Amor Pela Verdade
Segundo relatado por David Wiedenmann
NAO É fato que as pessoas que têm amor natural pela verdade estão mais prontas a mostrar interêsse pela verdade bíblica? Quanto mais esfôrço fizerem nesta direção, tanto mais amor desenvolvem por ela, e, algum dia, com a ajuda de Jeová, descobrem que a verdade as libertou dos laços dêste mundo mau que perece. (João 8:32) É natural que tenham de vigiar e lutar muito para permanecer nesta condição feliz e aprofundar a sua apreciação pela verdade. Com isto em mira é vital que a pessoa cultive e preze tal amor pela verdade. Esta tem sido a minha experiência, e, quando recordo os vinte e cinco anos passados, vejo-os como se fôsse uma película cinematográfica projetada perante os olhos da minha mente.
Não muito distante de uma pequena cidade antiga da Suíça, com o seu castelo imponente e quatrocentos habitantes, meu pai, já aposentado do serviço, estabelecera-se para passar o resto da vida numa agradável casa de campo. Como eu era o filho mais jovem e recém-casado, morava na mesma casa, ajudando a cobrir as despesas. O nosso lar confortável estava cercado de canteiros de flôres, de horta, de pomar e havia um riacho de águas claras ao longo da extremidade do leste.
A VERDADE BATE À MINHA PORTA
Um sábado à tarde, eu estava profundamente absorto no jardim — minha ocupação favorita. Um homem na rua se aproximou da cêrca do jardim e trocou comigo algumas palavras amistosas: “Que lugar agradável e tranqüilo é êste, e quão maravilhoso há de ser, quando a terra inteira fôr semelhante a êste jardim, e tôdas as pessoas gozarem das maravilhas da criação de Jeová em paz, união e felicidade eterna.” “A sua fantástica descrição não é má”, repliquei, “mas, por melhor que pareça, prefiro um ponto de vista realístico, e gosto da verdade como ela nos é apresentada”. Esta palavra-chave “verdade” foi imediatamente destacada por êsse homem, êle abriu a pasta e tirou dela um livro — sim, a Bíblia — e leu João 17:17. Naturalmente, eu aceitei a explicação, dêste texto que êle me deu, visto que eu era um protestante freqüentador assíduo de igreja.
Durante a conversa êle tocou num ponto sensível. “Admite certamente que é a verdade. Ora, até mesmo os círculos protestantes quase pararam inteiramente de protestar contra o ensinamento antibíblico do catolicismo”, disse êle. Fiquei um tanto irritado, tentei defender a minha “igreja” e, sem querer, exaltei-me. Os vizinhos começaram a olhar pelas janelas e a falar baixinho no ouvido um do outro, e minha espôsa, finalmente, abriu a porta e chamou-nos: “Por favor, entrem, se é que precisam conversar. Realmente, não é necessário que tôda a vizinhança escute o que estão discutindo.”
Fiquei surprêso de que o homem, que era um “estudante da Bíblia” (hoje conhecidos como testemunhas de Jeová), se prontificou a entrar na sala de estar. Entrou em pormenores, mostrando-me muitos textos bíblicos e comentando-os, A maioria dêstes eu desconhecia, e, embora fôssem intrigantes, também endurecerem a minha resistência, porque nós protestantes possuíamos a Bíblia, e esforçavamo-nos ao máximo para viver em harmonia com ela. Concluindo, êle me colocou na mão A Idade de Ouro [agora Despertai!] e incentivou-me a ler atenciosamente um artigo especial e a dizer-lhe a minha opinião sôbre o assunto na sua próxima visita. Concordei, porque já tinha resolvido que ia estudar esta questão de modo cabal, a fim de poder dizer-lhe a verdade a respeito disso.
Uma semana mais tarde, houve uma batida na porta e minha espôsa me chamou: “O estudante da Bíblia está aqui novamente.” Eu estava muito confiante, visto que com muito esfôrço havia colhido vários textos bíblicos para rebatê-lo. Havia uma certa convicção na minha voz, senão completo triunfo, quando comecei a apresentar as minhas provas bíblicas. O estudante da Bíblia escutou calmamente e começou então a examinar cada texto. Será possível que eu não tinha entendido alguns dos textos segundo os contextos? Eu começava a ficar mais desconcertado e até enxugava furtivamente a transpiração da testa. Evidentemente êle compreendeu a minha situação embaraçosa, pois fêz-me sentir mais à vontade, elogiando-me de ter tomado tempo para chegar ao fundo das verdades bíblicas e mostrando que é de grande valor entender e defendê-las. Êle deixou comigo exemplares de A Sentinela e A Idade de Ouro.
Continuaram as visitas, mas não com tanta freqüência como antes, visto que eu estava ocupado com a compra de uma nova e moderna residência que seria mais próxima do local de meu trabalho. Por outro lado, freqüentava a igreja com mais assiduidade, mas não mais com a mesma mentalidade. Eu estava pronto a examinar e observar com mais exatidão e fazer comparações com a Bíblia, pois queria agora saber o que era realmente a verdade. Comecei a notar certas contradições. Se tínhamos um “bom ministro”, como havia prontamente declarado nas nossas palestras, por que não nos dava uma explicação clara sôbre a trindade, a alma imortal, o motivo pelo qual Deus permite o mal, e assim por diante — tanto mais, visto que o estudante da Bíblia morava ao lado da casa dêle e tinha muitas vêzes falado com êle sôbre êstes temas
Embora a mudança para a casa maior tomasse muito do meu tempo, o amor pela verdade começava a criar raízes. Isto não ficou alterado com a chegada de meus sogros. Até prometi ao meu amigo estudante da Bíblia que o acompanharia ao seu pequeno local de reuniões. Com muita modéstia, êle explicou que havia bem poucos que se reuniam num “bom porão” na pequena cidade. Assim, fomos os dois. Era realmente um aposento bem arrumado. Sem querer, lembrei-me das catacumbas em Roma, usadas pelos primitivos cristãos, embora, naturalmente, não houvesse uma comparação real. De qualquer forma, senti-me imediatamente à vontade entre as oito pessoas que se reuniam, e percebi que o espírito de Jeová prevalecia, do contrário eu teria provàvelmente recuado.
O AMOR PELA VERDADE VENCE OS OBSTÁCULOS
Alguns meses mais tarde — era uma bela tarde de domingo e eu estava confortavelmente sentado numa cadeira de preguiça à sombra no terraço. Estava lendo o livro Reconciliação. “Será possível?” pensava eu. “Tem Deus realmente feito tanto, de modo tão altruísta, para os descendentes pecaminosos de Adão, entregando o seu mui amado Filho à morte na terra, de modo a abrir o caminho da reconciliação entre Êle e as pessoas arrependidas?” Com efeito, estava ali, explicado bìblicamente e de vários ângulos. Não restava mais dúvida. Jeová realmente revelou e confirmou o seu imensurável amor para conosco muito antes que o pensássemos ou fizéssemos algo a respeito. Compreendi que já era mais que tempo de eu amar, “porque ele nos amou primeiro”. (1 João 4:19) Ou eu tinha que me devotar de todo o coração a Jeová Deus ou infringir completamente e continuar a viver segundo os caminhos do velho mundo.
A minha decisão já estava feita profundamente no coração. As perguntas ansiosas de outrora: O que acontecerá à minha boa colocação? à minha nova residência? aos meus numerosos parentes? aos meus clubes? haviam sido respondidas mediante o incrementado conhecimento da Bíblia, acompanhado de um profundo amor pela verdade. Com a Bíblia e o livro Reconciliação na mão, apressei-me a ir ter com a minha espôsa na sala de estar, expliquei-lhe alegremente alguns dos principais pontos e concluí dizendo: “Hoje vou escrever pedindo demissão da igreja protestante.” Como era de se compreender, isto foi um choque para ela. Até então ela pouco se interessara em questões da igreja, e, agora, tôdas as perguntas que eu me vinha fazendo surgiram na mente dela.
Consegui consolá-la, mostrando-lhe que certamente continuaria a ser para ela um bom marido, o que é meu dever segundo a Bíblia. Foi grande a minha alegria quando ela começou a fazer perguntas bíblicas nas semanas seguintes, revelando assim que vinha lendo as publicações da Sociedade, e, certo dia, ela perguntou: “Posso ir com você à reunião?” “Não há outra coisa que eu mais gostaria!” foi a minha resposta.
AS REAÇÕES À NOSSA DECISÃO
Meu afastamento da igreja protestante foi seguido de minha retirada do côro masculino, do clube de bicicletas e de minha espôsa se retirar do côro feminino. Veio a tempestade! O vice-presidente do meu côro veio visitar-me. Mui amistosamente, contudo com o objetivo definido de “fazer-me recobrar o juízo”, proferiu um discurso como colega. Certamente, a intenção era boa. Dei-lhe testemunho do passo que tinha dado e por que estava plenamente decidido e não indeciso. Êle ficou espantado; isto êle não esperava, e tentou mitigar a situação por dizer: “Oh, mas com essas idéias você poderia ter uma influência construtiva sôbre os outros membros.” Mas como poderia eu continuar a atribuir a “salvação” às instituições feitas pelo homem, como freqüentemente se fazia naqueles hinos?
Daí, meu idoso pai veio a mim, êle próprio um veterano tanto no clube como no côro, e os problemas foram considerados e encarados de todos os ângulos. “Sabe o que o regente me perguntou? ‘Desde quando é que o seu filho David ficou louco?’” Expliquei-lhe que esta e outras hostilidades similares não podiam ser evitadas, Jesus teve de suportar mais que isso. Embora meu pai não chegasse a entender o pleno sentido da verdade, as suas últimas palavras foram: “Estou certo de que o que você está fazendo é correto.”
AGÜENTANDO AS TEMPESTADES NO SERVIÇO
Agora era a vez do meu gerente. Mandou-me chamar, no seu gabinete. Nunca lhe falara nem o vira antes em tão grande agitação mental. “Quando o gerente-geral ouvir que você se uniu aos estudantes da Bíblia, você será mandado embora.” “Talvez isso aconteça”, foi a minha resposta. “Tomei tudo isso em consideração, mas estou também convencido de que Jeová continuará a prover-me o pão de cada dia.” “Quem lhe dá o pão? A emprêsa é que lhe dá o salário e o pão”, respondeu o meu gerente. Mas os empenhos dêle de me intimidar foram infrutíferos.
Algumas semanas mais tarde, estava diàriamente em contato com o gerente-geral no serviço. O que havia acontecido? Êste homem, que costumava impor as suas exigências de modo dominante, manifestou tal gentileza que me surpreendeu. Novamente o meu chefe mandou-me chamar no seu escritório e me disse: “O gerente-geral sabe de tudo, e êle respeita a sua atitude.” Tinha todos os motivos para ser grato.
CONGRESSO INTERNACIONAL, 1936
Com crescente conhecimento da verdade, a nossa alegria durante as reuniões e o nosso serviço aumentava. As visitas periódicas de irmãos do escritório filial da Tôrre de Vigia em Berna, para dar discursos, acrescentavam a nossa alegria. Estando então próximo o congresso internacional de 1936 em Lucerna, tivemos o privilégio de mostrar hospitalidade a pioneiros de países orientais. Um jovem casal sempre alegre de pioneiros da Iugoslávia, o irmão e a irmã Platajs, ficaram hospedados em casa. As experiências alegres dêles no serviço do Reino e a sua dedicação fiel e altruísta a Jeová, causaram em nós uma profunda impressão. (Mais tarde o irmão Platajs sofreu morte violenta por cansa da verdade, às mãos de terroristas nazistas.) Alguns dias mais tarde, viajamos para ir ao memorável congresso, onde tivemos o privilégio de simbolizar pùblicamente, mediante imersão em água, a dedicação que já havíamos feito no coração. As diversas detenções da polícia causadas pela intolerância dos sacerdotes católicos e as dificuldades com as autoridades locais culminaram com a proibição do amplamente anunciado discurso público do irmão Rutherford, que só podia ser realizado como reunião de portas fechadas das testemunhas de Jeová.
As fôrças policiais cuidaram bem para que o público não entrasse no salão. A praça em frente do Kongresshaus estava cheia de pessoas de boa vontade. Não se permitiu o uso de alto-falantes, contudo a maioria destas pessoas, indignadas com as medidas tomadas pela polícia, esperaram quieta e ordeiramente por uma hora e meia até sairmos do salão e lhes darmos algumas informações sôbre os pontos abordados no discurso, bem como publicações. Tudo isso não diminuiu o nosso amor pela verdade. Ao contrário, incentivado com o encorajamento recebido durante o congresso e dos pioneiros, perguntei à minha esposa: “Julgando que mais tarde ficaremos livres de nossas obrigações para com os nossos sogros, acha que poderíamos renunciar à nossa posição segura e à nossa casa para nos devotarmos inteiramente ao serviço?” “Sim, por que não?” replicou minha espôsa. “A casa e o jardim tomam tanto tempo que poderia certamente ser usado de modo mais proveitoso na obra de pregação.” Êste conhecimento em si mesmo encheu meu coração de alegria.
A PORTA PARA O SERVIÇO DE PIONEIRO
Decorreu um ano e meio. Eu e minha esposa estávamos sòzinhos na nossa casa grande. Meu sogro, doente já por algum tempo, falecera e minha sogra desejava viver o resto dos seus anos com o seu irmão enviuvado. Ainda não tínhamos filhos, o que nos era até certo ponto uma tristeza, visto que gostamos de crianças. O que então nos podia impedir de pôr em prática, com a ajuda de Jeová, aquilo que nos parecia a coisa mais preciosa — o serviço de pioneiro? Imediatamente, contudo com cuidado e com oração, pesamos os prós e os contras do nosso projeto teocrático. De que outro modo, o poderia ser? Fizemos a nossa decisão!
Durante uma viagem de negócios informei o meu gerente sôbre os meus planos. Ele ouviu calmamente e daí apresentou alguns argumentos que, do ponto de vista humano, poderiam fazer-me mudar de idéia. Mas a nossa decisão estava baseada na Palavra de Deus, e com a ajuda de seu espírito e amor pela verdade pudemos ficar firmes. Encontrei um comprador para minha casa; e na manhã de nossa partida para Paris via Berna assinou-se a escritura.
SERVIÇO DE PIONEIRO NA FRANÇA
Os irmãos em Paris nos deram uma calorosa acolhida. O escritório nos designou o Département Hautes-Pyrénées, e alguns dias mais tarde, partimos de Paris com o irmão Hausner, um pioneiro tcheco que se uniu a nós, e viajamos juntos para o nosso destino. Tínhamos de nos reunir a outro pioneiro, o irmão Riet, em Tarbes, a principal cidade do département. Ao chegarmos lá, arrumamos um pequeno quarto mobiliado. Que diferença da nossa casa limpa e bem organizada! Mas havíamos tomado isso em consideração, bem como a mudança na alimentação. Sem mais perda de tempo, pusemo-nos a pregar as boas novas, que nos trouxe muito mais alegrias do que o nosso anterior serviço limitado.
“Que é que há com você, querida? Por que está tão irrequieta?” perguntei à minha espôsa um tanto ansioso. “Oh, nada de especial; só estou com um pouco de coceira”, respondeu ela. Acendi a luz e, oh! bichinhos vermelhos que nunca antes tínhamos visto começaram a fugir apressadamente. Ora, na nossa ignorância, não contávamos com êstes. Limpamos os lençóis e colocamos os quatro pés da cama em vasilhas cheias de petróleo. Assim os manteríamos afastados, pensamos nós. Mas como estávamos enganados! Durante a noite, subiram pelas paredes e, provavelmente guiados pela nossa respiração quente, deixaram-se cair seguramente sôbre a nossa cama. Mas o irmão Riet, que tinha mais experiência com êsses visitantes, deu-nos bons conselhos. Êles não gostam de samambaia colocada debaixo do colchão. Descobrimos que era assim, e logo estas criaturas intrusas nos viraram as costas.
Mal acabávamos de nos recobrar, dêste pequeno transtôrno, quando recebi intimação para me apresentar à préfecture. O agente me recebeu de modo um tanto rude e disse: “Não disse o senhor que era turista, dando como referência uma firma mundialmente afamada? Descobrimos agora que está procurando colocar livros religiosos com os habitantes dêste lugar.” Eu repliquei: “Eu não faço esta obra para lucro comercial, mas estou empregando o meu tempo livre de modo útil, a fim de ajudar as pessoas sinceras a ganhar conhecimento das confortadoras verdades bíblicas.” Êle me pediu que lhe desse dois livros, e fui posto em liberdade provisòriamente, com a forte recomendação de não continuar a minha obra. Êles me intimariam de nôvo. Tampouco isto eu tinha calculado — pelo menos não tão depressa. Será que teríamos de parar a nossa obra tão recentemente iniciada e correr o risco de sermos deportados do país? Foi com grande tristeza que nós quatro fizemos o nosso relatório desagradável ao escritório em Paris. Oramos fervorosamente a Jeová para que guiasse as autoridades de modo que decidissem favoràvelmente a nosso respeito. Não aconteceu nada. Os dias passaram. A nossa tensão aumentava. Daí, finalmente, chegou um policial com nova intimação. Com sentimentos diversos fui à préfecture, após ter pedido a orientação de Jeová. O mesmo agente me recebeu e a expressão facial mudada dêle me encheu de coragem. Êle me devolveu os dois livros e disse sorridentemente: “Pode continuar a trabalhar nas ‘suas horas livres’ com uma condição que volte cada noite a Tarbes.” Meu coração transbordava de alegria e meus pés pareciam não estar quase tocando o chão ao passo que cobria a distância até chegar em casa. Quão felizes e gratos nos sentimos todos ao nosso Pai celestial, cuja orientação havia sido tão manifesta!
Após isso, tivemos muita alegria e muitas bênçãos semeando a verdade e fazendo revisitas. Sim, eu e minha companheira concordamos que vivíamos o tempo mais feliz de nossa vida. O nosso amor pelo nosso Pai celestial e pelo seu Filho amado tornou-se grandemente fortalecido mediante estas experiências.
VENCIDAS MAIORES DIFICULDADES
Certo dia, após trabalharmos numa aldeia vizinha, reunimo-nos num campo aberto para tomar juntos a nossa refeição do meio dia. Era um dia ameno do outono. Víamos de um lado a outro os lavradores dirigir as suas carroças através dos campos, a maioria carregando fuzil, a fim de que pudessem atirar em gansos silvestres e em outros animais, ao surgir a oportunidade. Observamos um dêsses jovens lavradores ao se dirigir êle em nossa direção. Êle freou; o carro parou. Êle tirou o fuzil do ombro e pulou do carro. Um tiro, e o homem caiu por terra. Uma mulher se pôs a gritar histèricamente, e nós, tomados de sobressalto, corremos junto com os outros lavradores para o local do acidente.
“Posso ajudar em alguma coisa?” perguntei. “Oh, sim, o senhor tem carro. Eis aqui o endereço do médico na cidade mais próxima; por favor, traga-o o mais depressa possível.” Deixando os meus três companheiros para trás, dirigi-me à cidade. O médico apressadamente apanhou a maleta e seguiu-me no seu próprio carro. Infelizmente, era tarde demais.
Dois dias mais tarde, às cinco horas da manhã, houve fortes batidas na porta. “Abra; é a polícia. Acompanhe-nos imediatamente.” Vesti-me depressa e abri a porta. Dois policiais estavam à minha espera para me levar à Gendarmerie Nationale. Ali, após meia hora de espera, fui apresentado ao agente da polícia. “Onde estavas anteontem a tal e tal hora?” foi a primeira pergunta. “O que estavas fazendo nessa hora?” Tive de responder a uma pergunta após outra, e quanto mais se prolongava a entrevista, tanto mais gentil se tornava o agente. Após vinte minutos, fui introduzido a outro quarto, onde, para a minha surpresa, encontrei o irmão Riet. Mal haviam passado cinco minutos e apareceu o irmão Hausner após um breve interrogatório. Fomos despedidos sem receber nenhuma explicação quanto a se isto tinha relação com a morte desditosa do lavrador. Havíamos sido provàvelmente acusados por alguém, mas as nossas declarações correspondentes frustraram a conspiração. Não podíamos prever que vantagens êste contato íntimo com a polícia nos iria trazer.
Daquele tempo em diante, começamos a visitar primeiro as agências da poli̇́cia no nosso grande território e a oferecer-lhes a nossa literatura bíblica. Queríamos dizer com isso: “Agora sabem que estamos aqui.” Sim, ficaram conhecendo-nos e não executaram o desejo dos católicos fanáticos e de seus sacerdotes que lhes telefonavam fazendo queixas.
Uma exceção que vale a pena mencionar foi um caso de policiais que, obedecendo às ordens do sargento, vasculharam o meu carro e acharam uma maleta e uma pesada mala. “Abra esta mala”, ordenou o sargento. “Oh, é uma vitrola!” Foi uma grande satisfação para mim tocar-lhes alguns discos. Deu-se um bom testemunho, e a questão foi decidida na mesma hora.
Depois de os irmãos Riet e Hausner partirem para a sua nova designação na Argélia, eu e minha espôsa fomos deixados sòzinhos em Tolosa. A alegria na obra de Jeová não diminuiu, mas aumentou ao passo que encontrávamos muitas pessoas de boa vontade e começávamos a estudar com alguns dêles A Sentinela. Um casal mais idoso dava testemunho entre seus amigos a tôda oportunidade, ao passo que duas pessoas jovens começaram a participar conosco no serviço. Houve boas perspectivas de edificar uma congregação.
Quando fomos à Suíça em princípios de agôsto de 1939, a fim de assistir à assembléia em Zurique, deixamos a maior parte de nossos pertences pessoais com amigos em Tolosa e nos despedimos dêles com um alegre “Au revoir” (“Até à vista”). Mas até o presente não nos temos visto uns aos outros. Mal havíamos atravessado a fronteira quando foi barricada com arame farpado, e começou a Segunda Guerra Mundial com as suas terríveis conseqüências. Soubemos que desde então foram estabelecidas fortes congregações em Tarbes e especialmente em Tolosa.
SERVIÇO ADICIONAL NA SUÍÇA
Apesar de tudo, continuamos o nosso serviço missionário no nosso próprio país, e um ano mais tarde fomos convidados a servir no Betel de Berna. Êste tem sido um grande privilégio, e nos últimos vinte e um anos aqui em Betel pudemos mostrar e fortalecer o nosso amor pela verdade divina em época favorável e em época dificultosa.
Isto provou ser útil para mim numa reunião maior no mesmo salão de congresso em Lucerna, onde o irmão Rutherford havia falado, pois além do meu trabalho em Betel tive a oportunidade de ser servo de distrito. Meu discurso foi amplamente anunciado, mas a Ação Católica não permaneceu inativa. O salão estava lotado até o último assento. Durante os primeiros quinze minutos, nada sucedeu. Daí, ao passo que ia apresentando provas bíblicas de que os sistemas religiosos da cristandade não haviam tomado uma posição contra as duas guerras mundiais, tampouco haviam sido fortemente contra elas, ouviu-se uma voz das últimas fileiras gritar: “Isto não é verdade!” Imediatamente, vários jovens que estavam no centro e na parte do lado do salão reagiram e puseram-se a assobiar. Jeová me deu fôrça para repreender calmamente os perturbadores e exortá-los a permanecerem quietos. E êles atenderam, com a exceção de dois ou três que saíram do salão. Mas, vinte minutos depois, as coisas ficaram mais sérias e começou um “concêrto de assobio”, alguns rapazes ficaram de pé. A assistência os controlou por algum tempo, mas então eu interrompi meu discurso e perguntei a todos os presentes: “Concordam com a conduta dêstes homens?”. Um forte “Não” foi a resposta. “Então, gostaria de sugerir a essas pessoas que não concordam com o que eu digo que ouçam o meu discurso até o fim, e que tomem notas e daí declarem abertamente as suas objeções e as suas perguntas.” Isto teve o desejado efeito, e o discurso continuou até o fim. No término do discurso era comovedor ver grupinhos de jovens em volta de irmãos maduros, que palestraram sôbre a verdade com êles, e vê-los aceitar literatura e sair ordeiramente do salão até um pouco envergonhados. Vários dêles assistiram ao resto do programa de discursos.
Betel continua a nos proporcionar uma vida variada, muitos privilégios de serviço, alegrias indizíveis, mas também provações em vários sentidos. Tenho tido repetidas vêzes ofertas tentadoras de emprêgo de meus anteriores empregadores e parentes. Temos perguntado a nós mesmos: “Não seria irracional e extremamente imprudente deixar o caminho da verdade, junto com êle o caminho da vida, a favor de tais coisas passageiras?” Tôdas as vêzes rejeitamos decididamente êstes atrativos. Quem nos dá a fôrça necessária? Jeová, nosso bondoso Pai celestial que nos tem conduzido no seu amor. Amamos a sua verdade, e é nosso desejo de todo o coração que, com a sua ajuda, jamais o percamos.