Lidar com cobras na adoração — será isso o que Deus aprova?
“ZELOSO membro . . . foi picado por uma cascavel domingo de noite, durante uma cerimônia de lidar com cobras numa igreja rural” e, mais tarde, faleceu. Assim noticiava o Times de N. I., de 29 de setembro de 1972. Apenas quatro dias antes, o Times noticiara que uma senhora morria “depois de mordida duas vezes por uma cascavel em 16 de set. na Igreja Pentecostal de Jesus.”
Apenas um ano antes, o Times publicou um artigo intitulado “Seita Que Lida com Cobras Sobrevive nos Apalaches”. Mostrava fotos de membros da “Igreja da Santidade de Deus em Nome de Jesus” lidando com cobras. Quatro membros do grupo “passavam as serpentes de um lado para o outro, lidando com cuidado com elas, mantendo uma das mãos livre, afastando a cabeça das serpentes para longe do corpo, alisando-as, acalmando-as. . . . As serpentes punham suas línguas venenosas para fora, mas jamais deram o bote, nos cinco minutos em que isso durou.” — Times de N. I., 25 de setembro de 1971.
Por que tais pessoas tornam o lidar com cobras uma parte de sua adoração? Porque, em suas Bíblias, como na Versão Almeida, Marcos 16:17, 18 reza: “E estes sinais seguirão aos que crerem: . . . Pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão.”
É realmente isso que a Bíblia inspirada ensina? Uma experiência do apóstolo Paulo pareceria indicar isto. Quando naufragou na ilha de Malta, uma víbora agarrou sua mão, quando ajuntava gravetos para uma fogueira. Quando nada lhe aconteceu, os nativos “começaram a dizer que ele era um deus”. — Atos 28:1-6.
Mas, será que Paulo fez esforço especial para juntar cobras venenosas a fim de lidar com elas? Não! Nem lemos em parte alguma das Escrituras Gregas Cristãs casos em que quaisquer dos seguidores de Cristo fizessem isso. Com efeito, Paulo sacudiu rápido a víbora que se agarrara à sua mão.
Que Finalidade Cumpre?
Poder-se-ia bem perguntar: Que finalidade cumpre o manejo religioso de cobras? Todas as dádivas milagrosas que Deus concedeu aos primitivos discípulos de Cristo tinham finalidades mui práticas, tais como curar pessoas, ressuscitar mortos, tornar limpos os leprosos e expulsar demônios. (Mat. 10:8) Até o dom de línguas tinha tal finalidade. No dia de Pentecostes, este dom habilitou os judeus que vieram de mais de doze terras diferentes a ouvir as coisas magníficas de Deus em seu próprio idioma. (Atos 2:4-11) E, mais tarde, foi usado na edificação da congregação cristã. Por isso o apóstolo Paulo sublinhou que ninguém devia falar numa língua estranha a menos que estivesse presente um intérprete, de modo que todos pudessem beneficiar-se. — 1 Cor. 14:28.
Há, também, outros assuntos a considerar. Se tais palavras em Marcos 16:17, 18, sobre lidar com cobras e não sofrer danos, autorizassem os cristãos a fazer isso, o que dizer das outras coisas mencionadas em tais versículos? Não deviam os seguidores de Cristo também poder beber veneno sem morrer? E o que dizer de poderem curar pessoas apenas por porem as mãos sobre elas? São perguntas pertinentes, não são?
Escritas Pelo Discípulo Marcos?
A que conclusão levam todas estas perguntas? Que deve haver um engano em algum lugar. Com efeito, é isso que concluíram quase todos os modernos peritos bíblicos, a saber, que tais palavras — e não só elas, mas tudo que aparece como Marcos 16:9-20 — não foram escritas por Marcos, mas outra mão posterior as adicionou. A base do que concluem assim os peritos? Tanto na evidência externa como na interna.
Primeiro de tudo, há o fato patente de que dois dos mais antigos e mais altamente reputados manuscritos bíblicos, o Vaticano 1.209 e o Sinaítico, não contêm esta parte; concluem o Evangelho de Marcos com o versículo oito. Há também vários manuscritos antigos que contêm curta conclusão de cerca de um versículo apenas além do oitavo; e outros manuscritos contêm ambas as conclusões. Assim, alguns manuscritos terminam com o versículo oito, outros têm curta conclusão, outros têm conclusão longa, e alguns fornecem ambas as conclusões. Além deste testemunho dos manuscritos gregos, que se combinam para lançar dúvida quanto a Marcos ter escrito algo além do versículo oito, há várias versões (ou traduções) mais antigas que não contêm os versículos em pauta. Entre tais acham-se as antigas versões Siríaca, a Armênia e a Etíope. Não é de admirar que a famosa autoridade em manuscritos, o Dr. Westcott, declare que “os versículos que seguem [9-20] não fazem parte da narrativa original, mas são acréscimo”. Entre outros famosos peritos que nutrem a mesma opinião acham-se Tregelles, Tischendorf, Griesbach e Goodspeed.a
Apóiam este testemunho dos manuscritos gregos e das versões, o historiador eclesiástico, Eusébio, e o tradutor bíblico, Jerônimo. Eusébio escreveu que a conclusão mais longa não se achava nas “cópias exatas”, pois “neste ponto [versículo 8], o fim do Evangelho segundo Marcos é determinado em quase todas as cópias do Evangelho segundo Marcos”. E Jerônimo, escrevendo no ano 406 ou 407 E. C., disse que “quase todos os MS. gregos não contêm este trecho”.
Bem pertinente, aqui, é o que a Nova Enciclopédia Católica (1966), Volume 9, página 240, em inglês, tem a dizer sobre tais versículos: “A tradição do manuscrito indica que o Evangelho originalmente terminava em 16.8, mas a conclusão mais longa incorporada na Vulgata foi adotada posteriormente, tornando-se aceita de forma ampla no decorrer do 5.º século. . . . Seu vocabulário e estilo diferem tão radicalmente do restante do Evangelho que dificilmente parece possível que o próprio Marcos a tenha composto. . . . Marcos 16.1-8 é uma conclusão satisfatória do Evangelho no que tange a declarar que a profecia da Ressurreição de Jesus se cumpriu.”
Estilo de Marcos?
Note que a Nova Enciclopédia Católica argúi que o vocabulário e o estilo de Marcos 16:9-20 diferem tão radicalmente do Evangelho de Marcos que dificilmente pareceria possível que o próprio Marcos tivesse escrito tais versículos. Sim, o estilo de Marcos é claro, direto; seus parágrafos são curtos e as transições são simples. Mas, nesta conclusão, como observa a Enciclopédia, “temos uma série de declarações cuidadosamente arranjadas, cada uma com sua devida expressão introdutória”. Bem que tem sido assemelhada a um pedaço de cetim rasgado que foi ligado a um rolo de tecido caseiro.
Há também a questão do vocabulário. Há palavras usadas nos versos 9 a 20 que não aparecem em nenhuma outra parte do Evangelho de Marcos, palavras que não ocorrem em quaisquer dos outros Evangelhos, algumas que não ocorrem em parte alguma das Escrituras Gregas Cristãs.
Tais versículos consistem de 163 palavras gregas, e, destas, 19 palavras e 2 frases não ocorrem em nenhuma outra parte do Evangelho de Marcos. Ou, expresso de outro modo, nestes versículos há 109 palavras diferentes, e, destas, 11 palavras e 2 frases são exclusivas destes versículos.
O mais convincente de tudo, porém de que Marcos não poderia ter escrito tais versículos e que não são parte da Palavra inspirada de Deus é seu conteúdo. Como já observado, não há evidência de que os seguidores de Cristo iriam poder beber veneno mortífero sem se prejudicar, como declarado no versículo 18. Mesmo na questão de lidar com cobras, torna-se mui patente que aqueles que lidam com elas fazem tudo que podem para impedir que as cobras os piquem, e lidam com elas apenas por cinco minutos de cada vez.
Ademais, estes versículos questionáveis declaram que os onze apóstolos recusaram crer no testemunho dos dois discípulos a quem Jesus encontrara no caminho, e aos quais se revelara. Mas, segundo o relato de Lucas, quando os dois discípulos encontraram os onze, e os que estavam com eles, estes disseram: “ O Senhor foi de fato levantado e apareceu a Simão!” — Luc. 24:13-35.
Assim, em vista de todo o precedente, o que devemos concluir? Que Marcos 16:9-20 não é parte da Palavra inspirada de Deus, e isso pelas seguintes razões: (1) Tais versículos não se acham nos dois dos mais antigos e mais reputados manuscritos gregos, bem como em outros. (2) Também não se encontram em muitas das mais antigas e melhores traduções ou versões da Bíblia. (3) Peritos antigos, tais como Eusébio e Jerônimo, os declararam espúrios. (4) O estilo destes versículos é inteiramente diverso do de Marcos. (5) O vocabulário usado nestes versículos difere do de Marcos. (6) E, o que é mais importante de tudo, o próprio conteúdo destes versículos contradiz os fatos e o restante das Escrituras.
A respeito destes versículos questionáveis, poder-se-iá notar que não só os que os adicionaram fizeram um péssimo trabalho, mas talvez agiram à base de uma premissa errada. Como assim, No sentido de que Marcos realmente talvez tenha concluído seu Evangelho com o que agora é o versículo oito. Observando que isto poderia acontecer, em especial devido ao estilo abrupto de Marcos, acham-se Eusébio, Jerônimo, e a Nova Enciclopédia Católica, bem como Ajuda ao Entendimento da Bíblia, em inglês.
Certamente há graves conseqüências, mesmo a morte para alguns, quando se fazem adições à Palavra de Deus, em desrespeito a repetidos avisos. (Deu. 4:2; 12:32; Pro. 30:6; Rev. 22:18) Por outro lado, “a declaração de Jeová permanece para sempre”. — 1 Ped. 1:25.
[Nota(s) de rodapé]
a A respeito deste trecho, uma nota marginal em The Jerusalem Bible afirma: “Não se pode provar que Marcos seja seu autor.”