio duma missão, terminado em 1868 para a vizinha Igreja Congregacional Plymouth, onde Henry Ward Beecher certa vez servia qual pastor. A delegação da Sociedade também comprou o velho presbitério de quatro andares, de arenito pardo, de Beecher, na Rua Columbia Heights, 124, a apenas alguns quarteirões de distância.
A antiga residência de Beecher logo se tornou o novo lar da equipe da sede da Sociedade, de mais de trinta pessoas, e foi chamado de “Betel”, significando “Casa de Deus”. O prédio remodelado da Rua Hicks tornou-se conhecido como “O Tabernáculo de Brooklyn”. Alojava os escritórios da Sociedade e excelente auditório. Em 31 de janeiro de 1909, 350 pessoas estavam presentes para a dedicação da nova sede da Sociedade.
Em Betel se localizava o gabinete de C. T. Russell. Embaixo achava-se o refeitório, com longa mesa que acomodava 44 pessoas. A família se reunia aqui para entoar um hino, ler o “Voto” e unir-se em oração antes do desjejum. No início da refeição, lia-se um texto bíblico do Maná Celestial Diário Para a Família da Fé, e este era considerado durante o desjejum.
Gostaria de ouvir o voto que diariamente era inculcado em sua mente? Intitulado “Meu Voto Solene a Deus”, era o seguinte:
“Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome. Que a tua lei possa entrar cada vez mais no meu coração, e a tua vontade seja feita no meu corpo mortal. Confiando no auxílio da tua prometida graça para me ajudar em toda ocasião de necessidade, por Jesus Cristo, Nosso Senhor, registro esse Voto.
“Lembrarei diariamente diante do trono da graça celeste os interesses gerais da obra de colheita, e especialmente o meu privilégio de participar nessa obra, e os queridos co-trabalhadores no Betel de Brooklyn, e em toda a parte.
“Voto ainda mais cuidadosamente, se possível, escrutinar meus pensamentos, palavras e ações, a fim de melhor poder servir a ti, e a teu querido rebanho.
“Voto a ti que estarei alerta para resistir a tudo que se relacione com o espiritismo e ocultismo, e que, lembrando-me de que só existem dois mestres, resistirei a tais laços de todas as maneiras razoáveis, como sendo do Adversário.
“Voto também que, com as excessões abaixo, eu me comportarei em todas as ocasiões e em todos os lugares, para com os do sexo oposto, em particular, exatamente como eu faria com eles em público — na presença duma congregação do povo do Senhor, e até onde for razoavelmente possível, evitarei estar no mesmo quarto a sós com qualquer pessoa do sexo oposto, a menos que a porta do quarto permaneça inteiramente aberta: — No caso dum irmão — excetuam-se a esposa, filhos, a mãe e as irmãs. No caso duma irmã — excetuam-se o marido, filhos, o pai e os irmãos.”
O povo de Deus, em Betel e em outras partes, mais tarde deixou de recitar este voto. Todavia, os elevados princípios incorporados em suas palavras ainda são sólidos.
A cerca de três quarteirões de Betel achava-se o Tabernáculo de Brooklyn, original estrutura antiga de tijolos vermelhos que consistia em dois pavimentos e um porão. Alojava os escritórios gerais da Sociedade, a sala de composição, onde se compunha o tipo para A Torre de Vigia, uma sala de depósito e também uma sala de expedição. No segundo pavimento achava-se um auditório com capacidade para 800 pessoas sentadas. Aqui falava regularmente o irmão Russell.
Por certo tempo, a equipe da sede da Sociedade se alojava mormente à Rua Columbia Heights, 124. Mais tarde, o prédio adjacente, no número 122 da Columbia Heights, foi comprado, ampliando o lar de Betel. O ano de 1911 viu o término do anexo de trás que se estendia por nove pavimentos, num precipício, até a Rua Furman. Fornecia muito mais espaço para moradia e outras dependências, inclusive novo refeitório. Para que a escritura de tais propriedades fosse passada em seu nome, em 1909 os servos de Jeová formaram a Associação do Púlpito do Povo, agora conhecida como a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Nova Iorque, tendo personalidade jurídica. Esta e outras associações formadas pelo povo de Jeová em vários países cooperam todas umas com as outras e com o corpo governante das testemunhas de Jeová.
‘BENDIZER A JEOVÁ NO MEIO DAS MULTIDÕES CONGREGADAS’
Congressos regulares e outras reuniões públicas dos Estudantes da Bíblia constituíam excelentes ocasiões para se ‘bendizer a Jeová no meio das multidões congregadas’, assim como os servos de Deus haviam feito nos tempos passados. (Sal. 26:12) Qual era a natureza destes eventos? Vejamos.
‘Até mesmo aqui, na mais alta galeria do Teatro de Auditório famoso em todo o mundo, lar da Grande Ópera de Chicago, nenhuma poltrona está vazia. Ao olhar sete galerias para baixo, em direção ao palco, a cerca de meio quarteirão de distância, fico imaginando se será necessário esticar as orelhas para ouvir. Depois da introdução do presidente, Charles Taze Russell põe-se de pé, coloca o indicador esquerdo na palma da mão direita e começa a falar num tom normal de voz. Não tem nenhuma anotação. Não existe nenhuma tribuna. Ele se movimenta livremente pelo palco. Discerne-se claramente cada palavra à medida que descreve o fim profético dos Tempos dos Gentios e o início da Era Milenar.’
Isto é do que se lembra Ray C. Bopp. Não é senão um exemplo. O local bem que poderia ter sido o Salão Real Albert, de Londres, onde C. T. Russell falou a grandes assistências em maio de 1910. Daí, então, poderia ter sido o famoso Teatro do Hipódromo da cidade de Nova Iorque, onde Russell se dirigiu a uma ampla assistência judia no domingo, 9 de outubro de 1910. A respeito desse discurso, o American de Nova Iorque, de 10 de outubro de 1910, disse, em parte: “O espetáculo incomum de 4.000 hebreus aplaudindo entusiasticamente um pregador gentio, depois de terem escutado a um sermão que ele lhes proferiu a respeito da própria religião deles, foi apresentado no Hipódromo ontem à tarde, onde o Pastor Russell, o famoso chefe do Tabernáculo de Brooklyn, dirigiu um ofício muitíssimo incomum.” Dezenas de rabinos e professores estavam presentes. “Não houve partes preliminares”, disse o jornal. “O Pastor Russell, alto, empertigado e com barba branca, percorreu o palco sem introdução, levantou a mão, e seu duplo quarteto do Tabernáculo de Brooklyn entoou o hino ‘O Dia Feliz de Sião’.” Conforme relatado, com o tempo a assistência mostrou-se ‘receptiva’ ao orador. Em seguida houve aplausos, por fim, a acolhida entusiástica. Terminado o discurso, Russell fez de novo um sinal e o coro “ergueu os acordes originais e de som estranho do hino de Sião, ‘Nossa Esperança’, uma das obras-primas do poeta excêntrico do ‘East Side’, Imber”. Com que efeito? O seguinte, conforme o relato da imprensa: “O incidente, sem precedentes, de vozes cristãs entoando o hino judaico constituiu tremenda surpresa. Por um instante, os ouvintes hebreus dificilmente podiam crer em seus próprios ouvidos. Então, certificando-se de que se tratava de seu próprio hino, primeiro gritaram de aplauso e então bateram palmas com tamanho ardor que a música ficou sufocada, e, daí, com o segundo verso, participaram nele às centenas. No auge do entusiasmo devido à surpresa dramática que ele preparou, o Pastor Russell saiu do palco e a reunião acabou com o fim do hino.”
Os tempos mudaram, e também os conceitos cristãos sobre as profecias bíblicas que certa vez se pensava aplicarem-se aos judeus naturais em nossos dias. Com a luz crescente vinda de Deus, seu povo discerniu que tais palavras predizem boas coisas para o espiritual “Israel de Deus”, os seguidores ungidos de Jesus Cristo. (Rom. 9:6-8, 30-33; 11:17-32; Gál. 6:16) Mas, estamos rememorando o início do século vinte, e era assim que as coisas eram naqueles dias.
Visto que o irmão Russell era tão amplamente conhecido e falava a grandes assistências em muitas ocasiões, talvez fique imaginando como era ouvi-lo. “Quão diferente do pregador comum!”, exclama C. B. Tvedt, acrescentando: “Nenhuma oratória, nenhum emocionalismo. Nenhum esforço de agir como nas reuniões de reavivamento. Havia algo muito mais eficaz e poderoso do que tudo isso junto! Tratava-se da exposição simples, tranqüila e confiante da Palavra de Deus deixando que um texto desvendasse outro até que se tornasse, por assim dizer, poderoso ímã. Desta forma, o irmão Russell mantinha sua assistência em absorta atenção.” Ralph H. Leffler afirma que, antes de proferir um discurso, o irmão Russell fazia diversas mesuras graciosas perante à assistência. Ao falar, usualmente se colocava de pé sobre o palco aberto, e andava de um lado para o outro, usando livremente os braços para fazer gestos. “Jamais usava anotações . . . mas sempre falava livremente do coração”, segundo o irmão Leffler, que continua: “Sua voz não era alta, mas tinha um poder peculiar de difusão. Sem jamais usar equipamento de amplificação sonora (não havia nenhum naqueles dias), podia ser ouvido e compreendido por grandes assistências, mantendo-as como que fascinadas por uma, duas e, às vezes, três horas por vez.”
Todavia, o homem não era importante. A mensagem sim, e a verdade bíblica estava sendo declarada a multidões. Havia muitos cristãos capazes que proclamavam as boas novas naqueles dias, e algumas pessoas ouviam suas palavras com apreço. Os oponentes eram numerosos, naturalmente, e às vezes procuravam promover seus conceitos antibíblicos em debates públicos com os servos de Jeová.
No que mais tarde pareceu ser uma tentativa da aliança ministerial de Pittsburgo de desacreditar a erudição e os conceitos bíblicos de C. T. Russell, em 10 de março de 1903, o Dr. E. L. Eaton, ministro da Igreja Metodista-Episcopal da Avenida Norte, desafiou Russell para um debate de seis dias. Durante cada sessão deste debate, realizado naquele outono setentrional no Carnegie Hall de Allegheny, Russell saiu-se vitorioso no todo. Entre outras coisas, sustentou biblicamente que as almas dos mortos estavam inconscientes enquanto seus corpos estavam no túmulo e que o objetivo tanto da segunda vinda de Cristo como do milênio é a bênção de todas as famílias da terra. Russell também apresentou forte refutação bíblica da doutrina do inferno de fogo. Segundo consta, um clérigo aproximou-se dele, depois da última sessão do debate, e disse: “Estou contente de vê-lo virar a mangueira para cima do inferno e apagar o fogo.” Interessante é que, depois deste debate, muitos membros da congregação de Eaton tornaram-se Estudantes da Bíblia.
Outro debate significativo ocorreu em 23-28 de fevereiro de 1908 em Cincinnati, Ohio, entre C. T. Russell e L. S. White, da denominação dos “Discípulos”. Milhares compareceram. Russell corajosamente sustentou os ensinos bíblicos tais como o estado inconsciente dos mortos entre a morte e a ressurreição, e sustentou biblicamente que a segunda vinda de Cristo antecederá ao milênio e que o objetivo de ambos é a bênção de todas as famílias da terra. Hazelle e Helen Krull estavam presentes e contam-nos: “A beleza e a harmonia da verdade e excelentes argumentos bíblicos sobre cada assunto do debate sobressaíram em nítido contraste com os ensinos confusos dos homens. Em certo ponto o ‘Ancião White’, porta-voz e contendor em prol dos conceitos opostos, desesperado, disse que se lembrava dum letreiro numa oficina dum ferreiro que rezava ‘Fazemos aqui todo tipo de torcedura e contorção’. Mas, perante o buscador honesto da verdade, tratava-se duma demonstração de ‘manejar corretamente a palavra da verdade’ [por parte de Russell; 2 Tim. 2:15], com a resultante harmonia.” As irmãs Krull se recordam de que Jeová abençoou o irmão Russell com seu espírito, a fim de apresentar a verdade aptamente, e chamam a este acontecimento de “triunfo da verdade sobre o erro.”
J. F. Rutherford aceitou um desafio batista para debate em favor da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) contra J. H. Troy. Isso se deu em abril de 1915, no Auditório da Trindade, em Los Ângeles, Califórnia, perante uma assistência de 12.000 pessoas (calculadamente 10.000 tendo de ser rejeitadas por falta de espaço) durante as quatro noites do debate. Rutherford foi vitorioso em defender corajosamente a verdade bíblica.
Nos doze anos que se seguiram ao debate Eaton-Russell, outros desafios para debate foram aceitos pelos servos de Deus, embora os oponentes, talvez com medo, usualmente desistissem dos compromissos. O próprio C. T. Russell não era a favor dos debates, pois estava cônscio de suas desvantagens para os cristãos. Na Torre de Vigia de 1.º de maio de 1915, indicou ele, entre outras coisas, que ‘aqueles que são da verdade se pautam pela Regra de Ouro e sua apresentação tem de seguir linhas absolutamente justas, ao passo que seus oponentes parecem não ter restrições ou freios’. “Qualquer espécie de argumento”, escreveu Russell, “sem considerar o contexto, sem considerar a Regra de Ouro, sem considerar coisa alguma, é julgado permissível”. Também declarou: “No que tange ao Editor, ele não deseja outros debates. Não é a favor de debates, crendo que raramente fazem o bem e, amiúde, suscitam a ira, a malícia, a amargura, etc., tanto nos oradores como nos ouvintes. Ao invés, coloca perante aqueles que desejam ouvi-la, oralmente e em forma impressa, a mensagem da Palavra de Deus, e deixa aos oponentes tais apresentações do erro, conforme acharem apropriado fazê-las e encontrarem a oportunidade de explorá-las. — Heb. 4:12.”
Os próprios discursos bíblicos concediam melhores oportunidades de apresentar as verdades bíblicas, e C. T. Russell amiúde falava a grandes assistências. Durante os anos de 1905 a 1907, por exemplo, excursionou pelos Estados Unidos e Canadá num trem especial ou de carro e dirigiu uma série de congressos de um só dia. Seu discurso público então era “Ida e Volta do Inferno”. Proferido diante de auditórios lotados em quase toda grande cidade de ambos os países, este discurso apresentava uma viagem humorística, imaginária de ida e volta ao inferno. Louise Cosby recorda-se de que Russell concordou em proferir este discurso em Lynchburg, Virgínia, e ela afirma: “Papai mandou fazer grandes cartazes que anunciavam este discurso e obteve permissão para colocá-los na frente dos bondes. Isto era bem engraçado e as pessoas perguntavam: Se este bonde leva-nos para o inferno, será que vai trazer-nos de volta?”
Os discursos bíblicos também eram apresentados durante as viagens de C. T. Russell ao exterior. Em 1903, ele fez uma segunda excursão à Europa, falando a assistências de várias cidades. Daí, de dezembro de 1911 a março de 1912, Russell, como presidente duma comissão de sete membros, fez uma excursão ao redor do mundo, viajando para o Havaí, o Japão, a China, através da Ásia meridional até à África dali para a Europa e de volta para Nova Iorque. Um estudo das missões estrangeiras da cristandade foi feito, e muitos discursos foram proferidos, assim disseminando as sementes da verdade que, com o tempo, trouxeram à atividade frutífera grupos de cristãos ungidos em áreas bem distantes da terra. Além desta excursão mundial, contudo, C. T. Russell viajava regularmente para a Europa e percorria extensivamente a América do Norte em trens especiais de “excursões de congressos”, acompanhado de muitos colaboradores.
DENTRO DUM “TREM DE CONGRESSO”
À medida que o tempo passava, solicitações de apresentações pessoais de C. T. Russell aumentavam. Ao cumprir alguns compromissos de discursos ele às vezes viajava num “vagão de congresso” especial de ferrovia, pequeno grupo o acompanhando. Grupos maiores, porém, eram organizados em “trens de congressos”, até 240 pessoas viajando junto com Russell em dada ocasião. Vários vagões ferroviários eram ligados e o grupo viajava de uma cidade para outra segundo um itinerário pré-estabelecido. Ao chegarem em determinada cidade, os auxiliares de Russell anunciavam a reunião pública pela distribuição de convites. Na reunião, saudavam as pessoas, obtinham os nomes e os endereços dos interessados e, quando possível, visitavam-nos e estabeleciam congregações. Não era incomum que estes “trens de congressos” fossem usados para visitar grandes cidades nos Estados Unidos e no Canadá.
Por que não subir num “trem de congresso” e viajar na feliz companhia de cristãos? Em junho de 1913, um trem especial foi contratado para mais de 200 Estudantes da Bíblia que acompanhariam C. T. Russell de Chicago, Ilinóis numa viagem que os levaria ao Texas, a Califórnia, ao Canadá e, daí, a um congresso em Madison, Wisconsin, com um desvio até Rockford, Ilinóis. Malinda Z. Keefer fornece estes pormenores: “Nosso trem deveria partir da estação Dearborn, na Ferrovia Wabash, ao meio-dia de 2 de junho. Os amigos começaram a chegar por volta das dez horas, e esta era uma ocasião feliz e excitante, o encontro de velhos amigos a quem não via por longo tempo e familiarizar-se com novos. Não demorou muito para compreendermos que éramos uma só grande família. . . . e o trem era nosso lar por um mês.”
Por fim, é hora de partirmos. “À medida que o trem parte da estação, em sua jornada de quase 13.000 quilômetros”, continua a irmã Keefer, “os amigos que nos vieram dizer adeus cantavam ‘Bendito É o Vínculo Que Une’ e ‘Deus Esteja Contigo Até Nos Vermos de Novo’, agitando sem parar chapéus e lenços até nos perderem de vista, e nós seguramos caminho numa viagem mui memorável. Apanhamos alguns amigos em S. Luís, Missúri, e alguns em outros poucos lugares, até que por fim somávamos duzentos e quarenta. O irmão Russell se juntou a nós em Hot Springs, Arkansas, onde um congresso de oito dias estava em andamento.”
Foi uma viagem realmente edificante em sentido espiritual. Afirma a irmã Keefer: “Em cada parada da viagem realizavam-se congressos — a maioria era de três dias e permanecíamos um dia em cada congresso. Nessas paradas, o irmão Russell proferia dois discursos, um aos amigos, de tarde, e outro para o público, à noitinha, sobre o tema ‘O Além-Túmulo’.” Quanto a seus próprios sentimentos a respeito da viagem, a irmã Keefer afirma: “Meu apreço pela associação com os amigos por todo o caminho, e os discursos e as instruções espiritualmente edificantes que recebi durante a viagem não podem ser expressos em palavras. Sentia-me grata a Jeová por ter tido tal privilégio.”
Nesses congressos iniciais do povo de Deus, algumas coisas eram um tanto diferentes do que são hoje em dia. Por exemplo, considere a “festa de amor”. O que era isso? Lembrando-se dessa modalidade das primeiras assembléias, J. W. Ashelman declara: “Algumas práticas não necessárias nem continuadas deveras pareciam uma bênção naquele tempo, tais como os oradores se enfileirarem na frente do palco, segurando pratos de pão cortado em cubinhos, à medida que a assistência vinha em fila, participando do pão e apertando a mão de cada orador, e juntando-se em entoar ‘Bendito Seja o Vínculo Que Une Nossos Corações em Amor Cristão’.” Isso é que era a “festa de amor”. E se tratava duma experiência comovedora. Edith R. Brenisen prontamente admite: “O amor de uns para com os outros enchia nossos corações até transbordar, amiúde rolando por nossas bochechas na forma de lágrimas de alegria. Não nos envergonhávamos de nossas lágrimas, nem tentávamos escondê-las.”
Os cristãos primitivos às vezes realizavam “festas de amor”, ou ágapes, mas a Bíblia não as descreve. (Judas 12) Alguns pensam que eram ocasiões em que os cristãos materialmente prósperos realizavam banquetes aos quais convidavam seus co-adoradores mais pobres. Mas, as Escrituras não tornam obrigatórias as “festas de amor”, seja qual for sua natureza primitiva, e, assim, não estão em voga entre os verdadeiros cristãos hoje em dia.
NOVO MODO DE DECLARAR AS BOAS NOVAS
Os Estudantes da Bíblia estavam vividamente cônscios da profecia de Jesus Cristo: “Este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim.” (Mat. 24:14, Versão Almeida) Assim, ao se aproximar aquele ano significativo de 1914, o povo de Deus empreendeu uma campanha total de proporções mundiais — uma obra educativa e de aviso até então sem paralelo. Empregaram um método intrépido e novo de declarar as boas novas.
Digamos que agora seja o ano de 1914. Imagine que esteja sentado entre centenas de pessoas num auditório escurecido. À sua frente acha-se enorme tela de cinema. Para sua surpresa, um homem de cabelos brancos, de casaca, surge e, sem anotações na mão, começa a falar. Oh, já foi antes ao cinema. Mas, este é diferente. O homem fala e ouve suas palavras. Não se trata dum filme silencioso comum. É algo especial, tanto em sentido técnico como na mensagem que transmite, e isso lhe impressiona. Quem é o homem? É Charles Taze Russell. E esta produção? É o “Fotodrama da Criação”.
C. T. Russell reconheceu que os filmes eram excelente meio de alcançar as massas de pessoas. Em 1912, portanto começou a preparar o Fotodrama da Criação. Acabou sendo uma produção de oito horas de duração, de diapositivos fotográficos e filme, com cores e som. Feito para ser exibido em quatro partes, o Fotodrama levava os espectadores desde a criação através da história humana, até o clímax do propósito de Deus para a terra e a humanidade no fim do reinado milenar de Jesus Cristo. Os diapositivos pictóricos e o filme estavam sincronizados com discos fonográficos de discursos e de música. Tinha havido várias experiências com filmes coloridos e som, mas ainda se passariam muitos anos antes de obterem êxito comercial. Não foi senão em 1922 que surgiu um filme de longa metragem todo a cores. E as assistências cinematográficas em geral tiveram de esperar até 1927 para ouvir tanto o diálogo como a música combinados num filme comercial. Todavia, o Fotodrama da Criação não deixava de ter cores, a palavra falada e música. Estava muitos anos à frente de seu tempo, e milhões o viram gratuitamente!
Uma fortuna para aqueles dias — cerca de US$ 300.000 — foi gasta pela Sociedade na produção do Fotodrama. E, a respeito do trabalho envolvido, Russell escreveu: “Deus bondosamente cobriu nossos olhos com um véu, com respeito à quantidade do trabalho relacionado ao Drama. Caso soubéssemos de antemão o custo em tempo, dinheiro e paciência necessários para o início, jamais o teríamos começado. Mas, nem sabíamos de antemão o grande êxito que teria o Drama.” Prepararam-se gravações musicais selecionadas e noventa e seis discursos fonográficos. Diapositivos estereopticons foram feitos de excelentes quadros de arte que ilustravam a história mundial, e foi preciso fazer centenas de novos quadros e esboços. Todos os diapositivos e filmes coloridos tiveram de ser pintados à mão, parte deste trabalho sendo feito na Sala de Desenho da própria Sociedade. E pense só nisso! Isto tinha de ser feito repetidas vezes, pois prepararam-se pelo menos vinte conjuntos de quatro partes, tornando possível exibir uma parte do Drama em oitenta diferentes cidades em determinado dia.
O que acontecia por trás dos bastidores durante as exibições do Fotodrama da Criação? “O Drama começava com um filme do irmão Russell”, afirma Alice Hoffman. “Ao surgir na tela e seus lábios começarem a mover-se, um fonógrafo começava a operar no preciso momento e tínhamos o prazer de ouvir a voz dele.”
O abrir duma flor e o chocar dum pintinho se achavam dentre as modalidades inesquecíveis dos filmes do Fotodrama. Tais exemplos de fotografia de quadro por quadro deveras impressionavam os espectadores. “Ao mesmo tempo que tais fotos eram exibidas”, comenta Karl F. Klein, “havia o acompanhamento de música excelente, pérolas tais como Narciso e Humoresque.”
Havia também muitas outras coisas a lembrar. “Agora mesmo”, diz Martha Meredith, “vejo Noé e sua família entrando na arca com os animais, e o quadro de Abraão e Isaque andando até o Monte Moriá, onde Abraão iria oferecer seu filho como sacrifício. Quando vi Abraão pôr seu filho sobre o altar — filho este a quem amava ternamente — verti lágrimas. Não é de admirar que Jeová chamasse a Abraão de Seu amigo . . . ele sabia que Abraão obedeceria sempre à Sua voz.” — Tia. 2:23.
Além do Fotodrama da Criação regular, havia os equipamentos do “Drama Eureka”. Um era composto de 96 discursos gravados, bem como de discos musicais. O outro consistia tanto em discos como em diapositivos. Embora o posterior Drama Eureka não tivesse filmes, obtinha muito êxito ao ser exibido em áreas menos densamente povoadas.
Durante 1914, o Fotodrama da Criação foi exibido gratuitamente por todos os Estados Unidos. Isto era muito operoso, tanto para a Sociedade como para os Estudantes da Bíblia locais, que contribuíam para alugar locais adequados para sua exibição. E, assim, no decorrer do tempo, não era mais exibido a grandes assistências. Mas, o Fotodrama da Criação fizera grande trabalho em familiarizar as pessoas com a Palavra e os propósitos de Deus.
Ilustrando: Numa carta a C. T. Russell, uma pessoa escreveu: “Eu e minha esposa deveras agradecemos a nosso Pai celeste a grande e inestimável bênção que chegou até nós por seu intermédio. Tratava-se de seu lindo Fotodrama, causa de vermos e aceitarmos a verdade.” E Lily R. Parnell nos conta: “Estas demonstrações pictóricas dos propósitos de Jeová para a humanidade suscitaram o interesse de muitas pessoas pensantes, de modo que a congregação [em Greenfield, Massachusetts] aumentou, visto que tornaram a Bíblia um livro vivo e provaram aos pensantes as preciosas informações que nosso Deus tinha provido para a salvação daqueles que utilizassem a Sua provisão.”
Não foi sem razão, portanto, que disse Demetrius Papageorge, há muito um membro da equipe da sede da Sociedade: “O Fotodrama foi uma obra-prima dum projeto, quando consideramos o pequeno número de Estudantes da Bíblia e a quantia proporcionalmente pequena de recursos disponíveis. Realmente tinha o espírito de Jeová por trás dele!”
COLPORTORES “FERVOROSOS DE ESPÍRITO”
Por muitos anos antes de 1914, zelosos colportores — homens e mulheres cristãos “fervorosos de espírito” — disseminavam as boas novas por toda a parte. (Rom. 12:11) O serviço de colportor começou em 1881, quando a Torre de Vigia de Sião publicou o artigo “Desejados 1.000 Pregadores”. Para as pessoas sem famílias dependentes e que podiam dedicar a metade ou mais de seu tempo à obra do Senhor foi sugerido um plano. Era que fossem a cidades grandes e pequenas como colportores ou evangelistas. Para que fim? Disse a Torre de Vigia: “Procurem achar em todo o lugar os cristãos fervorosos . . . a estes procurem tornar conhecidas as riquezas da graça de Nosso Pai, e as belezas de Sua palavra.” Deviam-se colocar publicações bíblicas nas mãos de tais pessoas, e permitia-se aos colportores que pagassem suas próprias despesas com o dinheiro recebido das colocações de publicações e das assinaturas da Torre de Vigia que obtinham.
Para os colportores, a Torre de Vigia de Sião, de maio de 1887, tinha excelentes sugestões sobre o que dizer às portas. Também dizia: “Tome um grande coração, cheio de amor a Deus e àqueles a quem levaria à luz cheio de fé em Deus e de confiança em Suas promessas, e cheio de esperança de que Deus se agradará em usá-lo para Sua glória, agora, bem como posteriormente.”
Dispostos a trabalhar arduamente no serviço de Jeová, os colportores deixaram suas marcas. Onde quer que iam — a cidades, povoados, vilarejos — eram notados. Um escritor de The Gospel Messenger (O Mensageiro do Evangelho) de fins da década de 1890 viu-se movido a dizer: “Na cidade de Birmingham [Alabama] há várias pessoas que agora trabalham e que se chamam ‘Cristãos Não-Sectários’. . . . Trabalharam esta cidade de casa em casa vendendo o Aurora do Milênio e circulando outras publicações ligeiras. Falam sobre sua religião em cada oportunidade, e pregam aos domingos. Chamam-se ‘Colportores’. Colocaram dois mil exemplares de seus livros nesta cidade. . . . Bem, por que não podemos nós disseminar nossas publicações e a doutrina bíblica, segundo a entendemos, desta forma? O fato é, temo eu, que ficamos estagnados nos métodos, e Deus gradualmente nos dá a entender que, se não começarmos a progredir, ele nos dará um lugar atrás.”
“Sim, fazíamos que os colportores cobrissem as cidades e zonas rurais naqueles dias”, escreve Henry Farnick. Ele se lembra bem deles: “Às vezes recebiam, em troca, produtos da lavoura, galinhas, sabão, e sabe-se lá o que mais, que usavam ou vendiam a outros. Às vezes, numa área esparsamente colonizada, pernoitavam com os lavradores e rancheiros, e às vezes até mesmo dormiam em pilhas de feno . . . Estes fiéis continuavam firmes por anos e anos, até que a idade tomava conta deles.”
Através dos anos Jeová fez ampla provisão para os fiéis colportores. Assim, realmente não lhes faltava nada essencial. (Sal. 23:1) “Vivíamos frugalmente à base das contribuições recebidas da colocação de publicações”, afirma Clarence S. Huzzey. “Isto exigia fé nas provisões amorosas de Jeová, e posso dizer honestamente que jamais passamos fome, e tínhamos o abrigo e a roupa necessários, durante os muitos anos do ministério de tempo integral. (Sal. 37:25) Quão maravilhosamente Jeová proveu o que era preciso!”
O custo de vida não era tão alto há anos atrás, mas isso não significava que os colportores podiam dar-se ao luxo de ser extravagantes. Tome o ano de 1910 como exemplo. Malinda Z. Keefer lembra-se duma designação de colportora em Council Bluffs, Iowa, e escreve: “Council Bluffs era território mais duro, mas por irmos com atitude positiva podíamos ir vivendo. O custo de vida era muito mais barato naqueles dias. Nosso modo de transporte (andar) não custava muito e nem a comida: um pãozinho custava 5 centavos, o açúcar, 5 centavos a libra, a carne, 25 centavos a libra — e era verdadeira delícia, se conseguíamos obtê-la. Os aluguéis de quartos eram razoáveis e as passagens de bonde custavam 5 centavos. Que mundo diferente quando comparado com os mil, novecentos e setenta!”
Em fins de 1921, George E. Hannan entrou no serviço de colportor. A respeito do custo de vida, escreveu certa vez: “Minhas despesas totais com alimentos chegavam a US$ 4 por semana. Eu comia uma refeição quente por dia, as outras duas consistindo em frutas secas e alguns legumes que eu recebia em troca de publicações. Quando me perguntavam o que faria quando meus recursos se esgotassem, eu dizia: ‘Vamos esperar e ver o que Jeová preparará para mim.’ Eu ouvia falar de alguns que tinham desistido quando chegaram a seus últimos US$ 50. Minha idéia era que a intervenção de Jeová não era necessária neste respeito enquanto a pessoa tivesse US$ 50, ou até mesmo US$ 10 ou US$ 1. Eu tinha confiança que Ele me ajudaria a enfrentar o alto custo de vida e não o custo de vida em ‘alta classe’.”
O que dizer do transporte? Bem, Charles H. Capen lembra-se de trabalhar em vários condados de Pensilvânia “de ‘táxi-sola’ (a pé)”. Outros colportores verificaram ser de grande ajuda a bicicleta. “Nos anos de 1911 a 1914, os colportores trabalhavam em condados de nossa região de Ohio”, comenta LaRue Witchey, continuando: “Trabalhavam arduamente no serviço, pedalando bicicletas por muitos quilômetros, carregados de ‘Estudos das Escrituras’.” Naturalmente, a primeira vez que o colportor viajava de bicicleta poderia ser uma experiência e tanto.
Talvez um cavalo fosse melhor. Malinda Z. Keefer se recorda com saudade do velho Dobbin. “Dobbin era um cavalo manso e nunca precisava ser amarrado. Esperava por mim quando eu ia às portas e então andava ao meu lado até o próximo local.”
Daí, porém, nem todos os cavalos eram iguais ao velho Dobbin, como as colportoras Anna E. Zimmerman e Esther Snyder aprenderam. Imagine duas mulheres numa charrete alugada e puxada por um cavalo que acabou de ser enviado do oeste. A irmã Zimmerman nos conta que o cavalo “não deixava que nada o passasse, nem sequer o trem, que, por vários quilômetros antes de chegar à cocheira de aluguel corria paralelo à estrada. Eu gritei para o maquinista: ‘Por favor, segure seu trem na estação até que levemos nosso cavalo à cocheira de aluguel.’ Ele respondeu: ‘O. K. Não se apresse.’ O cavalo continuou a empregar todas as suas quatro patas tão rápido quanto podia. Atingimos a cocheira O. K., o dono da cocheira pedindo desculpas de que saíra para almoçar quando alugamos o cavalo e que o rapaz da cocheira, tendo receio do cavalo, quando era seu dever amansá-lo, deu-me tal tarefa.”
Então havia o automóvel, usado por alguns colportores anos depois. Atualmente, é natural, as estradas bem pavimentadas são comuns na maioria das áreas dos Estados Unidos. Mas, não era assim há algumas décadas. Portanto, as viagens de carro também podiam apresentar problemas. Uma vez, por exemplo, “um buraco tapado era tão grande e o aterro era tão mole que o carro de repente afundou no buraco até o eixo”, escrevem Hazelle e Hellen Krull. “Nossa pá muito usada não bastava para tal apuro”, lembram-se. “Um vizinho bondoso ofereceu emprestar-nos sua mula, mas, além disso, demos busca à beira da estrada à cata de pedaços de pau, toros ou ramos de árvores, para erguer a traseira do carro, muito afundada. Assim, com a força da mula na frente, a potência do motor no meio e vigoroso empurrão atrás, depois de muitas tentativas sem êxito, foi uma ocasião feliz para todos quando o carro por fim subiu e saiu do buraco. Mas, o dia teve as suas alegrias. Antes de isto acontecer, fizemos algumas visitas interessantes, algumas bem distantes da estrada, a que fomos andando; assim a dureza foi equilibrada pela alegria. Como se deu com Davi, nossos corações amiúde suplicavam: ‘Ouve deveras, Ó Deus, meu clamor suplicante. Presta deveras atenção à minha oração.’ — Sal. 61:1.”
Muito mais significativas do que quaisquer problemas que encontraram eram as atividades de pregação dos colportores. Suponhamos que os acompanhemos agora ao visitarem os lares das pessoas. William P. Mockridge juntou-se a Vincent C. Rice na obra de colportor em 1906, em Schenectady, Nova Iorque. Ele nos ajuda a retornar a esses dias, dizendo: “No primeiro dia trabalhei o dia todo sem fazer uma única colocação, todavia, eu era supostamente um supervendedor. Essa noite orei a Jeová para me ajudar a tirar os ‘asbestos’ e as coisas materiais da mente e a aprender a seguir a apresentação humilde e bondosa do irmão Rice, que sempre tinha uma palavra alegre para quem quer que viesse à porta. Assim, logo comecei a colocar meus livros encadernados, usando um ‘prospecto’ fornecido pela Sociedade. . . . Costumávamos ‘receber pedidos’ para os primeiros três volumes [dos Estudos das Escrituras] por 98 centavos, ou dos seis volumes por US$ 1,98. Tais pedidos seriam entregues no ‘dia de pagamento’, usualmente no dia 1.º ou 15 do mês.”
Notou que o irmão Mockridge mencionou usar-se um “prospecto”? Durante anos era usado pelos colportores e outros Estudantes da Bíblia empenhados na obra de pregação de casa em casa. Era uma série de capas dos seis volumes de Aurora do Milênio (Estudos das Escrituras) encadernados em forma de acordeão. À porta, o colportor esticava isto pelo braço e dava um discurso sobre o assunto de cada volume. Recebia pedidos e entregava posteriormente as publicações.
“Os dias de entrega eram duros”, admite Pearl Wright, “visto que uma mala cheia de livros era pesada de se carregar”. Certamente que era. Suponhamos que o colportor aceitasse pedidos de cinqüenta volumes dos Estudos das Escrituras. Tal número pesava 18 quilos, uma carga pesada para mulheres e até mesmo para bom número de homens. Com o tempo, contudo, o colportor James H. Cole inventou um acessório de duas rodas, niquelado, que podia ser afixado a uma mala de viagem.
Isso “atraía as atenções”, segundo Anna E. Zimmerman que nos conta: “Lembro-me de uma ocasião, quando trabalhava de colportora na cidade de Hollidaysburg, Pensilvânia, em que tive de empurrar minha mala bem pela zona comercial, durante a hora de almoço. Eu receava fazer isso, mas fui adiante rodando minha mala de viagem ao meu lado, quando subitamente, de modo polido, se dirigiu a mim um cavalheiro bem vestido, vindo de trás, e, segurando a alça de minha mala, perguntou: ‘Importar-se-ia se eu empurrasse isso por algum tempo? Gostaria de ver como corre. Parece levá-lo com tamanha facilidade.’ Bem, ele a empurrou por todo o caminho através da zona comercial, e não tive de fazê-lo de forma alguma. Soube que ele era o editor do jornal da cidade.” No dia seguinte surgiu uma reportagem pormenorizada no jornal local.
Com motivos altruístas, os fiéis colportores trabalhavam de modo diligente, confiando em Jeová. E seus esforços eram recompensados. Às vezes surgiam congregações em resultado da atividade dos colportores. Havia profunda satisfação e ricas recompensas espirituais. Com alegria, Edythe Kessler e sua irmã Clara entraram no serviço de colportoras em 1907. Andaram bastante, e havia muitos volumes para carregar no “dia de entrega”. Sim, cansavam-se, mas Edythe parece falar em nome dos fiéis colportores antigos em geral quando ela diz: “Nós éramos jovens e felizes no serviço, deleitando-nos de gastar nossa força em servir a Já.”
‘NENHUMA ARMA FORJADA CONTRA TI SERÁ BEM SUCEDIDA’
Durante todos os anos em que os fiéis colportores e outros Estudantes da Bíblia zelosamente proclamavam as boas novas, Satanás, o Diabo, jamais abrandou sua mão nem abandonou os esforços de esmagá-los e destruí-los. Teria conseguido fazer isso, também, não fora a proteção divina gozada por eles. (1 Ped. 5:8, 9; Heb. 2:14) Compreendiam a veracidade da promessa de Deus a seu povo dos tempos antigos: “Nenhuma arma que se forjar contra ti será bem sucedida, e condenarás toda e qualquer língua que se levantar contra ti em julgamento.” — Isa. 54:17.
Jesus Cristo foi perseguido, e seus seguidores podem esperar o mesmo tratamento por parte dos praticantes da religião falsa e do mundo em geral. (João 15:20) Às vezes, contudo, o ataque de Satanás tem sido interno, originando-se de pessoas inescrupulosas de dentro da organização cristã, procedendo de incidentes que envolvem pessoas que realmente ‘não são dos nossos’. — 1 João 2:19.
Lembrar-se-á que, na década de 1870, C. T. Russell se dissociou de N. H. Barbour, editor do Arauto da Manhã. Fez isso porque Barbour negou a doutrina bíblica do resgate, que Russell solidamente defendeu. Daí, no início da década de 1890, certas pessoas de destaque na organização tentaram inescrupulosamente obter o controle da Sociedade Torre de Vigia (EUA). Os conspiradores planejavam fazer explodir verdadeiras “bombas” destinadas a pôr fim à popularidade de Russell e liquidá-lo como presidente da Sociedade. Depois de fermentar por cerca de dois anos, a conspiração irrompeu em 1894. Principalmente, as reclamações e acusações falsas se centralizavam em torno da suposta desonestidade nos negócios por parte de C. T. Russell. Deveras, algumas das acusações eram muito baixas e revelavam a intenção básica dos acusadores — difamar C. T. Russell. Concrentes imparciais investigaram os assuntos e descobriram que Russell estava certo. Por isso, o plano dos conspiradores de “lançar aos ares o Sr. Russell e seu trabalho” foi um completo fracasso. Como o apóstolo Paulo, o irmão Russell passara por dificuldades devido a “falsos irmãos” mas esta prova foi reconhecida como desígnio de Satanás e os conspiradores dali em diante foram considerados indignos de gozar da associação cristã. — 2 Cor. 11:26.
Isto, naturalmente não era o fim das provas e dificuldades de C. T. Russell. Devia ainda ser atingido de modo mui pessoal, por circunstâncias provenientes de sua própria família. Durante as dificuldades de 1894, a Sra. C. T. Russell (ex-Maria Frances Ackley, com quem Russell casara-se em 1879) fez uma excursão de Nova Iorque a Chicago, reunindo-se com os Estudantes da Bíblia pelo caminho e falando a favor do marido. Sendo mulher instruída e inteligente, era bem recebida ao visitar as congregações naquele tempo.
A Sra. Russell era diretora da Sociedade Torre de Vigia (EUA) e servia como sua secretária e tesoureira por alguns anos. Era também contribuinte regular para as colunas da Torre de Vigia de Sião e, por certo tempo, era editora-associada do periódico. Com o tempo, procurou ter voz mais ativa no que devia ser publicado na Torre de Vigia. Tal ambição era comparável à de Miriã, irmã de Moisés, que se levantou contra seu irmão qual líder de Israel sob Deus, e tentou fazer-se proeminente — um proceder que teve a desaprovação divina. — Núm. 12:1-15.
O que contribuíra para esta atitude da parte da Sra. Russell? “Eu não estava cônscio disso nessa ocasião”, escreveu C. T. Russell em 1906, “mas soube subseqüentemente que os conspiradores se empenhavam em semear sementes de discórdia no coração da minha esposa por meio da bajulação, argumentos sobre ‘direitos da mulher’, etc. No entanto, quando veio o choque [em 1894], pela providência do Senhor, fui poupado à humilhação de ver minha esposa entre tais conspiradores. . . . à medida que os assuntos começaram a ser resolvidos, as idéias sobre os ‘direitos da mulher’ e a ambição pessoal começaram de novo a vir à tona, e percebi que a campanha ativa da Sra. Russell em minha defesa, e a recepção cordialíssima que os queridos amigos lhe deram naquela ocasião durante toda sua excursão . . . tinham feito mal a ela por aumentar seu auto-apreço. . . . Gradualmente ela pareceu chegar à conclusão de que nada mais era exatamente apropriado para as colunas da Torre de Vigia exceto o que ela escrevia, e eu era continuamente fustigado com sugestões de alterações dos meus escritos. Eu sentia pesar de ver esta crescente disposição, tão estranha à mente humilde que a caraterizara durante os primeiros treze anos felizes.”
A Sra. Russell tornou-se muito não-cooperadora, e continuaram as relações tensas. Mas, no início de 1897, ela ficou doente e o seu marido lhe dedicou muita atenção. Isto ele fez alegremente e achava que este cuidado bondoso tocaria no coração dela e o restauraria à sua anterior condição amorosa e terna. Quando ela se recuperou, contudo, a Sra. Russell convocou uma comissão e reuniu-se com o marido “especialmente com o objetivo de que os irmãos me instruíssem quanto a ela ter direitos iguais aos meus nas colunas da Torre de Vigia, e que eu lhe causava dano por não lhe conceder as liberdades que ela desejava”, escreveu C. T. Russell. Aconteceu, porém, que a comissão disse a ela que nem eles, nem quaisquer outras pessoas, tinham o direito de interferir com a orientação dada pelo marido à Torre de Vigia. A Sra. Russell disse, em essência, que embora não pudesse concordar com a comissão tentaria ver os assuntos de seu ponto de vista. Russell relatou mais: “Então eu lhe perguntei, na presença deles, se estava disposta a um aperto de mãos. Ela hesitou, mas, por fim, me estendeu a mão. Eu então lhe disse: ‘Bem, minha querida será que me beijarias, como sinal do grau de mudança de idéia que indicaste?’ De novo ela hesitou, mas, por fim, beijou-me e manifestou de outros modos uma renovação do afeto, em presença de sua Comissão.”
Assim, o casal Russell ‘se beijou e fez as pazes’. Mais tarde, a pedido da Sra. Russell, o seu marido fez arranjos para uma reunião semanal das “Irmãs da Igreja de Allegheny”, tendo a ela como sua líder. Isto levou a outras dificuldades — à circulação de comentários caluniosos sobre C. T. Russell. No entanto, essa dificuldade também foi resolvida.
Por fim, contudo, o ressentimento crescente levou a Sra. Russell a cortar relações com a Sociedade Torre de Vigia (EUA) e com seu marido. Sem aviso, ela se separou dele em 1897, depois de quase dezoito anos de casada. Por quase sete anos ela viveu separada, C. T. Russell provendo-lhe uma casa separada e também fazendo provisões financeiras para o sustento dela. Em junho de 1903, a Sra. Russell deu entrada na Corte de Apelações Comuns de Pittsburgo, Pensilvânia dum processo de separação legal. Em abril de 1906, o caso foi submetido a julgamento perante o Juiz Collier e um júri. Cerca de dois anos depois, em 4 de março de 1908, foi expedido um decreto chamado “Em Divórcio”. A linguagem do decreto é: “Ordena-se, julga-se e decreta-se agora que haja a separação de corpos entre Maria F. Russell, a Impetrante, e Charles T. Russell, o Impetrado.” “Haja a separação de corpos” é a linguagem tanto do decreto como dos registros feitos pelo escrivão do tribunal. Tratava-se duma separação legal, e jamais houve divórcio absoluto, como alguns erroneamente sustentaram. Bouvier’s Law Dictionary (Dicionário Legal de Bouvier, da Editora Jurídica Banks-Baldwin, 1940) define a ação como “divórcio parcial e limitado, pelo qual as partes se separam e ficam proibidas de viver juntos e de coabitar, sem influir no próprio casamento. 1 Bl. Com. 440”. (Página 314) Na página 312, afirma que “talvez seja mais corretamente chamado de separação legal”.
O próprio C. T. Russell compreendia plenamente que o tribunal não lhe dera um divórcio absoluto, mas que se tratava duma separação legal. Em Dublin, durante uma excursão à Irlanda, em 1911, foi-lhe perguntado: “É verdade que está divorciado de sua esposa?” Sobre sua resposta, Russell escreveu: “Não estou divorciado de minha esposa. O decreto do tribunal não foi de divórcio, mas de separação, concedido por um júri condolente, que declarou que ambos seríamos mais felizes separados. A acusação de minha esposa foi de crueldade, mas a única crueldade apresentada em evidência foi minha recusa, em certa ocasião, em lhe dar um beijo, quando ela o pedira.’ Eu garanti à minha assistência que eu questionara a acusação de crueldade e cria que nenhuma mulher jamais tinha sido melhor tratada pelo marido. O aplauso mostrou que a assistência creu nas minhas declarações.”
O que aconteceu no enterro de C. T. Russell em Pittsburgo em 1916, também é significativo neste sentido. Anna K. Gardner, cujas recordações são similares às dos outros presentes, conta-nos o seguinte: “Aconteceu um incidente pouco antes dos ofícios no Carnegie Hall que refutava as mentiras ditas no jornal sobre o irmão Russell. O salão estava cheio muito antes da hora dos ofícios começarem e tudo estava muito quieto, daí, viu-se uma figura coberta de véu andando pelo corredor até o caixão e depositar algo nele. Lá na frente podia-se ver de que se tratava — um ramo de lírios-do-vale, a flor favorita do irmão Russell. Havia uma fita presa a ele dizendo ‘Para Meu Querido Marido’. Era a Sra. Russell. Nunca se divorciaram e este era um reconhecimento público.”
Nem de longe se imagina o pesar e a tensão emocional que as dificuldades domésticas de C. T. Russell lhe causavam. Numa carta, sem data, escrita à mão para a Sra. Russell, em dado momento de suas dificuldades maritais, ele escreveu: “Na ocasião em que receberes esta, será exatamente uma semana desde que abandonaste aquele a quem perante Deus e os homens, prometeste amar, obedecer e servir, ‘para o bem ou para o mal, até que a morte os separe’. Por certo, é verdade que ‘a experiência é maravilhoso mestre’. Somente ela poderia assim persuadir-me quanto a ti, sobre quem posso dizer verdadeiramente que houve tempo em que não poderia haver ajudadora mais amorosa e devotada. Caso tivesse sido diferente, confio que o Senhor não te teria dado a mim. Ele faz bem todas as coisas. Eu ainda Lhe agradeço esta providência para comigo nesse respeito, e recordo com sensações de prazer o tempo em que me beijavas pelo menos trinta vezes por dia, e repetidas vezes me dizias que não conseguias ver como podias viver sem mim; e que temias que eu morresse primeiro . . . E reflito que algumas destas evidências de amor me foram dadas há apenas um ano e meio atrás, embora, por já um ano antes, teu amor tenha sido menos ardente — devido ao ciúme e conjeturas, apesar de minhas garantias do ardor do meu amor por ti, repetidas cem vezes, e ainda asseveradas.”
Russell deveras achava que o grande Adversário tinha então “mui firme controle” sobre sua esposa. Disse ele: “Tenho orado fervorosamente ao Senhor em teu favor”, e ele também procurou ajudá-la. Entre outras coisas, escreveu ele: “Não vou incomodar-te com relatos da minha tristeza, nem tentar explorar tuas simpatias por esboçar minhas emoções, visto que eu, de tempos a tempos, encontro acidentalmente os teus vestidos e outros artigos que trazem vividamente à minha memória como eras antes — tão plena de amor, simpatia e prestimosidade — o espírito de Cristo. Meu coração brada: ‘Quem dera que a tivesse enterrado, ou que ela me tivesse enterrado, nesse tempo feliz.’ Mas, evidentemente, as dificuldades e provas não tinham sido feitas de modo suficiente. . . . Oh, considera, com oração, o que estou prestes a dizer-te. E assegura-te de que a agudeza de minha tristeza, sua pungência, não é minha própria solidão, pelo restante da jornada da vida, mas a tua queda, minha querida, a tua perda eterna, ao ponto que eu possa ver.”
NÃO ERA IMORAL
Como se não bastasse a tensão das dificuldades maritais de Russell, seus inimigos se rebaixaram em fazer acusações grosseiras contra ele, no sentido de que ele era imoral. Estas falsidades deliberadas se centralizavam numa chamada história duma “medusa”. Durante o julgamento, em abril de 1906, a Sra. Russell testificou que certa Srta. Ball lhe contara que C. T. Russell dissera certa vez: “Sou como uma medusa. Flutuo aqui e acolá. Toco nessa e naquela, e, se ela corresponde, eu a tomo para mim, e, se não, flutuo para outras.” No banco das testemunhas, C. T. Russell negou enfaticamente a história da “medusa”, e todo o assunto foi riscado dos anais do tribunal, o juiz dizendo em suas instruções ao júri: “Este pequeno incidente sobre esta moça que estava com a família, isso está além da base para o libelo acusatório e não tem nada que ver com o caso.”
A moça em questão veio para a casa dos Russell em 1888 como órfã de cerca de dez anos. Tratavam-na como se fosse sua própria filha, e ela beijava tanto o Sr. como a Sra. Russell ao lhes dar boa noite quando ia dormir. (Anais do Tribunal, páginas 90 e 91) A Sra. Russell testificou que o suposto incidente ocorreu em 1894, quando esta jovem não poderia ter mais de quinze anos. (Anais do Tribunal, página 15) Depois disso, a Sra. Russell viveu com o marido por três anos e esteve separada dele por cerca de outros sete anos antes de entrar com o processo de separação. Em seu processo de separação, não se fez nenhuma referência a este assunto. Embora a Srta. Ball vivesse então, e a Sra. Russell soubesse onde, não fez nenhuma tentativa de convocá-la como testemunha e não apresentou nenhuma declaração dela. O próprio C. T. Russell não podia ter convocado a Srta. Ball a testemunhar porque não tinha recebido nenhum aviso ou indicação de que sua esposa traria esse assunto ao caso. Ademais, três anos depois do suposto incidente, quando a Sra. Russell chamara a comissão perante a qual ela e o marido discutiram certas diferenças, a história da “medusa” não foi nem sequer insinuada. Na ação para sustento separado, o advogado da Sra. Russell dissera: “Não fazemos nenhuma acusação de adultério.” E que a Sra. Russell realmente jamais crera que o marido fosse culpado de conduta imoral foi indicado pelos anais (página 10). O próprio advogado dela perguntou à Sra. Russell: “A Sra. não quer dizer que seu marido fosse culpado de adultério?” Ela respondeu: “Não.”
No decorrer do atribulado período das dificuldades domésticas e problemas relacionados de Charles Taze Russell, Jeová o sustentou por meio do espírito santo. Deus continuou a usar Russell durante aqueles anos, não só para escrever matéria para a Torre de Vigia de Sião, mas para desincumbir-se de outros pesados deveres e para redigir três volumes da Aurora do Milênio (ou Estudos das Escrituras). Quão encorajador isto é para os cristãos hoje, ao prosseguirem fazendo a vontade divina, embora afligidos por várias provas! Especialmente animador para os seguidores ungidos e fiéis de Jesus são as seguintes palavras de Tiago: “Feliz o homem que estiver perseverando em provação, porque, ao ser aprovado, receberá a coroa da vida, que Jeová prometeu aos que continuarem a amá-lo.” — Tia. 1:12.
TRIGO MILAGROSO
Os inimigos de C. T. Russell usaram contra ele não só os assuntos domésticos dele, mas também outras “armas”. Por exemplo, seus inimigos o acusaram de vender grande quantidade de trigo comum sob o nome de “Trigo Milagroso” a um dólar a libra, ou sessenta dólares o bushel. Sustentaram que à base disso, Russell granjeou enorme lucro pessoal. No entanto, tais acusações são absolutamente falsas. Quais são os fatos?
Em 1904, o Sr. K. B. Stoner notou incomum planta crescendo em sua horta em Fincastle, Virgínia. Resultou ser trigo duma espécie incomum. A planta possuía 142 colmos e cada um tinha uma espiga de trigo plenamente amadurecido. Em 1906 chamou-o de “Trigo Milagroso”. Com o tempo, outros o obtiveram e cultivaram, obtendo safras extraordinárias. Com efeito, o Trigo Milagroso obteve prêmios em várias feiras. C. T. Russell interessava-se muitíssimo em tudo que se relacionava com as predições bíblicas de que “o ermo exultará e florescerá como a rosa” e “a terra dará a sua novidade”. (Isa. 35:1; Eze. 32:27, Al) Em 23 de novembro de 1907, H. A. Miller, Agrônomo-Auxiliar do Governo dos Estados Unidos, preencheu junto ao Departamento de Agricultura um relatório elogiando este trigo produzido pelo Sr. Stoner. Por todo o país, a imprensa pública observou o relatório. A atenção de C. T. Russell se voltou para ele, e, assim, na Torre de Vigia de Sião, de 15 de março de 1908, na página 86, ele publicou alguns comentários da imprensa e resumos do relatório governamental. Daí, em conclusão, comentou: “Se este relatório for apenas a metade verdadeiro, atesta de novo a habilidade de Deus de prover as coisas necessárias para os ‘tempos de restituição de todas as coisas das quais Deus falou pela boca de todos os santos profetas desde o princípio do mundo’. — Atos 3:19-21.”
O Sr. Stoner não era Estudante da Bíblia nem associado de C. T. Russell, e nem o eram as várias outras pessoas que experimentaram o Trigo Milagroso. Em 1911, contudo, os leitores da Torre de Vigia, J. A. Bohnet, de Pittsburgo, Pensilvânia, e Samuel J. Fleming, de Wabash, Indiana, presentearam à Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (dos EUA), o total de cerca de trinta bushels (uns 810 quilos ) deste trigo, propondo que fosse vendido a um dólar a libra, e que toda a renda fosse recebida pela Sociedade qual donativo da parte deles, a ser usado em sua obra religiosa. O trigo foi recebido e enviado pela Sociedade, e a renda bruta dele totalizou cerca de US$ 1.800. O próprio Russell não recebeu nem sequer um pêni deste dinheiro. Simplesmente publicou uma declaração em A Torre de Vigia no sentido de que o trigo fora contribuído e podia ser obtido por um dólar a libra. A própria Sociedade não fez nenhuma exaltação do trigo à base de seu próprio conhecimento, e o dinheiro obtido entrou como donativo para a obra missionária cristã. Quando outros criticaram a venda, todos que haviam contribuído foram informados de que, se estivessem dessatisfeitos, seu dinheiro seria devolvido. Com efeito, o dinheiro equivalente ao recebido pelo trigo foi retido por um ano para esse fim. Mas, nem sequer uma pessoa pediu a sua devolução. A conduta do irmão Russell e da Sociedade em relação ao Trigo Milagroso foi inteiramente franca e limpa.
Por ter Charles Taze Russell ensinado a verdade da Palavra de Deus, foi odiado e difamado, amiúde pelo clero religioso. Mas, daí, os cristãos dos tempos modernos esperavam tal tratamento, pois Jesus e seus apóstolos foram similarmente tratados pelos opositores religiosos. — Luc. 7:34.
“JEOVÁ NÃO ABANDONARÁ SEU POVO”
Jeová é um Deus fiel. O profeta Samuel aconselhou o povo de Israel a servir a Deus de todo o coração, e declarou: “Jeová não abandonará seu povo, por causa do seu grande nome, porque Jeová tem resolvido fazer de vós seu povo.” — 1 Sam. 12:20-25.
Os Estudantes da Bíblia certamente verificaram ser isto verdade no caso deles. Algumas de suas experiências durante os anos de 1914 a 1916, por exemplo, trouxeram desapontamento e tristeza. Todavia, Jeová sustentou seu povo, jamais o abandonando. — 1 Cor. 10:13.
GRANDES EXPECTATIVAS
Naquele tempo houve também razões para regozijo. Durante anos, o povo de Deus havia apontado para 1914 como o ano que assinalaria o fim dos Tempos dos Gentios. Suas expectativas não levaram ao desapontamento. Em 28 de julho de 1914, irrompeu a Primeira Guerra Mundial, e, à medida que o tempo prosseguiu em direção a 1.º de outubro, cada vez mais nações e impérios ficaram envolvidos. Como as testemunhas cristãs de Jeová sabem, através de seus estudos das Escrituras, o período de ininterrupta regência gentia do mundo terminou em 1914, com o nascimento do reino celeste de Deus, tendo a Jesus Cristo qual rei. (Rev. 12:1-5) Mas, houve também outras expectativas a respeito de 1914. A respeito destas, o irmão A. H. Macmillan escreveu em seu livro Faith on the March (A Fé em Marcha): “Em 23 de agosto de 1914, como eu bem me lembro, o Pastor Russell iniciou uma viagem pelo Noroeste, descendo pela costa do Pacífico e indo aos estados meridionais, e então terminando em Saratoga Springs, Nova Iorque, onde realizamos um congresso de 27 a 30 de setembro. Essa foi uma época interessantíssima porque alguns de nós seriamente achávamos que iríamos para o céu na primeira semana desse outubro.”
A idéia de irem para o céu em 1914 era forte entre alguns Estudantes da Bíblia. “Nossa idéia”, observa a irmã Kenyon esposa de Dwight T. Kenyon “era que a guerra passaria para a revolução e a anarquia. Daí os dos ungidos ou os consagrados naquele tempo morreriam e seriam glorificados. Certa noite sonhei que a inteira eclésia (congregação) estava num trem que ia para algum lugar. Houve trovões e relâmpagos, e, prontamente todos os amigos começaram a morrer por toda a minha volta. Eu achei que isso estava bom, mas, embora tentasse a valer, não conseguia morrer. Isso era muito frustador! Daí, de repente, morri, e me senti tão aliviada e satisfeita! Conto isso só para mostrar quão seguros estávamos de que tudo iria terminar em breve, no que tangia a este velho mundo, e que o restante do ‘pequeno rebanho’ iria ser glorificado. — Luc. 12:32.”
Hazelle e Helen Krull se recordam de que, durante 1914, as palestras à mesa de refeições em Betel amiúde se centralizavam no fim dos Tempos dos Gentios. De tempos a tempos, afirmam, o irmão Russell dava comentários extensivos, instando à fidelidade, e explicando que as modalidades de tempo haviam sido revistas e ainda pareciam exatas, mas também que “se esperássemos mais do que as Escrituras permitiam, então temos de curvar-nos diante da vontade de Jeová e ajustar nossas mentes e corações em fé ao Seu modo, ainda fielmente vigiando e esperando o desenrolar dos eventos associados”.
Um incidente no congresso de Saratoga Springs, em 1914, sublinha o conceito do irmão Macmillan sobre “ir para casa” para o céu, naquele ano. Escreveu: “Quarta-feira (30 de setembro), fui convidado a discursar sobre o assunto ‘Está Próximo o Fim de Todas as Coisas, Portanto, Sejamos Sóbrios, Vigilantes e Oremos’. Bem, como diria a pessoa, isso calhava bem para mim. Eu sinceramente cria nisso — que a igreja ‘iria para casa’ em outubro. Durante esse discurso, fiz a infeliz observação: ‘Este é provavelmente o último discurso público que proferirei, porque logo voltaremos para casa.’”
Na manhã seguinte, 1.º de outubro de 1914, cerca de quinhentos Estudantes da Bíblia gozaram uma linda viagem pelo Rio Hudson abaixo, num barco a vapor, de Albany para Nova Iorque. No domingo, os congressistas iniciariam as sessões em Brooklyn, onde terminaria a assembléia. Um bom número de delegados ficou em Betel, e, naturalmente, os membros da equipe da sede estavam presentes à mesa do desjejum de sexta-feira de manhã, 2 de outubro. Todo o mundo já estava sentado quando o irmão Russell entrou. Como de costume, disse alegremente: “Bom dia para todos.” Mas, esta manhã era diferente. Ao invés de ir de imediato para seu lugar, bateu palmas e anunciou jubilosamente: “Terminaram os tempos dos Gentios; seus reis já tiveram seus dias.” “Como batemos palmas!” exclama Cora Merrill. Admitiu o irmão Macmillan: “Ficamos muito agitados e não seria surpresa se, nesse instante, simplesmente começássemos a subir, esse se tornando o sinal para começarmos a subir para o céu — mas naturalmente, não houve nada disso, realmente.” Acrescenta a irmã Merrill: “Depois de breve pausa, ele [Russell] disse: ‘Alguém se sente desapontado? Eu não. Tudo está correndo dentro do horário!’ De novo aplaudimos.”
C. T. Russell teceu algumas observações, mas não demorou muito até que A. H. Macmillan tornou-se o objeto das atenções. De modo espirituoso, Russell disse: “Iremos fazer algumas alterações no programa de domingo. Às 10,30 de domingo de manhã, o irmão Macmillan dará um discurso para nós.” Isso causou fortes risadas da parte de todos. Afinal de contas, fora apenas na quarta-feira anterior que o irmão Macmillan proferira o que achava ser provavelmente seu “último discurso público”. “Bem”, escreveu A. H. Macmillan anos depois, “tive que fazer esforço de procurar algo para dizer. Achei o Salmo 74:9 (Al): ‘Já não vemos os nossos sinais, já não há profeta: nem há entre nós alguém que saiba até quando isto durará.’ Bem, esse foi diferente. Nesse discurso, tentei mostrar aos amigos que talvez alguns de nós fôramos um tanto apressados em pensar que iríamos logo para o céu, e a coisa a fazer era nos manter ocupados no serviço do Senhor até que ele determinasse quando qualquer de seus servos aprovados seria levado para o céu, nosso lar.”
O próprio C. T. Russell avisara contra as especulações particulares. Por exemplo, considerou o fim dos Tempos dos Gentios e então disse, em A Torre de Vigia de 1.º de dezembro de 1912: “Por fim, lembremo-nos de que não nos consagramos [dedicamos] quer até outubro de 1914 quer até outubro de 1915, ou até qualquer outra data, mas ‘até a morte’. Se, por qualquer motivo o Senhor tiver permitido que calculemos errado as profecias, os sinais dos tempos nos asseguram de que os cálculos errados não podem ser muito grandes. E, se a graça e a paz do Senhor estiverem conosco no futuro, como estiveram no passado, segundo a Sua promessa, igualmente nos regozijaremos de ir ou de ficar a qualquer tempo, e de estar no Seu serviço, quer deste lado do véu, quer do outro lado [na terra ou no céu], conforme agrade mais a nosso Mestre.”
Mesmo ao começar o ano culminante de 1914, Russell escreveu em A Torre de Vigia de 1.º de janeiro: “Talvez não leiamos as modalidades de tempo com a mesma certeza absoluta que as modalidades doutrinais; pois o tempo não é tão definitivamente declarado nas Escrituras como o são as doutrinas básicas. Ainda andamos pela fé e não pela vista. Não somos, contudo, infiéis e descrentes, mas fiéis e ansiosos. Se, mais tarde, for demonstrado que a Igreja não será glorificada em outubro de 1914, tentaremos ficar contentes com a vontade do Senhor, seja ela qual for.”
Assim, havia grandes expectativas a respeito de 1914 por parte de muitos dos Estudantes da Bíblia. Todavia, também receberam sólidas admoestações através das páginas de A Torre de Vigia. Deveras, alguns cristãos achavam que ‘iriam para a casa’ no céu no outono setentrional daquele ano. “Mas”, afirma C. J. Woodworth, o “1.º de outubro de 1914 veio e passou — e os anos se acumularam depois dessa data — e os ungidos ainda estavam aqui na terra. Alguns ficaram amargurados e se desviaram da verdade. Aqueles que puseram sua confiança em Jeová viram 1914 como verdadeiramente um tempo marcado — o ‘começo do fim’ — mas também compreendiam que seu anterior conceito era errado quanto a ‘glorificação dos santos’, conforme foi declarado. Agora percebiam que ainda restava muito trabalho para os fiéis ungidos — e desse grupo fazia parte meu pai [Clayton J. Woodworth].”
Os desapontamentos, porém, quanto a ir para o céu em 1914 realmente eram insignificantes quando comparados com as grandes expectativas realizadas em relação àquele ano. Nos primeiros seis meses de 1914, não aconteceu nada às nações gentias, embora os Estudantes da Bíblia há muito apontassem que os Tempos dos Gentios expirariam naquele ano. Por isso, os líderes religiosos e outros zombaram de C. T. Russell e da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA). Todavia, Jeová certamente não havia abandonado seu povo nem permitido que fosse desencaminhado. Movidos por Seu espírito santo, continuaram sua obra de testemunho, não esperando o fim dos Tempos dos Gentios até o outono setentrional daquele ano. Ao se passarem os meses, aumentou a tensão por toda a Europa, e ainda assim aumentava a zombaria contra a mensagem do Reino. Quando nação após nação se tornou envolvida na primeira guerra mundial, contudo, houve uma diferença. A obra das testemunhas cristãs de Jeová veio a ser vista com destaque.
Uma reação típica da imprensa daquele tempo foi publicada em The World (O Mundo), então destacado jornal da cidade de Nova Iorque. Sua seção dominical de revista, de 30 de agosto de 1914, continha o artigo “Fim de Todos os Reinos em 1914.” Ali foi declarado, em parte:
“O horrível irrompimento da guerra na Europa tem cumprido uma profecia extraordinária. No último quarto de século, por meio de pregadores e pela imprensa, os ‘Estudantes Internacionais da Bíblia’ melhor conhecidos como ‘Auroristas do Milênio’, têm proclamado ao mundo que o Dia da Ira profetizado na Bíblia, amanheceria em 1914. ‘Olhem bem para 1914!’ — tem sido o brado de centenas de evangelistas viajantes que, representando este estranho credo, percorreram o país de alto a baixo, enunciando a doutrina de que ‘está próximo o Reino de Deus’. . . .
“O Rev. Charles T. Russell é o homem que tem proposto esta interpretação das Escrituras desde 1874. . . . ‘Em vista desta forte evidência bíblica’, escreveu o Rev. Russell em 1889, ‘consideramos uma verdade estabelecida que o fim completo dos reinos deste mundo e o pleno estabelecimento do Reino de Deus será realizado por volta do fim de 1914 E.C.’. . .
“Mas, afirmar que as dificuldades devem culminar em 1914 — isso era peculiar. Por alguma razão estranha, talvez porque o Rev. Russell possua um estilo de escrita muito calmo, de alta matemática, ao invés de modos aparatosos e novelescos, o mundo em geral o levou pouquíssimo em conta. Os estudantes no seu ‘Tabernáculo de Brooklyn’ afirmam que isto já era de se esperar, que o mundo jamais ouviu os avisos divinos e jamais ouvirá, até que passe o dia das dificuldades. . . .
“E, em 1914, veio a guerra, a guerra que todos receavam mas que todos pensavam que realmente não poderia acontecer. O Rev. Russell não está dizendo: ‘Eu não lhes disse?’; e não está revisando as profecias para ajustarem-se à história corrente. Ele e seus estudantes estão contentes de esperar — de esperar até outubro, que calculam seja o verdadeiro fim de 1914.”
Na verdade, os Estudantes da Bíblia não foram ‘levados para casa’ no céu em outubro de 1914. Mas, os Tempos dos Gentios, de 2.520 anos, findaram então. E, como os servos de Jeová compreenderam mais tarde, de forma mais plena, tinham bastante trabalho a fazer depois daquele tempo bem aqui na terra, pregando as boas novas do reino estabelecido de Deus. Evidentemente, muitos ainda acolheriam favoravelmente a verdade da Bíblia. A respeito disto, Russell escreveu em A Torre de Vigia, de 15 de fevereiro de 1915: “Há certos indícios de que o Senhor tem um grande trabalho para todo o Seu povo, Seus santos vigilantes, no tempo atual. . . . Há alguns dos filhos do Senhor que parecem obsedados pela idéia de que ‘a porta está fechada’, e que não há mais oportunidade para serviço. Assim, tornam-se indolentes com respeito à obra do Senhor. Não devemos perder tempo algum sonhando que a porta está fechada! Há pessoas que buscam a Verdade — pessoas que se sentam nas trevas. Nunca houve um tempo como o atual. Nunca tantas pessoas estiveram dispostas a ouvir a boa Mensagem. Em todos os quarenta anos da Colheita, nunca houve oportunidades de proclamar a Verdade como as que se apresentam agora. A grande guerra e os ominosos sinais dos tempos estão despertando as pessoas, e muitas estão agora indagando sobre as coisas. Assim, o povo do Senhor devia ser bastante diligente, fazendo com toda sua força o que suas mãos acharem para fazer.”
“HÁ UMA GRANDE OBRA À FRENTE”
Em essência, então, foi dito ao povo de Deus que permanecesse firme e ‘tivesse abundância do que fazer na obra do Senhor’. (1 Cor. 15:58) Indicando mais que o irmão Russell estava convicto de que havia uma grande obra à frente para os servos de Jeová, houve um incidente relatado anos depois por A. H. Macmillan. C. T. Russell sempre gastou suas manhãs, das 8 ao meio dia, preparando artigos da Torre de Vigia e empenhando-se em outra redação e pesquisa bíblica. Macmillan escreveu: “Ninguém jamais chegava perto do gabinete durante tais horas, a menos que fosse chamado ou tivesse algo muito importante. Por volta de oito e cinco, um estenógrafo veio correndo escadas abaixo, e me disse: ‘O irmão Russell deseja vê-lo em seu gabinete.’ Pensei eu: ‘O que será que ando fazendo agora?’ Ser chamado ao gabinete pela manhã significava que havia algo importante.” Ouça à continuação do relato do irmão Macmillan:
“Fui ao gabinete e ele me disse: ‘Entre, irmão. Queira vir à sala de visitas’. Era uma extensão do gabinete. Disse ele: ‘Irmão, será que está tão profundamente interessado na verdade como estava quando começou?’ Eu olhei surpreso para ele. Disse ele: ‘Não fique surpreso. Essa foi uma pergunta apenas para começar.’ Daí, descreveu-me sua condição física, e eu sabia o suficiente sobre diagnóstico físico para entender que ele não viveria muitos meses mais, a menos que tivesse algum alívio. Disse ele: ‘Bem, então, irmão, o que desejava dizer-lhe é o seguinte. Não posso mais continuar a obra, e ainda há uma grande obra a fazer. . . .”
“Eu disse: ‘Irmão Russell, o que diz não explica nada. Não tem sentido.’
“‘O que quer dizer com isso, irmão?’ — perguntou ele.
“‘O irmão vai morrer e esta obra vai continuar?’ — repliquei. ‘Ora, quando o irmão morrer, nós complacentemente cruzaremos os braços e esperaremos para irmos ao céu junto com o irmão. Pararemos então.’
“‘Irmão’, disse ele, ‘se a sua idéia é essa, não entende a questão. Não se trata duma obra de homem. Não sou importante para esta obra. A luz está ficando mais clara. Há uma grande obra à frente.’ . . .
“Depois de esboçar a obra à frente, o irmão Russell disse: ‘Bem, o que desejo é alguém que venha aliviar-me da responsabilidade. Ainda dirigirei a obra, não posso, porém, cuidar dela como fiz no passado.’ Assim, consideramos várias pessoas. Por fim, quando fui embora e ia passando por uma porta corrediça para o corredor, ele disse: ‘Espere um minuto. Vá ao seu quarto e fale com o Senhor sobre este assunto, volte e me diga se o irmão Macmillan aceitará tal cargo.’ Fechou a porta sem que eu dissesse mais nada. Bem, penso que fiquei ali parado, um tanto tonto. O que poderia fazer para auxiliar o irmão Russell nesta obra? Isso exigia um homem que tivesse algumas habilidades comerciais, e tudo o que eu sabia era pregar religião. No entanto, meditei no assunto e voltei mais tarde e lhe disse: ‘Irmão, farei qualquer coisa que puder. Não importa onde é que me coloque.’”
Convicto de que havia muito trabalho à frente para o povo de Deus, C. T. Russell disse a seus associados íntimos que se preparassem para o aumento de seus números. Fez certas mudanças que uniriam mais a organização, e recomendou futuras mudanças no caso de não podê-las levar a efeito pessoalmente. A. H. Macmillan foi colocado como encarregado do escritório e do lar de Betel. Daí, apesar da saúde rapidamente agravada de Russell, e extremo desconforto físico por volta do outono setentrional de 1916, partiu numa excursão de discursos previamente organizada.
EXCURSÃO FINAL
Partindo de Nova Iorque em 16 de outubro de 1916, o irmão Russell e seu secretário, Menta Sturgeon, viajaram para Detroit, Michigan, via Canadá. Os dois homens foram então para Chicago, Ilinóis, descendo pelo Kansas e indo até o Texas. Sua condição de saúde era tal que seu secretário teve de substituí-lo em vários compromissos de discursos. Na terça-feira à noite, 24 de outubro, em San Antonio, Texas, Russell proferiu seu último discurso público, sobre o assunto “O Mundo em Chamas”. Durante este discurso, teve de ausentar-se da tribuna três vezes, enquanto seu secretário o substituía.
Na noite de terça-feira, o irmão Russell e seu secretário e companheiro de viagem estavam num trem a caminho da Califórnia. Homem enfermo, Russell permaneceu deitado o dia todo de quarta-feira. Em certo ponto, tomando a mão do enfermo, o companheiro de viagem de Russell disse: “Essa é a maior mão esmiuçadora de credos que já vi!” Russell respondeu que achava que ela não esmiuçaria muitos credos mais.
Os dois homens ficaram retidos por um dia em Del Rio Texas, devido a uma ponte ter pegado fogo e ter de ser construída outra. Partiram de Del Rio na quinta-feira de manhã. Na sexta-feira à noite mudaram de trem num entroncamento da Califórnia. Durante o dia inteiro de sábado, Russell sofreu graves dores e sentiu grande debilidade. Chegaram a Los Ângeles no domingo, 29 de outubro, e ali, naquela noite, C. T. Russell proferiu seu último discurso perante uma congregação. Nessa ocasião estava tão fraco que não conseguia ficar em pé para o discurso. “Sinto não poder falar com vigor ou energia”, disse Russell. Então acenou para o presidente, para que removesse a tribuna e trouxesse uma cadeira, dizendo ao sentar-se: “Perdoem-me por me sentar, por favor.” Falou por cerca de quarenta e cinco minutos, daí, respondeu a perguntas por curto tempo. Dwight T. Kenyon afirma sobre essa ocasião: “Tive o privilégio de comparecer ao último discurso do irmão Russell em Los Ângeles, em 29 de outubro de 1916. Ele estava muito mal e permaneceu sentado durante seu discurso sobre Zacarias 13:7-9. Como seu texto de despedida, Números 6:24-26, me impressionou!”
Compreendendo que sua grave condição não lhe permitiria continuar, Russell decidiu cancelar o restante de seus compromissos de discursos, e voltar rápido para o lar de Betel em Brooklyn. Na terça-feira, 31 de outubro, C. T. Russell estava à beira da morte. Em Panhandle, Texas, um médico, chamado de antemão pelo telégrafo, subiu temporariamente no trem e observou a condição de Russell, reconhecendo os sintomas críticos. Daí, o trem partiu de novo. Pouco depois, no início da tarde de terça-feira, 31 de outubro de 1916, Charles Taze Russell, 64 anos, morreu em Pampa, Texas.
‘DEUS AINDA NO COMANDO’
As muitas tribulações, as atividades de pregação, as responsabilidades editoriais, e outros deveres de Charles Taze Russell, consumiram grandemente sua vitalidade. Por cerca de trinta e dois anos, serviu qual presidente da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (EUA). Consta que viajou mais de um milhão e seiscentos mil quilômetros como orador público, pregando mais de 30.000 sermões. Escreveu publicações que somaram mais de 50.000 páginas, amiúde ditando mil cartas por mês, enquanto dirigia uma campanha evangelística global que, em certa ocasião, empregava 700 oradores. Ademais Russell compilou pessoalmente o drama bíblico mais informativo que já foi exibido, o Fotodrama da Criação.
Visto que o irmão Russell desempenhou tão destacado papel na obra de declarar as boas novas, muitos Estudantes da Bíblia sentiram muito sua falta. “Quando li à família o telegrama a respeito de sua morte, no desjejum da manhã seguinte”, disse A. H. Macmillan, “houve soluços por todo o refeitório”. Entre o povo de Deus em geral havia reações confusas. Arden Plate, que, incidentalmente era recepcionista no Teatro Majestic de San Antonio quando C. T. Russell proferiu seu último discurso público, observa: “Alguns diziam: ‘Isso é o fim de tudo’, e para eles era mesmo, porque não viam que Jeová dirigia seu povo, mas olhavam demais para um só homem.” Nos serviços fúnebres de Russell, no domingo, 5 de novembro de 1916, no Templo da Cidade de Nova Iorque, vários de seus companheiros íntimos falaram da grande perda. No entanto, houve também exortações à contínua fidelidade. Serviços separados foram realizados na Sala de Música Carnegie, em Pittsburgo (Allegheny), Pensilvânia, a partir das 14 horas de 6 de novembro, sendo o enterro feito no lote da Família de Betel nos Cemitérios Unidos de Rosemont, Allegheny, ao anoitecer daquele dia.
No serviço fúnebre matutino em Nova Iorque, A. H. Macmillan falou sobre a conversa que o irmão Russell tivera com ele pouco antes de sua morte, mencionando também certos passos que Russell dera em conexão com a obra na sede da Sociedade. Então, entre outras coisas, Macmillan declarou: “A obra diante de nós é grande, mas o Senhor nos dará a graça e a força necessárias para realizá-la. . . . alguns trabalhadores tíbios talvez achem que chegou o tempo para depor nossos instrumentos de colheita e esperar até que o Senhor nos chame para casa. Este não é o tempo para ouvir os moles. Este é o tempo de ação — de ação mais determinada do que nunca antes!”
Perto do fim de seu discurso nos serviços noturnos, J. F. Rutherford disse: “Meus queridos irmãos — nós que aqui estamos, e todos que estão na terra — o que faremos? Vamos afrouxar nosso zelo pela causa de nosso Senhor e Rei? Não! Por sua graça, aumentaremos nosso zelo e nossa energia, para terminar nossa carreira com alegria. Não temeremos nem vacilaremos, mas nos colocaremos ombro a ombro, contendendo pela fé, regozijando-nos com nosso privilégio de proclamar a mensagem de seu Reino.”
Dignas de nota, também, eram as observações do secretário-tesoureiro da Sociedade, W. E. Van Amburgh. Nos serviços de Russell, ele declarou: “Esta grande obra mundial não é a obra de uma só pessoa. É grande demais para isso. É a obra de Deus, e ela não muda. Deus tem usado muitos servos no passado e Ele, sem dúvida, usará muitos no futuro. Nossa consagração não é a um homem, ou à obra dum homem, mas para fazer a vontade de Deus, conforme Ele a revele a nós mediante Sua Palavra e orientações providenciais. Deus ainda está no comando.”
Aqueles foram dias difíceis para o povo de Deus, realmente. Todavia, voltaram-se para Jeová em busca de ajuda. (Sal. 121:1-3) Deus suscitaria outros para assumir as principais responsabilidades em sua organização. A obra de pregação iria adiante.
Os servos de Jeová já tinham passado por um tempo provador, mas anos de crise estavam adiante deles. Com a morte de C. T. Russell, em 31 de outubro de 1916, a Sociedade Torre de Vigia (EUA) não tinha presidente. Até sua reunião anual, em 6 de janeiro de 1917, uma comissão executiva cuidou dos assuntos da Sociedade. Durante esse período, naturalmente surgiu a pergunta de quem seria o próximo presidente. Certo dia, o irmão Van Amburgh perguntou a A. H. Macmillan: “Irmão, o que acha disso tudo?” “Só há uma pessoa, quer goste quer não”, replicou Macmillan. “Só há um homem que pode assumir esta obra agora, e ele é o irmão Rutherford.” Segurando a mão de Macmillan, disse o irmão Van Amburgh: “Estou com o irmão.” J. F. Rutherford nada sabia sobre isto e não cabalou votos. Mas, na reunião anual da Sociedade em 6 de janeiro de 1917, foi nomeado e eleito presidente da Sociedade Torre de Vigia dos EUA.
Assumindo humildemente sua nova responsabilidade, o irmão Rutherford falou brevemente nessa ocasião, solicitando as “orações unidas, a profunda simpatia e a irrestrita cooperação” de seus concrentes. Assegurou-lhes: “Aquele que nos tem dirigido até agora continuará a dirigir-nos. Tenhamos corações destemidos, mentes prontas e mãos dispostas, confiando sempre implicitamente no Senhor, voltando-nos para Ele em busca de orientação. Ele nos conduzirá à vitória certa. Renovando nosso Pacto com ele hoje, unidos nos santos vínculos do amor cristão, vamos adiante, proclamando ao mundo: ‘Está próximo o Reino do Céu.’”
FORMAÇÃO DE RUTHERFORD
O próprio Rutherford era corajoso lutador pela verdade. Nasceu de pais batistas no Condado de Morgan, Missúri, em 8 de novembro de 1869. Da irmã Ross, a irmã natural mais velha de Joseph Franklin Rutherford, soube o seguinte A. D. Schroeder: “Seu pai era resoluto batista lá em Missúri, onde vivia a família. Seu irmão mais jovem, Joseph, jamais conseguiu aceitar o ensino batista do ‘inferno de fogo’. Isto resultava em muitos debates acalorados na família, mesmo antes de ouvirem a verdade. Seu irmão sempre possuíra firmes convicções, com profundo senso de justiça. Desde a juventude queria ser advogado e juiz. Seu pai queria que ele ficasse na fazenda, ao invés de ir para a faculdade estudar direito. Joseph teve que arranjar um amigo que lhe emprestasse dinheiro, não só para contratar um substituto para ele na fazenda do pai, mas também para financiar seus estudos de direito.”
Joseph Rutherford financiou seus próprios estudos. Entre outras coisas, tornou-se perito em estenografia, perícia utilíssima anos mais tarde em registrar rapidamente suas idéias para artigos bíblicos e outra matéria. Enquanto ainda cursava a escola, Joseph Rutherford tornou-se estenógrafo do tribunal. Isto o habilitou a terminar de pagar seu curso e também lhe forneceu experiência prática. Depois de concluir seus estudos acadêmicos, Rutherford passou dois anos sob a tutela do Juiz E. L. Edwards. Com vinte anos, Joseph Rutherford tornou-se o escrivão oficial dos tribunais do Décimo Quarto Circuito Judicial de Missúri. Quando tinha 22 anos, foi inscrito na Ordem dos advogados de Missúri. Sua licença para advogar naquele estado foi concedido em 5 de maio de 1892, segundo os registros do Tribunal de Circuito de Cooper. Rutherford começou a advogar em Boonville, Missúri, como advogado do foro, filiado à firma Draffen e Wright.
J. F. Rutherford mais tarde serviu por quatro anos como promotor público em Boonville, Missúri. Ainda mais tarde tornou-se juiz especial do mesmo Décimo Quarto Distrito Judicial de Missúri. Nesta posição, se o juiz regular não podia julgar, Rutherford atuava como juiz substituto. Os registros dos tribunais substanciam sua designação como juiz especial em mais de uma ocasião. Por isso, veio a ser conhecido como “Juiz” Rutherford.
Hazelle e Helen Kull lembram-se de ouvir J. F. Rutherford contar como veio a interessar-se na verdade proclamada pelos servos de Jeová. Contam-nos: “Durante uma das visitas do irmão Rutherford, ele sugeriu que fôssemos passear pelos campos à luz da lua. Ao caminharmos, ele falou, contando sua vida anterior e como ficou interessado na verdade. Foi criado numa fazenda, mas queria estudar direito. Seu pai sentia a necessidade de sua ajuda na fazenda, mas por fim consentiu em permitir que ele se fosse, conquanto financiasse seus próprios estudos e também pagasse um ajudante na fazenda para tomar o seu lugar. Nas épocas de férias de verão, vendia livros a fim de cumprir seu acordo. . . . Prometeu a si mesmo que, quando praticasse a advocacia, se alguém viesse a seu consultório vendendo livros, ele os compraria. Veio esse dia [em 1894], mas seu sócio de advocacia falou com a visitante. Ela era uma ‘colportora’ — a irmã Elizabeth Hettenbaugh — e apresentava três volumes da Aurora do Milênio. Seu colega não estava interessado, e despediu-a [bem como a sua colega colportora, a irmã Beeler]. O irmão Rutherford saindo de seu escritório particular, tendo ouvido ao longe algo sobre livros, e lembrando-se de sua resolução, chamou-a de volta, ficou com os livros e colocou-os em sua biblioteca em casa, eles ali permaneceram por algum tempo. Certo dia, quando convalescia duma leve enfermidade, abriu um dos livros e começou a lê-lo. Esse foi o início de interesse vitalício e devoção e serviço incessantes a seu Deus.”
As reuniões dos Estudantes da Bíblia não eram realizadas na vizinhança imediata da casa de Rutherford. No entanto, Clarence B. Beaty afirma: “De 1904 em diante, as reuniões eram realizadas em nossa casa. A irmã Rutherford e o Juiz Rutherford vieram lá de Boonville, Missúri, para a Comemoração [da morte de Cristo]. . . . Ele participou de sua primeira Comemoração e proferiu seu primeiro discurso de peregrino aos amigos em nossa casa. Não havia ninguém na verdade em Boonville, exceto eles mesmos.”
Mas, como foi que J. F. Rutherford começou a pregar as boas novas? Bem, A. H. Macmillan foi o principal responsável por isso. Macmillan conheceu Rutherford em 1905, na Cidade de Kansas, durante uma viagem através dos Estados Unidos junto com o irmão Russell. Pouco mais tarde, o irmão Macmillan parou ali para visitar o Juiz Rutherford por um dia ou dois. Uma palestra entre eles foi mais ou menos assim:
“Juiz, o senhor devia pregar a verdade aqui.”
“Não sou pregador. Sou advogado.”
“Bem, então, Juiz, vou mostrar o que o senhor pode fazer. O senhor vai, pega um exemplar da Bíblia Sagrada e reúne um pequeno grupo de pessoas, e lhes ensina a respeito da vida, da morte e do além. Mostre-lhes de onde obtivemos nossa vida, por que viemos a estar sob a condição da morte e o que é a morte. Use as Escrituras como testemunha, e então termine tudo, dizendo: ‘Nelas tenho cumprido tudo como eu disse’, assim como diria a um júri num julgamento, e faça a conclusão.”
“Isso não me parece muito difícil.”
O que aconteceu depois disso? Será que Rutherford aplicou esse conselho? Relatou o irmão Macmillan: “Havia um homem de cor que trabalhava numa pequena fazenda próxima de sua cidade, perto dos limites da cidade. Cerca de quinze ou vinte pessoas de cor estavam ali, e ele se dirigiu até lá para lhes dar um sermão sobre ‘A Vida, a Morte e o Além’. Enquanto falava, ficavam dizendo: ‘Louvado seja Deus, Juiz! Onde aprendeu tudo isso?’ Ele passou momentos de grande felicidade. Esse foi o primeiro discurso bíblico que já havia proferido.”
Não muito depois disso, em 1906, J. F. Rutherford simbolizou sua dedicação a Jeová Deus. Escreveu o irmão Macmillan: “Tive o privilégio de batizá-lo em Saint Paul, Minnesota. Era uma das 144 pessoas que batizei pessoalmente em água naquele dia. Portanto, quando se tornou presidente da Sociedade, fiquei especialmente contente.”
Em 1907, Rutherford tornou-se o consultor jurídico da Sociedade Torre de Vigia (EUA), servindo na sede de Pittsburgo. Teve o privilégio de negociar os assuntos quando a Sociedade transferiu suas operações para Brooklyn, Nova Iorque, em 1909. Para fazer isso, solicitou sua inscrição e foi admitido na ordem dos advogados de Nova Iorque, tornando-se advogado reconhecido naquele estado. Em 24 de maio do mesmo ano, Rutherford também obteve licença para advogar perante o Supremo Tribunal dos Estados Unidos.
J. F. Rutherford freqüentemente proferia discursos como peregrino, um representante viajante da Sociedade Torre de Vigia (EUA). Viajou amplamente como orador bíblico pelos Estados Unidos, falando em muitas faculdades e universidades a pedido, e também falou a grandes assistências através da Europa. Rutherford visitou o Egito e a Palestina, e, em 1913 acompanhado da esposa, viajou à Alemanha, onde falou a assistências que somaram 18.000 pessoas.
SUAS CARATERÍSTICAS
Jesus Cristo disse que todos os seus seguidores eram “irmãos” e que ‘o maior dentre eles tinha de ser seu ministro’. (Mat. 23:8-12) Por isso, nenhum cristão verdadeiro atribui a qualquer concrente indevida importância. Todavia, a Bíblia revela as caraterísticas dos vários servos de Deus. Moisés, por exemplo, era notável pela mansidão, Tiago e João os filhos de Zebedeu, por seu entusiasmo ardente. (Núm. 12:3; Mar. 3:17; Luc. 9:54) Visto que a Joseph F. Rutherford foram confiadas muitas responsabilidades na organização terrestre de Deus, é de certo interesse observar suas caraterísticas e qualidades.
“Rutherford sempre manifestou profundo amor cristão por seus associados”, disse A. H. Macmillan, “e era muito bondoso de coração, mas, por natureza, não tinha a mesma disposição branda e quieta de Russell. Era direto e franco e não escondia seus sentimentos. Sua franqueza, mesmo quando dita com bondade, às vezes era mal interpretada. Mas, só era presidente por muito pouco tempo quando se tornou evidente que o Senhor escolhera o homem certo para o cargo.”
Maior visão da personalidade de Rutherford é obtida do que ocorreu no antigo Tabernáculo de Londres, dos Estudantes da Bíblia, quando ele proferiu o discurso da Comemoração ali, em 18 de abril de 1924. A respeito disto, a irmã Heath, esposa de William P. Heath escreve: “O Tabernáculo era uma antiga igreja episcopal que a Sociedade comprara barato, e usavam-no para as reuniões dominicais como usamos hoje um Salão do Reino. . . . O lugar do orador estava bem alto, no teto, a cerca de seis metros do chão. Quando falava à assistência, só se via a sua cabeça. Talvez seja por isso que o irmão Rutherford o chamasse de ‘cocho de cavalos’. Recusou-se a falar dali; com efeito, abalou os irmãos por descer e colocar-se no mesmo nível deles.”
Quando o irmão Rutherford assumiu inicialmente a presidência da Sociedade Torre de Vigia (EUA), havia necessidade de coragem, fidelidade e determinação. Ele manifestou tais qualidades. Por exemplo, Esther I. Morris lembra-se dum discurso que Rutherford proferiu como peregrino a ampla assistência, no que era então o maior cinema de Boise, Idaho. Declara ela: “Sua exposição da religião falsa suscitou a ira de vários clérigos locais, que tentaram interrompê-lo e desafiá-lo mas seu enfático ‘Sentem-se! Exijo a proteção da lei!’ possibilitara-lhe continuar falando. Os Estudantes da Bíblia das cidades adjacentes vieram e alugamos um salão, e, assim, realizamos pequeno congresso. Ele era muito enfático e deixava todos saberem que esta mensagem e ministério não eram algo insignificante.”
Uma reflexão um tanto tocante sobre a natureza do irmão Rutherford é fornecida por Anna Elsdon. Relembrando sua juventude, ela escreve: “Visitamos muitas vezes o irmão Rutherford. Em certa ocasião, vários de nós, jovens, nos reunimos e o irmão Rutherford veio ver-nos. Fizemos muitas perguntas a ele sobre a escola, a saudação à bandeira, etc., e ele falou conosco por muito tempo. Quando estava prestes a despedir-se, segurou as mãos de todos nós cinco em suas duas mãos grandes de forma tão amorosa, e tinha lágrimas nos olhos. Estava tão feliz e emocionado de ver a nós, tão jovens, e, mesmo assim, falando sobre as coisas profundas da verdade. Jamais me esquecerei disso. Assim como o irmão Russell era amoroso, também sentimos o amor deste grande irmão Rutherford.”
AVANTE COM A OBRA
O irmão Rutherford estava determinado a ir avante com a obra de pregar o Reino. Durante anos, sob a orientação do espírito santo de Jeová, os Estudantes da Bíblia haviam executado uma campanha notavelmente extensa em declarar a verdade de Deus. Ora, desde 1870 a 1913, distribuíram 228.255.719 tratados e panfletos e 6.950.292 livros encadernados. No ano momentoso de 1914 apenas, os servos de Jeová distribuíram 71.285.037 tratados e panfletos, e 992.845 livros encadernados. Os anos de 1915 e 1916, contudo, viram um declínio nas atividades de publicação, devido à expansão da Primeira Guerra Mundial e o colapso das comunicações. Em 1917, porém, a obra começou a mostrar uma tendência ascendente. Por quê?
O novo presidente da Sociedade reorganizou prontamente o escritório-sede em Brooklyn. Ademais, agiu a fim de revitalizar o trabalho de campo. Tais mudanças, contudo, e os programas que ele acelerou, eram os que C. T. Russell havia iniciado. Os representantes peregrinos da Sociedade aumentaram de sessenta e nove para noventa e três. A distribuição de tratados gratuitos foi acelerada em domingos ocasionais na frente das igrejas, e regularmente, de casa em casa. Novo tratado de quatro páginas, O Mensário dos Estudantes da Bíblia, foi publicado, e apenas em 1917, 28.665.000 exemplares gratuitos foram distribuídos.
Também acelerada foi nova atividade iniciada antes da morte de C. T. Russell. Chamada de “Obra Pastoral”, era precursora das revisitas feitas pelas testemunhas cristãs de Jeová. No tempo de Russell, esta atividade se limitava a cerca de 500 congregações que o haviam voluntariamente eleito como seu pastor. Numa carta a estas, descreveu o empreendimento como “importante Obra de Revisitas possível em conexão com os endereços recebidos nas Reuniões Públicas, Exibições do Drama, Listas de Colportores, etc. — pessoas que supostamente têm algum interesse em assuntos religiosos e que presumivelmente seriam mais ou menos acessíveis à Verdade.”
As mulheres na congregação que estivessem interessadas em fazer esta obra elegiam uma dentre elas para servir como capitã e outra como secretária-tesoureira. A cidade era dividida em distritos territoriais, designados a irmãs individuais que visitavam todos cujos nomes tinham sido supridos como interessados. Os visitantes emprestavam livros, que podiam ser lidos e estudados pelos emprestatários. “Então ninguém tinha desculpas de ‘Não tenho dinheiro’, visto que se tratava dum empréstimo gratuito”, observa Esther I. Morris. Na conclusão da visita, dizia-se ao morador que em breve seria proferido um discurso sobre a tabela do “Plano Divino” no distrito, e os que manifestassem interesse eram animados a comparecer a ele. Depois disso, eram feitas revisitas às pessoas que compareciam, no esforço de iniciar um estudo do primeiro volume dos Estudos das Escrituras, intitulado “O Plano Divino das Eras”. Assim, a culminação do programa era ajuntar pessoas em “classes”, primeiro para ouvir discursos sobre a tabela e, mais tarde, para se tornarem grupos regulares, chamados “Classes Bereanas”. — Atos 17:10, 11.
Outros passos foram dados pelo novo presidente da Sociedade, J. F. Rutherford, para revitalizar a obra de pregação. Expandiu-se o serviço de colportor. Isto elevou o total de 373 a 461 colportores. Para ajudá-los, no início de 1917, a Sociedade começou a publicar um periódico chamado “Boletim”. Continha instruções periódicas de serviço da sede. Mais tarde, depois de outubro de 1922, o Boletim tornou-se disponível mensalmente aos Estudantes da Bíblia em Geral. (Com o tempo, foi chamado “Diretor”, daí “Informante” e depois disso “Ministério do Reino”.) A irmã H. Gambill afirma que, com o tempo, “continha testemunhos preparados que chamávamos de ‘solicitações’ que éramos encorajados a decorar para usar no serviço de campo. Minha cunhada . . . me seguia de um quarto para o outro, tentando pegar cada palavra de modo exato. Ela desejava aprendê-lo exatamente.” Refletindo no fato de que o Boletim continha testemunhos preparados, afirma Elizabeth Elrod: “Eu apreciava isto, pois não tínhamos um arranjo, como temos agora, de uma pessoa ir junto com outra para treinar e ajudar outra a tornar-se um publicador eficaz. Isto unificava a mensagem que era dada.”
Ao continuar a campanha de rejuvenescimento, foram dados outros passos pela nova administração da Sociedade lá em 1917. Por exemplo, realizaram-se vários congressos regionais. Estes visavam incentivar os Estudantes da Bíblia a continuar seu trabalho e não ficarem cansados de fazer o bem.
Pouco antes de 1914, C. T. Russell dera ênfase a um programa de discursos públicos. Agora era tempo de fazer arranjos para outros oradores habilitados representarem a Sociedade Torre de Vigia (EUA) da tribuna pública. Como isto era feito? O programa usado era o arranjo do V. D. M. Tais letras representavam as palavras latinas Verbi Dei Minister, que significam “Ministro da Palavra de Deus”. O programa consistia em um questionário tornado disponível tanto para os homens como para as mulheres associados com as congregações dos Estudantes da Bíblia.
Eis aqui algumas perguntas de amostra publicadas no questionário V. D. M. Quão bem poderia respondê-las? (1) Qual foi o primeiro ato criativo de Deus? (4) Qual é a penalidade divina pelo pecado imposta aos pecadores? E quem são os pecadores? (6) De que natureza era o Homem Jesus Cristo desde a infância até à morte? (7) De que natureza é Jesus desde a ressurreição; e qual é sua relação oficial para com Jeová? (13) Qual será a recompensa ou as bênçãos que virão ao mundo da humanidade através da obediência ao reino do Messias? (16) Desviou-se do pecado para servir ao Deus vivo? (17) Fez uma consagração plena de sua vida e de todos os seus poderes e talentos ao Senhor e seu serviço? (18) Simbolizou esta consagração pela imersão em água? (22) Crê ter conhecimento substancial e permanente da Bíblia, que o torne mais eficiente como servo do Senhor por todo o resto de sua vida?
Os que enviavam suas respostas ao departamento V. D. M. da Sociedade recebiam uma resposta que incluía “algumas sugestões e indicações bondosas” com respeito às suas respostas. Entre outras coisas, desejava-se que as perguntas fossem respondidas pelas pessoas em suas próprias palavras.
Explicando um pouco mais os assuntos, George E. Hannan escreve: “Estas perguntas deveriam servir qual guia em determinar quão bem a pessoa compreendia as doutrinas básicas da Bíblia. Qualquer pessoa dedicada que obtivesse uma classificação de 85 por cento era considerada habilitada a ensinar. Todos esses irmãos eram habilitados a proferir discursos públicos e discursos sobre a tabela. Tais perguntas incentivavam a todos que se associavam com a Sociedade a ler os seis volumes dos Estudos das Escrituras, examinando todas as referências bíblicas.
Assim aconteceu que, como novo presidente da Sociedade Torre de Vigia (EUA), J. F. Rutherford deu passos imediatos para acelerar a obra de pregar as boas novas do reino de Deus. Seguiram-se bênçãos. O ano de 1917 testemunhou incrementada atividade de campo, para o louvor de Jeová Deus.
“NÃO FIQUEIS INTRIGADOS COM O ARDOR ENTRE VÓS”
Nem todas as pessoas dentro da organização, contudo, ficaram felizes quando J. F. Rutherford foi eleito presidente. Com efeito, a partir do início de 1917, várias pessoas ambiciosamente procuraram obter controle administrativo da Sociedade. Tornaram-se muito carentes de cooperação, e assim iniciou-se um período de prova ardente. Naturalmente, os cristãos esperam oposição e perseguição por parte de inimigos do mundo. Mas, as provas que se originam de dentro da própria organização cristã amiúde são inesperadas e são mais difíceis de suportar. Todavia, com a ajuda divina, todas essas dificuldades podem ser suportadas. Pedro disse a seus concrentes: “Amados, não fiqueis intrigados com o ardor entre vós, que vos está acontecendo como provação, como se vos sobreviesse coisa estranha. Ao contrário, prossegui em alegrar-vos por serdes partícipes dos sofrimentos do Cristo.” — 1 Ped. 4:12, 13.
Jeová e seu “mensageiro do pacto”, Jesus Cristo, vieram inspecionar o templo espiritual em 1918 E.C. O julgamento começou então com a “casa de Deus” e iniciou-se um período de refinamento e limpeza. (Mal. 3:1-3; 1 Ped. 4:17) Ocorreu algo mais também. Homens que manifestavam sinais dum “escravo mau” surgiram e figuradamente começaram a ‘espancar’ seus co-escravos. Jesus Cristo predissera como se lidaria com tais. Ao mesmo tempo, mostrou que uma classe do “escravo fiel e discreto” estaria em evidência, dispensando o alimento espiritual. — Mat. 24:45-51.
A identidade do “escravo fiel e discreto” ou “servo fiel e prudente” (Versão Almeida) era uma questão de alguma preocupação lá naqueles anos. Muito antes, em 1881, escreveu C. T. Russell: “Cremos que todo membro deste corpo de Cristo se empenha nesta obra abençoada, quer direta quer indiretamente, de fornecer a carne na época devida à família da fé. ‘Quem, então, é esse servo fiel e prudente a quem o seu Senhor colocou como regente sobre sua família’, para lhes dar a carne na época devida? Não é aquele ‘pequeno rebanho’ de servos consagrados que fielmente cumprem seus votos de consagração — o corpo de Cristo — e não está o corpo inteiro, individual e coletivamente, dando a carne na época devida à família da fé — a grande companhia de crentes?”
Assim, entendiam que o “servo” que Deus usava para dispensar o alimento espiritual era uma classe. Com o passar do tempo, contudo, a idéia que muitos adotaram era que o próprio C. T. Russell fosse o “servo fiel e prudente”. Isto levou alguns ao laço da adoração de criaturas. Achavam que toda a verdade que Deus julgara apropriado revelar a Seu povo tinha sido apresentada por meio do irmão Russell, que nada mais podia vir à luz. Escreve Annie Poggensee: “Isto causou grande peneiramento dos que preferiram ficar para trás, com as obras de Russell.” Em fevereiro de 1927, tal idéia errônea de que Russell era o “servo fiel e prudente” foi esclarecida.
Pouco depois que o irmão Rutherford tornou-se presidente da Sociedade Torre de Vigia (EUA), desenvolveu-se verdadeira conspiração. A semente da rebelião foi plantada, e então as dificuldades se espalharam, conforme explicado abaixo.
C. T. Russell tinha visto a necessidade de enviar alguém da sede para a Grã-Bretanha, a fim de fortalecer os Estudantes da Bíblia ali, depois do irrompimento da Primeira Guerra Mundial. Tencionava mandar Paul S. L. Johnson, um judeu que abandonara o judaísmo e se tornara ministro luterano antes de conhecer a verdade de Deus. Johnson servira como um dos oradores viajantes da Sociedade e era bem conhecido por suas habilidades. Respeitando os desejos de Russell, a comissão executiva que serviu por pouco tempo, antes da eleição de Rutherford como presidente, mandou Johnson à Inglaterra, fornecendo-lhe certos documentos que facilitariam sua entrada naquele país. Deveria verificar tudo que pudesse sobre a obra na Inglaterra e então fazer um relatório completo à Sociedade, mas não devia fazer mudanças das pessoas na sede da Inglaterra. No entanto, sua recepção na Inglaterra, em novembro de 1916, pareceu entorpecer-lhe o juízo e, por fim seu raciocínio, “até que”, como declarou A. H. Macmillan, “ele chegou à ridícula conclusão de que era o ‘mordomo’ da parábola de Jesus sobre o dinheiro. Mais tarde achou que era o sumo sacerdote do mundo.” Em discursos para os Estudantes da Bíblia por toda a Inglaterra, Johnson se caraterizou como sucessor de Russell, contendendo que o manto do Pastor Russell caíra sobre ele, assim como a “capa” (“manto oficial”) de Elias caíra sobre Eliseu. — 2 Reis 2:11-14.
Evidentemente, as aspirações de Johnson surgiram até mesmo antes, pois Edythe Kessler recorda: “Em 1915, deixei Betel e, antes de partir para o Arizona, visitei alguns velhos amigos que conhecia por anos, e, enquanto estava ali, eles recebiam um peregrino, chamado P. S. L. Johnson. Satanás já mostrava seus horríveis métodos furtivos para obter o controle, não importava como. Johnson disse: ‘Gostaria de falar com você. Vamos sentar na sala de estar’, o que fizemos. Começou dizendo: ‘Irmã, sabemos que é possível que o irmão Russell morra a qualquer hora, mas os amigos não precisam ter receio quando isso acontecer. Posso assumir seu lugar e começar a dirigir as coisas sem qualquer paralisação da obra.”’
Enquanto na Inglaterra, Johnson empenhou-se em assumir completo controle do campo inglês de atividades, até mesmo tentando, sem ter autoridade, despedir certos membros da equipe da sede de Londres. Houve tanta confusão que o superintendente da filial queixou-se ao irmão Rutherford. Por sua vez, Rutherford designou uma comissão de vários irmãos em Londres, que não eram membros da equipe da sede. Eles se reuniram, ouviram e pesaram os fatos, e recomendaram que Johnson fosse chamado de volta. Rutherford mandou que Johnson voltasse. Ao invés de voltar, Johnson mandou cartas e cabogramas acusando a comissão de preconceito, e também tentando justificar seu proceder. Visando tornar indispensável sua posição na Grã-Bretanha, usou indevidamente os documentos que a Sociedade lhe fornecera e bloqueou seus fundos num banco de Londres. Mais tarde, tornou-se necessário mover uma ação legal para liberar tais fundos.
Johnson por fim voltou para Nova Iorque, onde persistentemente tentou persuadir a J. F. Rutherford que o mandasse de novo à Inglaterra, mas sem resultados. Achando que Rutherford não era a pessoa certa para a posição, Johnson estava seguro de que ele próprio devia ser o presidente da Sociedade. Procurou influenciar a diretoria. Por dar a entender que o irmão Rutherford era inapropriado como presidente, Johnson persuadiu quatro dos sete membros da diretoria a ficar do lado dele. Os quatro se opuseram ao presidente, ao vice-presidente e ao secretário-tesoureiro da Sociedade, e os diretores dissidentes tentaram obter o controle administrativo, tirando-o do presidente.
J. F. Rutherford realizou reuniões com os opositores e tentou raciocinar com eles. A. H. Macmillan afirma que Rutherford “até mesmo dirigiu-se a vários de nós e perguntou: ‘Devo renunciar como presidente e deixar que estes oponentes assumam o controle?’ Todos responderam: ‘Irmão, o Senhor o colocou onde está, e renunciar ou desistir seria deslealdade para com o Senhor.’ Ademais, a equipe do escritório ameaçou renunciar se tais homens obtivessem o controle.”
Numa sessão comprida da reunião anual da Sociedade para 1917, os quatro diretores dissidentes tentaram apresentar uma resolução para emendar os estatutos da Sociedade. Isto visava colocar os poderes administrativos nas mãos da diretoria. Visto que isso era contrário tanto ao arranjo de organização em voga durante a presidência do irmão Russell, como ao desejo dos acionistas, Rutherford declarou que tal proposta era fora de propósito e o plano foi rejeitado. A oposição tornou-se ainda mais endurecida depois disso, mas houve alguns acontecimentos que os opositores jamais esperavam.
“O MISTÉRIO CONSUMADO”
Durante sua inteira administração como presidente da Sociedade, o irmão Russell, junto com o vice-presidente e o secretário-tesoureiro, fizeram as decisões quanto a novas publicações. Como grupo, a diretoria nunca fora consultada. Rutherford seguiu a mesma diretriz. Por isso, no decorrer do tempo, os três principais diretores da Sociedade fizeram uma decisão de longo alcance.
Charles Taze Russell escrevera seis volumes da Aurora do Milênio, ou Estudos das Escrituras, mas amiúde falara de escrever um sétimo volume. “Quando encontrar a chave”, disse ele, “escreverei o Sétimo Volume, e, se o Senhor der a chave a outrem, ele pode escrevê-lo”. Os diretores principais da Sociedade fizeram arranjos para que dois Estudantes da Bíblia, Clayton J. Woodworth e George H. Fisher, compilassem um livro consistindo em comentários sobre Revelação, O Cântico de Salomão e Ezequiel. Os co-editores reuniram matéria dos escritos do irmão Russell e esta foi publicada sob o título “O Mistério Consumado”, como o sétimo volume dos Estudos das Escrituras. Contendo, na maior parte, os pensamentos e comentários de C. T. Russell, foi chamado de “obra póstuma do Pastor Russell”.
Por volta dos meados de 1917, era época de se lançar o novo livro. Esse dia significativo foi o 17 de julho. “Eu estava de serviço no refeitório [do Betel de Brooklyn] quando tocou o telefone”, diz Martin O. Bowin. “Aprontávamos a refeição do meio-dia. Era eu quem estava mais perto do telefone, assim atendi-o. O irmão Rutherford estava do outro lado. ‘Quem está aí com o irmão?’, perguntou. Eu respondi: ‘Louis.’ Ele me mandou ir rapidamente a seu gabinete, e ‘não precisa bater’. Uma pilha de livros nos foi entregue, com ordens de colocarmos um em cada lugar e fazer isso antes que a família chegasse para o almoço.” Logo o refeitório ficou cheio de membros da família de Betel.
“Como de costume”, continua o irmão Bowin, “demos graças a Deus. Daí, o negócio começou! . . . Encabeçados por . . . P. S. L. Johnson, . . . esta demonstração contra o querido irmão Rutherford começou. Lançando terríveis acusações a altos brados, andavam de um lado para o outro, só parando diante da mesa do irmão Rutherford para mostrar-lhe os punhos e acusá-lo ainda mais. . . . Tudo isso durou cerca de cinco horas. Daí, todo o mundo levantou-se da mesa, ficando todos os pratos, e bastante alimento em que nem se tocara ainda sobre a mesa para ser limpos por irmãos que dispunham de muito pouca energia para fazer isso.”
Este incidente revelava que alguns membros da família de Betel nutriam simpatias pelos opositores. Se tal oposição continuasse, por fim romperia a inteira operação de Betel. Assim, J. F. Rutherford agiu de modo a corrigir a situação. Embora plenamente familiarizado com a estrutura legal da Sociedade, Rutherford consultara destacado advogado de Filadélfia, Pensilvânia, especializado em sociedades jurídicas, a respeito da situação da diretoria da Sociedade. O parecer escrito recebido revelava que os quatro dissidentes não eram membros legais da diretoria. Por que não?
C. T. Russell designara tais homens quais diretores, mas os estatutos da Sociedade exigiam que os diretores fossem eleitos pelo voto dos acionistas. Rutherford tinha dito a Russell que os recomendados tinham de ser confirmados por meio de voto na seguinte reunião anual, mas Russell jamais dera tal passo. Assim, apenas os diretores principais que tinham sido eleitos na reunião anual de Pittsburgo eram membros da diretoria devidamente constituídos. Os quatro recomendados não eram membros legais da diretoria. Rutherford sabia disso durante todo o período de dificuldades, mas não mencionara isso, esperando que tais diretores cessassem sua oposição. No entanto, a atitude deles mostrava que não estavam aptos a ser diretores. Corretamente, Rutherford os demitiu, e designou quatro novos membros da diretoria, cuja designação pudesse ser confirmada na seguinte reunião geral da Sociedade, no início de 1918.
O irmão Rutherford não demitiu sumariamente os antigos diretores da organização cristã. Ao invés, ofereceu-lhes posições como peregrinos. Eles recusaram, deixando voluntariamente Betel, e começaram a espalhar sua oposição através de extensiva campanha de discursos e escrita de cartas por todos os Estados Unidos, Canadá e Europa. Por conseguinte, depois do verão setentrional de 1917, muitas congregações dos Estudantes da Bíblia se compunham de duas partes — os leais à organização de Jeová, e os outros, que haviam ficado espiritualmente sonolentos e tornaram-se vítimas da conversa suave dos opositores. Estes últimos tornaram-se não-cooperativos e não se empenharam na obra de pregar as boas novas do reino de Deus.
ESFORÇOS FÚTEIS DE OBTER O CONTROLE
O grupo opositor que recentemente deixara Betel pensava poder controlar o congresso dos Estudantes da Bíblia realizado em Boston, Massachusetts, em agosto de 1917. Mary Hannan, que compareceu a tal assembléia, relata: “O irmão Rutherford mantinha-se alerta a esse esforço da parte deles e não lhes deu oportunidade de subir à tribuna em nenhuma ocasião durante as sessões. Agiu como presidente a todo o tempo.” O congresso foi um êxito cabal, para o louvor de Jeová, e os opositores não conseguiram perturbá-lo.
J. F. Rutherford sabia que a reunião anual da Sociedade, de 5 de janeiro de 1918, daria aos dissidentes outra oportunidade de obter o controle. Estava razoavelmente certo de que os Estudantes da Bíblia em geral não eram favoráveis a tal ação. Todavia, não teriam nenhuma oportunidade de expressar-se nas eleições, visto que era um assunto a ser cuidado só pelos membros da sociedade legalmente constituída, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (dos EUA). Assim, o que podia fazer Rutherford? Podia dar a todos os servos dedicados de Jeová uma oportunidade de expressar-se. Assim sendo, A Torre de Vigia, de 1.º de novembro de 1917, sugeriu que fosse efetuado um referendo em cada congregação. Até 15 de dezembro, 813 congregações enviaram seus votos e a enquête indicava que 10.869 dos 11.421 votos eram a favor de J. F. Rutherford para presidente da Sociedade. Entre outras coisas, o referendo também mostrava que todos os membros fiéis da diretoria conforme reconstituída em julho de 1917, foram preferidos aos rebeldes indivíduos que afirmavam ser diretores.
Na reunião anual de acionistas, no sábado, 5 de janeiro de 1918, as sete pessoas que obtiveram o maior número de votos foram J. F. Rutherford, C. H. Anderson, W. E. Van Amburgh, A. H. Macmillan, W. E. Spill, J. A. Bohnet e George H. Fisher. Nenhum dos oponentes teve êxito em estabelecer-se na diretoria. Os diretores principais da Sociedade foram então eleitos dentre os membros da diretoria devidamente escolhidos, J. F. Rutherford obtendo todos os votos para presidente, Charles H. Anderson todos os para vice-presidente e W. E. Van Amburgh todos os votos para secretário-tesoureiro. Por conseguinte, estes homens foram devidamente eleitos como diretores principais da Sociedade. Fracassou por completo a tentativa dos opositores em obter o controle.
Os fiéis e os opositores agora estavam além de reconciliação. O grupo opositor formou uma organização inteiramente separada, dirigida por um “Comitê dos Sete”. A separação certamente já era total em 26 de março de 1918, quando os opositores celebraram a Comemoração da morte de Cristo separados das congregações fiéis do povo de Deus. A unidade dos que formavam o grupo de oposição teve vida curta, porém, pois em seu congresso no verão setentrional de 1918, surgiram diferenças e ocorreu uma divisão. P. S. L. Johnson organizou um grupo com sede em Filadélfia, Pensilvânia, onde publicou A Verdade Presente e o Arauto da Epifânia de Cristo. Ali ficou ele, caraterizando-se como “o grande sumo sacerdote da terra”, até sua morte. Outras dissensões, desde 1918 em diante, provocaram divisões, até que o grupo dissidente original que se separara da Sociedade Torre de Vigia (EUA) desintegrou-se em várias seitas cismáticas.
Muitos que se afastaram nos anos subseqüentes à morte de C. T. Russell não se opunham ativamente a seus anteriores associados cristãos. Alguns retornaram, arrependeram-se de suas ações e associaram-se com o povo de Deus mais uma vez. Este era um tempo de severas provas, conforme Mabel P. M. Philbrick indica ao declarar: “Minha própria tristeza era grande à medida que compreendia que meu próprio pai e minha querida madrasta, que estavam em linha para o prêmio celeste, desviavam-se. Muitos esforços foram feitos e muitas lágrimas derramadas até que recuperei o equilíbrio, pois bem sabia que alguém que perde sua coroa não tinha nenhuma vida a aguardar em parte alguma. A idéia de sofrerem a segunda morte então parecia insuportável. No entanto, certo dia, em oração, Jeová me deu muito conforto, visto que comecei plenamente a desejar que fosse feita a Sua vontade. Subitamente comecei a avaliar que seu amor e sua justiça eram muito maiores do que os meus, e que, se Ele não os considerasse dignos da vida, eu não poderia tampouco me apegar a eles pois papai e mamãe não eram diferentes do pai e da mãe dos outros. Desse momento em diante tive paz mental.”
Não só aqueles que se separaram dos servos fiéis de Jeová naqueles dias dividiram-se em muitas seitas, mas, na maioria dos casos, seus números decresceram e suas atividades tornaram-se inconseqüentes ou cessaram por completo. Com certeza não cumprem a comissão que Jesus deu a seus seguidores, de pregar as boas novas em toda a terra e fazer discípulos. — Mat. 24:14; 28:19, 20.
Quantos abandonaram o verdadeiro cristianismo durante os anos críticos de 1917 e 1918? Um relatório mundial incompleto mostra que à Comemoração da morte de Jesus Cristo, em 5 de abril de 1917, compareceram 21.274. (Devido às dificuldades internas e externas da organização em 1918, o total da assistência não foi compilado naquele ano.) Na Comemoração em 13 de abril de 1919, um relatório parcial indicou uma assistência de 17.961. Embora incompletos, estes totais tornavam claro que muito menos de 4.000 pessoas deixaram de andar junto com seus antigos associados no serviço de Deus.
CRISTÃOS NO CRISOL
De 1917 a 1919, os Estudantes da Bíblia também eram objetos de uma conspiração internacional fomentada em especial pelo clero da cristandade. O Mistério Consumado, o sétimo volume dos Estudos das Escrituras suscitou a ira clerical. Em questão de sete meses desde o lançamento inicial desta publicação ela já gozava uma circulação sem paralelo. Os impressores externos da Sociedade se ocupavam com a edição de 850.000 exemplares. No fim de 1917, o livro também se achava disponível em sueco e francês, e a tradução em outras línguas estava sendo feita.
Em 30 de dezembro de 1917, começou a distribuição em massa de 10.000.000 de exemplares do novo número do tratado tablóide, de quatro páginas, O Mensário dos Estudantes da Bíblia. Intitulado “A Queda da Babilônia”, e com os subtítulos “A Antiga Babilônia É um Tipo — A Babilônia Mística um Antítipo — Porque a Cristandade Tem de Sofrer Agora — o Resultado Final”, continha trechos do Sétimo Volume, com referências bem diretas ao clero. Na sua última página aparecia uma caricatura gráfica representando uma muralha que caía em pedaços. Algumas de suas pedras tinham palavras tais como “Protestantismo”. “Teoria do tormento eterno”, “Doutrina da Trindade”, “Sucessão apostólica” e “Purgatório”. Com base bíblica, o tratado mostrava que a grande maioria do clero “tinha sido de homens infiéis, desleais, injustos”, que eram mais responsáveis do que qualquer outra classe na terra pela guerra que então era travada, e a grande dificuldade que a seguiria. Como parte da campanha de distribuição de tratados, discursos públicos amplamente anunciados sobre o mesmo assunto foram proferidos naquele mesmo dia.
Gostaria de distribuir um tratado como esse? C. B. Tvedt admite que ‘jamais esquecerá aquele dia’, e declara: “Era um dia de frio mui cortante. Mas, a mensagem que eu distribuía certamente era quente. . . . Eu tinha mil dessas folhas para distribuir sob as portas dos prédios de apartamentos e, ocasionalmente, de forma direta às pessoas, ao encontrá-las. Não posso negar que preferi fazer a distribuição sob as portas, pois compreendia que esta era uma mensagem ardente e que teria explosivas repercussões.”
Em fins de 1917, e princípios de 1918, O Mistério Consumado estava sendo distribuído em crescentes números. Irado, o clero afirmou falsamente que certas declarações neste livro eram de natureza sediciosa. Estavam dispostos a “pegar” a Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) e, como os líderes religiosos judaicos quando Jesus estava na terra, queriam que o Estado fizesse esse trabalho para eles. (Compare com Mateus 27:1, 2, 20.) Tanto os clérigos católicos como os protestantes representaram falsamente os Estudantes da Bíblia como estando a serviço do governo germânico. Por exemplo, referindo-se à obra da Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia, agência legal do povo de Deus, o Dr. Case, da Faculdade Teológica da Universidade de Chicago publicou a seguinte declaração: “Dois mil dólares por semana estão sendo gastos para disseminar sua doutrina. Não se sabe de onde provém o dinheiro, mas, há forte suspeita de que emana de fontes germânicas. Segundo creio, o fundo seria um campo proveitoso de investigações por parte do governo.”
“Isto, estimulado por acusações similares de outros eclesiásticos nominais, evidentemente tinha algo que ver com os oficiais do Serviço de Inteligência do Exército se apoderarem dos livros do Tesoureiro da Sociedade”, disse A Torre de Vigia de 15 de abril de 1918. Continuava: “As autoridades sem dúvida pensavam que encontrariam alguma evidência para substanciar a acusação de que nossa Sociedade trabalha nos interesses do governo germânico. Naturalmente, os livros não revelaram nada dessa espécie. Todo o dinheiro usado por nossa Sociedade é contribuído por aqueles que se interessam na pregação do Evangelho de Jesus Cristo e seu reino, e em nada mais.” A publicidade jornalística nacional sobre a apreensão dos livros da Sociedade tendia a suscitar suspeitas.
O dia 12 de fevereiro de 1918 foi uma data marcada para o povo de Deus no Canadá. A Sociedade Torre de Vigia foi então proscrita por todo o país. Um despacho da imprensa publica declarava: “O Secretário de Estado, segundo os postulados da censura à imprensa, expediu autorizações proibindo a posse no Canadá, de várias publicações, entre as quais se acha o livro publicado pela Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia intitulado ‘Estudos das Escrituras — O Mistério Consumado’, em geral conhecido como publicação póstuma do Pastor Russell. ‘O Mensário dos Estudantes da Bíblia’, também publicado por esta Associação, com escritório em Brooklyn, Nova Iorque, também tem sua circulação proibida no Canadá. A posse de quaisquer livros proibidos torna o possuidor sujeito a uma multa que não ultrapasse Can$ 5.000 e cinco anos de prisão”.
Por que a proscrição? O Tribune de Winnipeg, Manitoba, lançou um pouco de luz a respeito, dizendo: “Alega-se que as publicações banidas contêm declarações sediciosas e contrárias à guerra. Trechos de um dos recentes números de ‘O Mensário dos Estudantes da Bíblia’ foram denunciados do púlpito há algumas semanas pelo Rev. Charles G. Paterson, Pastor da Igreja de S. Estevão. Depois disso, o Procurador-Geral Johnson mandou pedir ao Rev. Paterson uma cópia da publicação. Crê-se que a ordem do censor seja o resultado direto disso.”
Não muito depois da proscrição inspirada pelo clero, no Canadá, tornou-se evidente a natureza internacional da conspiração. Em fevereiro de 1918, o Departamento de Inteligência do Exército dos Estados Unidos na cidade de Nova Iorque começou a investigar a sede da Sociedade Torre de Vigia. Não só havia sido sugerido falsamente que a Sociedade estava em contato com o inimigo germânico, havia também sido relatada mentirosamente ao governo dos Estados Unidos que a sede da Sociedade em Brooklyn era um centro de transmissão de mensagens ao regime germânico. Com o tempo, a imprensa pública noticiou que os agentes do governo se haviam apoderado dum aparelho de rádio erguido e pronto para uso no lar de Betel. Mas, quais eram os fatos?
Em 1915, C. T. Russell recebeu um pequeno receptor de rádio. Pessoalmente, não estava muito interessado nele, mas ergueu-se pequena antena no teto do lar de Betel e deu-se a alguns irmãos jovens a oportunidade de aprenderem a manejar o equipamento. No entanto, não tiveram muito êxito em captar mensagens. Quando os Estados Unidos estavam prestes a entrar na guerra, exigiu-se que todos os instrumentos de rádio fossem desmontados. Assim, a antena foi retirada, os postes foram serrados e usados para outros fins, ao passo, que o próprio aparelho foi cuidadosamente embalado na Sala de Desenho da Sociedade. Não tinha sido usado de jeito nenhum por mais de dois anos quando se mencionou o aparelho a dois homens do Serviço de Inteligência do Exército, quando em conversa com um membro da família de Betel. Foram levados ao teto e se lhes mostrou onde havia estado. Daí, foi-lhes mostrado o próprio aparelho, todo embalado. Por consentimento, tais senhores o levaram, visto não haver utilidade para o mesmo em Betel. O aparelho era apenas um receptor, e não um transmissor. Jamais houve um transmissor em Betel. Assim, era impossível transmitir uma mensagem a qualquer parte.
A oposição e a pressão continuaram a aumentar contra o povo de Jeová. Em 24 de fevereiro de 1918, J. F. Rutherford proferiu um discurso público em Los Ângeles, Califórnia a uma assistência de 3.500 pessoas. Na manhã posterior o Tribune de Los Ângeles publicou uma reportagem de página inteira sobre o discurso. Isto suscitou a indignação dos clérigos locais. A associação ministerial realizou uma reunião na manhã de segunda-feira, e enviou seu presidente aos diretores do jornal, exigindo que explicassem por que publicaram tanta coisa sobre o discurso. Na quinta-feira seguinte, o Departamento de Inteligência do Exército apoderou-se da sede de Los Ângeles dos Estudantes da Bíblia levando também muitas das publicações da Sociedade.
Na segunda-feira, 4 de março de 1918, deu-se a prisão, em Scranton, Pensilvânia, de Clayton J. Woodworth (um dos compiladores de O Mistério Consumado) e vários outros irmãos. Foram acusados falsamente de conspiração e ficaram sob fiança até comparecerem a julgamento em maio. Ademais, à medida que aumentou rapidamente a pressão externa contra a Sociedade, foram detidos em acampamentos do exército e em prisões militares mais de vinte Estudantes da Bíblia por lhes ser negada a isenção militar. Alguns foram submetidos à corte marcial e sentenciados a longos termos de prisão. Em 14 de março de 1918, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos chamou a distribuição de O Mistério Consumado de violação da Lei Contra a Espionagem.
Uma contra-ofensiva da parte do povo de Deus — isso era uma necessidade. Tinha de haver uma exposição da oposição fomentada pelo clero contra a obra cristã dos Estudantes da Bíblia. Por isso, em 15 de março de 1918, a Sociedade Torre de Vigia (EUA) lançou um tratado do tamanho dum jornal de duas páginas, Notícias do Reino N.º 1. Trazia a intrépida manchete “Intolerância Religiosa — Perseguidos os Seguidores do Pastor Russell por Falarem a Verdade ao Povo — Tratamento dos Estudantes da Bíblia Cheira à ‘Idade Obscura’.” Este tratado expôs deveras a perseguição, inspirada pelo clero, contra as testemunhas cristãs de Jeová na Alemanha, Canadá e Estados Unidos. Foram distribuídos milhões de exemplares.
De forma interessante, este tratado dizia: “Reconhecemos que o Governo dos Estados Unidos, sendo uma instituição política e econômica, tem o poder e a autoridade, segundo sua lei fundamental, de declarar guerra e convocar seus cidadãos para o serviço militar. Não temos nenhuma disposição de interferir, de nenhuma maneira, na convocação ou na guerra. O fato de alguns de nossos membros procurarem tirar proveito da proteção da lei tem sido usado como outro meio de perseguição.”
Notícias do Reino N.º 2 surgiu em 15 de abril de 1918. Sua surpreendente manchete rezava “‘O Mistério Consumado’ e Por Que Suprimido”. No subtítulo “Clérigos Tomam Parte”, este tratado mostrava que o clero encorajava as agências governamentais a fustigar a Sociedade, efetuar prisões, objetar a O Mistério Consumado e pressionar os Estudantes da Bíblia a cortar certas páginas (247-253) desse volume. Também, o tratado explicava por que os clérigos se opunham aos servos de Jeová, e esclarecia sua posição sobre a guerra, bem como sua crença sobre a igreja verdadeira.
Em relação com a distribuição destas Notícias do Reino, circulou-se uma petição. Dirigida ao Presidente Wilson, dos Estados Unidos, rezava: “Nós, abaixo-assinados estadunidenses, sustentamos que qualquer interferência, por parte do clero, no estudo bíblico independente, é intolerante, anti-americana e anticristã; e que qualquer tentativa de combinar Igreja e Estado é radicalmente errada. Nos interesses da liberdade e da autonomia religiosa, protestamos de modo solene contra a supressão de O Mistério Consumado, e solicitamos ao Governo que remova todas as restrições quanto ao seu uso, para que se permita ao povo, sem interferência ou molestamento, comprar, vender, possuir e ler este compêndio de estudo bíblico.”
Em 1.º de maio de 1918, apenas seis semanas depois de o primeiro Notícias do Reino, lançou-se o Notícias do Reino N.º 3, trazendo a manchete “Grassam Duas Grandes Batalhas — Certa a Queda da Autocracia”, e o subtítulo “Destinada a Fracassar a Estratégia Satânica”. Este número tratava de o Descendente da Promessa versus o Descendente de Satanás, o Diabo. (Gên. 3:15) Esboçava o desenvolvimento do anticristo, desde seu nascimento até às ações atuais do clero católico e protestante. Intrepidamente, este tratado mostrava como o Diabo usava tais agentes no esforço de destruir o restante dos seguidores ungidos de Jesus Cristo na terra.
Exigia-se coragem para distribuir os números de Notícias do Reino então publicados. Alguns Estudantes da Bíblia foram presos. Às vezes, eram confiscados temporariamente estoques de Notícias do Reino. Embora se achassem no crisol da oposição e perseguição, os servos de Jeová mantinham a fidelidade a Deus e continuavam a fazer sua obra cristã.
ATROCIDADES COMETIDAS
À medida que aumentou a oposição dos clérigos e leigos, foram cometidas atrocidades contra os servos de Jeová. Fornecendo um relatório parcial das incríveis perseguições sofridas pelos Estudantes da Bíblia, uma publicação posterior da Sociedade Torre de Vigia (EUA) disse em parte:
“12 de abril de 1918, em Medford, Oregon, E. P. Taliaferro sofreu um motim e foi expulso da cidade por pregar o evangelho, e George R. Maynard foi desnudado, pintado e expulso da cidade por permitir o estudo da Bíblia em sua casa. . . .
“17 de abril de 1918, em Shawnee, Oklahoma, G. N. Fenn, George M. Brown, L. S. Rogers, W. F. Glass, E. T. Grier e J. T. Tull, foram encarcerados. Durante o julgamento, o Promotor Público disse: ‘Para o inferno com sua Bíblia, vocês deviam estar no inferno com a espinha quebrada, vocês deviam ser enforcados.’ Quando G. F. Wilson, da Cidade de Oklahoma, tentou atuar como advogado de defesa, também foi preso. Cada um foi multado em US$ 55 e teve de pagar as custas; a ofensa foi distribuir publicações protestantes. O juiz do tribunal de primeira instância encorajou o motim após o julgamento, mas as turbas foram frustradas.
“22 de abril de 1918, em Kingsville, Texas, L. L. Davis e Daniel Toole foram perseguidos por uma turba liderada pelo Prefeito e um juiz do Condado, e subseqüentemente apanhados e encarcerados sem mandado de prisão. Davis foi forçado a deixar o emprego. Em maio de 1918, em Tecumseh, Oklahoma, J. J. May foi pego e encarcerado por treze meses num asilo de doentes mentais por ordem dum Juiz, depois de ameaças e maus tratos. Sua família não foi avisada sobre o que tinha sido feito dele. . . .
“17 de março de 1918, em Grand Junction, Colorado, uma reunião de estudo bíblico foi interrompida por uma turba composta do Prefeito, destacados jornalistas e outros comerciantes proeminentes. . . .
“22 de abril de 1918, em Wynnewood, Oklahoma, Claud Watson foi primeiro encarcerado e então deliberadamente solto diante duma turba composta de pregadores, comerciantes e alguns outros que o derrubaram no chão, fizeram com que um preto o açoitasse e, quando se recuperou parcialmente, que fosse açoitado de novo. Daí, então, derramaram piche e penas sobre todo ele, esfregando o piche em seu cabelo e couro cabeludo. Em 29 de abril de 1918, em Walnut Ridge, Arkansas, W. B. Ducan, de 61 anos, Edward French, Charles Franke, certo Sr. Griffin e a Sra. D. Van Hoesen foram presos. Uma turba assaltou a cadeia, usando a linguagem mais vil e obscena possível, açoitando, pichando, pondo penas sobre eles, e expulsando-os da cidade. Duncan viu-se obrigado a andar cerca de quarenta e um quilômetros até sua casa e dificilmente conseguiu recuperar-se. Griffin foi virtualmente cegado e morreu, devido aos efeitos da agressão, alguns meses depois.”
Depois de todos esses anos, T. H. Siebenlist lembra-se bem do que aconteceu a seu pai em Shattuck, Oklahoma. Escreve ele:
“Em setembro de 1917, comecei a freqüentar a escola e tudo ia bem até por volta de março, quando se exigiu que todas as crianças na escola comprassem um emblema da Cruz Vermelha. Levei o bilhete para casa ao meio-dia. Papai estava no trabalho e mamãe só sabia ler alemão naquele tempo. No entanto, o irmão Howlett, um peregrino, estava visitando a ‘classe’ e cuidou do assunto. Não se comprou nenhum emblema!
“Foi pouco depois disso que as autoridades apanharam o papai no trabalho e tentaram obrigá-lo a ficar em pé sobre o livro O Mistério Consumado e a saudar a bandeira — isto bem na Rua Principal de Shattuck. Foi levado preso . . .
“Pouco depois disso, apanharam papai de novo e o detiveram por outros três dias. Desta vez, deram-lhe pouquíssimos alimentos. Sua soltura desta vez constitui outra história. Por volta da meia-noite, três homens simularam um ‘assalto’ à cadeia. Puseram um saco sobre a cabeça do papai e o fizeram ir correndo, descalço, para os limites ocidentais da cidade. Tratava-se de uma área acidentada e cheia de carrapichos. Ali o despiram até à cintura, e o açoitaram com um chicote para charretes que tinha um arame na ponta. Daí, aplicaram-lhe piche quente e penas, abandonando-o como morto. Ele conseguiu levantar-se e ir andando e arrastando-se em torno da cidade, na direção do sudeste. Daí, tencionava dirigir-se ao norte e ir para casa. No entanto, um amigo seu o encontrou e o levou para casa. Jamais o vi naquela noite, mas isso foi terrível choque para a mamãe, especialmente por causa do bebezinho lá em casa, e a Vovó Siebenlist desmaiou quando o viu. Meu irmão João só havia nascido uns dias antes de tudo isso acontecer. No entanto, a mamãe agüentou firme toda a tensão, jamais perdendo de vista o poder protetor de Jeová. . . .
“A Vovó e a Tia Katie, meia-irmã do papai, começaram a cuidar dele, para que se recuperasse e vivesse. O piche e as penas estavam entranhados na carne dele; assim, usaram gordura de ganso para pensar as feridas e gradualmente o piche desgrudou. . . . O papai jamais viu os rostos deles, mas reconheceu suas vozes e soube quem eram seus atacantes. Jamais lhes disse isso. Com efeito, era difícil fazer com que falasse alguma vez sobre isso. Todavia, levou tais cicatrizes consigo para a sepultura.”
“CAUTELOSOS COMO AS SERPENTES”
A proscrição de O Mistério Consumado e de outras publicações cristãs colocou os servos de Jeová em circunstâncias difíceis. No entanto, tinham a obra dada por Deus para executar, e continuaram executando-a, provando-se “cautelosos como as serpentes, contudo, inocentes como as pombas”. (Mat. 10:16) Assim sendo, às vezes os compêndios bíblicos eram escondidos em vários lugares — talvez no sótão, ou no depósito de carvão, sob as tábuas do assoalho ou na mobília.
O irmão C. W. Miller nos conta o seguinte: “Visto que nossa casa era sede local dos Estudantes da Bíblia naquele tempo, os irmãos costumavam vir à meia-noite, num caminhão, para trazer as publicações, e nós escondíamos as caixas de livros no galinheiro, camufladas com galinhas vermelhas Rhode Island e folhagens.”
Recordando um incidente ocorrido naqueles dias, o irmão D. D. Reusch escreve: “Na casa da família Reed, os livros foram estocados fora da vista, do lado de fora, nos fundos da casa, e, à medida que a polícia se aproximou, os Reeds seguraram o fôlego quando eles chegaram perto do esconderijo. Exatamente então um enorme monte de neve caiu do telhado, cobrindo completamente aquela área.”
‘FORJAR A DESGRAÇA POR DECRETO’
Há séculos atrás, o salmista perguntou: “Estará aliado contigo o trono que causa adversidades, ao passo que forja a desgraça por meio de decreto?” (Sal. 94:20) Os servos de Jeová sempre obedecem a todas as leis das nações que não estão em desarmonia com as leis de Deus. Mas, como seria de esperar, quando existe um conflito entre as exigências de simples homens e as leis de Deus, os cristãos assumem a posição apostólica e ‘obedecem a Deus como governante antes que aos homens’. (Atos 5:29) Às vezes, boas leis são aplicadas erroneamente no esforço de impedir sua obra. Em outros casos, os inimigos tiveram êxito em promulgar decretos que causaram danos ao povo de Deus.
A Lei do Serviço Seletivo foi promulgada pelo Congresso dos Estados Unidos em 15 de junho de 1917. Ordenava o alistamento do potencial humano e também concedia isenção aos homens que, devido às crenças religiosas, não podiam empenhar-se na guerra. Muitos rapazes por todo o país escreveram à Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), perguntando ao Juiz Rutherford que proceder deveriam seguir. Ele mais tarde disse a respeito disto: “Muitos rapazes no país me perguntaram qual o proceder que deveriam seguir neste respeito. Em cada caso, meu conselho foi nesse sentido, dado aos rapazes que o solicitaram, a saber: ‘Se não puder empenhar-se em sã consciência na guerra, a Seção 3 da Lei do Serviço Seletivo faz provisões para que requeira sua isenção. Deve registrar-se e requerer sua isenção, dizendo a razão, e a junta de recrutamento julgará seu requerimento.’ Nunca fiz nada mais do que os aconselhar a tirar proveito da lei do Congresso. Sempre insisti que todo cidadão devia obedecer à lei do país contanto que tal lei não estivesse em conflito com a lei de Deus.”
Lá nos idos da Primeira Guerra Mundial, uma conspiração definida veio à luz contra os servos de Jeová. Ao promovê-la muitos clérigos realizaram uma conferência em Filadélfia Pensilvânia, em 1917. Ali designaram uma comissão para visitar a capital nacional, Washington, D. C., e insistir numa revisão Lei do Serviço Seletivo e da Lei Contra a Espionagem. A comissão visitou o Departamento de Justiça. Às instâncias dos clérigos, um membro do departamento, John Lord O’Brian, foi escolhido para preparar uma emenda da Lei Contra a Espionagem e apresentá-la ao Senado dos Estados Unidos. Esta emenda ordenava que todas as ofensas cometidas em violação da Lei Contra a Espionagem deveriam ser julgadas por um tribunal militar e que a pena de morte deveria ser infligida aos julgados culpados. No entanto, este projeto-de-lei não foi aprovado.
Uma provisão conhecida como “Emenda França” foi introduzida na ocasião em que o Congresso emendava a Lei Contra a Espionagem. Tal emenda isentava da provisão da Lei qualquer pessoa que declarasse “o que é verdade, com bons motivos e para fins justificáveis”.
No entanto, em 4 de maio de 1918, o Senador Overman solicitou a inclusão dum memorando do Procurador-Geral nos Anais do Congresso (4 de maio de 1918, páginas 6052, 6053). Declarava, em parte:
“A opinião do Ramo da Inteligência Militar é inteiramente adversa à emenda à lei contra a espionagem no sentido que a seção 3, Título I, não se aplique aos que declaram ‘o que é verdade, com bons motivos, e para fins justificáveis’.
“A experiência ensina que tal emenda, em amplo grau, anularia o valor da lei e transformaria cada julgamento num debate acadêmico sobre enigmas insolúveis quanto ao que e verdadeiro. Os motivos humanos são complicados demais para serem discutidos, e a palavra ‘justificável’ é elástica demais para uso prático. . . .
“Um dos exemplos mais perigosos desta espécie de propaganda é o livro intitulado ‘O Mistério Consumado’, obra escrita em linguagem extremamente religiosa e distribuído em enormes números. O único efeito dele é levar os soldados a desacreditar em nossa causa e inspirar no próprio país um sentimento de resistência ao alistamento.
“As Notícias do Reino, de Brooklyn, imprimem uma petição exigindo que sejam removidas as restrições contra ‘O Mistério Consumado’ e obras similares, ‘para que se permita ao povo sem interferência ou molestamento, comprar, vender, possuir e ler este compêndio de estudo bíblico’. A aprovação desta emenda reabriria nossos acampamentos a esta influência venenosa.
“A Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia afirma ter os motivos mais religiosos, todavia, verificamos que há muito se relata que sua sede é um antro de agentes alemães. . . .
“A aprovação desta emenda enfraqueceria grandemente a eficiência estadunidense, e não ajudaria a ninguém, senão ao inimigo. Os resultados, e não os motivos, é que contam na guerra, portanto, a lei e seus executores deviam estar preocupados em buscar resultados desejáveis e impedir os perigosos deixando os motivos entregues a mercê dos juízes ou à perspectiva dos historiadores.”
Como conseqüência desses esforços feitos pelo Departamento da Justiça, a Lei Contra a Espionagem, emendada, foi aprovada em 16 de maio de 1918, sem a “Emenda França”.
“SABEMOS COMO PEGÁ-LOS E VAMOS FAZÊ-LO!”
Por volta desse tempo, alguns rapazes associados com os Estudantes da Bíblia foram convocados para o serviço militar e, como objetores de consciência, foram enviados ao Campo Upton, em Long Island, Nova Iorque. Este campo era supervisionado pelo General James Franklin Bell. Ele visitou J. F. Rutherford em seu escritório e procurou induzi-lo a instruir tais homens a assumir qualquer serviço que Bell lhes designasse, quer no ultramar, quer em outra parte. Rutherford se recusou. O general insistiu, e, por fim, Rutherford escreveu uma carta que dizia, em essência: “Cada um de vocês tem de decidir por si mesmo se deseja ou não empenhar-se em serviço militar ativo. Faça o que considera ser seu dever e o que é certo aos olhos do Deus Onipotente.” Esta carta não satisfez de jeito nenhum a Bell.
Alguns dias depois, J. F. Rutherford e W. E. Van Amburgh visitaram o General Bell no Campo Upton. Bell, na presença de seu ajudante de ordene e de Van Amburgh, contou a Rutherford sobre a conferência dos clérigos em Filadélfia. Mencionou que escolheram John Lord O’Brian para apresentar os assuntos ao Senado, resultando na apresentação dum projeto-de-lei para que todos os casos opostos à Lei Contra a Espionagem fossem julgados por um tribunal militar, tendo a morte como castigo. O General Bell “mostrou-se consideravelmente acalorado”, segundo Rutherford, que relatou: “Diante dele, sobre sua mesa, havia uma pilha de papéis, e com seu indicador ele batia de leve sobre eles e, dirigindo suas palavras a mim, disse, com verdadeiro sentimento: ‘Esse projeto-de-lei não foi aprovado, porque Wilson impediu isso; mas sabemos como pegá-los, e vamos fazê-lo!’ Diante de tal declaração, respondi: ‘General, o Sr. sabe onde poderá encontrar-me.’”
GOLPE DE MORTE NAS “DUAS TESTEMUNHAS”
Depois do início de outubro de 1914, os seguidores ungidos de Cristo proclamaram que os Tempos de Gentios tinham findado e que as nações se aproximavam de sua destruição no Armagedom. (Luc. 21:24; Rev. 16:14-16) Estas “duas testemunhas” figurativas declararam esta mensagem lamuriosa para as nações durante 1.260 dias, ou três anos e meio (de 4/5 de outubro de 1914 a 26/27 de março de 1918). Daí, o sistema político bestial do Diabo travou guerra contra as “duas testemunhas” de Deus, por fim ‘matando-as’ no que tangia à sua obra atormentadora de profetizar “trajadas de saco”, para grande alívio de seus inimigos religiosos, políticos, militares e judiciais. (Rev. 11:3-7; 13:1) Essa era a profecia e foi cumprida. Mas, como?
Em 7 de maio de 1918, o Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Leste de Nova Iorque expediu um mandado de prisão contra certos servos principais da Sociedade Torre de Vigia. Envolvidos estavam o Presidente, J. F. Rutherford, o Secretário-Tesoureiro, W. E. Van Amburgh, Clayton J. Woodworth, e George H. Fisher (os dois compiladores de O Mistério Consumado), F. H. Robison (membro da comissão editorial da Torre de Vigia), A. H. Macmillan, R. J. Martin e Giovanni DeCecca.
Logo no dia seguinte, 8 de maio de 1918, os deste grupo que se achavam no Betel de Brooklyn foram presos. Por fim, todos ficaram sob custódia. Pouco depois disso, foram conduzidos a um Tribunal Federal, presidido pelo Juiz Garvin. Todos eles receberam uma condenação previamente proferida por um Júri de Instrução, acusando-os de
“(1, 3) A ofensa de ilícita, delituosa e deliberadamente causar ou tentar causar a insubordinação, a deslealdade e a recusa de servir nas forças militares e navais dos Estados Unidos da América em, mediante e por solicitações pessoais, cartas, discursos públicos, distribuição, e divulgação pública por todos os Estados Unidos da América de certo livro chamado ‘Volume Sete — Estudos das Escrituras — O Mistério Consumado’; e por distribuir e divulgar publicamente nos Estados Unidos certos artigos impressos nos panfletos chamados ‘Mensário dos Estudantes da Bíblia’, ‘A Torre de Vigia’, ‘Notícias do Reino’ e outros panfletos não mencionados, etc; “(2, 4) A ofensa de ilícita, delituosa e deliberadamente obstruir o serviço de recrutamento e alistamento dos Estados Unidos, quando os Estados Unidos estavam em guerra.”
Principalmente, a acusação se baseava em um parágrafo de O Mistério Consumado. Rezava: “Em parte alguma do Novo Testamento é encorajado o Patriotismo (um ódio míope contra outros povos). Em toda a parte e sempre proíbe-se o assassínio em todas as suas formas; todavia, à guisa de Patriotismo, os governos civis da terra exigem dos homens amantes da paz o sacrifício de si mesmos e de seus entes queridos, e a carnificina de seu próximo, e a saúdam como dever exigido pelas leis do céu.”
Os irmãos Rutherford, Van Amburgh, Macmillan e Martin enfrentaram uma segunda acusação de negociar com o inimigo, baseada numa afirmação de que os diretores da Sociedade enviaram US$ 500 ao encarregado da sucursal suíça da Sociedade em Zurique. Cada irmão citado legalmente foi colocado sob uma fiança de US$ 2.500 para cada uma das acusares. Abram libertos sob fiança e compareceram ao tribunal em 15 de maio de 1918. O julgamento foi marcado para 3 de junho de 1918, no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Leste de Nova Iorque. Os irmãos se declararam “inocentes” para com ambas as acusações e se consideraram completamente inocentes de todas as acusações.
Devido ao sentimento manifesto nas audiências preliminares os réus deram entrada em declarações juramentadas que mostravam por que achavam que o Juiz Garvin tinha preconceitos contra eles. Com o tempo, o Juiz Distrital dos Estados Unidos, Harlan B. Howe, foi trazido para presidir ao julgamento. Segundo A. H. Macmillan, embora os réus não estivessem a par dos conceitos de Howe, o governo sabia que ele “tinha preconceito especial a favor da imposição da lei e contra os réus acusados de violá-la”. Macmillan também declarou: “Mas não ficamos por muito tempo em trevas. Desde a primeira palestra dos advogados no gabinete do juiz, antes de o julgamento começar, sua animosidade se tornou manifesta e ele indicou: ‘Vou dar a esses réus tudo o que eles merecem. No entanto, já era agora tarde demais para que nossos advogados dessem entrada numa declaração juramentada sobre o preconceito por parte do juiz.”
Macmillan disse que a acusação, conforme originalmente apresentada, culpava os réus de terem entrado numa conspiração em algum tempo entre 6 de abril de 1917, quando os Estados Unidos declararam a guerra, e 6 de maio de 1918. Aceitando uma moção, o governo especificou que a data da alegada ofensa se achava entre 15 de junho de 1917 e 6 de maio de 1918.
CENAS DO TRIBUNAL
Os Estados Unidos estavam em guerra. Um julgamento dos Estudantes da Bíblia acusados de sedição atraiu assim grande atenção. O que dizer da opinião pública? Favorecia tudo que promovesse o esforço de guerra. Do lado de fora do tribunal, bandas tocavam e soldados marchavam em torno do vizinho Salão da Municipalidade de Brooklyn. Dentro do tribunal, o julgamento de quinze dias se arrastava, acumulando verdadeira montanha de testemunhos. Por que não entrar um pouco e testemunhar os trâmites legais?
A. H. Macmillan, um dos réus, ajuda-nos a sentir a atmosfera, pois mais tarde escreveu. “Durante o julgamento, o governo disse que se uma pessoa ficasse numa esquina de rua e repetisse a oração do Pai-Nosso com a intenção de desanimar os homens de se alistar no exército, poderia ser enviado à penitenciária. Assim, o leitor pode ver quão fácil era para eles julgar a intenção. Achavam que podiam dizer o que uma outra pessoa pensava, e assim agiram contra nós nessa base, muito embora testificássemos que jamais, em tempo algum, conspiramos fazer algo, de nenhuma forma, que influísse no recrutamento e jamais encorajamos alguém a opor-se a ele. Nada disso adiantou. Certos líderes religiosos da cristandade e seus aliados políticos estavam determinados a nos liquidar. A promotoria, com o consentimento do Juiz Howe visava a condenação, insistindo que nosso motivo era irrelevante e que se podia deduzir a intenção pelos nossos atos. Fui condenado unicamente à base de que contra-assinei um cheque cujo propósito não pôde ser determinado, e que assinei uma declaração de fatos que foi lida pelo irmão Rutherford numa reunião da diretoria. Mesmo assim não podiam provar que era minha assinatura. A injustiça disso nos ajudou mais tarde em nosso recurso.”
Em certo ponto, anterior diretor da Sociedade foi posto sob juramento. Depois de olhar uma prova que trazia duas assinaturas, disse que reconhecia uma delas como sendo de W. E. Van Amburgh. Eis como reza a transcrição do depoimento:
“P. Passo-lhe a Prova 31 para identificação, e lhe peço que olhe as duas assinaturas ou supostas assinaturas, de Macmillan e Va[n] Amburgh, e pergunto-lhe primeiro sobre Van Amburgh, se, em sua opinião, essa é uma cópia mimeografada da assinatura dele? R. Acho que sim. Reconheço-a como tal.
“P. E a do Sr. Macmillan? R. A do Sr. Macmillan não é tão identificável, mas acho que é a assinatura dele.”
A respeito da defesa apresentada por aqueles que eram julgados, o irmão Macmillan escreveu mais tarde:
“Depois que o Governo tinha terminado sua acusação, apresentamos nossa defesa. Em essência, mostramos que a Sociedade é uma organização inteiramente religiosa; que os membros aceitam como seus princípios de crença a santa Bíblia, conforme explicada por Charles T. Russell; que C. T. Russell, durante sua vida, escreveu e publicou seis volumes, Estudos das Escrituras, e, já em 1896 prometeu o sétimo volume que trataria de Ezequiel e de Revelação, que, no seu leito de morte, declarou que outrem escreveria o sétimo volume, que pouco depois de sua morte, a comissão executiva da Sociedade autorizou C. J. Woodworth e George H. Fisher a escrever e apresentar o manuscrito para consideração, sem qualquer promessa sendo feita a respeito de sua publicação; que o manuscrito sobre Revelação foi terminado antes que os Estados Unidos entrassem na guerra, e que todo o manuscrito do inteiro livro (exceto o capítulo sobre o Templo) estava nas mãos do impressor antes da promulgação da Lei Contra a Espionagem; destarte, era impossível que se tivesse cometido qualquer conspiração, como foi feita a acusação, para violar a lei.
“Testemunhamos que nós, em tempo algum, havíamos combinado, concordado ou conspirado fazer seja lá o que for para influir no alistamento ou para interferir no Governo quanto ao prosseguimento da guerra, nem tínhamos nenhuma idéia de assim fazer, que jamais tínhamos qualquer intenção de interferir de qualquer modo com a guerra, que nossa obra era inteiramente religiosa e de forma alguma política; que não solicitávamos membros e jamais aconselhávamos nem encorajávamos a ninguém a opor-se ao alistamento; que as cartas escritas eram para aqueles que sabíamos ser cristãos dedicados que tinham direito, sob a lei, a conselhos; que não estávamos opostos a que a nação entrasse em guerra, mas, como cristãos dedicados, não podíamos empenhar-nos em combate mortal.”
Mas, nem tudo dito e feito no julgamento era franco e direto. Macmillan mais tarde relatou: “Alguns dos nossos que assistiam ao julgamento mais tarde me contaram que um dos advogados do Governo saíra ao corredor, onde conversara em tons baixos com alguns daqueles que haviam liderado a oposição dentro da Sociedade. Disseram: ‘Não deixe aquele sujeito [Macmillan] sair livre; ele é o pior do grupo. Ele manterá as coisas em andamento se não o apanharem junto com os outros.’” Lembrem-se de que, nessa época, homens ambiciosos tinham tentado obter o controle da Sociedade Torre de Vigia [dos EUA]. Não é de admirar que Rutherford mais tarde avisasse os irmãos deixados como encarregados de Betel: “Fomos avisados de que sete dos que se opuseram à Sociedade e à sua obra no ano passado compareceram ao julgamento e deram ajuda aos nossos perseguidores. Avisamo-lhes, amados, dos esforços sutis de alguns deles de adulá-los agora, no esforço de apoderar-se da Sociedade.”
Por fim, depois do julgamento extensivo, chegou o esperado dia da decisão. Em 20 de junho de 1918, por volta das 17 horas o processo foi mandado a júri. J. F. Rutherford mais tarde lembrava-se: “O júri hesitou longo tempo antes de dar seu veredicto. Por fim, o Juiz Howe mandou avisá-los de que tinham de declarar o veredicto de ‘Culpados’, conforme um dos jurados posteriormente nos declarou.” Depois de cerca de quatro horas e meia de deliberações às 21,40 horas, o júri voltou com o veredicto — “Culpados”.
As sentenças foram proferidas em 21 de junho. O tribunal estava repleto. Quando se lhes perguntou se tinham algo a declarar, os réus não responderam. Daí, veio a sentença do Juiz Howe. De modo irado, disse: “A propaganda religiosa em que tais homens se empenhavam é mais prejudicial do que uma divisão de soldados alemães. Não só puseram em dúvida os agentes da lei do Governo e do departamento de inteligência militar, mas também denunciaram todos os ministros, de todas as igrejas. Seu castigo deve ser severo.”
E foi mesmo. Sete dos réus foram sentenciados a oitenta anos na penitenciária (vinte anos para cada uma das quatro acusações, a decorrer concomitantemente). A sentença de Giovanni DeCecca foi postergada, mas, por fim recebeu quarenta anos, ou dez anos para cada uma das mesmas quatro acusações. Os réus deviam cumprir suas sentenças na penitenciária dos Estados Unidos em Atlanta, Geórgia.
O julgamento durara quinze dias. O testemunho registrado tinha sido volumoso e o andamento do processo amiúde fora injusto. Com efeito, demonstrou-se mais tarde que o julgamento continha mais de 125 erros. Apenas alguns desses foram necessários para que o Tribunal de Recursos por fim condenasse como injusto o inteiro processo.
“Sofri e passei por isso tudo junto com os irmãos, ao serem submetidos a esta prova injusta”, comenta James Gwin Zea, presente como observador. Continua: “Ainda posso ver o juiz recusando ao irmão Rutherford a oportunidade de apresentar sua defesa. ‘A Bíblia não vale nesse tribunal’, foi seu comentário. Eu permaneci junto com o irmão M. A. Howlett em Betel naquela noite, e por volta das 22 horas chegara a informação de que eles haviam sido condenados. Foram sentenciados no dia seguinte.”
Apesar de suas condenações injustas e as severas sentenças que receberam, o irmão Rutherford e seus associados mantiveram-se impávidos. Interessante é que o Tribune de Nova Iorque, de 22 de junho de 1918, noticiou: “Joseph F. Rutherford e seis outros ‘russelitas’, condenados de violarem a Lei Contra a Espionagem, foram sentenciados ontem a 20 anos na penitenciária de Atlanta pelo Juiz Howe. ‘Este é o dia mais feliz de minha vida’, disse o Sr. Rutherford a caminho do tribunal para a prisão, ‘cumprir uma punição terrestre por causa da crença religiosa da pessoa é um dos maiores privilégios que um homem poderia ter’. Uma das mais estranhas demonstrações que o Escritório do Xerife do Tribunal Federal de Brooklyn já viu, foi realizada pelas famílias e amigos intimas dos homens condenados logo depois de os presas serem levados à sala do Júri de Instrução. O grupo inteiro fez o velho prédio ressoar com os acordes de ‘Bendito Seja o Vínculo Que Une’. ‘Tudo é a vontade de Deus’, disseram uns aos outros, com rostos quase que radiantes. ‘Algum dia o mundo saberá o que tudo isso significa. No ínterim, sejamos gratos pela graça de Deus que nos tem sustentado através de nossas provas, e aguardemos o Grande Dia que virá.’”
Enquanto seu caso estava sob recurso, duas vezes os irmãos tentaram obter livramento sob fiança, mas viram-se frustrados, primeiro pelo Juiz Howe e, mais tarde, pelo Juiz Martin T. Manton. No ínterim, primeiro foram detidos na cadeia da Rua Raymond, de Brooklyn, “o buraco mais imundo em que já me meti”, segundo A. H. Macmillan. Clayton J. Woodworth jocosamente a chamava de “Hotel do Raimundinho”. Essa desagradável permanência de uma semana foi seguida por outra semana gasta na prisão da Cidade de Long Island. Por fim, em quatro de julho, o Dia da Independência dos Estados Unidos, os homens injustamente condenados foram enviados de trem para a penitenciária de Atlanta Geórgia.