‘Por causa do teu nome me guiaste’
Conforme narrado por Bert Horton
HÁ PERÍODOS na vida de cada pessoa que se destacam. Nem sempre trazem alegria, pois às vezes trazem o oposto. Eu atravessei um período assim no ano 1920. Naquele tempo, eu era um homem muito perplexo e angustiado, não vendo cessação da funesta inclinação dos assuntos humanos. O futuro certamente não parecia oferecer-me uma vida contente.
Cria em Deus, segundo meu entendimento. No entanto, a religião, conforme a conhecia, era um tabu para mim. Procurava outra alternativa, mas não achava nenhuma. A política apresentou interesse passageiro para mim, mas não me trouxe alivio real. Então, tornei-me secretário dum sindicato comercial, que eu achava que, de algum modo, absorveria meu descontentamento e me permitiria ajudar meu próximo. No entanto, dois anos disto serviram apenas para confirmar minha conclusão de que nem a legislação nem qualquer ideologia poderiam reabilitar um mundo muito doentio.
O ANO DE 1922
Por volta de 1922, deixaria o cargo de secretário do sindicato, e minha vida se tornou uma espécie de vácuo. Tinha trinta anos, e estava agora empregado como membro duma brigada contra o fogo na Austrália Ocidental, os “antípodas”.
Mas, voltemos à melhor parte da minha história. Com efeito, posso dizer que o ano de 1922 se destaca como um ano maravilhoso na minha vida. Como assim? Porque minha mãe me dera um livro que ela adquirira, intitulado “O Plano Divino das Eras”. Antes de concluir a leitura de tal livro, sabia que achara a verdade! Não mais me sentia deprimido e angustiado. Então podia realmente avaliar as palavras de Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais labutando e que estais sobrecarregados, e eu vos reanimarei.” (Mat. 11:28) Fiquei tão contente de ter dado ouvidos e tão convencido de que aquilo que achara era a verdade que prontamente eliminei todas as minhas antigas associações com a política e o sindicalismo.
Meu serviço secular me dava muito tempo para estudar e absorvi entusiàsticamente todas as boas coisas contidas na Palavra de Deus, apreciando muitíssimo as ótimas ajudas bíblicas fornecidas pela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Conforme estudava, ia falando a meus colegas de trabalho sobre as bênçãos maravilhosas que Deus reservava para o gênero humano, e tive a alegria de dirigir um estudo bíblico bem ali no posto do corpo de bombeiros. Aparentemente, minha ardorosa confissão de fé produziu efeito sobre meus co-trabalhadores, pois, ao passo que se inclinavam a zombar antes, agora escutavam com respeito.
Até este tempo não tinha tido contato com nenhum dos Estudantes da Bíblia, como eram chamadas naqueles dias as testemunhas de Jeová. Mas, daí, certo dia, quando estava de serviço fui visitado por um. Quão contente fiquei de vê-lo! Eu estava com tanta verdade dentro de mim que falei o tempo todo, tendo de contar a ele tudo que aprendera! No entanto, mostrou-se muito compreensível e reconheceu com facilidade que eu era uma pessoa que aprendera recentemente a verdade.
Perguntei se havia quaisquer reuniões dos Estudantes da Bíblia a que eu pudesse assistir. Disse que havia, e assim fui à minha primeira reunião, em que estudavam as publicações intituladas “Está Próximo o Tempo” e “O Mistério Consumado”. Estava entrando numa nova vida e sem reservas me associei alegremente com este pequeno grupo de cristãos sinceros. Que dia feliz foi aquele!
Ao se passarem ràpidamente os meses, minha mãe e irmã também aceitaram como eu as verdades da Palavra de Deus. Então, chegara o momento cruciante de minha vida. Minha apreciação pelo Pai celeste se aprofundara o bastante para que eu visse o grande passo que tinha de dar a seguir. Por conseguinte, junto com minha mãe e minha irmã, seguiu-se meu batismo em símbolo de dedicar a vida a Deus, em abril de 1922. Fomos batizados num ambiente muito primitivo — numa banheira da família na cabana dum mineiro!
AGRADÁVEL ATIVIDADE
Então os anos que passavam não eram mais deprimentes. Ao invés, meu coração era um campo frutífero e minha vocação me dava muito tempo para pregar. As experiências que tinha avivaram minha perspectiva espiritual e senti o estímulo do espírito de Deus de fazer mais. Compreendi que tinha de ser um servo de tempo integral de Deus. Minha decisão recebeu um impulso por um tratado que considerava o exemplo dado por Jesus, de apenas um leproso dentre dez voltar e louvar a Deus, quando curado. Não queria ser como os outros nove que não fizeram isso. — Luc. 17:11-18.
Em tudo isto eu podia ver a orientação de Jeová. O Mestre disse: ‘Ide, pregai’ (Mat. 10:7), e meu Pai celeste me abriu o caminho. Como poderia duvidar disso? Enviei minha petição para pregar por tempo integral à Sociedade Torre de Vigia e recebi a resposta perguntando-me para onde eu queria ir. Respondi: “Para onde me quiserem enviar.” Tratava-se duma comissão tão rara e não poderia ser melhor decidida do que mediante a organização visível de Jeová na terra. Eu estava novamente cônscio da orientação de Deus.
O território a que fui designado para pregar era toda a Austrália Ocidental, cerca de milhares de quilômetros quadrados! Entrei em contato com outro irmão espiritual que já pregava por tempo integral, e decidimos partir como fizeram os discípulos, sem dinheiro ou provisões extras. Durante todo o tempo estávamos cônscios da direção de Deus.
Mas, precisávamos de transporte para aquele vasto território. De onde surgiria? Prezo esta parte da minha história porque mostra mais uma vez o cuidado e a orientação de nosso Pai celeste. Uma pessoa que estivera interessada na mensagem da verdade deixara certa quantia de dinheiro na congregação local, para ser usada na pregação das boas novas na Austrália Ocidental. Nossa alegria se tornou ilimitada quando fomos informados de que este dinheiro seria usado para nos fornecer um furgão para o nosso trabalho! Por certo, tratava-se da mão de Deus. Assim, com este apoio maravilhoso, quem ousaria duvidar de Sua orientação? Para mim, isso era como o velo de lã de Gideão, tão molhado do orvalho do céu. — Juí. 6:36-40.
Com um bom suprimento de compêndios bíblicos, partimos e plantamos copiosamente as sementes da verdade. Era o começo de grandes coisas a acontecer, pois, mais tarde, outros irmãos ceifariam os frutos. Cobrimos duas vezes aquele vasto território. Nosso zelo no ministério estava tendo bom efeito, porque encorajou outros irmãos nas congregações espalhadas a dispor de suas vidas ao ministério, por tempo integral.
NOVA DESIGNAÇÃO
Recebi então um convite da Sociedade Torre de Vigia. Estaria eu preparado para levar nosso furgão até Sydney, atravessando a Planície Nullarbor? Essa era uma distância de cerca de 4.800 quilômetros, e tal planície não tinha estradas naqueles dias! Eu só tinha uma resposta: Faria tudo que a organização visível de Jeová pedisse.
Assim, atravessando as trilhas arenosas de Nullarbor, junto com outros dois irmãos, partimos. Os únicos defeitos mecânicos foram molas partidas e algumas cavilhas do chassi. Foi mais do que simples viagem, porque visitamos as congregações pelo caminho e reunimos e recrutamos mais pregadores de tempo integral à medida que viajávamos. Por fim, chegamos na sucursal em Sydney. O que fazer agora? Primeiro de tudo, tive o privilégio de representar a Sociedade no congresso de Melbourne. Daí, fui designado como representante viajante da Sociedade, visitando as congregações e irmãos isolados na Austrália e na Nova Zelândia. Isso exigia extensas viagens.
Nos anos que se seguiram, participei no testemunho de ruas, no testemunho de porta das igrejas, na pregação de porta em porta com a ajuda de fonógrafos, e no trabalho com carros-sonantes. Em ocasiões de campanhas especiais de pregação, diversos dos pregadores de tempo integral e seus companheiros, leais publicadores de congregação, agrupavam-se para testemunhar a localidades especialmente designadas. Ás vezes encontrávamos oposição, mas também sentíamos muita alegria, ao percorrermos o país de alto a baixo.
No ano de 1936 conheci minha futura esposa. Ela tem sido outra bênção para mim, porque tenho tido uma companheira fiel, que luta lado a lado comigo no decorrer dos anos desde então. Tem havido ocasiões em que, no meio de doença e labuta, tivemos de travar uma luta penosa para manter um registro ininterrupto de serviço de tempo integral, mas nosso Pai celeste tem abençoado nossos esforços até este exato momento. Por certo, ele nos guia.
OS ANOS DE GUERRA
E então houve uma mudança. Começou a Segunda Guerra Mundial e o conflito se espalhou até nossa parte do mundo. Como resultado, veio a perseguição. A obra de pregação na Austrália foi proscrita pelo governo. Foram confiscadas as propriedades e invadidos os lares dos irmãos. As publicações foram confiscadas. De maneira que a obra era feita “às ocultas”.
O alimento espiritual no sentido de informação impressa era difícil de ser obtido, mas os irmãos tinham de ser alimentados e Deus se certificou que o fossem. Receberam sua carne espiritual na época devida, e nem sempre por meios ortodoxos. Jeová preencheu a necessidade e a verdade se filtrou por meio de elos humanos como resultado do amor e do serviço cristão.
Perto do fim do ano de 1942, o perigo de guerra se tornou sério, especialmente na parte setentrional da Austrália, visto que estava aberta à invasão. Assim, a Sociedade viu a necessidade de retirar os irmãos das áreas costeiras. Minhas atividades então envolviam fazer arranjos para que os que moravam no interior do país abrissem seus lares para os irmãos do litoral. E os irmãos responderam como um só homem! Sim, todos podiam ser alojados. Embora a invasão não viesse, tal atividade forneceu excelente testemunho para mostrar que, em tempos difíceis, o amor fraternal entre os verdadeiros cristãos abunda.
Sob circunstâncias difíceis, foram organizadas assembléias em 1942. Uma foi realizada num lugar perigoso de Townsville, em North Queensland. O que dizer do local de reuniões? Era impossível alugar salões, de modo que os irmãos vieram com caminhões e machados e desmataram a floresta por vários quilômetros, procurando madeira para construção. Uma pessoa interessada nos forneceu um local e erigimos um salão que podia acomodar a todos sentados.
No entanto, por causa da crítica situação de guerra, a Sociedade sabiamente decidiu que as assembléias por toda a Austrália deveriam ser realizadas nas casas dos irmãos. Ao passo que não usamos então o salão, ainda realizamos nossa assembléia, o programa inteiro. Nem uma só parte foi omitida. Nosso alimento espiritual, e nosso alimento físico, foram transmitidos pelos irmãos de casa em casa!
Depois disso, eu e minha esposa recebemos outra designação no ocidente, enfrentando constantemente a interferência militar e policial, sendo atormentados com ameaças e interrogatórios. Era mui difícil achar alojamentos e amiúde nos expulsavam dos lugares. Todavia, no fim de cada dia nosso Pai celeste sempre achava algum lugar para repousarmos a cabeça, aumentando nossa consciência de Sua orientação, ao trabalharmos para magnificar seu nome e seus propósitos.
E DAÍ BETEL
Até este tempo eu enfrentara muitas mudanças. Mas, então, veio uma que nem sequer imaginávamos. Fomos chamados para Betel, a sucursal da Sociedade Torre de Vivia (dos EUA) na Austrália! Depois de dezesseis anos de pregação de tempo integral e de viagens, ser chamado para a “casa de Deus” se revelou a mudança providencial que nossos corpos necessitavam. Poderíamos permanecer por algum tempo em um só lugar. Também sentimos a necessidade da associação espiritual que Betel provê. Havíamos dispensado muito alimento espiritual, e agora receberíamos muito mais, espiritualmente.
Enquanto estávamos em Betel, o governo eliminou a proscrição de nossa obra. Foi um dia feliz, como se retornássemos do cativeiro. Não havia mais apreensão. Entretanto, as experiências que os irmãos tiveram os fortaleceram e podiam, confiantemente, aguardar as futuras atividades.
Tenho estado em Betel por mais de vinte anos, agora. Têm sido anos apertados e ocupados, ao cuidar de meus deveres no departamento de despacho. Sinto-me feliz de estar aqui em Betel, onde tenho provado o transbordante amor cristão. Sinto-me também grato por sua bondosa disciplina com o passar dos anos. Também, tenho podido, pela bondade imerecida de Deus, cuidar dos deveres como servo de escola e como superintendente numa congregação local.
Embora não mais viaje, Deus ainda me guia e oro para receber para sempre tal orientação. Minha contínua felicidade significará completar meu ministério de louvar a Jeová até o fim, e ir para onde Deus decida me guiar.
Há cartas de recomendação, também; isto é, pessoas que têm sido os frutos do meu ministério nesta época de colheita. Elas, também, adoram a Deus em seu “templo”. Isto tem sido uma bênção indizível para mim, e aumenta meus agradecimentos a nosso Grande Pastor. Emociono-me ao ver quão copiosamente Jeová usa estas cartas vivas de recomendação para partilhar a carga dos ombros mais velhos, carregando aquilo que em breve deixaremos nesta terra. Estão colhendo a semente previamente semeada no campo de cultivo de Deus, e até mesmo que eu fosse apenas um observador, eu me regozijaria. Mas, graças a Jeová, tive também uma parte.
Os anos de 1922 até agora me têm parecido ser menos do que “a vigília da noite”, como declara o Salmo 90:4. Durante esse tempo, tenho colhido grandes bênçãos à medida que procuro a orientação de nosso Pai celeste, cuidando dos interesses do Reino que ele me confiou. Agora, desejo continuar a ser um servo fiel por toda a eternidade, sabendo que o Deus fiel me guiará para sempre. — Sal. 31:3.