A descoberta ímpar da penicilina
CADA vez que respira, come, bebe, cheira ou toca em algo, os mecanismos de defesa de seu corpo funcionam de modo a protegê-lo da possibilidade de bactérias prejudiciais penetrarem em sua corrente sangüínea. Milhões de glóbulos brancos, que flutuam na corrente sangüínea, literalmente atacam, tragam e digerem quaisquer invasores prejudiciais. Mas, apenas nas gerações recentes se passou a entender claramente a maravilhosa patrulha sanitária do corpo.
Antes de nosso século, feridas cirúrgicas infetadas eram a causa de muitas mortes hospitalares. Começou-se a compreender que as bactérias que conseguem penetrar na incisão feita pelo cirurgião envenenavam a corrente sangüínea. Equipamento cirúrgico contaminado, vestes e mãos não lavadas se tornaram suspeitos. Salvaram-se vidas à medida que equipamento esterilizado, métodos higiênicos e anti-sépticos se tornaram método padrão no processo operatório. Substâncias químicas tais como o ácido carbólico (fenol), lisol e iodo foram usados para impedir a proliferação de bactérias. Mas tais descobertas apenas tiveram êxito parcial, visto que os anti-sépticos só freavam o crescimento das bactérias fora do corpo.
A maior necessidade dos médicos, contudo, era descobrir um anti-séptico interno capaz de destruir as bactérias depois de se terem estabelecido dentro do corpo, mas sem prejudicar o paciente. Poder-se-ia encontrar tal anti-séptico interno?
O Mundo dos Microrganismos
Uma colherinha de solo fértil contém milhões de bactérias e mofos que continuam multiplicando-se. Entre eles mesmos trava-se uma luta infindável pela existência. Algumas bactérias tremendamente agressivas, a fim de matar seus competidores, soltam diminutas quantidades de veneno mortífero. É este veneno que é chamado de antibiótico. Assim, quando se isolam, de diferentes tipos de bactérias, diferentes venenos, obtém-se uma variedade de antibióticos.
Suponhamos, à guisa de exemplo, que certas bactérias invadam o seu corpo. Atualmente, pode ser um processo relativamente fácil prescrever determinado antibiótico para sua doença. Mas, até em fins da década de 20, a idéia de se isolar determinado antibiótico das bactérias e injetá-lo na corrente sangüínea como seguro anti-séptico interno foi rejeitada pela classe médica inglesa. Pensava-se em geral que não existia nenhuma substância que atacasse as células das bactérias sem prejudicar as células humanas ao mesmo tempo. Um médico, porém, persistiu em pensar de forma diferente.
O escocês Alexander Fleming passou quase a vida inteira como médico em Londres, estudando os problemas da infecção e do uso de anti-sépticos. Em 1922, fez notável observação. Pegou um tubo de ensaio que continha água misturada com bactérias inofensivas que deixavam leitosa a água. A isto, adicionou apenas uma lágrima humana. Em questão de segundos, a substância leitosa clareou! Era óbvio que, nas lágrimas humanas, havia uma substância química capaz de destruir as bactérias, com surpreendente velocidade. Ele a chamou de “lisozima”, porque podia “lisar”, isto é, dissolver, as bactérias.
A lisozima, contudo, resultou desapontadora, visto ser eficaz contra micróbios inofensivos, mas impotente contra os causadores de doenças. Tal descoberta, contudo, era altamente benéfica, visto que indicou a Fleming um princípio inteiramente novo na luta da humanidade contra a doença — a destruição de bactérias pelo uso duma substância química inócua. Preparou-o para um incidente similar, seis anos depois.
Momento Histórico da Descoberta
Em 1928, em seu laboratório, em frascos rasos de vidro, Fleming cultivava estafilococos, as bactérias que causam furúnculos. Um velho amigo, chamado Pryce, passou ali para vê-lo. Algo que iria significar a diferença entre a vida e a morte para multidões de pessoas estava prestes a ocorrer. Enquanto conversava com Pryce, Fleming removeu as tampas de várias de suas culturas. Subitamente, parou de falar. Depois de observar certa cultura, por um instante, ele disse em seu costumeiro tom de voz despreocupado: “Que engraçado . . .” Naquela cultura proliferara o mofo, como de costume. Mas, por toda a volta do mofo, as colônias de estafilococos tinham sido dissolvidas. Ao invés de formarem massas amarelas opacas, pareciam gotas de orvalho.
Fleming concluiu que algo produzido pelo mofo estava disseminando as bactérias e dissolvendo-as. Hoje em dia, sabemos que esse algo era a penicilina, uma droga que iria revolucionar a medicina. A chegada do próprio esporo correto, que caiu do ar e no correto caldo de cultura, poderá ter sido o maior de todos os acasos.
Em seguida, Fleming cultivou uns mofos azul-esverdeados (similares aos que aparecem nas laranjas, em pão velho, em queijo sazonado, em frutas em decomposição) na superfície de um molho líquido de carne. Absorveu a nutrição e disseminou seu antibiótico. Depois de vários dias, foi filtrado como um caldo cru que Fleming então chamou de penicilina.
Num tubo de ensaio, seu caldo de mofo destruía bactérias causadoras da gonorréia, meningite, difteria e pneumonia. E, o mais importante de tudo, era inócuo para o homem! Fleming sugeriu à classe médica que ali poderia estar o anti-séptico ideal. Suas assistências responderam com gélida indiferença. Nutriam fortes idéias de que quando as bactérias se estabeleciam por si mesmas dentro do corpo, estavam fora do alcance de todas as substâncias químicas.
Visto que Fleming e seus assistentes não dispunham do know-how para cuidar dos problemas químicos envolvidos no isolamento e na purificação da penicilina, virtualmente nada mais se fez em favor de seu desenvolvimento por mais de oito anos. Parecia que a penicilina estava destinada a ser esquecida.
Isolada a Penicilina
Em 1939, devido mormente às doenças que os soldados contraíam no campo de batalha, dois cientistas, formados em medicina e em química, Howard Walter Florey e Ernst Boris Chain, juntaram-se na Inglaterra numa tarefa de pesquisar o antagonismo das bactérias. Sua pesquisa os levou aos papéis de Fleming sobre a lisozima e a penicilina. Logo trabalhavam com seu caldo de mofo e, depois de repetidos fracassos, a evasiva substância química foi finalmente produzida em estável forma de pó.
Houve muita excitação quando quatro camundongos infetados foram curados. Daí, em 1941, o primeiro humano foi tratado com êxito. Como relatou certo cientista, “a resposta à penicilina foi considerada quase que milagrosa”. Demonstrou-se que a penicilina podia ser diluída 120 milhões de vezes e ainda continuava eficaz contra as bactérias. Isto era quase incrível!
Devido aos problemas da guerra, Florey, com seu precioso mofo, transferiu-se da Inglaterra para Peoria, Ilinóis, EUA. O mofo de Fleming era inapropriado para a produção em massa de penicilina. Depois de muito ampla pesquisa, Mary Hunt, de Peoria, que assistia o Dr. Kenneth B. Raper e que recebera o título de “Mouldy Mary” (Maria do Mofo), encontrou um mofo apropriado de um cantalupo podre. Os descendentes de seu mofo se tornaram, desde então, a principal fonte da penicilina. Não demorou para que a penicilina entrasse em plena produção em muitos países, e Fleming, Florey e Chain receberam o Prêmio Nobel de medicina em 1945.
Mistério não Solucionado
“Que engraçado!” foi a exclamação usada por Fleming em 1928, para indicar que aquilo que ele via em seu frasco de cultura dificilmente tinha explicação. Parece incrível que muitas tentativas, feitas por numerosos cientistas, inclusive o próprio Fleming, jamais tiveram êxito em conseguir que a mesma coisa acontecesse de novo! “É bem um dos acidentes mais fortuitos que já ocorreram na medicina”, comentou Lorde Florey. Trinta e seis anos depois, o professor Ronald Hare, no esforço de solucionar esse mistério, conduziu uma série elaborada de experiências e confirmou que o que aconteceu no laboratório de Fleming tinha de ser algo muitíssimo excepcional.
Em 1971, Sir Ernst Chain resumiu o então conceito científico:
“O fenômeno que Fleming observou parece simples e bastante direto, mas, na realidade não é, e poucas pessoas estão cônscias e compreendem sua complexidade, e o fato de que fora necessária a coincidência de várias circunstâncias muitíssimo incomuns para tornar possível tal observação.”
Outros expressaram o conceito de que Fleming interpretou mal e não compreendeu o que viu, em sua lâmina de laboratório, e que poderia não ter acontecido do jeito que Fleming pensou que acontecera. Se se expressam dúvidas quanto a quem realmente descobriu a penicilina, quando e como, o resultado final permanece — trata-se duma droga verdadeiramente notável, salvadora, para a medicina.
Riscos da Penicilina
No caso de pessoas não-sensíveis, a penicilina possui bom registro de estar isenta de efeitos colaterais, mas algumas pessoas suscetíveis estão sujeitas a erupções da pele ou a dificuldades de respirar. Alguns indivíduos sofrem uma espécie de choque e alguns morreram. Não se trata de uma panacéia. Há muitas moléstias comuns sobre as quais ela não tem nenhum efeito, inclusive o resfriado comum, visto que os antibióticos não produzem efeito sobre infecções causadas por vírus. São eficazes apenas contra infecções bacterianas. Mas Science World (Mundo da Ciência), de 10 de janeiro de 1980, comentou que muitos médicos prescrevem antibióticos apenas por “medida de segurança e para impedir a infecção bacteriológica antes que ela ocorra”.
Graças à sua reputação, muitos pacientes simplórios solicitam a penicilina, por crerem que ela lhes traga alívio imediato, e, infelizmente, há médicos que a prescrevem com demasiada facilidade. “Eu não ministraria penicilina sem fazer uma cultura”, aconselha o Dr. James Smith, professor-adjunto de medicina interna da Faculdade de Medicina do Sudoeste da Universidade do Texas, EUA, e chefe do departamento de doenças infecciosas no Hospital da Administração dos Veteranos de Dallas. As autoridades médicas avisam que, do ponto de vista da população como um todo, a utilização ampla e desnecessária da penicilina é muitíssimo indesejável visto que incentiva o surgimento e a disseminação de bactérias antes destruídas pela penicilina, mas agora resistentes a ela. “Se o uso de antibióticos continuar a sofrer abusos, iremos pagar um tributo”, comenta o Dr. Stanley Falkow, professor de microbiologia e de medicina da Universidade de Washington, EUA. “Não podemos estar certos de que sempre iremos dispor da apropriada droga alternativa”, disse ele, quando comentava sobre vários supergermes que agora são resistentes aos antibióticos. Alguns especialistas em medicina a prescrevem estritamente apenas quando necessária — e isso não ocorre com freqüência. Em alguns países, é agora considerada como uma das drogas de último recurso. Jamais deveria ser tomada, exceto por recomendação médica.
A imensa força da penicilina em destruir as bactérias responsáveis por numerosas infecções que ameaçam a vida, junto com sua capacidade de fazê-lo sem interferir com os mecanismos de defesa do corpo, a tornam uma das drogas-maravilhas da atualidade. Exatamente como a humanidade veio a deparar com ela é algo ímpar. Ninguém realmente sabe como isso aconteceu!