Perguntas dos Leitores
• Qual é a ação bíblica a tomar quando se espera que o cristão fique de pé ou se curve diante de um juiz ou regente, ou que use alguma forma exaltada de tratamento para com tal pessoa? — H. A., África.
Deus encoraja os cristãos a mostrar respeito aos regentes civis ou às pessoas dotadas de autoridade. Com relação a tais autoridades superiores, o apóstolo Paulo escreveu sob inspiração: “Rendei a todos o que lhes é devido, . . . a quem exigir temor, tal temor; a quem exigir honra, tal honra.” (Rom. 13:1, 7) Paulo também escreveu que se podia fazer intercessão “com respeito a reis e a todos os em altos postos”. (1 Tim. 2:1, 2) A forma costumeira de se esperar que sejam prestados esta honra e este respeito varia de lugar em lugar. Talvez inclua curvar-se perante o regente, prostrar-se ao solo diante dele, levantar-se quando ele entra numa sala ou usar alguma forma especial de tratamento. Em tais casos, o costume local exige que o cristão mostre respeito à posição oficial de tal homem, a seu cargo.
Há precedentes bíblicos para se mostrar certo grau de respeito por se assumir algum porte especial. Jacó se curvou sete vezes ao se encontrar com Esaú. (Gên. 33:3) O patriarca Abraão se curvou perante os nativos pagãos de Canaã, os filhos de Hete. (Gên. 23:7, 12) Quando Jesus estava na terra, ele, como Rei designado de Jeová, permitia que pessoas lhe prestassem homenagem. (Mat. 8:2; 9:18) Visto que tais ações não envolviam real adoração de uma criatura humana, eram permitidas quais demonstrações de respeito. — Êxo. 34:14; Mat. 4:10.
Há também exemplos bíblicos que mostram como se prestava de forma oral a honra às pessoas dotadas de autoridade. Paulo se referiu ao governador romano Festo como “Excelência, Festo”. (Atos 26:25) Tanto os servos de Deus como os pagãos usavam expressões tais como: ‘Que o rei viva por tempo indefinido’, indicando o desejo de que o regente tivesse vida longa. — 1 Reis 1:31; Dan. 3:9.
Não obstante, esta questão de se prestar honra às autoridades humanas tem limites. Os cristãos têm de lembrar-se de que somente Jeová merece a adoração deles. (Êxo. 20:3-5; Sal. 100:3) Uma lei que Jeová destacou há muito é que a adoração não deve ser dada às coisas criadas, inclusive aos humanos, pois isso seria idolatria. Paulo e Barnabé sabiam disso, de maneira que, quando os homens de Listra começaram a tratá-los como deuses, eles lhes imploraram: “Por que estais fazendo estas coisas? Nós também somos humanos, tendo os mesmos padecimentos que vós.” (Atos 14:11-15) Quando prostrar-se diante de humano é feito em atitude de adoração, é errado! Por isso, quando Cornélio fez tal coisa, Pedro não iria permiti-la, e disse: “Levanta-te; eu mesmo também sou homem.” (Atos 10:25, 26) Seria errado realizar atos de adoração até mesmo para com um anjo, conforme indicado a João quando ele se deixou tomar de emoção e estava prestes a perder seu equilíbrio espiritual e adorar um anjo. — Rev. 19:10; 22:8, 9.
Estes exemplos precisam ser retidos na mente quando se trata de dar honra a um chefe tribal, um juiz ou a uma autoridade civil. Biblicamente, seria errado atribuir a tais humanos os poderes de um deus. (Atos 12:22, 23) Quanto a qualquer caso específico, as pessoas envolvidas têm de decidir se o costumeiro respeito ao cargo de alguém dotado de autoridade está sendo exigido, ou se as palavras e ações esperadas equivalem à adoração religiosa ou violam a injunção: “Fugi da idolatria.” (1 Cor. 10:14) Se certo regente não estiver nem sequer presente e forem exigidas palavras ou atos de adulação quando apenas sua fotografia é exposta ou para saudar outras pessoas, isso seria idolatrá-lo. — 1 João 5:21.
O proceder dos cristãos primitivos é de interesse neste particular. Como já temos visto, Paulo mostrava o devido respeito a Festo. Também, muito embora o César reinante de modo algum vivesse segundo os princípios cristãos (tendo por volta dessa época assassinado parentes, inclusive sua mãe, e se tornado notoriamente imoral), Paulo respeitou seu cargo e apelou para “César”. — Atos 25:10-12.
Era este respeito típico dos cristãos de então? Sim! O livro The Early Church and the World (A Igreja Primitiva e o Mundo) afirma: “Quando eram levados a julgamento, usualmente argüiam seu caso com cortesia e deferência para com os juízes.” Daí, comentando a respeito dos homens que, no segundo século, escreveram em defesa do Cristianismo, observa: “Sua linguagem é cortês; observam as regras da etiqueta oficial em dar aos Imperadores seus completos títulos honoríficos, e adicionam expressões elogiosas.” — Págs. 108, 109, 258, 259.
Mas, significa isto que os cristãos primitivos podiam fazer tudo que se esperasse deles ao honrarem as autoridades civis? Poderiam, por exemplo, chamar o imperador de Líder, Salvador ou Deus? Poderiam oferecer incenso em favor dele? Não, havia um limite quanto ao ponto a que poderiam chegar. Diz-se-nos: “A expressão normal de lealdade, tanto ao imperador como à Cidade imperial, era queimar incenso ao seu gênio e ao gênio de Roma. O cristão sustentava que tal ação era prestar adoração a deuses ou a divindades que ele não reconhecia.”a O que fariam os cristãos quando se lhes exigisse que oferecessem sacrifícios ao imperador, passando dos limites, por assim dizer, do respeito para a adoração religiosa? Responde a História: “Os cristãos recusavam-se a . . . sacrificar ao gênio do imperador. . . . Era também explicado cuidadosamente ao [cristão] que ele não adorava o imperador; simplesmente reconhecia o caráter divino do imperador qual chefe do estado romano. Ainda assim, quase nenhum cristão aproveitava a oportunidade para escapar.”b
De maneira que os cristãos primitivos recusavam-se a atribuir a um regente humano os poderes de um deus ou a realizar atos religiosos de adoração para com uma autoridade civil, mas, estavam dispostos a render-lhe a devida honra. Todavia, em alguns aspectos deste assunto, entra em cena a consciência. Até mesmo quando se reconhece que curvar-se perante um regente é apenas uma forma local comum de respeito pela sua posição e não um ato de adoração, alguns cristãos talvez declinem de tomar parte nisso. Ou, alguns talvez se sintam obrigados a evitar usar certas expressões costumeiras de honra com relação a um regente específico por causa de suas ações, ainda assim, esforçam-se de ser cidadãos pacíficos e acatadores da lei. O respeito que outros têm para com a conduta excelente deles, e seu próprio tato, talvez habilite os cristãos a seguir os ditames de sua consciência sem interferência. (Atos 24:16) Mas, se isto não ocorrer, então estariam dispostos a aceitar as conseqüências de sua decisão. — 1 Ped. 2:19.
Um ponto final que merece breve comentário neste contexto é a importância da posição bíblica de neutralidade. Às vezes as pessoas que poderiam fazer, em sã consciência, uma expressão oral de respeito a uma autoridade civil são instadas a participar no brado de lemas políticos ou em cantar cânticos patrióticos. Fazer isso equivaleria a tomar lados nos assuntos políticos das nações. Poderia um cristão fazê-lo, visto que Jesus disse que os verdadeiros adoradores “não fazem parte do mundo, assim como eu não faço parte do mundo”? (João 17:16) Se a pessoa recusasse participar em tais atividades, talvez sofra oposição de modo temporário, mas, aconselhou o apóstolo Pedro: “É melhor sofrerdes por fazer o bem, se for a vontade de Deus, do que por fazer o mal.” — 1 Ped. 3:17.
Em todos esses assuntos, os cristãos desejam pensar primeiro em manter aceitável sua adoração e em manter a aprovação de Deus. Guiando sua vida de modo a cumprir tal vontade resultará em seu bem eterno, como resultou para Jesus, que disse: “No mundo tereis tribulação, mas, coragem! eu venci o mundo.” — João 16:33.
• Casou-se alguma vez o apóstolo Paulo? — L. B. E.U.A.
A Bíblia não comenta diretamente sobre isto; embora, pelas coisas que Paulo escreveu, parece ser possível que fosse viúvo durante seus anos qual cristão.
Uma base para esta conclusão é a forma de se expressar ao defender seu apostolado quando escrevia aos coríntios. Indicou que tinha certos direitos que não utilizava. Por um lado, não aceitou a ajuda financeira pessoal deles, muito embora tivesse o direito de comer às custas deles. (1 Cor. 9:4, 11-15) Semelhantemente, escreveu: “Temos autoridade para levar conosco uma irmã como esposa, assim como os demais apóstolos.” (1 Cor. 9:5) Ter ele mencionado isto ao delinear as coisas a que tinha direito mas que não utilizava, indica que evidentemente não possuía esposa naquele tempo.
Quanto a se concluir que era viúvo, observe a sua expressão em 1 Coríntios 7:8: “Digo . . . aos não casados e às viúvas, que é bom que permaneçam assim como eu.” Acabara de oferecer conselhos às pessoas casadas. Daí antes de passar a outros assuntos que envolviam os cristãos casados, dirigiu comentários “aos não casados e às viúvas”. A palavra grega aqui traduzida “não casados” se aplica a todas as pessoas não casadas e pode significar solteiros e pessoas anteriormente casadas que então não possuíam consortes vivos. A palavra grega traduzida “viúvas” significa definitivamente mulheres anteriormente casadas. Visto que Paulo recomendava sua própria situação para tais, é bem possível que ele próprio fosse viúvo.
Outros argumentos têm sido também apresentados em apoio da posição de que ele fora certa vez casado. Por exemplo, alguns têm arrazoado que sua visão das questões maritais sugere que ele mesmo experimentou o casamento. Possivelmente isto se deu, mas, visto que escreveu sob inspiração, tal não é uma prova conclusiva. — 2 Ped. 3:15, 16.
Alguns têm arrazoado que Paulo era anteriormente membro do Sinédrio, e que, visto ser um requisito para ser membro deste alto tribunal judaico o casamento, isso provaria que fora casado. Os proponentes desta linha de arrazoamento indicam Atos 26:10 para estabelecer que Paulo fora membro do Sinédrio. Tal versículo reza: “Quando [alguns cristãos] estavam para ser executados, eu lançava o meu voto contra eles.” Mas, quer realmente lançara um voto qual membro do Sinédrio quer apenas expressara seu apoio pessoal da execução, não podemos estar seguros. Até mesmo se era membro, os requisitos para ser membro aparentemente não eram sempre os mesmos. Em certa ocasião, apenas um homem com esposa e filhos era aceitável, e não há nada para se estabelecer que Paulo tivesse quaisquer filhos. Assim, a falta de completos pormenores a respeito dos requisitos para se ser membro do Sinédrio enfraquece os argumentos quanto ao estado marital de Paulo que se baseiam em tal possível afiliação.
Por isso, se nos atermos ao que se pode aprender das próprias Escrituras, o máximo que podemos dizer é que Paulo bem que poderia ser casado em certa época, mas não era casado durante o tempo de suas viagens missionárias.
• A que Zacarias se referia Jesus quando falou de “Zacarias, filho de Baraquias, a quem assassinastes entre o santuário e o altar”? — H. R., Canadá.
Jesus falava contra os líderes religiosos de seus dias quando disse, “para que venha sobre vós todo o sangue justo derramado na terra, desde o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem assassinastes entre o santuário e o altar”. (Mat. 23:35) No relato de Lucas, as palavras “filho de Baraquias” são omitidas. (Luc. 11:50, 51) Também não se encontram no relato de Mateus no Códice Sinaítico. Não obstante, o peso da evidência dos manuscritos é de que Jesus realmente mencionou “Zacarias, filho de Baraquias”.
Compreensivelmente, a pessoa talvez fique imaginando a que homem se referia Jesus, visto que mais de vinte homens são chamados Zacarias nas Escrituras Hebraicas. Ao passo que alguns comentaristas acham que Jesus queria referir-se ao profeta “Zacarias, o filho de Baraquias”, que escreveu o livro de Zacarias, não há nada que indique que ele foi assassinado. — Zac. 1:1, LXX; PIB.
O entendimento mais comum é que Jesus se referiu a Zacarias “o filho de Joiada, o sacerdote”, visto que este Zacarias foi apedrejado até à morte durante os dias do Rei Jeoás. (2 Crô. 24:20-22) Apoiando tal conclusão há o fato de que Crônicas está alistado por último no cânon tradicional judaico, destarte tornando Abel o primeiro homem justo registrado nas Escrituras Hebraicas que foi assassinado, e Zacarias o último. Também, o local da morte deste Zacarias, “no átrio da casa de Jeová”, corresponde à localização que Jesus deu ao incidente, “entre o santuário e o altar”.
Tanto nos casos de Abel como de Zacarias foi predito um ajuste de contas pelo derramamento de sangue. (Gên. 4:10; 2 Crô. 24:22) E há um forte paralelo entre as circunstâncias e os eventos nos dias de Zacarias, o filho de Joiada, e os da geração que vivia quando Jesus falou. Logo depois da morte do sacerdote Zacarias, uma força Síria despojou Judá e executou atos de julgamento contra Jeoás. (2 Crô. 24:23-25) Depois de descrever a culpa de sangue daqueles com quem falava, disse Jesus: “Todas estas coisas virão sobre esta geração.” (Mat. 23:36) Tais palavras se cumpriram em Jerusalém e na Judéia em 70-73 E. C.
Quem, então, era o pai deste Zacarias — Baraquias ou Joiada? Alguns têm pensado que o idoso sacerdote Joiada (2 Crô. 24:15) era realmente o avô de Zacarias e que o pai dele (Baraquias) não era mencionado nas Escrituras Hebraicas, embora seu nome possa ter sido preservado nas genealogias dos sacerdotes. Outra sugestão, e uma que é bastante razoável, é que Joiada, o pai de Zacarias, que foi assassinado, talvez tivesse dois nomes, como é o caso de muitas outras pessoas bíblicas. (Compare-se Mateus 9:9 e Marcos 2:14.) É interessante que o significado de Baraquias (Jah abençoa) é bem semelhante ao de Joiada (Jeová conhece ou considera). Em qualquer caso, Jesus podia, de forma apropriada, basear-se no assassinato injusto de Zacarias ao condenar os perseguidores dos servos de Deus nos seus dias.
• Mateus 5:22 (Al) declara: “Qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo, e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno.” Quais são os três perigos de que são avisados aqui os ofensores? — T. C., E.U.A.
A Tradução do Novo Mundo mostra que o “juízo” e o “sinédrio” se referem a tribunais e o “fogo do inferno” ao Vale de Hinom, ou Geena: “Todo aquele que continuar furioso com seu irmão terá de prestar contas ao tribunal de justiça; mas, quem se dirigir a seu irmão com uma palavra imprópria de desprezo, terá de prestar contas ao Supremo Tribunal; ao passo que quem disser: ‘Tolo desprezível!’, estará sujeito à Geena ardente.” As ofensas aumentam de seriedade na ordem mencionada, e, logicamente, aqueles a quem os ofensores têm de prestar contas ou o tratamento a que se tornam passíveis aumentam proporcionalmente em autoridade ou severidade.
O tribunal de justiça parece ser o mesmo que os tribunais locais mencionados em Mateus 10:17 e Marcos 13:9, e a nota marginal na Tradução do Novo Mundo (em inglês, Ed. de 1950) sobre “tribunais locais” nestes textos os identifica como “Sinédrios Inferiores”. Sánhedrin (sinédrio) significa uma assembléia ou conselho. A Lei mosaica fez provisão para tribunais locais em que homens aptos julgavam casos às portas das cidades. Deuteronômio 16:18 (Al) ordenava: “Juízes e oficiais porás em todas as tuas portas que o Senhor [Jeová] teu Deus te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça.” Estes tribunais locais tinham jurisdição até mesmo em casos de assassinato e podiam decretar a sentença de morte. Foram restabelecidos por Esdras depois da volta do cativeiro babilônico, e parece que os levitas foram usados de forma extensiva para ocupar as posições de serviço nestes tribunais. — Deu. 19:12; 21:1, 2; 1 Crô. 23:4; 26:29; Esd. 7:25, 26.
Durante o tempo de Jesus e dos apóstolos, estes tribunais locais ou Sinédrios Inferiores funcionavam, mas sob restrições definidas devido à regência romana sobre a Palestina. Segundo os rabinos, estes tribunais inferiores consistiam em 23 juízes em cidades em que havia 120 homens representativos para os vários usos e serviços dos tribunais, mas, em pequenas cidades em que tal número não se achava disponível, apenas 3 juízes eram usados. Dizia-se que Jerusalém possuía dois tribunais de 23 juízes cada um, além de 390 tribunais de 3 juízes cada um para julgar as acusações menores. Os números fornecidos por Josefo variam, pois declara que estes tribunais locais se compunham de 7 juízes, cada um dos quais possuindo sob seu encargo 2 oficiais que eram levitas. As questões por demais difíceis de estes tribunais locais decidirem eram levadas ao Grande Sinédrio de Jerusalém. — Antiguidades, de Josefo, Livro 4, cap. 8, seção 14.
Trata-se do Grande Sinédrio mencionado em Mateus 5:22 como o “sinédrio” (Al) ou “Grande Conselho” (CBC) ou “Supremo Tribunal”, conforme indicado numa nota marginal da Tradução do Novo Mundo (Ed. de 1950, em inglês). Geralmente é designado simplesmente como o Sinédrio. Entende-se em geral que quando a Bíblia liga os principais sacerdotes e escribas e anciãos, refere-se ao Sinédrio, como em Mateus 16:21: “Daquele tempo em diante, Jesus [Cristo] principiou a mostrar aos seus discípulos que ele tinha de ir a Jerusalém e sofrer muitas coisas da parte dos homens mais maduros, e dos principais sacerdotes, e dos escribas, e que tinha de ser morto e de ser levantado no terceiro dia.” Faz-se a afirmação de que os 71 membros do Sinédrio eram compostos como segue: 24 eram sacerdotes principais, 24 eram anciãos ou homens mais idosos de influência, 22 eram escribas ou advogados, e o sumo sacerdote completava o número 71. Eram eleitos um presidente e um vice-presidente. Este supremo tribunal judaico julgava apenas casos que os tribunais inferiores não podiam decidir e enviavam ao mesmo, e os casos que envolvessem as maiores ofensas que fossem encaminhados diretamente a ele. Isto se dava em especial nos casos que envolvessem blasfêmia ou apostasia. — Mat. 26:57, 59-68; João 19:7; Atos 5:27-29; 6:11-15; 7:1, 54-60.
Os judeus gostam de crer que o Sinédrio teve início com Moisés e os 70 que ele escolheu para ajudá-lo a julgar os assuntos de Israel no deserto. (Núm. 11:16, 17) Alguns têm até mesmo sugerido que Jesus substituiu este grupo judaico quando enviou 70 discípulos para pregar, visto que Jesus, como seu cabeça, somaria 71 pessoas. (Luc. 10:1) Não obstante, os fatos indicam que o Sinédrio se originou quando da regência grega sobre a Judéia. Durante a regência romana, julgava assuntos de vida ou morte, mas não podia executar suas sentenças de morte mas tinha de submeter suas ações para serem revistas pelas autoridades romanas. — João 18:28-40; 19:1-16.
Por fim, Mateus 5:22 fala daqueles passíveis do “fogo do inferno” ou “Geena”. Usar “fogo do inferno” fornece uma idéia falsa, pois, no grego original, o texto reza geena de fogo; geena sendo a palavra grega para a hebraica ge’i-Hinnom, significando “vale de Hinom”. Este vale se situava a sudoeste da antiga Jerusalém. Durante a época dos posteriores reis de Judá, era usado em idólatra adoração a Moloque, sendo oferecidos sacrifícios humanos a este deus, por meio de fogo. (Jos. 15:8; 2 Crô. 28:3; 33:6; Jer. 7:31, 32; 32:35) Para impedir seu uso de novo com tais horríveis fins religiosos, o fiel Rei Josias o poluiu e se tornou depósito de lixo e incinerador para o lixo de Jerusalém. (2 Reis 23:10) Os corpos mortos dos animais eram jogados ali, para serem consumidos pelos fogos que eram mantidos acesos, aos quais se acrescentava enxofre para avivar a chama. Até mesmo os corpos de criminosos executados que eram considerados vis demais para terem ressurreição eram lançados fora ali. Se os corpos não chegassem até os fogos, mas ficassem presos nas encostas das íngremes ravinas, os vermes os comiam. O parágrafo final da matéria de apêndice da Tradução do Novo Mundo (Ed. 1950, em inglês), sobre este vale, reza na página 767:
“Nenhum animal nem criatura humana viva eram jogados na Geena para serem queimados vivos ou atormentados. Assim, o lugar nunca poderia simbolizar uma região invisível, onde as almas humanas são atormentadas no fogo literal e atacadas por vermes imortais para todo o sempre. (Isa. 66:24) Visto que se negava aos criminosos que eram lançados ali um sepultamento decente num túmulo memorial, que simboliza a esperança de ressurreição, a Geena foi usada por Jesus e pelos seus discípulos para simbolizar a destruição eterna, o ser extirpado do universo de Deus, ou a ‘segunda morte’, uma punição eterna. Desta forma, ser alguém sentenciado a ser lançado na Geena depois de morto era considerado a pior espécie de punição. Foi da Geena literal e do seu significado que se tirou o símbolo do ‘lago que queima com fogo e enxofre’, em Revelação 19:20; 20:10, 14, 15; 21:8.”
No versículo precedente (Mat. 5:21) Jesus trouxe à atenção o fato bem-conhecido de que todo aquele que cometesse assassinato teria de prestar contas ao tribunal de justiça, e, dai, adicionou a este entendimento comum as palavras do versículo 22, a fim de mostrar que os novos preceitos que enunciava exigiam muito mais. A pessoa talvez fique irada por certa razão, mas continuar em tal estado exasperado significaria abrir uma brecha para o Diabo e talvez resultasse em pecarmos. (Efé. 4:26, 27) De maneira que a ira continuada para com um irmão colocaria a pessoa em necessidade de correção, conforme simbolizada pelo tribunal de justiça. Se tal ira se manifestasse em “palavra imprópria de desprezo” seria ainda mais grave e exigiria correção ou castigo mais forte, conforme simbolizado pelo tribunal de maior alçada ou Supremo Tribunal judaico, o Sinédrio. Mas, começar a julgar o irmão como sendo “tolo desprezível”, o que subentenderia que blasfema de Jeová Deus e o nega (Sal. 14:1) é extremamente sério e poderia fazer que a pessoa se torne passível da destruição eterna, ou, em outras palavras, da “Geena ardente”. Assim, Jesus usou coisas familiares aos judeus — o tribunal de justiça e o Supremo Tribunal e a Geena ardente — para transmitir-lhes a idéia do crescente peso e severidade dos castigos que viriam pelos pecados de crescente seriedade.
• Têm os tribunais do país o direito de infligir a pena capital aos culpados de assassinato? — M. W., E.U.A.
Nenhuma pessoa, por sua própria conta, tem o direito de executar outra pessoa porque tal pessoa cometeu assassinato. No entanto, não diríamos que a comunidade não poderia fazê-lo, agindo por meio de seus tribunais de justiça legitimamente constituídos. Se a pessoa tivesse um julgamento justo, e fosse apresentada evidência irrefutável de que era assassina, então parece que a comunidade tem de tomar alguma ação para proteger seus cidadãos. Sempre dissemos que as prisões não são os meios de castigo de Jeová, de modo que dificilmente poderíamos ser coerentes em argumentar que estaria mais em harmonia com a lei de Jeová que um assassino ficasse preso a vida toda do que ser o assassino executado. A lei de Jeová sobre o assunto era que o assassino devia ser punido com a morte, não com a prisão. Se a pessoa for assassino confesso, ou se se provar que o é sem qualquer sombra de dúvida, então a comunidade precisa tomar alguma ação contra tal pessoa, ao invés de permitir que fique livre para cometer outros crimes.
Em 1 Pedro 4:15, disse o apóstolo: Que “nenhum de vós sofra como assassino, ou ladrão, ou como malfeitor, ou como intrometido nos assuntos dos outros”. Daí, o apóstolo passa a mostrar que se sofrermos como cristãos, não devíamos envergonhar-nos. As palavras de Pedro parecem subentender que era correto o assassino sofrer pelo seu crime, e sabemos qual era a pena do ponto de vista de Deus, a saber, a morte, e não a prisão. Pedro não argumenta que o assassino não devia sofrer simplesmente porque não havia nenhum homem presente que agisse como executor designado por Jeová. Nos dias de Pedro, as autoridades devidamente constituídas da comunidade eram aqueles que infligiam o sofrimento ou o castigo ao assassino, e Pedro não levanta objeção a tal costume.
O apóstolo Paulo também parece assumir a mesma posição, apenas que a expressa de forma muito mais explicita. Atos 25:10, 11 declara: “Paulo disse: ‘Estou perante a cadeira de juiz de César, onde devo ser julgado. Não tenho feito nenhuma injustiça aos judeus, como tu mesmo estás descobrindo muito bem. Se, por um lado, sou realmente delinqüente e tenho cometido algo que mereça a morte, não me escuso de morrer; se, por outro lado, não existe nenhuma dessas coisas de que estes homens me acusem, nenhum homem me pode entregar a eles como favor. Apelo para César!’” Queira notar que aqui, ao ficar em pé perante o trono de julgamento de César, a devidamente constituída autoridade comunitária, e não um executor designado por Jeová Deus, Paulo deixou registrada sua afirmação de que, se tivesse feito algo merecedor da morte, não suplicaria para não morrer. Isto por certo parece significar que Paulo considerava as autoridades civis apropriadamente constituídas como tendo poder de infligir a sentença de morte. Ao invés de argumentar que tal tribunal humano tinha este poder, ele parecia indicar que realmente tinha o poder e que não levantaria objeções de que tal poder fosse usado contra ele se tivesse cometido algo merecedor de morte; e, por certo, o assassinato é algo que torna quem o comete digno de morte, segundo a lei de Jeová, bem como a lei do homem.
Por isso, não parece haver qualquer violação dos princípios bíblicos em a comunidade executar um assassino. Até mesmo parece que isto é mais bíblico do que destinar o assassino durante a vida toda a ser alimentado, vestido e cuidado às custas da comunidade, havendo sempre a possibilidade de que o assassino aumente sua lista de crimes por assassinar outro prisioneiro, ou por matar guardas numa tentativa de fuga, ou por fugir e matar outras pessoas do lado de fora. No costume das nações de executar a pena de morte não parece haver nada que contradiga a lei de Deus, e, no caso em que a lei do país realmente não colida com a lei de Deus, não suscitamos nenhuma objeção particular contra ela.
[Nota(s) de rodapé]
a The Rise of Christianity, de Ernest William Barnes, págs. 300, 333.
b Those About to Die, de Daniel P. Mannix, págs. 135, 137.