Espanha
Espanha! O que lhe faz lembrar este nome? As touradas? A dança flamenga? As pinturas de El Greco e de Goya?
É natural pensar nessas coisas quando se fala da Espanha. É uma terra de caraterísticos bastante variados. O aspecto físico de seu povo dá evidências étnicas das invasões dos celtas e dos mouros no decorrer dos séculos. Além dos diversos dialetos, quatro línguas são faladas ali. As línguas são o espanhol (castelhano), o basco, o catalão e o galego, este último sendo muito aproximado do português. Sem se aperceber, amiúde muitas palavras árabes são usadas, pois grande parte do vocabulário espanhol incluiu tais palavras que os árabes deixaram atrás de si depois de oito séculos de ocupação Árabe da península ibérica.
A Espanha é quase uma ilha, tendo por limite ao oeste o Oceano Atlântico e ao leste, o Mar Mediterrâneo. Essa terra é separada da França e do resto da Europa pela alta cadeia dos Pirineus, que se eleva a mais de 3.000 metros. A parte central da Espanha consiste num elevado planalto, ou meseta, limitado ao norte pela cadeia de montanhas que abrange os impressionantes Picos da Europa, e ao sul, pela célebre Sierra Nevada, com seus cumes cobertos de neve. Fato curioso, a Espanha, depois da Suíça, tem a altitude mediana mais elevada da Europa. Diga-se de passagem, as chuvas na Espanha caem muito mais no norte, embora esse país tenha a pluviometria mais baixa da Europa. É a título justo que se chama “a terra do sol”, motivo por que os turistas da Europa setentrional afluem ali cada ano.
O estudante da Bíblia que vive na Espanha fica impressionado com a grande semelhança da Espanha com a Palestina no que diz respeito ao clima, à geografia e à alimentação do povo. A Espanha possui também seus ‘montes das oliveiras’, e ainda continua a usar o boi e o jumento. Atravessando o país, é corriqueiro encontrar um pastor com seu cão guiando um rebanho de ovelhas e de cabritos, à procura de pastagem. Na época da colheita, ainda se pode ver os lavradores trabalhando nas eiras, expostos ao vento, joeirando o trigo para separá-lo da palha. Em algumas das cidades do sul crescem tamareiras, e há laranjeiras e limoeiros nos jardins e nas praças públicas.
A RELIGIÃO NA ESPANHA
O povo espanhol é basicamente religioso. A maioria crê em Deus, embora grande parte tenha perdido a confiança nos sacerdotes. A guerra civil, que durou desde julho de 1936 até abril de 1939, custou a vida de mais de um milhão de espanhóis. Essa enorme matança manifestou até que ponto são maus os frutos da religião e da política, pois ambos os lados participaram em atos de assassinatos e vingança. O partido Republicano (comunistas, socialistas e liberais) se pôs a matar sacerdotes, freiras e personalidades fiéis à Igreja, ao passo que o partido Nacional (fascistas católicos, sustentados pelo exército) passou pelo país matando os que não eram leais à Igreja Católica Romana.
Essa guerra civil deixou uma cicatriz que ainda é visível na maneira como a geração mais antiga reage à obra de pregação das Testemunhas de Jeová. O católico tradicional, que participou na guerra civil, ou “cruzada”, acha que não se deve permitir que o “erro” tenha a liberdade de se propagar, especialmente num país que tem concordata com o Vaticano. Os principais defensores da Igreja, divididos em facções diferentes (conservadores, progressistas, Opus Dei, etc.), são das classes média e alta da sociedade, cujos interesses e prosperidade materiais estão ligados à manutenção do status que. Entretanto, as pessoas em geral, especialmente nas cidades, são indiferentes à Igreja, procurando-a só para batismos, casamentos e enterros, e indo à missa só ocasionalmente.
Não resta dúvida de que desde o Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, mudou o espírito religioso nesse país católico. Como escreveu o arcebispo espanhol de Madri-Alcalá, em de dezembro de 1965: “O Concílio Vaticano II terminou hoje, deixando à Igreja e ao mundo cristão um novo espírito, um novo humanismo, uma nova esperança e uma nova visão, tanto históricos como transcendentes, do mundo em que vivemos.” Esse “novo espírito” e “nova visão” obrigaram os líderes religiosos e políticos a aceitar mudanças que muitos deles realmente não desejavam, inclusive a Lei da Liberdade Religiosa de 1967. Esta lei mudou completamente a situação da atividade de pregação das Testemunhas de Jeová, e introduziu uma atitude mais tolerante da parte da maioria.
LANÇADAS AS PRIMEIRAS SEMENTES
Depois desta breve análise da Espanha e de sua população, da geografia, história moderna e da religião, consideremos o que o verdadeiro cristianismo tem realizado nesse país. Naturalmente, é bem provável que o apóstolo Paulo, desejando tanto um território virgem que planejou levar as boas novas do Reino para a Espanha, tenha sido a primeira testemunha cristã de Jeová a pregar na Espanha. — Rom. 15:22-29.
Mas, que dizer do século vinte? Bem, na edição de 1.º de julho de 1919 de La Torre del Vigia (A Sentinela em espanhol) apareceu uma carta que a filha mais jovem de uma mulher cristã que vivia na Espanha enviou. A jovem Maria expressava na carta a sua alegria por causa da perspectiva de ir a Paris com sua mãe para “cumprir a missão que Deus confiou a mim e a mamãe”. Não sabemos o nome da irmã, nem da pessoa mencionada numa carta publicada um mês mais tarde na Sentinela em espanhol. Essa carta vinha de uma irmã em Madri que recebera uma carta anônima de um de seus vizinhos católicos. Em parte, a carta rezava: “Cuidado, senõra, caiu num laço. Alguém está vigiando tudo o que faz e não duvide disso. Está negando obediência ao representante de Deus, o Papa, e a seus ministros, calcando aos pés, por meio de suas conversas e mau exemplo, o ministério sagrado que eles representam. . . . Abandone seu empreendimento louco, pois não conseguirá nada. Sugiro amavelmente que renuncie ou vá embora, caso contrário, algo pior lhe poderá acontecer.” É evidente que alguém não estava muito contente com a mensagem do Reino.
Não obstante, as sementes da verdade estavam sendo lançadas na Espanha. O irmão J. F. Rutherford, o segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) estava bem ciente da necessidade de se dar um bom início à obra nesse país. Naquele tempo, havia na Filadélfia, em Pensilvânia, E. U. A., um zeloso irmão espanhol de nome Juan Muñiz. O irmão Rutherford o convidou a ir para a Espanha, e em, fins de 1920 ou começo de 1921, o irmão Muñiz pagou sua própria passagem e embarcou para esse país. Ele era asturiano, do norte da Espanha, e voltou ali para morar com sua irmã. Seu território para testemunho? Os centros mineiros das Astúrias.
Numa carta que apareceu na Sentinela em espanhol, de abril-maio de 1923, o irmão Muñiz explicou que passara quatro dias num povoado dando testemunho a homens que na maioria tinham tendências socialistas. Advogavam uma mudança mundial por meio do socialismo, e ele, por meio do reino de Deus. Um de seus ouvintes concluiu: “A diferença entre ele e nas é que ele tem Deus e nós não.”
Numa outra carta, quase um ano mais tarde, o irmão Muñiz escreveu: “Agora, com o novo governo [a ditadura militar do General Primo de Rivera], totalmente devotado ao clero e ‘com a espada na mão’, isto inspira medo, a menos que nos lembramos das palavras do Senhor: ‘Eis que estou convosco.’ . . . Qualquer que falar ou escrever algo que não seja do gosto do governo ou do clero, . . . vai para a prisão sem causa justificável.” — Mat. 28:19, 20.
O irmão Muñiz que já suportara três anos de solidão, sem contato com nenhum cristão maduro, estava obviamente um tanto deprimido. Visto que necessitava de estímulo, o irmão Rutherford escreveu-lhe perguntando se poderia conseguir autorização para o presidente da Sociedade proferir um discurso em Madri. O irmão Muñiz, porém, não conseguiu, e a visita do irmão Rutherford foi adiada. Mas, em maio de 1924, os dois irmãos se encontraram num hotel em Paris e, depois de considerarem as circunstâncias na Espanha, o irmão Rutherford decidiu que seria melhor dar ao irmão Muñiz uma outra designação. Não demorou muito e ele recebeu uma carta convidando-o a se mudar para a Argentina.
Significa isso que o irmão Rutherford abandonou a obra na Espanha? De forma alguma! Só alguns meses mais tarde, o irmão George Young, que vinha tendo grande êxito na América do Sul, foi designado para a Espanha. Não demorou muito, e foram dados os passos para se iniciar a dar um testemunho em escala nacional.
UMA VISITA NOTÁVEL
Pouco depois de sua chegada à Espanha em 1925, o irmão Young procurou de novo obter autorização para a visita do irmão Rutherford — desta vez com êxito. Foram feitos preparativos para o proferimento de discursos públicos em Barcelona e em Madri, depois em Lisboa, Portugal. O bom êxito desse empreendimento foi devido ao fato de que o irmão Young pediu a ajuda do embaixador britânico que o apresentou às autoridades do governo. Depois de uma demora de alguns dias, o governo concedeu autorização para realizar as reuniões.
Sabendo que não era permissível anunciar os discursos mediante a distribuição de folhas de convites, o irmão Young pôs anúncios nos jornais. A reunião de Barcelona estava prevista para as onze horas da manhã de domingo. Quando a comitiva do irmão Rutherford se aproximou do teatro onde ele ia proferir o discurso, notou diversos agentes da polícia a cavalo, bem como uma guarda especial do governo que estava presente. Quando entrou no camarim perto do palco, o irmão Rutherford encontrou o subgovernador de Barcelona que o cumprimentou cordialmente. Essa autoridade permaneceu no palco no decorrer do discurso inteiro. Havia sido contratado um intérprete qualificado e, para garantir a exatidão, o discurso fora traduzido com antecedência, e ambos leram seu próprio texto, o irmão Rutherford em inglês e o tradutor em espanhol. Não houve nenhum distúrbio e, no fim da reunião, os assistentes foram convidados a deixar seu endereço em cartões. O número de endereços recolhidos foi um total de 702, e a assistência foi de mais de 2.000 pessoas. Os que haviam deixado seu nome e endereço podiam ser visitados para se lhes estimular o interesse nas Escrituras.
O discurso do irmão Rutherford em Madri também tinha sido anunciado na imprensa. Os arranjos ali foram os mesmos que em Barcelona — uma guarda militar do lado de fora do teatro e o subgovernador de Madri dentro. Esse também permaneceu no palco no decorrer do discurso inteiro. Num dos camarotes estava o embaixador britânico. Outras personalidades, inclusive autoridades espanholas, também assistiram à reunido. A assistência em Madri foi de aproximadamente 1.200 pessoas, e umas 400 pessoas entregaram seus endereços.
O irmão Rutherford desejava que seu discurso fosse impresso nos jornais, mas, nessa época, nada dessa natureza podia ser publicado na Espanha sem a autorização do governo. Entretanto, graças a Jeová, abriu-se uma porta para tal publicação da verdade. Após o discurso em Madri, o subgovernador e o irmão Rutherford estavam em Conversação num camarim quando o proprietário de um grande jornal entrou e foi apresentado ao orador. O irmão Rutherford valeu-se da oportunidade para dizer ao intérprete: “Pergunte ao governador se não seria uma boa coisa para o povo da Espanha, se este discurso fosse publicado na imprensa.” Imediatamente, o governador respondeu: “Não tenho nenhuma objeção a isso e não vejo razão por que não deva ser publicado. Acho que é uma boa idéia.” O proprietário do jornal aproveitou esta oportunidade de reportagem exclusiva e, sem dificuldade providenciou-se publicar o discurso em Informaciones de 12 de maio de 1925. De fato, este mesmo artigo foi publicado mais tarde em forma de tratado e distribuído pelo correio em toda a Espanha, o que permitiu que se desse testemunho em lugares isolados.
Em maio de 1925, quando o irmão Rutherford deu seu discurso em Lisboa, um argentino de nome Juan Andrés Berecochea teve seu primeiro contato com a verdade. Desde aquele momento, defendeu a causa da verdade com entusiasmo e infundiu seu interesse nos seus dois filhos jovens, Juan Carlos e Álvaro. Embora esta família tivesse de deixar mais tarde a Espanha por causa da guerra civil, renovou seu contato e sua influência por meio de Álvaro que se tornou missionário formado da Escola Bíblica de Gileade da Torre de Vigia (dos EUA), e, com sua esposa, foi designado em 1953 a servir na Espanha.
ABRE-SE UMA FILIAL
O bom êxito da visita do irmão Rutherford o persuadiu a formar uma filial da Sociedade Torre de Vigia na Espanha, sob a supervisão de George Young. O endereço oficial era o da casa do irmão Eduardo Alvarez Montero, em Madri. A partir de agosto de 1925, a nova filial começou a distribuir uma versão reduzida, de quatro páginas, da Sentinela em espanhol, impressa por uma firma comercial.
O ano de 1925 foi de intensa atividade para o escritório da Sociedade em Madri, com a publicação de 5.000 exemplares de A Harpa de Deus em espanhol e 10.000 exemplares de Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão. Além disso, 247.000 tratados foram distribuídos, inclusive o discurso do irmão Rutherford e o tratado Onde Estão os Mortos? O relatório no fim do ano declarava que a mensagem do Reino “foi divulgada em todas as cidades e povoados da Espanha, também em todas as ilhas Canárias, as ilhas Baleares e nas principais cidades do território espanhol de Marrocos”.
Por volta dessa época (1925-1926), o irmão Young exibia o “Foto-Drama da Criação”, uma produção de dispositivos e de película sonora feita pela Sociedade, que esboçava o propósito divino para com a terra e para com o homem. Também, em junho de 1926, a expansão teocrática veio a incluir o uso do rádio. Duas das maiores estações Radiodifusores de Madri e de Barcelona transmitiram dois dos discursos do irmão Rutherford. Este testemunho alcançou todas as partes da Espanha, bem como os países vizinhos.
Em maio de 1926, durante uma assembléia notável em Londres, Inglaterra, o povo de Deus adotou a resolução intitulada “Testemunho aos Dirigentes do Mundo”. O irmão Young tentou conseguir que fosse publicada na imprensa espanhola, e seus esforços foram finalmente coroados de êxito, quando o texto inteiro foi publicado no jornal La Libertad, em 3 de outubro de 1926. Em adição à impressão normal de 75.000 exemplares, a filial mandou imprimir mil exemplares extras que enviou pelo correio a autoridades governamentais. prefeitos, bispos e cardeais.
OPOSIÇÃO CLERICAL INFRUTÍFERA
Naturalmente, toda essa atividade não passava despercebida do clero, que começou a fazer sentir a sua influência. Diversos irmãos foram detidos pela polícia e sua literatura foi confiscada. Alguns perderam o emprego, outros tiveram de abandonar suas aldeias por causa da perseguição. Através da imprensa e pelos púlpitos, as pessoas foram avisadas para não ler A Sentinela. Com efeito, num edito do bispo de Pamplona, as publicações do povo de Deus foram classificadas como “heréticas, escandalosas e estritamente proibidas”. Em Alcói, na província de Aliciante, os irmãos Francisco Corzo e Máximo, dois colportores ou pregadores de tempo integral, foram detidos e levados perante as autoridades. Depois de vários dias sob vigilância, receberam ordem de sair da cidade imediatamente. Contudo, o chefe da polícia que os interrogara obteve uma Bíblia, um exemplar da Harpa de Deus e assinou para A Sentinela. Disse ao irmão Corzo em confidência: “Vocês são os únicos na Espanha que falam a verdade às pessoas.”
Em outubro de 1926, um pequeno grupo de proclamadores ativos do Reino distribuíram 22.000 exemplares da Sentinela em Valência, a terceira cidade maior da Espanha. O clero reagiu ali acusando falsamente os irmãos de serem franco-mações e de fazerem parte da Mano Negra (Máfia). Em novembro, quando 6.000 exemplares foram distribuídos em Tarragona, uma antiga cidade de origem ibérica e romana, oitenta e oito quilômetros ao sudoeste de Barcelona, a perseguição atingiu o clímax. Sorrateiramente, meninos mandados pelas escolas católicas recolheram as nossas publicações e as queimaram no pátio de um convento, na presença dos principais sacerdotes, enquanto a cidade fazia dessa ocasião uma festa. Não obstante, muitos dos cidadãos ficaram bastante indignados, e as autoridades civis se mostraram liberais, de modo que um grande número de pessoas assinou para A Sentinela.
Qual seria a reação em Barcelona, a capital cosmopolita da Catalunha? O irmão Saturnino Fernandes, um colportor, estava trabalhando com o grupo dos irmãos ali. Conseguiram distribuir 80.000 exemplares da Sentinela antes de ser proscrita em dezembro de 1926 e janeiro de 1927. Dois irmãos haviam trabalhado arduamente para preparar um pequeno lugar de reunião para o grupo de Barcelona, mas foi recusada a permissão de o abrir. Quem estava atrás dessa oposição? Ora, nenhum outro senão o verdadeiro soberano da cidade, o bispo de Barcelona! Apesar disso, o irmão Fernandes continuou a realizar reuniões bíblicas todas as noites na casa de um amigo, com uma assistência média de dez pessoas.
A oposição foi infrutífera porém, e a nossa obra continuou com a bênção de Jeová. Em 1927, o escritório filial da Sociedade foi transferido para a casa do irmão Francisco Corzo, em Madri. Nessa época, o custo da produção de publicações na Espanha era muito baixo, e a antiga Sentinela em espanhol, de quatro páginas, se tornara uma edição de oito páginas. Também, estava disponível na Espanha a edição de dezesseis páginas da Sentinela em espanhol que era impressa em Los Angeles, na Califórnia, E. U. A.
LANÇADA A SEMENTE EM TERRA BOA
No decorrer dos anos 20, a obra de pregação do Reino concentrava-se em Madri e em Barcelona, as duas cidades maiores da Espanha. Às vezes, eram um tanto incomuns os métodos de pregação. Em Barcelona, o colportor Saturnino Fernández exibia em praça pública os livros da Sociedade, estendia um grande mapa do Plano Divino das Eras na calçada e se punha a palestrar com qualquer pessoa que se interessasse. Foi precisamente assim que Juan Periago chegou a conhecer a verdade em 1927. Ele ficou atraído pela conversa acalorada do irmão Fernández com outra pessoa a respeito da doutrina do inferno de fogo. Juan obteve literatura e a semente da verdade foi plantada, e assim começou seu interesse pela verdade de Deus, bem como seus anos de serviço a Jeová.
Consideremos, também, o caso de Carmen Tierraseca Martín, uma costureira. Ela recebeu algumas de nossas publicações de seu cunhado em Madri, mas as pôs de lado. Entretanto, em outubro de 1927, ela se empregou na casa de uma senhora estrangeira chamada Mary O’Neill, esposa de Francisco Corzo. Incidental mente, o nome “Terra seca” significa “terra seca”. Mas Carmen não revelou ser “terra seca” no que diz respeito a semente da verdade.
Com relação a seu emprego naquele tempo, Carmen Tierraseca comentou: “Passei a manhã costurando num quartinho, e depois do almoço continuei meu trabalho. Algum tempo depois das quatro horas da tarde, começaram a chegar diversas pessoas. Julguei que fosse um dia de visitas para o señor e a señora e que tinham provavelmente uma festa, a julgar pelo barulho das conversações. Daí, de súbito, houve um silêncio, depois o suave som harmonioso dum piano, que logo foi acompanhado de vozes que cantavam o que parecia um lindo cântico. Nunca ouvira antes coisa igual.”
Bem, pode imaginar, os Estudantes da Bíblia (como eram conhecidas naquele tempo as Testemunhas de Jeová) estavam realizando uma reunião cristã. Foi por puro “acaso” que Carmen Tierraseca aceitara trabalhar na própria casa em que se preparava A Sentinela em espanhol. Nessa época, George Young tinha partido da Espanha e nosso trabalho estava sob os cuidados de Eduardo Alvarez e de Francisco Corzo, e o escritório da Sociedade funcionava na casa de Corzo até dezembro de 1930.
Durante a década de 1920, houve alguns batismos em diferentes partes do país. Por exemplo, em 1927, Manuel Oliver Rosado, em Málaga, escreveu para o escritório em Madri pedindo para que alguém fosse ali e o batizasse. Na realidade, ele só foi visitado e batizado em 1929, quando Francisco Corzo o imergiu numa casa de banhos públicos da localidade, em 14 de abril.
Outro batismo de que temos relato se deu em junho de 1928, quando um grupo de irmãos de Madri foi passar o dia à beira do rio Manzanares. Ali, num ambiente simples mas de grande alegria, Carmen Tierraseca, junto com um irmão, foram batizados. Incidentalmente, não foi uma decisão baseada em emoções, visto que dois dias antes do batismo os candidatos se reuniram com Eduardo Alvarez e Francisco Corzo e consideraram a importância do passo que iriam dar.
NOSSA OBRA GANHA ÍMPETO
Com os pequenos grupos em Madri, Barcelona, Málaga e Huesca, bem como em cidades espalhadas, e mais de uns dez trabalhadores no campo, a obra de pregação do Reino começava a ganhar ímpeto em 1929. Portanto, a Sociedade começou apropriadamente a empreender ela própria o trabalho de impressão em Madri com uma prensa vertical Miehle que tinha sido enviada da matriz de Brooklyn, Nova Iorque. Serviu para produzir revistas e folhetos até 1936.
Um meio empregado naquele tempo para apresentar as boas novas eram os discursos públicos. Em alguns casos, havia ministros protestantes que emprestavam seus salões para esse fim. Após o discurso preferido por um irmão perante membros de quatro denominações diferentes em Málaga, um ministro episcopal disse: “Nunca ouvi a Bíblia ser tão maravilhosamente explicada como esta noite, e o que este homem disse é a verdade. Estamos todos dormindo e o que precisamos é de mais homens como este entre nós.” Naturalmente, nem todos os protestantes reagiam tão favoravelmente. Os batistas realizaram uma reunião especial para entrarem em acordo sobre como acabar com os Estudantes da Bíblia que estavam “roubando ovelhas dos nossos rebanhos e enchendo o país de publicações perigosas”.
Desde 1927, o escritório filial da Sociedade em Madri vinha sendo dirigido por Eduardo Alvarez Montero. Contudo, na primavera de 1930, Herbert F. Gabler foi transferido de uma designação na Lituânia e designado como superintendente da filial da Espanha. Pouco tempo depois, nossas reuniões foram organizadas mais segundo os métodos empregados nos outros países. Também, ao passo que até então o nosso testemunho tinha sido informal, desse logo um bom início à pregação de casa em casa.
Recordando a primeira vez que se empenhou na atividade de pregação de casa em casa, Carmen Tierraseca observa: “Orei a Jeová, entregando-me nas suas mãos para fazer a sua obra.” Como não havia sido dado nenhum treinamento especial para essa atividade, talvez se pergunte como ela se saiu. Bem, na primeira porta uma senhora aceitou o folheto oferecido pela irmã Tierraseca, que acrescenta: “O mesmo se deu com a próxima, daí outra e mais outra até que coloquei todos os oito folhetos que levara comigo . . . Minha insegurança, timidez e meu nervosismo tinham desaparecido. Eu transbordava então de alegria, e do fundo do coração agradeci a Jeová a sua bondade e ajuda.”
PANORAMA POLÍTICO ANTES DA GUERRA CIVIL
Antes de 1931, a Espanha era uma monarquia regida pelo rei Alfonso XIII. Em 1930, o ditador militar do país, o General Primo de Rivera, teve de demitir-se e foi substituído pelo General Berenguer, cujo mandato terminaria em fevereiro de 1931, quando o rei apelou para o Almirante Aznar para que formasse um novo governo, na tentativa de salvar seu trono. Esse governo preparou eleições municipais, que foram ganhas na maioria das cidades pelos partidos da esquerda, favoráveis à república. Dando-se conta de que tudo estava perdido e para evitar um banho de sangue, Alfonso XIII fugiu do país. Assim, em abril de 1931, a Espanha se tornou república. Foi um golpe duro para a Igreja Católica, que logo começou a sentir os efeitos do novo regime. No mesmo ano de 1931, o Cardeal Segura Saenz, arcebispo primaz de Toledo, foi expulso do país. Durante 1932, os jesuítas foram proscritos e expulsos da Espanha, embora a expulsão propriamente dita não se realizasse, pois eles se esconderam ou se disfarçaram.
A divisão do país se tornou evidente em 1933 quando subiu ao poder o governo do centro-direita. Este governo de coalizão suspendeu as leis anticlericais e segurou as rédeas do poder até janeiro de 1936, data em que se dissolveu o Parlamento espanhol. Foram feitas eleições e novamente os republicados da esquerda, a Frente Popular dos socialistas e dos comunistas, ganharam ao oscilar o pêndulo para o seu lado.
Como influíram em nossa obra esses desenvolvimentos políticos? Bem, nas cidades onde as facções republicanas eram mais fortes, os irmãos eram expulsos da cidade, acusa” dos de serem agentes fascistas da Igreja, porque distribuíam publicações religiosas. E, naturalmente, nas fortalezas da Ação Católico-Fascista, os irmãos eram considerados protestantes ou franco-mações, porque distribuíam o livro proibido, a Bíblia.
Em resultado dos desenvolvimentos políticos, o poder do clero foi derrubado e as pessoas se beneficiaram de maior liberdade religiosa. Embora isto favorecesse nossa obra até certo ponto, grande parte da população, com os olhos então abertos às decepções religiosas anteriores, virou-se completa. mente contra toda forma de religião e até mesmo contra Deus. Não obstante, nossa atividade cristã continuava em passo acelerado.
UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO
A presença do irmão Gabler em Madri parecia não agradar a Francisco Corzo. Em 1931, este abandonou a verdade e, mais tarde, abandonou a esposa. Portanto, tornou-se necessário mudar o escritório filial e a gráfica da casa de Corzo. Em 1931, foram instalados em novo local.
Esse ano foi notável pelo fato de que o povo de Deus adotou o nome “Testemunhas de Jeová”. Em contraste com os 15.000 que o adotaram por meio de resolução em Columbus, Ohio, E. U. A., apenas quinze pessoas se reuniram para esse fim em Madri.
Ocorreram também outras mudanças durante esse período. Por exemplo, com o número de setembro de 1931, a edição “madrilena” da Sentinela deixou de ser publicada. Contudo, a de Brooklyn (EUA) continuou a chegar, tendo na capa a ilustração de uma torre com três janelas em forma de cruz. Acima do título, La Torre del Vigia, havia o símbolo da cruz com uma coroa, usado por muito tempo pelos Estudantes da Bíblia. Mas a edição de janeiro de 1932 chegou com uma capa completamente nova, a cruz e a coroa tendo desaparecido.
PIONEIROS INGLESES NOS DÃO UMA AJUDA
Em 1931, a Sociedade havia realizado uma série de assembléias em diversas cidades, inclusive em Londres e em Paris. O irmão Gabler falou nessas duas assembléias e explicou a grande necessidade de voluntários para ajudarem no campo quase virgem da Espanha. Em resultado disso, três pioneiros se apresentaram para aceitar o desafio — Ernest Éden, Frank Taylor e John Cooke.
Em julho de 1932, esses três pioneiros ingleses começaram a sua pregação na cidade industrial de Bilbau, a capital provincial de Biscaia. Esta província faz parte da região conhecida por províncias bascas, onde se fala a língua basca. Falando-se de passagem, ninguém sabe realmente a origem exata dessa língua enigmática que não tem nenhuma relação com o idioma espanhol.
Fazendo uso de um cartão de testemunho em espanhol, que explicava a sua missão, os pioneiros deram testemunho em Bilbau e colocaram muitas publicações ali. Quando a porta de uma casa se achava aberta, simplesmente penetravam no interior. Com essa atitude positiva, um dia Ernest Éden colocou trinta livros numa só porta. Como conseguiu isso? Bem, ele viu uma porta entreaberta, empurrou-a, atravessou um corredor e foi parar num palco de teatro, interrompendo um ensaio! Tirou partido da ocasião para dar um bom testemunho — mais em inglês do que em espanhol — e colocou todos os livros que tinha consigo, voltando mais tarde com mais publicações.
O irmão Éden teve também uma experiência bastante embaraçosa. Uma senhora elegantemente vestida convidou-o a entrar num bem mobiliado apartamento com pouca luz. “Ela me convidou a entrar num lindo aposento”, diz ele, “onde havia cerca de doze moças, todas elas nuas. Tratava-se de um bordel de luxo. Sem fazer caso da situação, eu lhes expliquei a razão da minha visita e ofereci publicações. A dona do bordel ficou com um livro e diversas moças ficaram com folhetos”. O irmão Éden se pergunta quantos cristãos deram testemunho a pessoas em tais circunstâncias incomuns.
A CAMINHO DE MADRI
Depois de completarem seu trabalho em Bilbau, os pioneiros começaram a dar testemunho ao longo da costa norte da Espanha. Como obtinham mais publicações ao viajarem de um lugar para outro? Fizeram arranjos com o escritório da Sociedade em Madri para que fossem enviadas com antecedência caixas de literatura a diversas estações de estrada de ferro. No decorrer da viagem, iam a essas estações e retiravam as publicações que os esperavam.
Nossos intrépidos pioneiros partiram da região chuvosa das montanhas, ao norte, e começaram a se dirigir para o sul, passando pelas cidades de Leão, Palência, Burgos, Valladolid, Salamanca, Segóvia e Madri. Ao chegarem à meseta, o alto planalto de Castela, no interior do país, ficaram encantados com a vista da paisagem pitoresca, mas surpresos com a vida que as pessoas levavam ali, que fazia lembrar a vida nas terras bíblicas. Usavam-se odres para guardar e transportar vinho, e podiam ser vistas mulheres carregando água dentro de cântaros em cima da cabeça. Pequenas lâmpadas de azeite de oliva ainda serviam para iluminação, e, em muitos lugares, raramente eram vistos carros e ônibus, o meio de transporte sendo o jumento ou a mula. Os homens ainda esmagavam a uva com os pés descalças para se fazer vinho, e os bois arrastavam um mangual pela eira para separar o grão da palha. Muitas pessoas viviam em grutas. Com efeito, ainda é assim em algumas regiões, mas essas grutas são limpas e bem arrumadas. Durante o verão, é fresco dentro delas, e no inverno é aconchegaste.
Em Madri, os pioneiros ingleses tiveram mais um companheiro incomum, um jovem pastor chamado Domingo. Ele tinha vindo de uma aldeia longínqua em Navarra. O que o atrairá a Madri? Bem, certo dia, enquanto guardava seu rebanho de ovelhas, encontrou um exemplar de Luz y Verdad dentro de uma valeta, à beira da estrada. Gostou tanto do periódico que encomendou os livros anunciados nele, e leu-os avidamente durante todo o inverno. Entretanto, sua descoberta deste novo “Caminho” suscitou oposição e ataques mentirosos contra a verdade. (Atos 9:2) Por isso, partiu para Madri para saber algo sobre as pessoas que publicavam esses escritos. De sua cidade de Pamplona até Madri há mais de quatrocentos quilômetros, mas Domingo percorreu essa distância a pé! Pela primeira vez na vida havia deixado a sua aldeia natal. Chegando a Madri, encontrou o escritório da Sociedade e começou a estudar a Bíblia com os pioneiros ingleses. Convicto de que esta era a verdade, ofereceu-se incondicionalmente para a obra de pregação e se tornou pioneiro.
A VERDADE SE PROPAGA EM TRÊS DIREÇÕES
No verão de 1933, os pioneiros John, Ernest e Frank tomariam rumos diferentes. Ernest Éden levou consigo a Domingo e se dirigiu para o noroeste. Com o tempo, Frank foi designado a trabalhar a região inteira do sul da Espanha, uma área tão grande quanto o Portugal. Esse território fascinante abrangia toda a Andaluzia e a costa meridional desde Huelva até Alicante. Entrementes, John Cocke foi uns sessenta e quatro quilômetros ao sul de Madri, à antiga cidade de Toledo. Com suas muralhas romanas e visigóticas, suas mesquitas e portas mouras, suas sinagogas judaicas, era como um museu que contava a história da Espanha em pedra.
Paremos um instante para considerar a atividade de pioneiro em princípios dos anos 30. Naqueles dias, os meios de transporte eram o ônibus, o trem, charretes e as mulas, e os viajantes tinham de se acomodar com tudo o que os demais levavam consigo — galinhas, patos, cabritos e, uma vez, até mesmo um grande peixe-espada. Certa vez, um terremoto fez descarrilhar o trem. Após ter pensado em tudo isso, Frank Taylor optou pela bicicleta. Equipada de sólidos portabagagens, tanto na parte da frente como na de trás, também com maleta que se adaptava na armação, mais uma sacola atrás que continha os discos que se empregavam na pregação naquela época, essa bicicleta era um engenho e tanto. Mais tarde, ele teve de instalar fundas em cima do gudião, carregadas de pedras seletas, para se proteger contra as matilhas de cães famintos que atacariam esse estranho objeto em movimento ao passar por povoados desertos e pelos antigos centros mineiros da província de Almeria. Certa vez, Frank foi atacado por três e as únicas calças que possuía foram rasgadas. Felizmente, umas mulheres compassivas lhe emprestaram agulha e linha. Sem mais nem menos, ele se sentou no meio da estrada e cuidou de reparar o estrago. Depois de devolver a agulha, Frank pregou aos habitantes locais e conseguiu colocar diversas publicações com eles, talvez mais por causa de compaixão da parte deles do que por genuíno interesse.
Na sua atividade de pregação, Frank Taylor seguia a tática de nunca voltar pelo mesmo caminho num povoado ou numa rua, quando podia evitar isso Era um modo de evitar os irritados republicanos da esquerda que amiúde o tomavam por agente fascista que fazia circular propaganda católica. Na aldeia de Villamanrique, Ciudad Real, surgiu o boato de que Frank Taylor era fascista, porque os livros que ele levava continham o nome de Deus, e, diz ele: “Deus era sinônimo de católico, por conseguinte, de fascista” para aquelas pessoas. De qualquer forma, uma turba de uns cinqüenta comunistas irados o cercou na praça do mercado e eles gritavam: “Abaixo com ele! Abaixo com ele!” Parecia impossível fugir. Mas, seguindo a sugestão que uma senhora católica lhe havia dado, Frank começou a ler um parágrafo de termos fortes no folheto da Sociedade intitulado A Crise. Leu com toda a força de seus pulmões, e lançou o folheto nas mãos do chefe da turba, dizendo: “Leia-o você mesmo.” Qual foi o efeito? Realmente surpreendente, pois a multidão quase chegou a se esmurrar entre si, alguns gritando em seu favor e outros contra ele. Em meio à confusão, nosso irmão pioneiro conseguiu escapulir ileso.
Frank Taylor agradeceu a Jeová esta libertação. Mas a história não termina aqui. Enquanto ia indo embora de lá de bicicleta, às 6,30 da manhã, ficou surpreso de ver a praça quase cheia de umas 200 pessoas que o aguardavam, pensando que fosse partir de ônibus. Quão grato se sentiu de ter aquela bicicleta! Daí, ouviu-se o grito: “Lá está ele!” “Creiam-me”, relembra Frank, “nunca pedalei com tanta força e sem parar até sair daquela aldeia e alcançar a estrada para a próxima aldeia”.
NO MEIO DE CENAS COMO ESTAS
Felizmente, a situação não era sempre tão perigosa. Houve muitas ocasiões de pregar as boas novas, e muitos ouvidos atentos. Quando começou a obra de pregar com o uso de fonógrafo, em meados de 1930, Frank Taylor fez bom uso desse instrumento. Com efeito, ele tinha um pequeno gramofone portátil, que tocava em alguns cafés. Segurava-o na mão e circulava entre as mesas. No fim do discurso gravado, com algumas palavras de introdução, oferecia publicações cristãs. Que inovação no modo de se dar testemunho! Mas exigia cautela e discrição, pois amiúde havia aviso que dizia: “É proibido falar sobre religião ou sobre política.”
Não era pouca tarefa chegar às aldeias das montanhas, especialmente quando a estrada tinha deteriorado ao ponto de ser apenas caminho de lama para mulas de carga. Imagine ter de carregar uma bicicleta no ombro em vez de montar nela! Para nos dar um quadro melhor, o irmão Taylor escreve: “De início, era um evento entrar numa aldeia. Mercadorias, legumes e carne eram em geral expostos ao longo das estradas poeirentos e no leito seco do rio. Alguém tinha um corte de cabelo sentado num banquinho à beira da estrada. Às vezes, era o dentista que extraia um dente na rua. Destacavam-se entre os demais alguns sacerdotes corpulentos que perambulavam ali. Não era incomum encontrar cinco ou seis deles sentados nos bares e nos cassinos, em volta de uma mesa, fumando charuto, trajados de suas vestimentas típicas de clérigos, todo empoeiradas e sujas. Quando se colocava alguma literatura bíblica, não demorava muito para lhes cair nas mãos e a folheavam do começo ao fim. Podia-se vê-los procurar o imprimatur católico romano, e, não o encontrando, avisavam logo a polícia, acusando-nos geralmente de ‘comunismo’. Isto resultava em ser preso imediatamente, quando conseguiam encontrar-me. Visto que isto aconteceu muitas vezes, tornei-me prudente, e não era muito difícil eu escapulir dando voltas pelas ruas estreitas. Eu chamava isso de jogo da ‘raposa e os cães’.”
O problema era que, se não apanhassem o irmão Taylor na cidade, tinham a certeza de que o pegariam ao partir, visto que muitas cidades tinham uma espécie de controle alfandegário nos subúrbios, e é ali que a polícia ficava esperando por ele para o apanhar. Ele perdia então longas horas com interrogatórios e havia as demoras frustradoras até o soltarem. Em geral, o irmão Taylor pedia para entrar em contato com o cônsul britânico, visto que era cidadão britânico. Finalmente, soltavam-no, pois não se podia imputar nenhuma acusação verdadeira contra ele.
Ao entrar na província de Almeria, o irmão Taylor se viu diante de um deserto inóspito e ardente, sem uma folha de grama. Não se via nenhum pássaro, nenhum sinal de vida em parte alguma, exceto uma fileira monótona de jumentos que levantavam poeira duas vezes ao dia. Todavia, Almeria tinha suas compensações, pois foi ali que descobriu um pequeno grupo de Estudantes da Bíblia Embora seu espanhol fosse limitado, ele pôde regozijar-se em companhia desses irmãos humildes por uns dois ou três meses. Nessa época, a situação política estava piorando, e havia tiroteios nas ruas de Almeria. Depois de assistir à sua última reunião ali, o irmão Taylor teve de atravessar as linhas de fogo e agitar um lenço branco sobre sua cabeça para voltar de bicicleta para seu domicílio.
Depois de dar testemunho nas cidades costeiras, durante o verão de 1935, o irmão Taylor chegou a Múrcia, naquele tempo uma cidade de uns 160.000 habitantes. Conseguiu ali alojamento num subsolo, com apenas uma pequena abertura no teto para a entrada de luz. Era pelo menos um lugar fresco durante o calor abrasador do vento siroco que soprava do Saara sobre o Mediterrâneo. Pregar no meio daquele calor era uma provação para Frank Taylor, e às vezes ele chegava até a delirar.
AJUDA DA ALEMANHA E PARA A ALEMANHA
No começo dos anos 30, a situação na Alemanha politicamente perturbada foi piorando progressivamente para o povo de Jeová. Em resultado disso, doze pioneiros alemães com o tempo foram servir na Espanha. Um grupo recebeu uma recepção num ambiente bem quente, visto que o trem chegou à estação de Barcelona bem durante uma revolta contra o governo. Ao ir buscá-los na estação, Ernest Éden se deu conta de que a área inteira se convertera num campo de batalha. Para se proteger, enfiou-se rapidamente no prédio dos Correios e teve de esperar ali por duas horas até cessarem os tiroteios. Finalmente, chegou até à estação onde os irmãos alemães estavam esperando estoicamente. Foi aí que começou a verdadeira dificuldade. Eles não sabiam falar nem inglês e nem espanhol, e ele não sabia falar alemão! Apesar disso, porém, com três meses de instrução, esses pioneiros alemães estavam preparados para pregar em espanhol.
Os pequenos grupos das Testemunhas de Jeová em Madri e em Barcelona estavam cientes das dificuldades de seus irmãos na Alemanha. Por conseguinte, como seus irmãos em outros lugares, protestaram contra o tratamento infligido às Testemunhas pelos nazistas, enviando telegramas a Adolfo Hitler, avisando-o do que aconteceria a ele e a seu partido nazista, se não deixasse as Testemunhas em paz.
Nessa época, nossa atividade era tão intensa que suscitou reações fortes da parte dos elementos inspirados pelos jesuítas. Em certa cidade, os pioneiros foram acusados de “distribuir literatura de tendência ‘judaica e franco-maçônica’”. Duas irmãs em outra cidade foram presas e acusadas de distribuir “folhetos de natureza hitlerista”. Ainda em outros lugares, os irmãos foram tachados de protestantes, o que eqüivalia a dizer que eram infiéis ou hereges da pior espécie para a maioria dos católicos mal-informados
OS PIONEIROS CONTINUAM SUA MISSÃO
Perto do fim de 1934 ou no começo de 1935, os pioneiros John e Eric Cooke partiram de Barcelona para trabalhar no sul, ao longo do litoral. Por outro lado, Ernest Éden continuava a pregar nas cidades da província de Barcelona.
John e Eric Cooke desceram primeiro a costa do Mediterrâneo até à famosa cidade romana de Tarragona e ao povoado adjacente de Réus. Remontando para o norte, à província de Lúrida e à aldeia de Pradel, os Cookes encontraram Salvador Sirera, um assinante que aprendera a verdade e permitira que fossem realizadas reuniões cristãs na sua pensão em Barcelona.
Após alguns dias de pregação junto com Salvador nas cidades e aldeias vizinhas, John e Eric, acompanhados por Salvador, andaram de bicicleta 145 quilômetros até Huesca. Valeu a pena a viagem? Sem nenhuma dúvida! Ali, o assinante Nemesio Orús os recebeu de braços abertos e “saciou-se” da verdade. Entretanto, no seu zelo e desejo de se associar com esses irmãos, ele não usou de prudência e isso causou ciúme na esposa, de modo que ela levantou secretamente falsas acusações contra os irmãos junto à polícia. A Guardia Civil ou polícia rural foi ao apartamento e prendeu a John e a Eric, mas na delegacia de polícia a questão ficou resolvida.
Os Cookes visitaram Nemesio diversas vezes e decidiram celebrar a Comemoração em Huesca, em 17 de abril de 1935, convidando também Salvador Sirera para assistir. Portanto John escreveu para Nemesio fazendo essa sugestão. Imagine a sua surpresa ao receber a resposta de Nemesio de que este transbordara de alegria com a idéia e que já havia comprado o cordeiro para o preparar para a ocasião! É evidente que seu entendimento sobre a Comemoração ainda era um pouco deficiente, muito embora seu zelo fosse elogiável. Pode imaginar o que representava guardar um cordeiro vivo durante vários dias num pequeno apartamento no terceiro andar? Não obstante, celebrou-se a Comemoração, e foi uma grande ocasião para o pequeno grupo dos seguidores de Jesus Cristo. Com efeito, isto foi, naquela época, o que mais se aproximou de uma assembléia na Espanha.
Quando John Cooke achou que a província de Huesca havia sido trabalhada adequadamente, ele e Eric partiram para Saragoça, a capital da região de Aragão e o ponto focal da mariolatria espanhola, a veneração ou culto de Maria. Naquele tempo, em 1936, a cidade tinha cerca de 170.000 habitantes. O rio Ebro atravessa a parte norte de Saragoça e na margem meridional fica o Templo do Pilar, uma igreja imponente, com muitas torres, que abriga um famoso pilar de mármore. Segundo a lenda católica, foi ali que a Virgem Maria apareceu ao apóstolo Tiago no ano 40 E.C., enquanto se dizia que ela ainda estava viva na Palestina! Embora esta lenda não tenha base histórica, nem bíblica, desenvolveu-se no decorrer dos séculos uma fé cega em La Pilarica (Nossa Senhora do Pilar).
Nessa época, os batismos eram raros e esporádicos. Mesmo assim, John Cocke não se dispunha a batizar alguém sem uma boa razão. Com efeito, em três ocasiões Nemesio Ores percorreu setenta e dois quilômetros de bicicleta, desde Huesca até Saragoça, mas John lhe repetia que esperasse um pouco mais a fim de se assegurar de que sua decisão sobre o batismo fosse firme. Finalmente, em maio de 1936, foram feitos arranjos para Nemesio, Antônio Gargalho e José Romanos serem batizados no rio Ebro, perto de Saragoça.
Naqueles tempos, os pioneiros precisavam ser flexíveis. Se alguém desejasse nossas publicações, mas não tivesse dinheiro, trocavam as publicações por alimento, como ovos figos e pão caseiro. John Cooke comenta: “Acostumei-me a fazer um lanche com ovo cru, um pedaço de pão e um copo de vinho. . .. Era uma vida árdua e simples, mas muito feliz. Como nos alegrávamos de fazer verdadeiro serviço de pioneiro numa fortaleza católica como a Espanha e de encontrar algumas ovelhas verdadeiras!”
CONFUNDIDOS COM FASCISTAS
Enquanto Eric Cooke e Antônio Gargalho estavam dando testemunho na aldeia de Mediana, uma mulher os acusou falsamente de serem agentes fascistas, inimigos da República espanhola daquele tempo. Toda a evidência que ela possuía era um folheto que aceitara e que falava de Deus e de Cristo! Segundo o irmão Cooke, a aldeia era praticamente 100 por cento comunista, e para os habitantes ali tudo o que falava de Deus ou de Jesus Cristo era católico romano e, por conseguinte, fascista. Era impossível convencê-los do contrário.
Primeiro, uma multidão considerável de mulheres se reuniu. Daí, o pregoeiro do povo disse ao irmão Cocke que fosse embora da aldeia, do contrário avisaria a Guarda Civil. Os irmãos não foram embora e a polícia chegou depois. Na delegacia de polícia, o sargento examinou minuciosamente os folhetos e interrogou os irmãos Cooke e Gargallo. Finalmente, disse que ele não via nada de errado, mas que tinha de examinar mais a fundo a questão, visto que os aldeões haviam registrado queixa. Disse a seguir para o irmão Cooke levar uma carta ao tenente da cidade mais próxima, achando que este pudesse decidir melhor quanto à legalidade da nossa obra.
Quando Eric e Antônio desciam o caminho de terra, cheio de buracos, diversos jovens sem paletó vinham correndo pelos campos Logo um homem e alguns rapazes alcançaram os irmãos. Mais de vinte deles se reuniram num lugar, contou o irmão Cooke, e acrescentou: “Dois deles seguraram nossos braços, acusando-nos de sermos propagandistas fascistas. Um jovem temerário apoiou um forcado no meu estômago no caso em que eu tentasse fugir. Outro apanhou o livro Vindição em inglês, que eu levava comigo para minha leitura pessoal. ‘Olhem aqui’, disse ele, ‘é italiano! Devem ser agentes fascistas’. Antônio tentou dar uma explicação, mas eles estavam fora de raciocínio.”
A pasta de Antônio foi arrancada da bicicleta e as publicações foram atiradas no chão. Outro atacante tentou arrancar a sacola das costas de Eric. Nesse meio tempo, outros estavam ajuntando lenha para acender fogo e alguns estavam tentando rasgar os livros para os queimar.
“Precisamente nesse momento, quando tudo parecia estar perdido”, relata Eric, “notamos que mudaram de atitude. As moças que estavam ali se puseram a fugir. Nossos braços foram soltos. Olhei para trás e vi aparecer quatro membros da Guardia Civil. Eram realmente bem-vindos! Segundo Antônio disse Jeová permitiu as coisas chegar até certo ponto e daí ele interveio”.
Mais tarde, os irmãos compareceram diante do governador civil que ficou surpreso que houvesse qualquer dúvida sobre a nossa obra. Chamou nossa atenção para a situação política instável que existia então. E era verdade! Esta experiência ilustra claramente que os espanhóis haviam empreendido um caminho político perigoso, que os mergulharia logo num terrível banho de sangue.
A GUERRA CIVIL!
Em fevereiro de 1936, após uma eleição geral, voltava ao poder a Frente Popular da esquerda, depois de dois anos do governo pelo partido do centro-direita. Sob este último governo da Frente Popular, a tendência era a desintegrarão, e os eventos se sucederam rapidamente. Em 13 de julho, José Calvo Sotelo, um proeminente monarquista da direita, foi assassinado, e este ato provocou a Revolta Nacional, ou Insurreição (dependendo do ponto de vista político do espanhol). Tivera início na África, em 17 de julho, e fora anunciada pelo General Francisco Franco, através do rádio, em 18 de julho. Começara a guerra civil espanhola. Das cinqüenta províncias, vinte e uma eram favoráveis à República e vinte e nove eram pela Insurreição Nacional, ao passo que as cidades principais, tais como Madri, Barcelona, Valência e Bilbau, permaneceram fiéis à República.
A guerra civil ceifou mais de um milhão de vidas entre os espanhóis. Foi uma guerra de vingança político-religiosa. Durante os três anos em que durou, as pessoas viviam com medo de serem assassinadas a sangue frio, quer às mãos de Los rojos (os vermelhos ou comunistas), quer às mãos dos executores católicos que estavam convencidos de servir a Deus numa Cruzada Santa. Antigas dívidas foram saldadas pelo sistema pernicioso de denúncia anônima, a vítima terminando seus dias diante de um pelotão de fuzilamento num campo isolado.
AFETADA A ATIVIDADE CRISTÃ
Como afetaram esses desenvolvimentos a nossa obra na Espanha? Compreenderemos talvez melhor o que sentiram nossos irmãos naquele tempo olhando para esses eventos através dos olhos de alguém que atravessou aquele período crítico, a irmã Carmen Tierraseca. Ela escreveu:
“Abateu-se sobre Madri uma onda de terror, confusão e angústia. O povo, que por muitos anos fora oprimido pelo clero, deu livre vazão à sua ira contra as igrejas, queimando algumas delas, quebrando as imagens e arrastando-as pelas ruas. Todavia, apesar de todo esse caos, nas fomos respeitados e deixados em paz.
“Nosso pequeno salão de reuniões estava situado perto do quartel de Montanã. Esse se tornou o palco de batalhas sangrentas, e a zona inteira foi ocupada pelos militares. Os irmãos estrangeiros tiveram de sair do país imediatamente, e nos ficamos sozinhos. Pouco tempo depois, todos os bens da Sociedade foram confiscados da rua Cadarso [o local para onde o escritório filial havia sido transferido anteriormente] e nunca soubemos para onde foram levados. Os milhares de livros e de folhetos que estavam armazenados ali foram levados embora ou queimados. O papel destinado a imprimir a verdade, as máquinas que haviam sida usadas para imprimir louvares, as cadeiras em que sentávamos para estudar a Bíblia, o escritório donde se organizava a obra — tudo estava perdido, dolorosamente perdido! . . . A atividade na Espanha afundara num mar de silêncio. Tudo isso me entristeceu infinitamente, e ficamos sozinhos, terrivelmente sozinhos, cada um tendo de se virar por si, sendo ‘esfolados e empurrados dum lado para outro como ovelhas sem pastor’.” — Mat. 9:36.
Pouco antes de estourar a guerra civil, John e Eric Cooke tinham ido à Inglaterra para tirar férias. Em 1936, Frank Taylor havia terminado sua atividade de pregação nas províncias de Sevilha e de Cádiz e estava decidido a ir as ilhas Baleares, que esperava atingir por navio, via Gibraltar. Ele se achava na cidade fronteiriça de La Línea quando esta cidade outrora pacífica foi saqueada e queimada, caindo depois nas mãos dos fascistas com suas tropas mourescas de turbante branco. Quando o irmão Taylor atravessava um lugar descampado até o escritório da alfândega, viu-se debaixo de uma verdadeira chuva de chumbo que era vomitado pelas metralhadoras, os fuzis e as pistolas. Mas conseguiu atravessar e, depois de escurecer, pôs-se a correr através da “terra de ninguém” em direção à fronteira de Gibraltar. “Algumas balas passaram assobiando perto do meu ouvido”, relembra ele, “mas eu estava livre e cantava de alegria”.
Ernest Éden, por outro lado, foi expulso da Espanha, mas não sem passar algum tempo numa prisão subterrânea, que era uma espécie de túnel fechado em ambas as extremidades. Ali, ele e um irmão alemão subsistiram com um pequeno pão, uma tigela de café e uma pequena ração de feijão cozido por dia. “Ficamos ali dois meses”, relembra o irmão Éden, “e posso recomendar esse regime para emagrecer”. A expulsão do país se completou com uma escalada difícil nas montanhas e uma descida com caminhadas, tropeças, quedas e contusões até o lado da França. Uma vez na França, os dois irmãos se separaram e Ernest Éden finalmente chegou à Inglaterra.
Quando estourou a guerra civil, o irmão O. E. Rosselli, um cidadão norte-americano, estava pregando nas ilhas Canárias, um território espanhol ao largo da costa ocidental da África. Enquanto pregava visitando casas espalhadas ao longo de uma estrada acidentada, dois soldados saíram de repente de um esconderijo e o prenderam. Depois de doze dias de detenção foi expulso da Espanha. Qual era seu “crime”? Ele vinha distribuindo o tratado “O Que É O Fascismo?”, que declarava que os cristãos não são nem fascistas, nem comunistas, mas dão testemunho do vindouro reino do Senhor.
Foi assim que nossa atividade na Espanha foi afetada desastrosamente pela guerra civil. O mês de julho de 1936 marcou o começo de um período de onze anos de completo isolamento e solidão. Cada uma das Testemunhas na Espanha se tornou como uma vela de luz trêmula, procurando manter acesa a sua chama de integridade no meio das sufocantes trevas espirituais. Alguns sucumbiram, mas a história da maioria é prova evidente do poder indestrutível do espírito de Jeová que os sustentou no decorrer daqueles tristes anos.
SUPORTAM A PROVA DURANTE O ISOLAMENTO
Todos os que desejavam agradar a Jeová foram postos à prova de diversos modos, tanto durante como depois da guerra civil, especialmente os homens. Esperava-se dos que moravam no início da guerra em território controlado pelos republicanos que combatessem com eles. Entretanto, se se achassem nos territórios “rebeldes”, esperava-se que lutassem em prol das forças católicas da direita. Não esqueçamos que esta questão surgiu em 1936, e, embora os irmãos tivessem entendimento básico da neutralidade cristã, não tiveram o benefício da Sentinela que considerou esse assunto, que só apareceu em inglês, em novembro de 1939. Portanto, os irmãos sabiam que tinham de manter a integridade de uma forma ou outra, mas, para dissipar quaisquer dúvidas que tivessem, faltava-lhes uma visão clara que veio mais tarde, bem como o contato com a organização visível.
Para ilustrar os problemas naquele tempo, consideremos o caso de Nemesio Orús, um homem casado que tinha três filhos pequenos e que morava em Huesca. Alguns dias depois de começar a guerra, foi visitado como suspeito de comunismo ou franco-maçonaria, e os visitantes procuravam obrigá-lo a aplaudir os soldados enquanto marchavam para a guerra. Sofreu também pressão para unir-se ao grupo local de fascistas. Como recusou fazer todas essas coisas, foi colocado na “lista negra” para futuras represálias.
Numa noite de agosto de 1936, Nemesio foi detido, interrogado por um inspetor de polícia e lançado na prisão. Com o tempo, foi parar na prisão de Saragoça, onde passou doze dias numa cela sem colchão, dormindo no chão em cima de apenas um cobertor dobrado em dois. Por ter dado testemunho a outros detentos, Nemesio foi colocado em prisão solitária por treze dias. Finalmente, em 16 de dezembro de 1936, foi solto da prisão.
Infelizmente, não terminou nisso. A família Orús mudou-se para Ansó, onde, no inverno de 1937, Nemesio recebeu aviso da prefeitura para se apresentar para o serviço militar. Desejando manter a neutralidade cristã, recusou-se a fazer isso, foi preso novamente e, finalmente, liberado por inaptidão física para o serviço militar. Depois, a família Orús se mudou para Barbastro, outra cidade na província de Huesca, onde Nemesio estabeleceu novamente seu negócio de consertos de relógios. Ele perdeu então todo contato com o povo de Deus por uns dez anos.
O período do após-guerra foi um tempo de grande sofrimento para o povo espanhol, inclusive para nossos poucos irmãos e pessoas interessadas. Em muitos lugares, havia muita escassez de alimento e de combustível. Nessas circunstâncias alguns dos irmãos puderam manifestar seu amor cristão. (João 13:34, 35) Por exemplo, Salvador Sirera, que residia na aldeia de Pradel, em Lérida, cultivava um pedaço de terreno, o que garantia sua subsistência. Não se dava o mesmo com os irmãos em Barcelona, onde cinco alfarrobas eram vendidas por uma peseta, quando o salário mediano de um dia era de doze a quatorze pesetas, e os alimentos básicos, como o pão e o azeite de oliva, eram escassos. Portanto, a pessoa pode imaginar a gratidão do irmão Juan Periago, quando Salvador chegou a Barcelona trazendo consigo gêneros alimentícios para os irmãos necessitados naquela cidade.
Os novos dirigentes estavam decididos a eliminar todos os vestígios do anterior regime republicano, de modo que havia rigorosa censura de correspondência e da imprensa. Em razão disso, quando as irmãs Natividad Bargueño e Clara Buendía resolveram escrever para a Sociedade Torre de Vigia em Brooklyn (EUA) para conseguirem publicações, a correspondência foi enviada em vão. Suas cartas nunca saíram da Espanha, mas foram interceptadas pela censura. Alguns dias depois, a polícia visitou as casas dessas irmãs e, depois de submetê-las a interrogatório, vasculhando até mesma a casa de uma delas, foi-lhes dito que abandonassem seu interesse nessas “mentiras”.
Exigia-se nessa época que se escrevessem frases patrióticas em cima do envelope de todas as cartas. Do contrário, a carta não chegava ao destinatário. Foi por isso que, para manter a neutralidade, o povo de Deus não escreveu para a Sociedade.
Exigia-se igualmente que, toda vez que se ouvisse o hino nacional, mesmo pelo rádio, todos deviam ficar de pé e fazer a saudação fascista, onde quer que estivessem. O mesmo ato patriótico era exigido da pessoa se passasse na frente de um quartel no momento de se içar ou abaixar a bandeira, ou se as tropas estivessem desfilando com a bandeira. Foi assim que, certo dia, Antônio Brunet Frasear e Luis Medina caminhavam por uma rua em Barcelona quando um batalhão de soldados passou desfilando com a bandeira. Todos ficaram em sentido e saudaram a bandeira, exceto Antônio e Luis. Vendo isso, o oficial em comando fez parar o batalhão e, ameaçando, ordenou a esses dois jovens que saudassem. Quando eles recusaram fazer isso, o oficial agarrou-lhes a mão direita e ergueu em saudação. Mas um dos irmãos fez a seguinte observação: “Nós não estamos saudando. Vós é que o estais por levantardes nossos braços.” Furioso, o oficial deixou-lhes cair os braços, sacou do revólver e apontou para eles, dizendo: “Agora vão saudar, não é?” Os irmãos recusaram novamente. “Não estão vendo que vou matá-los, se não saudarem?” A resposta? “Só nos matareis se Deus o permitir.” Com isso, o oficial, frustrado, colocou de volta o revólver no coldre e conduziu esses jovens para a prisão Mas eles mantiveram a sua integridade. É interessante notar que Antônio Brunet ainda nem tinha sido batizado, pois foi imerso só alguns anos mais tarde, em junho de 1951
A Igreja Católica estando novamente no poder, surgiram também complicações para os filhos menores das Testemunhas de Jeová, especialmente com respeito à escola. Para se beneficiar da instrução dada nas escolas do Estado, era necessário apresentar uma certidão de batismo, provando que a criança era batizada como católica. Natividad Bargueño não havia batizado suas filhas na Igreja, e, quando atingiram a idade escolar, ela teve de procurar muito antes de encontrar uma escola que não exigisse certidão de batismo.
Mesmo então, houve problema, porque o sacerdote da paróquia local insistia que todos os alunos tinham de freqüentar a sua igreja nas manhãs de domingo. Para se assegurar disso, dava-se a cada aluno um cartão azul que era marcado na entrada da igreja. Daí, toda segunda-feira de manhã, esses cartões eram verificados na escola para ver se alguém havia deixado de comparecer. Recordando isso, uma das filhas de Nati fez a seguinte observação: “Naturalmente, meu cartão nunca estava marcado, e cada segunda-feira eu tinha de enfrentar essa situação com a professora. Finalmente numa dessas segundas-feiras a professora disse: ‘Esta situação não pode continuar assim. Ou você vai à missa ou eu vou apresentar o caso aos meus superiores.”’ A filha de Nati foi para casa e expôs o problema para sua mãe, que simplesmente lhe explicou o texto de Atos 17:24, onde diz que Deus não habita em templos feitos por mãos. A menina repetiu o texto bíblico para a professora para explicar por que ela não assistia à missa. Isto surtiu efeito, pois a professora não a incomodou mais com interrogatório nas segundas-feiras. Com efeito, quando o sacerdote vinha nas segundas-feiras para verificar os cartões azuis, a professora guardava a propósito o cartão da filha de Nati para evitar complicações.
SEMENTES GERMINAM EM TORRALBA
Não obstante a guerra civil e as conseqüências dela terem posto o povo de Deus certamente à prova, fazendo-lhe enfrentar muitos problemas, a semente da verdade que havia sido plantada continuou a crescer. Por exemplo, em Torralba de Calatrava, houve alguns frutos com o passar dos anos. Na realidade, as primeiras sementes foram plantadas ali em 1931, quando José Vicente Arenas ouviu pela primeira vez a verdade. Com o tempo, havia sido dado testemunho informal e isto produziu efeito pouco a pouco em diversas pessoas. Entre os que liam as publicações da Sociedade Torre de Vigia, havia alguns protestantes que misturavam os dois ensinamentos. Na realidade, um deles, que era colportor da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira em Madri, vendia ao mesmo tempo as nossas publicações. Durante aquele período de dificuldade, as reuniões eram realizadas clandestinamente, e eram dirigidas por homens que eram mais protestantes do que Testemunhas de Jeová.
Em 1946, o grupo de estudantes da Bíblia da pequena vila rural de Torralba, que ainda se reunia para estudar a Bíblia com a ajuda das publicações disponíveis da Sociedade, era o maior da Espanha. Por meio de seus estudos, compreenderam que deviam ser batizados, e fizeram arranjos para batismo em 2 de setembro de 1946, num rio próximo, o Guadiana. Naquele dia, nove pessoas foram batizadas na maior simplicidade e sinceridade. Sem discurso de batismo, nove homens entraram no rio e foram batizados. Daí, cada um ofereceu uma oração a Deus, todos de joelho à beira do rio. Duas semanas mais tarde, realizaram outro batismo e mais três irmãos foram imersos. Fato curioso, não houve mulheres a serem batizadas, embora algumas se associassem com o grupo. Outro pormenor interessante é que os elementos “protestantes” não participaram de nenhum modo nesse batismo, embora procurassem manter o grupo sob seu controle.
Em 26 de setembro de 1946, o irmão Gregário Fuentes casou-se com a irmã do irmão Pedro García. Entre os convidados estava presente um protestante considerado quase patriarca por causa de seu conhecimento da Bíblia. Ele alimentava a esperança de se tornar o pastor desse grupo florescente de estudantes da Bíblia em Torralba. Ao terminar o casamento, sugeriu que todos celebrassem a Refeição Noturna do Senhor. Proferiu um discurso em que frisou a necessidade de participar regularmente da Refeição. Sob a influência deste “pastor” protestante, todos os presentes participaram dos emblemas, e ele deu a entender que voltaria em novembro para celebrar novamente a Refeição.
Entretanto, alguns irmãos não estavam convencidos do que se realizara. Portanto, antes que ele voltasse, pesquisaram a fundo a Bíblia e as publicações da Sociedade, encontrando as provas para refutar esse suposto “pastor”. Ao voltar ali, ficou desapontado de constatar que nenhum membro estava preparado para celebrar sua “Refeição” e que essas pessoas não estavam mais sob o seu controle. É desnecessário dizer que ele nunca mais voltou.
NOTÍCIA NA IMPRENSA CONDUZ A RENOVAR CONTATO
Um evento notável em 1946 foi a Assembléia Teocrática das Nações Alegres, realizada em Cleveland, Ohio, E. U. A., com uma assistência máxima de 80.000 pessoas. Naturalmente, a Espanha fazia parte das nações que não puderam ser representadas ali. Ainda não havia contato entre os cristãos espanhóis e a organização de Deus no resto do mundo — e isso dez anos após ter estourado a guerra civil. Entretanto, a imprensa internacional fez menção dessa assembléia notável, e a imprensa espanhola falou dela. Essas reportagens, embora deturpadas e cheias de mentiras, serviram para restabelecer contato entre o Corpo Governante das testemunhas cristãs de Jeová e os pequenos grupos do povo devotado de Deus, que funcionavam na Espanha.
A imprensa noticiava que as Testemunhas de Jeová esperavam o fim do mundo por meio de uma explosão atômica entre 1946 e 1948. Três irmãos, independentemente, observaram essa “noticia” nos jornais espanhóis. O irmão Manuel Alexiades a leu num jornal de Madri e escreveu imediatamente para a matriz da Sociedade, em Brooklyn, perguntando sobre essa “profecia”. Nesse meio tempo, Ramón Serrano leu a mesma notícia em outro jornal e informou isso a Ramôn Forné, que também escreveu para a Sociedade. Ao mesmo tempo, os irmãos em Torralba viram essa reportagem e se comunicaram também com o escritório da Sociedade em Brooklyn. Quem pensaria que o congresso de 1946 seria o meio para restabelecer o contato dos irmãos espanhóis com a organização visível de Jeová em toda a terra? Na realidade, as mentiras que devem ter agradado ao Diabo se voltaram contra ele.
Que alegria para os irmãos na Espanha! As publicações cristãs começaram a entrar novamente na Espanha — livros tais como Filhos, O Novo Mundo, “A Verdade Vos Tornará Livres” e “Está Próximo o Reino”. Esses livros foram enviados como doações aos irmãos ali, e que presentes! Depois de uns dez anos de peregrinação num árido deserto espiritual, encontravam novamente o oásis da verdade.
O CORPO GOVERNANTE RESTABELECE O CONTATO
Em resultado desses contatos, o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová programou visitas a esses grupos na Espanha em maio de 1947. F. W. Franz e H. C. Covington, da matriz da Sociedade Torre de Vigia em Brooklyn, Nova Iorque, ao chegarem a Madri em 7 de maio, tiveram a sua primeira reunião com um grupo de onze amigos espanhóis reunidos naquela noite na sala de jantar da casa do irmão Manuel Alexiades. Todos os presentes desejavam assinar para A Sentinela e obter todas as últimas publicações cristãs. Entretanto, observou-se que a bem dizer todos os homens fumavam, embora não se fizesse imediatamente nenhum comentário quanto ao uso do fumo. No dia seguinte, realizou-se uma segunda reunião com um grupo de dezesseis pessoas.
Estas duas reuniões fortaleceram a confiança de Pedro Garecía e de Gregário Fuentes que haviam chegado de Torralba de Calatrava. Em Torralba, o grupo estava dividido sobre a questão de saber se devia ou não convidar os irmãos de Brooklyn a visitar o grupo, de modo que Pedro e Gregorio foram enviados a Madri para verificarem a situação. Estes, como os espias fiéis do tempo de Moisés, ficaram favoravelmente impressionados e enviaram um telegrama para o grupo, anunciando que chegariam a Torralba com os dois visitantes norte-americanos.
Tiveram de tomar primeiro o trem até Ciudad Real. Depois, os dois visitantes foram até Torralba num velho táxi que estava caindo aos pedaços. Diversos irmãos esperavam para lhes dar boas-vindas na sua chegada às 1,35 horas da madrugada.
Naquela manhã, os visitantes foram à central da Guarda Civil para registrar sua presença. Naquela noite, vinte e quatro pessoas se reuniram e foram muito encorajadas espiritualmente. Mas a visita também teve certo efeito sobre a população em geral desse pequeno povoado de agricultores. Por exemplo, Bienvenido González conta o seguinte: “A presença deles, especialmente para os habitantes da região, constituía um verdadeiro espetáculo. O irmão Franz, embora de estatura normal para aquela região, usava um sombreiro ou chapéu de abas largas, o que não era nada corriqueiro. Além de ser alto, era também largo, coisa nunca vista ali, de modo que a sua presença se tornava notória.”
No domingo, realizou-se uma última reunião com o grupo de Torralba, e trinta e oito pessoas se apinharam num aposento para poder usufruir a reunião. Explicou-se o funcionamento de congregação, e dois irmãos foram designados para cuidar da atividade do grupo. Eram José Vicente Arenas e Juan Félix Sánchez. Durante essa reunião, foi abordada a questão do fumo, visto que quase todos os do grupo fumavam e haviam observado que os visitantes não fumavam. Depois da pergunta deles, o irmão Covington contou o seu próprio caso, explicando que outrora ele fumava cerca de cinqüenta cigarros por dia, mas, depois de conhecer a verdade sobre o Reino, deu-se conta de que isso era incompatível com a vida de um cristão. Mesmo depois deste discurso, a questão do fumo continuou a ser um problema nesse grupo, pois alguns não desejavam mudar.
Após a reunião, a central da Guarda Civil foi informada da partida iminente dos visitantes. Mas como viajariam os dezesseis quilômetros até Ciudad Real, a fim de pegar o trem para Madri, já que o único táxi no povoado estava com o pneumático furado? Bem, o irmão Franz contou mais tarde:
“À meia-noite, batemos na porta de um charreteiro e o tiramos da cama. Ele atrelou uma tartana, uma charrete de duas rodas, a um velho cavalo com chocalhos no pescoço. Depois de nos despedirmos de alguns amigos ali, subimos em quatro na charrete, junto com o charreteiro. Daí, durante as horas escuras da noite, fomos aos trancas e barrancos, ao tilintar dos chocalhos, para o oeste. . . . às 3 horas da madrugada, chegamos até a estação ferroviária de Ciudad Real.”
Os visitantes embarcaram no trem e regressaram a Madri a salvo. Mais tarde, naquele dia, tiveram uma reunião de despedida com o grupo de Madri, e, dentre as doze pessoas presentes, designou-se um superintendente presidente e dirigente de estudo da Sentinela, em caráter temporário.
No dia seguinte, os visitantes foram de avião até Barcelona. Durante a visita ali, designou-se uma comissão de serviço temporariamente, para se dar andamento à congregação de Barcelona de maneira organizada. Os designados foram Ramón Forné e Ramôn e Francisco Serrano.
Em 15 de maio, os visitantes tomaram o trem para Barbastro. A viagem levou dez horas, durante a qual o trem passou pelo famoso maciço de Montserrate, com sua formação peculiar de cumes que parecem dedos monolíticos apontando para os céus. No alto desta montanha há um mosteiro com a imagem de “Nossa Senhora de Montserrate”, conhecida também como a “Virgem Preta”, chamada assim porque se diz que a imagem ficou preta por causa das velas que se têm acendido aos pés dela no decorrer dos séculos.
Em Barbastro os visitantes foram recebidos por Nemesio Ores e sua família, bem como por pessoas interessadas. Duas reuniões foram realizadas em noites subseqüentes, e Nemesio foi designado para servir na qualidade de superintendente presidente temporário.
Mais tarde, os visitantes, de volta a Barcelona, falaram perante 20 pessoas, em 18 de maio de 1947. Antes de partirem dessa cidade, Ramôn Forné foi designado supervisor temporário de todas as atividades das Testemunhas de Jeová e suas congregações na Espanha
UM NOVO CAPÍTULO DO SERVIÇO DO REINO
Em dezembro de 1947, outros membros do Corpo Governante visitaram os cristãos na Espanha. Naquele tempo, os irmãos N. H. Knorr e M. G. Henschel puderam ajudar seus concrentes espanhóis em sentido espiritual. Junto com os visitantes, veio John Cooke que era então formado da Escola Bíblica de Gileade da Torre de Vigia (dos EUA). De fato, esse era o mesmo irmão que partira da Espanha em 1936, pouco antes de começar a guerra civil. Ele agora estava sendo designado para a península ibérica, a fim de organizar o trabalho na Espanha e em Portugal.
Um lugar que precisava de ajuda era Barcelona, onde funcionavam dois grupos distintos, em resultado de uma divisão cansada por diferenças pessoais. Quando o irmão Cocke chegou ao aeroporto ali, dois grupos pequenos de irmãos o cumpri montaram, mas não queriam cumprimentar-se entre si. Durante a primeira semana ou mais, a situação era tensa. Os irmãos estavam desorganizados e não faziam nenhum serviço de campo autêntico. Entretanto, em pouco tempo, o irmão Cooke conseguiu organizar um estudo da Sentinela, em conjunto, e, daí para frente, o ambiente melhorou de modo progressivo, embora levasse bastante tempo para sarar os senti mentes feridos.
Para reorganizar nossa obra na Espanha, a primeira coisa importante a fazer era reiniciar a atividade de casa em casa. Apresentou-se o seguinte protesto a essa sugestão: “Mas, irmão Cooke, aqui não é Londres e nem Nova Iorque. É a Espanha de Franco. Não se pode fazer aqui o serviço de casa em casa!” John pensava de outra forma. Portanto, começou sozinho, visitando salteadamente uma casa aqui e outra lá, de tal modo que nunca podia ser encontrado pela polícia, nem ser denunciado com êxito. Com este exemplo perante eles, os outros irmãos começaram a fazer o mesmo. Logo se deram conta de que, com tato, prudência e usando a Bíblia católica, podiam realmente pregar de casa em casa. Foi assim que a Espanha teve trinta e quatro publicadores do Reino que relatavam em 1948, seu primeiro ano do após-guerra de organizada atividade de pregação de casa em casa.
O grupo em Madri era mais fraco do que o de Barcelona. Não havia irmão habilitado para assumir a liderança ali, embora irmãs como Carmen Tierraseca e Natividad Bargueño seguissem quietamente a liderança da organização, apesar de algum “veneno” protestante em seu meio. As reuniões eram realizadas num subúrbio de Madri, no distrito de Valecas, na casa do protestante que tentara no passado controlar os irmãos em Torralba de Calatrava. Antes da chegada de John Cooke, esse protestante costumava dirigir o estudo da Sentinela, que durava as vezes quase três horas, sendo os comentários desta pessoa de trinta minutos de duração. John realmente não conseguiu melhorar a situação naquele tempo, visto que não havia irmãos habilitados disponíveis nessa época em Madri.
John partiu no trem de Madri para Ciudad Real, onde foi recebido pelos irmãos de Torralba de Calatrava. Nos primeiros dias, tudo foi bem e ele pôde realizar algumas reuniões excelentes com os irmãos, não obstante a rigorosa vigilância da Guarda Civil. Mais ou menos no quarto dia, porém, John adoeceu e teve de ficar acamado. Tinha febre e uma sensação estranha nos pulmões. Embora necessitasse muito líquido, a água naquele povoado não era nada boa. Para piorar a situação, não havia um médico adequado no povoado A medida que os dias iam passando, a situação piorava, não só para John, mas também para os irmãos que tinham esse estrangeiro “embaraçoso” nas costas, que despertava suspeita na Guarda Civil. Finalmente, John fez um grande esforço e viajou de volta para Barcelona, onde foi acolhido por Ramón e Francisco Serrano que cuidaram de que ele recebesse a assistência necessária em sua casa. Por algum tempo, o médico o visitava três vezes por dia, e até mesmo os irmãos pensaram que ele fosse morrer. Entretanto, o irmão Cooke conseguiu sair dessa prova, graças aos bons cuidados da família Serrano.
A fim de se recuperar, o médico recomendou que John Cooke passasse algumas semanas nas montanhas. Então, Nemesio Ores o convidou a passar algum tempo com sua família em Barbastro, mas ali também surgiriam problemas.
PRESOS POR SEREM TOMADOS POR MEMBROS DOS MAQUIS
Em Barbastro, John e Nemesio tiveram uma experiência incomum, embora típica. Nemesio escrevera com antecedência a uma pessoa interessada de nome Vicente para lhe anunciar a sua visita. Bem, quando o ônibus todo estragado parou para deixar os visitantes descer, estava ali à espera deles uma sinistra comissão de recepção — um sacerdote e quatro agentes bem armados da Guarda Civil. Estava por perto ali Vicente, com ar preocupado, nas suas roupas simples de camponês, e com um jumento para carregar a bagagem. Depois de se cumprimentarem, carregaram o jumento e tomaram o caminho que sobe para a aldeia. Mas, dois dos guardas passaram na frente deles e os dois outros os seguiam, junto com o sacerdote. Os irmãos haviam caído numa armadilha! Ao se aproximarem da aldeia, um dos guardas de trás gritou: “Parem! Mãos ao alto!” “Não argumentamos sobre isso”, disse John. “Revistaram-nos para ver se tínhamos armas e, daí, ordenaram-nos a continuar a nos dirigir para a casa do irmão. No ínterim, o sacerdote desapareceu, sua jogada tendo sido bem sucedida”.
O que se passara? Bem, Vicente havia lido a carta de Nemesio para sua família, mas a empregada a ouvira e, sendo católica, contara para o sacerdote. Ele, por sua vez, avisara a Guarda Civil de que elementos perigosos iriam visitar a Vicente. Naquele tempo, os maquis, refugiados políticos espanhóis, que tinham seu quartel general na França, amiúde atravessavam a fronteira para fazer operações de comando naquela região, e a Guarda Civil daquela localidade estava em estado de alerta. De modo que inventaram a acusação de que John e Nemesio eram agentes dos maquis.
Na casa de Vicente, explicou se aos guardas nossa verdadeira posição e eles partiram. Enquanto os três descansavam tomando uma xícara de café, os guardas voltaram e os prenderam. Por quê? Porque estavam supostamente realizando uma reunião ilegal. Os decretos de Franco haviam proibido reuniões de três ou mais pessoas sem autorização. Isto fez com que fossem interrogados desde a meia-noite até às cinco horas da manhã na mais próxima central de polícia da Guarda Civil. Depois disso, os três foram colocados numa cela de um convento abandonado, sob a vigilância de quatro soldados e um cabo. Passaram alguns dias naquele lugar, dormindo no chão em cima de colchões sujos e pagando para alguém trazer-lhes alimento de uma pensão no povoado de Graus. E isso era supostamente um período de convalescença para John!
Os três foram interrogados novamente por delegados que se mostraram bem-educados e respeitosos. No terceiro dia, chegou um telegrama procedente do governador da província, ordenando a soltura dos três. Finalmente, voltaram à casa de Vicente e ali continuaram a fazer a visita que haviam planejado.
Depois de passar cerca de três semanas com Nemesio, John Cooke voltou a Barcelona, onde o trabalho progredia bem, havendo uns quarenta publicadores do Reino que tomavam parte. Durante a celebração da Comemoração realizada na Espanha naquele tempo, noventa e seis pessoas compareceram e dezoito participaram dos emblemas. O número dos participantes havia aumentado por causa da influência do “irmão” protestante em Madri. Mas foi assim só até 1950, quando finalmente se tomou medida judicial contra ele. Com melhor entendimento, o número dos participantes diminuiu para três em 1956.
Como a obra progredia lenta mas firmemente na Espanha, decidiu-se que John Cooke fosse para Portugal. Ele partiu em agosto de 1948, não retornando para a Espanha senão em julho de 1951. Entretanto, os oito meses de associação antes de sua partida serviram para endireitar as coisas na Espanha. Estabelecera-se a ordem teocrática e é certo que surgiriam os frutos, apesar de todos os esforços de Satanás em sentido contrário.
PROBLEMAS EM TORRALBA
Em 18 de março de 1948, José Vicente Arenas e Pedro Garcia foram intimados a comparecer perante o prefeito do povoado e o chefe da Guarda Civil local de Torralba de Calatrava. O objetivo da entrevista era fazer os irmãos parar de realizar suas reuniões e impedi-los de pregar a outros. Pedro replicou que respeitariam as autoridades, mas que seria impossível deixarem de se reunir e de fazer a obra de pregação. (Atos 5:29) Contudo, a questão não terminou ali.
Em 10 de abril, a Guarda Civil interceptou e confiscou os pacotes de literatura que a Sociedade enviara de Brooklyn, Nova Iorque, e os irmãos que os receberam foram multados pelo governador civil da província. Alguns pagaram a multa e outros recusaram pagar, pois não haviam cometido nenhum delito. Mais tarde, a Sociedade passou a enviar a literatura para Barcelona e os irmãos ali a encaminhavam para Torralba. Contudo, era evidente que o grupo naquele lugar precisava depositar mais confiança em Jeová. Portanto, foram feitas novas designações para posições de responsabilidade e com isso melhorou o estado de espírito do grupo de Torralba.
O hábito de fumar representava um grande problema em Torralba. Praticamente todos os homens que se reuniam ali fumavam muito, mas evitavam fumar quando John Cooke estava presente. Certo dia, porém, Bienvenido González deliberadamente trouxe à tona a questão por fumar na presença de John. Em resultado disso, o assunto foi esclarecido mais uma vez e, segundo diz Bienvenido, “o conselho de John foi para alguns um novo incentivo para romper com esse vício detestável”.
LANÇADAS AS PRIMEIRAS SEMENTES DO APÓS-GUERRA NAS ILHAS BALEARES
Progredia a obra de pregação do Reino em outra parte da Espanha? Sim, a uns 160 quilômetros ao leste da costa mediterrânea da Espanha se acham as ilhas Baleares, que consistem principalmente em Majorca, Minorca, Iviça e Formentera. Até a década de 1940, o monopólio do catolicismo nessas ilhas não tinha sido alterado, mas isso mudaria, graças ao irmão Manuel Alexiades, o negociante grego que morava em Madre mas que também tinha propriedade em Majorca.
Na agência dos telégrafos, Manuel começou a dar testemunho um dia a um dos funcionários. Esse homem escutou a mensagem, não porque se interessasse realmente, mas porque a esposa dele era católica fanática e ele esperava que essa fosse uma oportunidade de acabar com o fanatismo dela. Desse modo, Manuel Alexiades pôde dar testemunho a Prudência Font de Bordoy, presidente da Ação Católica de Puerto de Potensa, um pequeno povoado na costa nordeste de Majorca. Ela aceitou algumas de nossas publicações.
Mais tarde, Prudência visitou uma amiga e lhe deu um tratado. Essa amiga ficou tão impressionada que o deu a sua filha Margarita. Bem, tanto Margarita como sua mãe mostraram interesse pela verdade, adquiriram mais publicações e começaram a estudar a Bíblia com Prudência. E que estudos eram — duravam das 3 horas da tarde até às 8 horas da noite! Uma vez, porém, Margarita se escondeu no seu quarto diante da perspectiva de outro estudo de cinco horas de duração. Mas daí, durante aquelas cinco horas, ela pensou no seu estratagema e se envergonhou do que fizera. Orou a Jeová, expressando seu desejo de estudar a Bíblia, mas não por cinco horas a fio com essa senhora!
Em 1949, Margarita e sua mãe estabeleceram seu próprio programa de estudo e seguiram-no por dois anos, dando ao mesmo tempo testemunho informal a seus vizinhos e amigos. A situação começou a melhorar em 1953, quando John Cooke lhes fez uma visita de três dias, ficando ele surpreso de ter uma assistência de vinte e seis pessoas numa reunião em Palma de Majorca.
Como Margarita tinha então vinte e seis anos de idade e tinha a habilidade de ensinar outros, John Cooke tomou a iniciativa, no fim do discurso, de fazer arranjos para que dez estudos bíblicos fossem iniciados com as pessoas interessadas que compareceram à reunião. Três dias de instruções inculcaram em Margarita um grande apreço da organização de Jeová, e também despertaram sua curiosidade sobre o serviço de pioneiro ou de pregação das boas novas por tempo integral. Em 1953, quando John Cooke assistia à assembléia cristã em Nova Iorque, ele enviou a Margarita uma petição para o serviço de pioneiro, que ela preencheu com prazer. Deste modo, em agosto daquele ano, Margarita Comas se tornou pioneira especial.
Naquela época, Paul Baker, um missionário formado da décima quinta classe da Escola de Gileade estava em Majorca já há mais de um ano. Pouco tempo depois de sua chegada, em 25 de março de 1952, Paul iniciara estudos bíblicos com duas famílias e logo as ajuntara para formar o primeiro estudo da Sentinela. Duas semanas depois de sua chegada, era época da Comemoração, e vinte e uma pessoas compareceram à celebração, sem que houvesse nenhum participante dos emblemas. No fim daquele mês, cinco publicadores relatavam serviço de campo pela primeira vez e dirigiam quatro estudos bíblicos. O irmão Baker continuou a apoiar a congregação de Majorca até 1957, ano em que foi expulso do país.
NOTÁVEIS AUMENTOS EM BARCELONA E EM MADRI
No decorrer dos anos que vamos passar em revista, a supervisão da obra de pregação na Espanha sofreu algumas mudanças. Pouco depois da chegada do irmão John Cooke, Ramôn Forné foi substituído por Luis Buj, que logo em seguida teve de voltar para a Argentina. Daí, em 1950, o irmão Pedro Pérez foi designado a essa responsabilidade. Entretanto, ele havia sido antes um anarquista, e, durante a agitação que existia naquele tempo, ele veio a estar sob rigorosa vigilância policial. Naturalmente, ele havia abandonado toda atividade política e explicou isso à polícia. Entretanto, em razão desses problemas, Pedro escreveu à Sociedade e sugeriu que outro irmão fosse designado para cuidar da obra. Conseqüentemente, Jorge Miralles, que viera da Argentina, recebeu esse privilégio.
Aqui parece oportuno rever brevemente a situação em Madri. O homem que já mencionamos, que tinha um ponto de vista protestante, dirigia nessa área o estudo da Sentinela e misturava suas próprias idéias protestantes com o que a revista dizia. De fato, informou-se que, depois da reunião, os homens presentes tiravam o seu cigarro e fumavam enquanto conversavam sobre coisas em geral. Imagine só!
Depois de ficar sabendo da situação em Valecas, no distrito de Madri, Pedro García, o irmão de Torralba de Calatrava, foi a Madri e, em 16 de dezembro de 1949, reuniu-se com os irmãos ali, exceto o protestante. Como resultado desta conversação e correspondência com a Sociedade, Luis Feito e Eulogio González foram designados para posições de responsabilidade na congregação.
Foram realmente dramáticos os desenvolvimentos em Madri na celebração da Comemoração em 1.º de abril de 1950. Em 31 de março, Pedro Garcia chegou a Madri e foi primeiro considerar o assunto da Comemoração com o protestante. Foi impossível chegar a um acordo sobre a data ou sobre quem somente devia participar dos emblemas, contudo esse protestante é que iria dar o discurso! No dia seguinte, Pedro foi ao local da reunião com seu “irmão” idoso e encontrou ali cerca de vinte pessoas que na maioria lhe eram totalmente desconhecidas. Perguntando quem eles eram, foi informado de que eram protestantes e Adventistas que esse “irmão” havia convidado para a reunião. Ele havia astutamente aumentado a assistência convidando pessoas de sua própria laia.
Pedro Garcia agiu rapidamente e aconselhou Eulogio González a falar perante o grupo antes de começar o discurso da Comemoração. Ele tinha de esclarecer sobre a data e os participantes, em harmonia com a carta recebida da Sociedade Torre de Vigia. Bem, isto teve o efeito de uma bomba para o “irmão” protestante que não o esperava. A reunião entrou em comoção. O protestante e seus seguidores se retiraram, e Pedro García acabou dando o discurso da Comemoração.
Com isso, terminou a influência desse protestante. Ele recusou aceitar a orientação do “escravo fiel e discreto” e não respeitou as designações dos irmãos responsáveis na congregação. (Mat. 24:45-47) Por conseguinte, foram descontinuadas as reuniões em sua casa, sendo elas realizadas na casa de Eulogio González, no bairro madrileno de Ventas.
DESIGNAÇÕES DOS PRIMEIROS PIONEIROS NA ESPANHA
Com a chegada dos missionários treinados em Gileade, como John Cooke, Ken Williams, Bernard Backhouse e Paul Baker, começou a se desenvolver o espírito de pioneiro entre alguns do pequeno grupo de proclamadores do Reino na Espanha. Em 1949, havia apenas cinqüenta e três publicadores no país que se associavam com seis grupos. Destes surgiu a primeira pioneira espanhola, Maria Gomes, de Barcelona.
Em 1950, atingiu-se um novo número máximo de 93 publicadores. No ano que se seguiu, aumentou para 121, e daí, para 145 em 1952. Esse último ano marcou um ponto decisivo para o campo espanhol, com a designação de quatro pioneiros especiais, três dos quais eram espanhóis — Máximo Murcia, de Torralba de Calatrava, Luis Feito e Maruja Puñal, de Madri, e Raimundo Avoletta, que era brasileiro. Em 1977, havia 591 pioneiros especiais trabalhando sob a direção da filial da Espanha.
FORTALECE-SE A ORGANIZAÇÃO
As visitas edificantes por parte de membros do Corpo Governante continuaram nos anos 50. Por exemplo, o irmão F. W. Franz visitou novamente a Espanha em julho de 1951. Um evento memorável durante essa visita foi a reunião ao ar livre fora de Madri. Nessa ocasião, diversos irmãos de Torralba, que haviam sido batizados em 1946, mas não por uma pessoa batizada, decidiram ser rebatizados. O irmão Franz deu o discurso de batismo em espanhol e John Cooke fez o batismo no rio Jarama. Este contato direto e pessoal, em espanhol, com um membro do Corpo Governante foi um grande encorajamento para os vinte e oito irmãos presentes.
Em Granada, foi preciso tomar precauções, de modo que os irmãos fizeram suas reuniões num quarto de hotel. Granada, no coração de Andaluzia, é rica em vestígios e recordações da civilização árabe. Os irmãos F. W. Franz e John Cocke visitaram o palácio de Alhambra, construído em grande parte nos séculos treze e quatorze pelos árabes, ou mouros, conforme são mais comumente conhecidos ali. É interessante que todo o trabalho em mosaico, em azulejos e em estuque de Alhambra reflete a repugnância dos muçulmanos a qualquer coisa que cheire a idolatria. Como nos damos conta disso? Bem, todos os desenhos artísticos se baseiam em arabescos geométricos e em formas caligrafias.
Falando-se de passagem, em 1950, um irmão da Argentina visitou sua cidade natal de Granada e falou da verdade a diversos homens ali. Quatro assinaram logo para A Sentinela e realizavam “reuniões” particulares, que na realidade eram debates, no palácio de Alhambra, aberto ao público. Mais tarde, essas reuniões foram transferidas para um porão residencial em Sacromonte, nos arrabaldes de Granada. É interessante notar que este pequeno grupo observava a Comemoração anualmente, indo a um lugar isolado na colina de Sacromonte e lendo ali um artigo da Sentinela enquanto o sol se punha. Com o tempo, formou-se uma congregação cristã em Granada.
Os irmãos N. H. Knorr e M. G. Henschel visitaram novamente a Espanha em fevereiro de 1952. Foram organizados naquele tempo cinco estudos da Sentinela em Barcelona, e foram dadas diretrizes para futuras reuniões e para a obra de pregação na Espanha. Como havia necessidade de grande precaução, a fim de se evitarem problemas desnecessários com as autoridades, sugeriu-se então que os irmãos se reunissem em oito ou doze pessoas. Nessa ocasião, o irmão Bernard Backhouse foi designado para o trabalho de circuito entre as congregações.
Devido à escassez de nossas publicações, foram tomadas medidas originais na Espanha. Ao encontrarem no trabalho de casa em casa uma pessoa genuinamente interessada, os irmãos lhe emprestavam um livro e começavam um estudo bíblico com a pessoa. Daí, enviavam o endereço dela para a matriz da Sociedade em Brooklyn, E. U. A., donde se enviava um exemplar do livro pelo correio à pessoa. O publicados recebia então a contribuição pelo livro remetido e tomava de volta seu exemplar que havia emprestado. Este arranjo foi descontinuado mais tarde, mas foi muito útil por algum tempo.
Os irmãos Knorr e Henschel voltaram à Espanha em janeiro de 1953, e veio a ser a última visita da qual John Cocke pôde participar. Foram realizadas reuniões em Barcelona e em Madri, com boas assistências. Em Madri, os irmãos visitantes conferenciaram com os irmãos CooKe e Backhouse, e decidiu-se que a Espanha e Portugal deviam tornar-se então uma só filial da Sociedade, John Cooke sendo o superintendente de filial.
Durante essa visita, o irmão Knorr sugeriu que se usasse de cautela, especialmente na organização de assembléias. Ele achou que seria melhor mantê-las a um tamanho de piquenique, de trinta a quarenta pessoas, ao invés de procurarem ter assistências de cem pessoas ou mais. Essas assembléias “piqueniques” eram realizadas nos montes e nos bosques em toda a Espanha até que a nossa obra foi legalizada em 1970. Só em poucas ocasiões houve interferência da polícia.
Em julho de 1953, John Cooke foi convidado a assistir à assembléia internacional do povo de Jeová na cidade de Nova Iorque. Depois do congresso, ele voltou para Portugal e realizou uma assembléia “piquenique” perto de Lisboa, a fim de contar os pontos importantes do congresso em Nova Iorque. Daí, embarcou no trem para Madri, mas, ao chegar à fronteira da Espanha, foi detido pela polícia, e não se lhe permitiu entrar no país. Em maio de 1954, ele tentou atravessar novamente a fronteira da Espanha, mas não teve êxito. Seu nome estava na “lista negra”. John Cooke nunca mais voltou à Espanha para efetuar seu trabalho missionário, mas a pregação do Reino estava firmemente fundamentada e progrediu sob a influência do espírito santo de Jeová. Entretanto, John Cooke continuou seu serviço missionário na África e ainda serve no Betel da África do Sul.
PERSEGUIÇÃO ORGANIZADA
Com o começo da obra de pregação organizada na Espanha, veio também a perseguição organizada. Permanecendo praticamente ocultas, as seitas protestantes não haviam provocado nenhuma reação do clero católico, embora houvesse, segundo se supunha, mais de 30.000 protestantes na Espanha. Mas a atividade de um mero punhado de Testemunhas de Jeová provocou logo a ira do clero católico. Por fim, seu monopólio estava sendo desafiado. Portanto, o que fez o clero? O mesmo que no tempo da Inquisição, fez a denúncia, mas deixou que o braço do estado efetuasse o trabalho sujo.
Podemos ilustrar essa perseguição citando a experiência de Natividad Puñal, filha de Nati Bargueño. Certo dia, em 1953, essa jovem de dezessete anos de idade estava fazendo o serviço de campo com uma pioneira especial. Numa das revisitas, apareceu um homem e começou a fazer perguntas agressivamente. Essa pessoa ergueu a voz, e mais membros da família apareceram na cena. Finalmente, o homem em questão identificou-se como policial. Ele levou as duas Testemunhas para um lugar onde havia uma capela católica, e conduziu-as perante uma pessoa que, embora não estivesse em traje de sacerdote falou como se o fosse. Dali, foram levadas para uma delegacia de polícia, onde suas pastas foram revistadas, sendo seus folhetos e suas Bíblias confiscados. As duas foram interrogadas por bastante tempo e, depois de um segundo interrogatório, foram levadas perante o chefe da Brigada Social da polícia secreta. Ao chegarem ali, foram imediatamente lançadas numa cela semelhante a um calabouço. Logo Nati se encontrou ‘numa cela no meio de ladras, prostitutas e lesbianas. Mas, mesmo nessas circunstâncias, ela aproveitou a oportunidade de dar testemunho.
Aquela noite, quando as outras estavam dormindo, Nati foi levada a um aposento e interrogada novamente. As perguntas “amistosas” de início logo se desenvolveram em perguntas mais específicas, pois o chefe dos interrogadores queria saber quem dirigia nossa obra, quantos a faziam, onde moravam, etc. Até mesmo mostrou uma fotografia de um grupo de Testemunhas, em que Nati estava, bem como cartas da Sociedade e outros itens retirados do quarto da pioneira especial.
Nati conseguiu responder de maneira a proteger seus concrentes. Com efeito, ela se sentia muito feliz de não saber os endereços dos irmãos estrangeiros. Por fim, terminou o interrogatório e Nati foi conduzida de volta para a cela comunal. No dia seguinte, ela foi colocada numa pequena cela individual, a espécie usada para prisão solitária. Passou ali dois dias até completar o máximo de setenta e duas horas que podia ser retida por lei sem acusação oficial.
Mas, não foi o fim do assunto. Algumas semanas mais tarde, Nati teve de se apresentar perante o tribunal da polícia, e foi denunciada pelo escândalo que havia causado. Seu acusador foi o próprio policial que havia originado o problema. Surpreendentemente, porém, houve uma súbita reviravolta! O policial disse: “Não houve nenhum escândalo.” Pressionado pelo juiz, ele meramente contestou: “Fiquei escandalizado de saber que não acreditam na Virgem Maria.” Finalmente, o caso foi encerrado. Mas, ao saírem da sala de audiência, o policial acusador aproximou-se de Nati e sua companheira e disse: “Pensei que fossem outra espécie de pessoas, e peço-lhes que me desculpem.”
Essa não foi a única experiência de Nati numa prisão. Dois anos mais tarde, ela foi parar na mesma prisão e pelo mesmo motivo — por pregar a Palavra de Deus. Sua irmã Maruja foi também presa por declarar as boas novas. Ela teve de contender com lesbianas reclusas e lutar com ratos durante seu encarceramento. Não obstante suas experiências carcerárias, essas moças, porém, continuaram no serviço de Jeová, que abençoou seus esforços diligentes.
A BÍBLIA NA ESPANHA
É preciso lembrar que durante séculos a Espanha foi mantida em ignorância quanto a Bíblia, ignorância tal que até mesmo em 1950 era considerada um perigoso livro protestante, que não devia ser lido pelos católicos, salvo se tivessem elevada cultura. Tal ignorância pode ser exemplificada na experiência que Vicente Páramo teve enquanto pregava a um sapateiro em Madri. Sua apresentação foi interrompida pela seguinte exclamação do sapateiro: “Mas você vem aqui para me falar da Bíblia como se eu não soubesse nada da Bíblia! Vou contar-lhe que já li Dom Quixote sete vezes!” Don Quixote é, naturalmente, a famosa novela do escritor espanhol Miguel de Cervantes.
Em outra ocasião, uma irmã estava dando testemunho a uma senhora, mencionando diversas vezes a Bíblia Sagrada, que em espanhol é a Santa Bíblia. Finalmente, a senhora exclamou: “Conheço quase todas as santas da igreja, do calendário inteiro, mas nunca ouvi falar desta Santa Bíblia!” Ela estava confundindo Santa Bíblia, a Bíblia Sagrada, com as santas dela, tais como Santa Maria e Santa Lúcia.
Considere agora a experiência de Sinforiano Barquín, de Bilbau, no distrito de Begoba. Depois que seu primo da Venezuela lhe falou sobre a verdade de Deus, ele foi ter com o sacerdote para pedir permissão de tomar emprestado da biblioteca um exemplar da Bíblia, a fim de o considerar com o grupo da Ação Católica ao qual ele pertencia. A resposta? “Há muitos outros livros a considerar sem ser a Bíblia!” Não satisfeito, Sinfo levou sua Bíblia, versão Valera (protestante), a outro sacerdote que gastou quase meia hora para encontrar Isaías 7:14. Sem se desanimar, Sinfo foi depois disso perguntar a um sacerdote muito conhecido, que tinha programa no rádio, porque a Igreja não ensinava que os mansos herdarão a terra, como diz o Salmo 37 (Vs. 11; compare com Mateus 5:5.) “Bem”, disse o clérigo, “isto significa simplesmente que os mansos viverão mais tempo na terra. . .. e essa Bíblia — quer deixá-la comigo ou queimá-la você mesmo?” Algum tempo depois, num debate público, Sinfo Barquín manejava tão bem a Bíblia que esse mesmo sacerdote, que tinha programa no rádio, deixou escapar o seguinte: “Quão bem o treinaram em tão pouco tempo!”
O uso da Bíblia na obra de pregação do Reino não era sem problemas. Por exemplo, certo dia, um menino foi a casa da irmã Engracia Puhal, em Toledo, levando uma carta que a convidava a voltar a certa casa para explicar mais sobre a Bíblia. Ela havia visitado a casa duas vezes e falara com uma senhora, mas agora o marido desejava falar com ela. Quem acabou indo lá foi o filho da Engracia, Manolo, junto com Vicente Páramo. Apareceu na porta uma senhora e disse que ia chamar o marido. Ele veio para fora e pediu que Manolo lhe mostrasse o livro que tinha. Era a Bíblia, versão Nácar-Colunga. O homem a pegou e disse: “Como você está fazendo uso errado deste livro, se o quiser de volta, terá de ir amanhã ao sacerdote da paróquia para recebê-lo!” O homem recorreu a linguagem áspera e bateu no Manolo, mandando as duas Testemunhas ir embora.
No dia seguinte, Manolo foi ao pároco da igreja para reclamar sua Bíblia. Ali o sacerdote o atacou perante outras pessoas, golpeando-o diversas vezes. Daí, o clérigo chamou a polícia e mandou que o levassem embora. A polícia prendeu também a mãe de Manolo, Engracia, e ambos ficaram presas por cinco dias. Enquanto estavam encarcerados, a polícia foi à casa de Engracia para a revistar, mas Paz, sua filha adolescente disse aos policiais que a mãe estava na prisão. Eles ficaram surpresos de saber que ela ainda estava na prisão e telefonaram imediatamente para que a soltassem. Ela fora detida por cinco dias, ao passo que a lei só permitia o máximo de três, sem acusações.
ATIVIDADE INTENSIFICADA POR PARTE DO CLERO E DA POLÍCIA
Nossa incrementada obra de pregação de casa em casa provocou a reação do clero e especialmente do arcebispo de Barcelona. Ele publicou uma carta pastoral no boletim oficial de sua diocese, mas foi impressa por extenso em três edições do jornal da cidade, La Vanguardia Española, de 19 a 21 de março de 1954. A carta descrevia duas classes de inimigos da Igreja Católica — os protestantes, que procuravam convencê-los dentre os pobres por lhes oferecerem ajuda financeira, e os outros eram os que iam de casa em casa oferecendo livros, folhetos, revistas e tratados. Obviamente, a última referência era às Testemunhas de Jeová, embora só fôssemos mencionadas por nome uma vez na sua longa carta pastoral.
A carta convidava as autoridades a aplicar a lei e a não permitir propaganda pública e o proselitismo por parte das seitas protestantes. Passava a dizer: “Toleramos prudentemente o joio . . . mas não podemos tolerar a plantação do joio.” Na conclusão, eram feitas cinco recomendações aos fiéis católicos, a última sendo: “Façam uso da lei. É o último recurso a ser usado, mas que não devemos e não podemos abandonar, se surgir o caso, para impedirmos que sejam semeados erros e heresias entre os católicos . . . Às vezes, a simples ameaça disso será o suficiente para fazer parar seus esforços.” A carta era acompanhada de uma circular que descrevia a luta como sendo verdadeira cruzada, o próprio arcebispo “encabeçando a cruzada em prol da união católica”.
O rádio, as escolas, as igrejas e a Ação Católica, todos atenderam ao apelo lançado contra as Testemunhas, e aconselhavam as pessoas a convidá-las a suas casas — e daí chamar a polícia. Como tremiam os monopolizadores religiosos, e isso diante da atividade de apenas uns 130 publicadores em toda a Barcelona! Os missionários Álvaro e Marina Berecochea escaparam por um triz dos sacerdotes e da polícia. Certa vez, Álvaro estava visitando a congregação Paralelo como superintendente de circuito e estava testemunhando com dois publicadores, Joaquim Vivancos e Eduardo Palau. Em certo lugar, esses dois publicadores estavam fazendo uma revisita, mas a dona da casa se antagonizou e fechou-lhes a porta no rosto. Daí, pelo que parece, ela telefonou para a polícia.
No ínterim, Álvaro estava vigiando a porta de entrada do edifício e viu dois homens correndo em sua direção. Puxaram-no para dentro, empurraram-no contra a parede e o revistaram brutalmente, tirando-lhe a pasta. Naturalmente eram agentes da polícia secreta. Um deles ficou com Álvaro e o outro subiu as escadas e trouxe os irmãos Vivancos e Palau a ponta de arma. Os três foram levados para a delegacia de polícia, mas, a caminho, o irmão Palau rasgou furtivamente alguns papéis com anotações e os jogou fora, caso contivessem nomes que pudessem incriminar outros. Essa vez os irmãos saíram com um aviso, mas o caso não foi referido a central de polícia em Via Laietana. Realmente, escaparam por um triz.
Em Madri também a polícia foi instigada a intensificar sua atividade contra as Testemunhas. Entre 1953 e 1958, o pioneiro especial Máximo Mutuai foi preso onze vezes por períodos que variavam de uma noite a um mês. Desse modo ele chegou a conhecer diversas das celas frias e sujas de diferentes delegacias de polícia da cidade.
EXPULSO UM MISSIONÁRIO
A vigilância policial levou também a expulsão de um dos missionários de Gileade em 1954. Por causa do inverno muito rigoroso naquele ano, enquanto servia em Bilbau, Bernard Backhouse viajou para Barcelona e ficou na casa da família Miralles. Descobriu-se então que ele estava com febre tifóide, o que significava que ele permaneceria com essa família por tempo considerável.
Na casa dos Miralles, como em muitos apartamentos na Espanha, a água era aquecida por meio de um pequeno aquecedor a gás com piloto de gás. Certa noite, enquanto todos estavam deitados, houve um estouro no piloto de gás do aquecedor, e, aos poucos, o apartamento ficou cheio de gás. De alguma maneira, a filha se dera conta de que algo havia acontecido e se dirigiu, cambaleando, até a porta, e pediu socorro. Chegou uma ambulância e se administrou oxigênio à irmã Miralles e ao irmão Backhouse. Naturalmente, este incidente causou certa sensação na vizinhança e também foi noticiado nos jornais, aparecendo os nomes dos envolvidos, que incluía o de Bernard Backhouse.
No dia seguinte, um inspetor da polícia secreta visitou o irmão Backhouse e fez-lhe compreender que, por causa de suas conhecidas atividades religiosas, ele era “persona non grata”. Por causa de seu estado de saúde, não foi expulso imediatamente, mas ao se recuperar tinha de deixar a Espanha. Com a sua partida para Portugal, só ficaram de resto na Espanha quatro missionários — Paul Baker, em Palma de Marjoca, Ken Williams e os Berecocheas, em Barcelona.
Pode-se mencionar que nem mesmo a caixa postal que a filial da Sociedade havia comprado para seu uso permaneceu inviolada naquele tempo. Foi arrombada e a correspondência foi aberta. Em conseqüência disso, quando a polícia interrogou uma pioneira especial, pôde provar que ela se comunicara com o escritório filial por lhe mostrar fotocópias das próprias cartas dela. Ainda assim, a lei garantia a inviolabilidade de toda correspondência!
ATAQUE DA IMPRENSA FALANGISTA
Os 200 publicadores do Reino que pregavam na Espanha em 1954 causaram uma reação pânica da parte da filial de Barcelona do movimento político falangista. Sua revista mensal de outubro daquele ano trazia a manchete: “Perigo de Heresia! As testemunhas de Jeová tocam as campainhas de nossas casas numa tentativa diabólica de subversão.” O artigo, nas páginas 8 e 9, reproduziu páginas de Despertai! em espanhol, junto com páginas de dois dos nossos folhetos. Esses extratos davam um testemunho mais objetivo das Testemunhas do que o artigo injurioso que os acompanhava. O artigo até mencionava os nomes de Bernard Backhouse e de John Cooke como sendo as primeiras Testemunhas importantes a serem enviadas à Espanha para “semearem as sementes da seita em nossa Pátria”.
As duzentas testemunhas de Jeová foram chamadas de pseudo-espanhóis, por terem abandonado a Igreja Católica. Eram também chamadas de comunistas imbecis e de tarados sexuais! Apareceram outros artigos críticos na revista Diez Minutos e no jornal Heraldo de Aragón. Entretanto, esses ataques de modo algum diminuíram o zelo dos irmãos.
PANE POR CONVENIÊNCIA
Foi em agosto e setembro de 1955 que o irmão F. W. Franz visitou novamente a Espanha. Um dos lugares que ele junto com Álvaro e Marina Berecochea visitaram foi Torralba de Calatrava. Como os visitantes não queriam suscitar suspeitas, ao se aproximarem de carro da oficina do irmão Pedro Garça, naquele pequeno povoado, Álvaro desligou o motor e parou o carro, como se estivesse em pane. Saiu do carro, levantou a capota do motor e pretendeu que algo não estava funcionando, daí foi até à casa de um morador naquela localidade e perguntou se havia alguma garagem ou oficina por perto. Naturalmente, isto os conduziu à casa e a oficina mecânica do irmão García. Pedro saiu para olhar o motor e disse que era necessário levar o carro para dentro de sua garagem, visto que o problema parecia ser complicado. Com isso, o carro foi levado para dentro da oficina, as portas foram fechadas . . e daí, que alegria! Foram abraçados pelos irmãos que estavam reunidos ali na casa de Pedro aguardando os visitantes para os acolher.
Ao cair a noite, os visitantes tinham de atravessar parte do povoado para chegar até o local onde se realizaria a reunião. Para não chamar atenção para si, Álvaro e o irmão Franz usaram boinas e também casacos de pele de ovelha, típicos daquela região. No meio da escuridão, seguiram uma irmã que os conduziu a um celeiro onde a congregação os esperava. Com efeito, os irmãos já os estavam esperando há três horas, e ainda assim permaneceram mais duas ou três horas para ouvir os discursos e gozar da associação dos irmãos visitantes. Finalmente, depois do jantar, os três visitantes saíram da garagem dentro de seu carro “consertado” e partiram sob o manto da escuridão.
Durante a sua visita, o irmão F. W. Franz foi também a Palma de Majorca. Essa visita se deu em 30 de agosto, e setenta e cinco pessoas assistiram às reuniões realizadas ali. Foi um total excelente, visto que havia apenas trinta e dois publicadores em Palma de Majorca.
DETIDOS PELA POLÍCIA!
A semana que se seguiu foi reservada para a assembléia em Barcelona, uma reunião que seria realmente realizada num lugar secreto, nos bosques do monte Tibidabo. Como o número dos que assistiriam ascenderia a centenas de pessoas, Álvaro Berecochea começou a ficar preocupado quanto ao êxito e quanto a se se guardaria sigilo desse arranjo. Sua preocupação aumentou quando um irmão de Manresa lhe disse que a polícia havia revistado a casa dele naquela semana e havia levado embora o suplemento do Informante (agora Nosso Serviço do Reino) que anunciava esse arranjo de assembléia. Álvaro ficou mais alarmado ainda quando uma irmã lhe disse que havia reconhecido um inspetor de polícia entre os que iam ao local da assembléia. Outrossim, o homem estava trajado como se fosse para piquenique. O irmão Berecochea decidiu consultar o irmão Franz sobre o que se devia fazer. A resposta? “Vamos continuar e confiar no que Jeová permitir que aconteça.”
Entre outros, o irmão Franz estava no programa naquela manhã. Depois de seu discurso, havia uma sessão de experiências, dirigida por Antônio Brunet Jr. Ele estava entrevistando o idoso irmão Mariano Montori, de Saragoça, quando começaram os problemas sérios. Paul Baker conta: “Ele mal acabava de contar sua experiência quando notei que um jipe parou atrás de outro veículo numa clareira do bosque, ao pé da colina, atrás da tribuna . . . Quatro homens em traje de piquenique saíram do jipe e começaram a subir rapidamente a encosta até o local da assembléia. Logo começaram a correr, sendo encabeçados por um homenzinho de calças rancheiras e de camisa desabotoada no pescoço. A essa altura, diversos irmãos haviam notado esse grupo, e se perguntavam que seria esta próxima demonstração. Quando o grupo chegou ao alcance dos ouvidos dos irmãos, o homenzinho que encabeçava os outros gritou com toda a força de seus pulmões: ‘Ninguém se mexa, senão atiro!’ Ele agitava uma arma de fogo . .. Esta era realmente uma demonstração nova. . .. O homenzinho colocou seus companheiros em pontos estratégicos e deu ordens para que todas as máquinas fotográficas fossem entregues. Um dos cúmplices deles, que estava sentado em nosso meio, manifestou sua presença, e a assistência inteira compreendeu então que estava cercada pela polícia secreta.”
Os homens dentre nós foram levados em caminhões para a central de polícia em Barcelona. Enquanto alguns irmãos esperavam pacientemente para que os caminhões voltassem, visto que todos não podiam ir de uma só vez, davam testemunho e, pelas conversações, compreenderam que a polícia pensava que havia despistado um grupo político! De qualquer forma, a maioria dos homens, inclusive os estrangeiros, os irmãos Franz Berecochea, Williams e Baker, foram parar na central de polícia. A polícia obteve pormenores a respeito de todos, bem como lhes tirou as impressões digitais. No local da assembléia, a primeira coisa que fizeram foi confiscar todas as máquinas fotográficas, que foram devolvidas naquela noite sem os filmes dentro. Assim, conseguiram um registro fotográfico de muitos irmãos, e asseguraram-se de que mais tarde não aparecessem fotografias incriminatórias na imprensa estrangeira.
Durante os interrogatórios, os irmãos começaram a notar que estava acontecendo algo anormal entre os policiais. O que acontecera? Bem, a mãe e a cunhada de Álvaro Berecochea haviam fugido do local da assembléia e ido ao consulado norte. americano para avisar que F. W. Franz, cidadão norte-americano, havia sido preso. O cônsul entrara em contato com a polícia, e, naturalmente, esta espécie de publicidade era a última coisa que a polícia desejava. Por conseguinte, todos os estrangeiros foram postos em liberdade, exceto Álvaro.
O irmão Berecochea foi levado para seu domicílio que foi revistado. Entretanto nada foi encontrado por causa de certas circunstâncias. O irmão Francisco Serrano havia conseguido escapar da polícia e estava de volta em casa cedo naquela tarde. Ao mesmo tempo, a irmã Teresa Royo, dirigindo-se para a assembléia, para a sessão da tarde, passou na casa de Francisco e ficou sabendo da batida da polícia. Como ela morava no apartamento que ficava em frente do domicílio de Álvaro e Marina, Francisco lhe disse que voltasse rapidamente e retirasse dali os arquivos e os escondesse. Ela fez isso com a ajuda de Teresa Carbonell. Assim se deu que a polícia foi embora praticamente de mãos vazias. Estava lidando com “pombas” que revelaram ser tão cautelosas como serpentes. — Mat. 10:16.
Que efeito teve esse ataque da polícia sobre os irmãos e as pessoas interessadas? Bem, não se tomou nenhuma ação adicional contra os irmãos, embora uma minoria muito pequena se tornasse vítima do temor do homem. Talvez também temendo alguma repercussão financeira, deixaram de se associar com o povo de Jeová. Os demais, porém, foram fortalecidos, revigorados e unificados mais firmemente em resultado dessa experiência.
A obra não sofreu, pois, nenhum afrouxamento. Em 1955 gozamos de um auge de 366 publicadores, ao passo que o ano de 1956 registrou um novo auge de 514, um aumento de 35 por cento sobre o ano anterior. O número dos pioneiros especiais subiu de 12 para 21, e o número dos missionárias da Escola de Gileade, de quatro para nove. A tendência era de aumento de atividade em todos os respeitos.
Entre 1955 e 1957, o trabalho da filial foi supervisionado por Álvaro Berecochea, com a ajuda de Ken Williams e de Domenick Piccone. Depois do cerco da assembléia de Tibidabo, Álvaro continuou a dirigir a obra trabalhando em seu domicílio, daí, por volta de setembro de 1956, o escritório foi transferido para a casa de Francisco e Antonia Rodríguez. Por outro lado, o trabalho de expedição de literatura foi feito num pequeno aposento que o irmão Brunet tinha posto à disposição na sua loja de rádios.
SUPERINTENDENTE ITINERANTE
Em meados da década de 1950, Alvaro Berecochea serviu por algum tempo na qualidade de superintendente de circuito. Ele procurou edificar os irmãos espiritualmente, mas também enfrentou alguns problemas.
Por exemplo, a “congregação” de Barbastro havia desaparecido! Como era isso possível? Bem, é que ela só existia no papel. A inexperiência e falta de organização fizeram com que fossem contados como publicadores pessoas que nem sequer se associavam com a organização de Jeová, muito menos pregavam as boas novas. Todavia, Nemesio Ores e seus meninos estavam certamente fazendo empenho de dar testemunho, especialmente de modo informal, durante suas viagens de negócio como relojoeiros itinerantes.
A primeira visita de circuito que Alvaro Berecochea fez a Torralba de Calatrava foi das mais memoráveis. Ele viajou de Madri a Daimiel de trem, chegando ali às 22 horas. Havia três irmãos que o esperavam na estação, mas ele não via nenhum meio de transporte para viajar os quinze quilômetros até Torralba. Daí, ele viu três bicicletas. Sim, três bicicletas para quatro pessoas! Eles já tinham combinado tudo. Cada um deles levaria por turno o superintendente de circuito sobre o tubo da bicicleta que liga o guidão com o selim. Era uma noite de inverno, fria e sem lua, e, durante o percurso, o silêncio era interrompido pelos ofegos e resfôlegos, e pelas ocasionais paradas dos carregadores sem fôlego para mudar a “carga”, à medida que prosseguiam as silhuetas sombrias seu caminho através da campina.
Apesar das dificuldades da viagem, a visita revelou ser uma bênção espiritual para a pequena congregação de Torralba. Convém acrescentar que, no decorrer dos anos, a influência deste pequeno grupo de cristãos naquele pequeno povoado de 5.000 habitantes, se fez sentir em muitas partes da Espanha, visto que pastores antes analfabetos aprenderam a ler e a escrever e se mudaram para regiões onde podiam expandir seu serviço a Jeová.
OS ANOS 50 — UMA DÉCADA DE EXPANSÃO DO SERVIÇO DE PIONEIRO
No decorrer dos anos 50, muitos proclamadores do Reino procuraram aumentar seus privilégios de serviço. O número dos publicadores de tempo integral subiu assim de um em 1950 para 102 em 1960. Durante o mesmo período, o número dos pioneiros especiais aumentou de nenhum para 40. Tanto Barcelona como Madri foram notáveis em produzir proclamadores de tempo integral das boas novas durante esse período.
Quais foram os resultados do serviço dos pioneiros? Bem, considere o que ocorreu na província de Málaga. Em fins de 1957, Carmen Novaes e Anita Berdún começaram a servir ali, sendo as primeiras pioneiras naquela vizinhança desde 1936 quando Frank Taylor visitou Manuel Oliver Rosado. Naturalmente, o irmão Oliver havia perdido contato com a organização e as irmãs não sabiam nada a respeito dele. Ele só foi “redescoberto” alguns anos mais tarde, por volta de 1964. Entretanto, Carmen e Anita trabalharam arduamente, e, em questão de oito meses, quinze pessoas já assistiam ao estudo da Sentinela, e seis publicadores do Reino estavam participando com elas no serviço de campo.
Havia grande necessidade do serviço de pioneiro naquele tempo? Certamente! Para ilustrar: Em 1956, havia 514 publicadores ativos que declaravam as boas novas, mas encontravam-se principalmente em Madri, Barcelona, Valência e Palma de Majorca. De modo que apenas quatro das cinqüenta capitais provinciais estavam recebendo testemunho organizado. Por conseguinte, pode-se apreciar que a mão de Jeová não tem sido curta no campo da Espanha, pois vinte e um anos mais tarde, em 1977, havia mais de 482 Salões do Reino espalhados em todas as cinqüenta províncias da Espanha. Isto testifica a favor da atividade industriosa dos publicadores de congregação, dos pioneiros e dos pioneiros especiais na Espanha!
OUTRAS VISITAS EDIFICANTES
A mão de Jeová certamente não foi curta com referência ao interesse demonstrado para com a Espanha por parte dos membros do Corpo Governante. Suas visitas foram constantemente edificantes para os irmãos que sofriam então continua hostilidade nas suas reuniões e no serviço de campo. A arma favorita da Igreja era fazer seus “fiéis” chamar a polícia e denunciar os irmãos. Isto era um reconhecimento implícito de que os freqüentadores de igreja não estavam equipados para defender suas crenças com a ajuda da Bíblia.
Em novembro de 1956, o irmão F. W. Franz visitou a Espanha mais uma vez. Repartiu sua estada de cinco dias entre Madri e Barcelona, dando discursos perante diversos grupos em ambas as cidades. Em contraste com os eventos de 1955, tudo correu sem atribuo e não houve interrupções das reuniões. Esta visita havia sido guardada em rigoroso sigilo, de modo que nem mesmo os irmãos souberam, senão quando ele chegou. Deste modo, foram evitados os problemas com as autoridades.
Em janeiro de 1957, o irmão N. H. Knorr passou cinco dias na Espanha como parte de sua viagem pela Europa e pelo Oriente Médio. Seu relatório sobre a visita ali dizia, em parte, o seguinte:
“As pessoas que representam a Sociedade em Barcelona são muito ativas e organizaram os irmãos em pequenos grupos ou congregações, designando servos sobre todos esses grupos. Foi meu grande prazer falar perante todos os grupos em Barcelona. Algumas noites, falei desde as cinco horas até às onze horas da noite, dando cinco discursos de uma hora em diferentes casas, fazendo reuniões em grupos pequenos. Tive a alegria de ver a felicidade nos rostos desses irmãos e seu deleite em ouvir a verdade e em se associar uns com os outros. . ..
“Depois de passar momentos muito agradáveis com nossos irmãos em Barcelona, fui a Madri, passando um dia com nossos irmãos ali. Falei em várias congregações pequenas, em quatro delas numa só noite . . . está iniciado agora um trabalho na Espanha que nunca se extinguirá, pois os irmãos ali são zelosos. Desejam pregar, e Deus os está abençoando.”
MAIS HOSTILIDADE DA POLÍCIA
Durante os anos de hostilidade, bastava a pessoa ser achada em posse de publicações bíblicas para ser detida pela polícia. Por exemplo, em Madri, quatro pioneiros que estavam saindo da casa de uma irmã foram apanhados pela Guardia Civil e levados para a delegacia de polícia daquela localidade. Os pioneiros não haviam pregado naquela vizinhança naquele dia, mas alguém os vira entrar naquela casa e dera parte na polícia dizendo que estavam difundindo propaganda anticatólica. O sargento da polícia disse que, por estarem levando consigo essas publicações no seu distrito, ele tinha de levar o caso à Secretaria Geral de Segurança.
Uma outra vez, um pioneiro que foi à estação ferroviária para se informar sobre os horários dos trens foi abordado por um policial que lhe pediu que apresentasse a carteira de identidade. Como não a tinha levado consigo, foi-lhe revistada a pasta e encontrada nela literatura bíblica. Por causa deste “delito”, receberia uma multa de 500 pesetas ou um mês de prisão. Ele escolheu um mês de prisão.
Em outras ocasiões, a perseguição vinha obviamente de inimigos religiosos, como se deu no caso de Carlos Rubiño, um pioneiro de dezoito anos de idade, que ficou gravemente acometido de uma doença cardíaca. No hospital, as freiras o importunavam constantemente para que confessasse e tomasse a Comunhão. O sacerdote trouxe-lhe uma imagem e disse: “Você está morrendo. Sua única esperança é beijá-la, confessar-se comigo e receber os últimos sacramentos.” Embora mal pudesse enunciar palavras, Carlos recusou isso e pediu para que o sacerdote lhe mostrasse onde na Bíblia se encontrava o proceder recomendado por ele. Irado, o sacerdote virou-se para a mãe de Carlos e perguntou: “Que tipo de religião é esta?” Ela, embora não fosse Testemunha, respondeu imediatamente: “A religião da Bíblia.” Com isso, o sacerdote saiu bruscamente do quarto, dando ordens às freiras para que queimassem a Bíblia que Carlos possuía, Bíblia esta que não era outra senão a versão católica de Nácar Colunga! Ao invés, a mãe a escondeu e a levou para casa. Ela havia visto o suficiente dos frutos da religião falsa!
Carlos morreu, sim, mas permaneceu fiel à sua crença. Outra dificuldade que surgiu foi quando os pais fizeram arranjos para enterro civil. Em resultado disso, o pai perdeu o emprego como funcionário público e também foi despejado de sua casa. Alguns anos mais tarde, tanto o pai como a mãe aceitaram a verdade, e seus dois outros filhos têm continuado a servir a Jeová fielmente. O mais jovem Ricardo Rubiño, passou seis anos na prisão por manter sua integridade cristã.
As hostilidades demonstradas para com os irmãos e as irmãs incluíam coisas tais como não se lhes conceder passaporte que necessitavam para assistir a assembléias cristãs na França ou no Marrocos. Literalmente vintenas de Testemunhas não puderam viajar para tais assembléias, porque estavam na lista dos arquivos da polícia como Testemunhas de Jeová. Até o presente, as jovens irmãs solteiras, de mais de dezesseis anos de idade, não podem obter um passaporte, a menos que freqüentem cursos de serviço social por três meses. Esses cursos exigem freqüência à noite e incluem instrução política e religiosa, bem como atividades de serviço social em hospitais e instituições similares.
MISSIONÁRIOS SÃO EXPULSOS
Desde os eventos de setembro de 1955 e a frustrada assembléia de Tibidabo, de centenas de pessoas, Alvaro Berecochea vinha temendo que a polícia tomasse ação para expulsar a ele e a sua esposa, Marina, do país. Uma prova da situação ocorreu no verão de 1956, quando Marina foi convidada a passar duas semanas de férias em Londres. Sendo ela residente na Espanha, tinha de pedir um visto de saída da polícia central de Barcelona.
Depois de duas horas de espera, um policial à paisana aproximou-se dela e lhe perguntou por que ela queria ir a Londres. Ela lhe explicou. Daí, ele a crivou de perguntas, dizendo: “Acredita na religião de seu marido? Sabe o que aconteceu em Tibidabo . . Pertence a essa religião? Acredita nessas fábulas da Bíblia? Acredita que Elias fez descer fogo do céu?” Ela respondeu: “Acredito.” “Olhe”, replicou ele, “o que realmente aconteceu foi que Elias era um sujeito esperto, e tudo o que ele fez foi encharcar a vala ocultamente de gasolina e daí acender fogo. Só os imbecis é que acreditam que foi um milagre”. E assim continuou a conversa. Por fim, o policial apontou para um arquivo e disse: “Temos aí informações a respeito de seu marido que são também contra você.” Apesar de tudo isso, Marina recebeu autorização para ir a Londres.
Em janeiro de 1957, os Berecocheas tiveram de se apresentar na central de polícia para a renovação de sua permanência de dois anos. Após longa espera, foram convidados a entrar num gabinete e se lhes informou que tinham quarenta e oito horas para se preparar para deixar o país. Alvaro protestou vigorosamente, mas em vão. A única coisa que conseguiram foi uma concessão — em vez de dois dias, dez dias de prazo.
Confrontado com tal situação crítica, Alvaro deixou os assuntos da filial aos cuidados de Ken Williams. Daí, os Berecocheas tomaram o trem para Madri. Centenas de irmãos estavam na estação para se despedir deles, e foi uma ocasião triste para todos. Chegando a Madri, Alvaro foi à Embaixada da Argentina (ele era argentino) e explicou a sua situação. Graças à intervenção da embaixada, as autoridades espanholas lhe concederam o prazo de um mês, a data de expiração estando então fixada para 18 de fevereiro. Depois de obter visto para ir para Portugal, fez arranjos para exibir um dos filmes da Sociedade numa viagem pelo norte da Espanha.
Ao voltar a Madri, o irmão Berecochea encontrou uma carta que o designava a ir para o Marrocos, ao invés de ir para Portugal. Isto significava que tinha de voltar à polícia e pedir um visto de saida diferente. Em vez de ir falar com a pessoa encarregada dos vistos de saída, com quem ele falara longamente na vez anterior, o irmão Berecochea foi até o guinche normal, explicou o que precisava e foi-lhe dito que voltasse no dia seguinte. Ao voltar ali, ficou sabendo que sua permanência havia sido estendida para mais um mês. Certamente, o sistema policial não era infalível! Agora, o prazo máximo para sair do país era 18 de março. Sem perda de tempo, o irmão Berecochea fez arranjos para apresentar o filme da Sociedade no sul do país, e depois disso voltaria a Barcelona.
APANHADOS EM ARMADILHA E EXPULSOS
Ao chegarem a Barcelona, Alvaro e Marina reservaram um quarto numa pensão e daí decidiram visitar seu antigo domicílio na casa de Teresa Carbonell. Tinham a chave da porta, mas, antes de entrarem, perguntaram a umas irmãs cristãs que eram vizinhas se a polícia estivera ali ultimamente. “Não”, disseram, “tudo está calmo”. Com isso, os Berecocheas atravessaram o corredor do seu antigo apartamento, abriram a porta e, para a sua desagradável surpresa, encontraram a polícia ali!
A polícia queria algemar os Berecocheas, mas estes prometeram que não fugiriam. Foram levados para a central de polícia em Via Laietana e se viram confrontados com um chefe de polícia furioso. “Demos-lhes quarenta e oito horas para saírem daqui”, gritou ele, “e dois meses depois vocês ainda estão aqui!” As explicações de Alvaro foram em vão.
Telefonou-se para Madri que deu instruções para expulsar os Berecocheas imediatamente. Alvaro insistiu que tinha de ser via fronteira de Algeciras, para que pudessem ir ao Marrocos. Portanto, foram escoltados por um agente da polícia secreta desde Barcelona até Algeciras, uma distância de 1.450 quilômetros. Quando eles estavam a bordo do navio devolveu-lhes seus passaportes. Isso foi em 11 de março de 1957.
DE VOLTA A ESPANHA!
No Marrocos, Alvaro Berecochea serviu na qualidade de superintendente de filial. Alguns meses mais tarde, pediu-se-lhe que fizesse uma viagem para Portugal e a Espanha. Para conseguir um visto de entrada, ele foi ao consulado espanhol em Viena, Áustria, onde se lhe concedeu. Daí, para atravessar a fronteira, ele foi de carro com seus pais pela França e ela entrou por Irún. A polícia na fronteira não fez perguntas, e novamente ele estava na Espanha.
Parou em Madri e em Barcelona. Em 5 de dezembro de 1957, Alvaro estava em Valência e projetou ali o filme da Sociedade intitulado “A Felicidade da Sociedade de Novo Mundo” perante um grupo de vinte e três pessoas. Na noite seguinte, ele assistiu a outra reunião cristã, e, na metade dela, houve violentas batidas na porta. Ao se abrir a porta, entraram três membros da polícia secreta apontando armas. Após uma rápida verificação das carteiras de identidade, os sete irmãos foram detidos. Contudo, permitiu-se a Margarita Comas sair com as outras irmãs, e ela imediatamente saiu para esconder o equipamento do filme.
Os sete irmãos foram levados à delegacia de polícia onde foram interrogados. Quando chegou a vez de Alvaro, perguntou-se-lhe se conhecia Cooke Backhouse e outros. Como a resposta que ele deu não satisfez os interrogadores, ficaram furiosos e ameaçaram bater nele. Era, porém, evidente que não sabiam que ele fora expulso antes, e o tomaram por um turista. Aproximadamente às 3 horas da madrugada, o cônsul da Argentina se apresentou na delegacia de polícia, e isso enfureceu a polícia, embora cuidasse de não deixar transparecer seus sentimentos na frente dele. Alvaro foi solto, dando-se-lhe ordens de voltar no dia seguinte para pegar seu passaporte.
Quando o irmão Berecochea voltou no dia seguinte, a situação era grave. Eles haviam descoberto que ele tinha sido expulso em março e estavam furiosos. Ele foi detido e lançado numa cela solitária, onde a cama era de pedra e só havia uma pequena abertura na porta, munida de grades. Depois de algumas horas, veio o guarda e abriu a porta, levando-o para um lugar onde havia alguns pacotes e cobertores em cima de uma mesa. “Seus irmãos lhe enviaram isso”, disse-lhe. Alimento, cobertores e outros itens haviam sido providos pela congregação de Valência como prova de seu amor e interesse cristão.
Algum tempo depois, o irmão Berecochea foi submetido a outro interrogatório. As autoridades decidiram que ele deveria deixar o país pela França, mas ele pediu para ir para Portugal. Houve acordo nisso, mas foi-lhe dito que ele teria de esperar na prisão até que eles tivessem um par de guardas civis disponíveis para o acompanharem. Essa idéia não agradou nada a Alvaro. O cônsul o havia avisado de pessoas que foram presas e que nunca mais se soube delas. Portanto, o irmão Berecochea pediu permissão para falar com o cônsul da Argentina e foi lhe permitido o contato por telefone. Alarmado com o novo rumo da situação, o cônsul disse que interviria imediatamente.
Alvaro foi levado de volta à sua cela. Tarde, naquela noite, porém, foi avisado de que tomaria um avião no aeroporto de Valência no dia seguinte. Foi posto em liberdade, mas mandaram que voltasse no dia seguinte para pegar seu passaporte.
Imediatamente, o irmão Berecochea foi visitar os irmãos e descobriu que eles haviam recebido uma multa de 1.500 posetas ou então passariam trinta dias na prisão. Todos haviam entrado em acordo de não pagar a multa, pois não haviam cometido nenhum delito.
No dia seguinte, em 9 de dezembro de 1957, Alvaro Berecochea foi de avião a Madri e de la a Lisboa, Portugal. Assim terminou seu serviço missionário na Espanha, que durou quatro anos alegres e abençoados. Doravante, outros irmãos cuidariam da obra ali e a dirigiriam.
PERSEGUIÇAO EM PALMA DE MAJORCA
Prosseguíamos com nossas atividades em circunstâncias adversas, com oposição e perseguição religiosa sobre nos de todos os lados. Por exemplo, em 1954, o irmão Paul Baker, que servia como missionário em Palma de Majorca, recebeu a sua primeira advertência relativa às suas atividades religiosas, na escola onde ele ensinava inglês. Certo dia, ele foi chamado à diretoria, dizendo-lhe o diretor confidencialmente que a polícia estivera ali perguntando a respeito dele. Queriam saber se havia ensinado religião na escola. O diretor havia feito um bom relatório a respeito dele, visto que Paul havia usado de tato e não havia usado deliberadamente as horas de aula para suscitar a questão de religião. Entretanto, Paul agradeceu o aviso.
Certo dia, em abril de 1957, Francisco Córdoba, um pioneiro especial, designado para Palma de Majorca, não compareceu à reunião para o serviço de campo. Os irmãos não se preocuparam com isso senão quando nem de noite ele compareceu à reunião. No dia seguinte, os irmãos foram verificar no seu domicílio e descobriram que ele não havia voltado para casa na noite anterior. Depois de imaginarem e eliminarem todas as outras hipóteses, decidiram que uma irmã fosse à polícia para perguntar a respeito dele. Como era de se supor, ele havia sido detido junto com o irmão que estava pregando com ele. Permitia-se levar alimento para eles, mas não podiam ser visitados.
Aproximava-se a época da celebração da Comemoração, e foram feitos arranjos para que diversos grupos levassem em conta a possibilidade de que Paul Baker tampouco estivesse disponível, visto que parecia iminente uma ação da polícia. Bem, um ou dois dias mais tarde, apareceu na pensão onde o irmão Baker morava um policial à paisana que o escoltou até à delegacia de polícia. Ali, Paul foi interrogado diversas vezes e se lhe apresentou uma versão datilografada de suas respostas. Pediu-se-lhe que verificasse o conteúdo e daí assinasse o documento que tinha diversas páginas. Feito isso, o irmão Baker foi levado para baixo, para as celas, e finalmente se encontrou com o irmão Córdoba e seu companheiro de serviço de campo. Os irmãos tiveram de passar a noite no calabouço, e, no dia seguinte foram levados perante um juiz. É interessante porém, que se lhes designou um policial que se interessou muito no caso deles e lhes fez muitas perguntas.
O assunto não foi examinado na sala de audiência, e sim no gabinete do juiz, os irmãos estando sozinhos com ele e o guarda. Explicaram, com tato, como efetuavam o seu trabalho de pregação. O juiz achou que seus ensinamentos eram inofensivos, mas disse que eles haviam cometido transgressão por participarem em proselitismo. Entretanto, o tempo que já haviam passado na prisão servia para eles, na opinião dele, como advertência adequada, e ele não daria outra sentença, mas aconselhava-os a serem mais prudentes no futuro.
O guarda ficou muito satisfeito com o resultado, mas ele tinha de levar os irmãos de volta à prisão para que pudessem apanhar seus pertences. O guarda os levou ao responsável das celas e lhe anunciou a soltura deles. Entretanto, esse murmurou que havia algo mais pendente, e novamente eles foram postos debaixo de tranca e chave.
Algumas horas mais tarde, Paul foi levado da cela para a sala de interrogatórios. Ali, ele descobriu o que era este “algo mais”. Havia chegado de Barcelona para Paul um pacote sobre o qual estava escrito “rádio”, mas, na realidade, continha cinqüenta exemplares das últimas revistas A Sentinela e Despertai! em espanhol. Portanto, além das outras acusações falsas, o irmão Baker estava sendo agora acusado de contrabando!
Paul apelou para o raciocínio, perguntando como isto poderia ser um contrabando, se havia sido expedido da península espanhola e não do estrangeiro. Outrossim, ele disse que não havia lei que proibisse que os assinantes recebessem seus exemplares, e estes não eram para distribuição pública, mas para assinantes. Não obstante, foi tudo em vão. O resultado foi mais uma noite na prisão. Finalmente, os três proclamadores do Reino foram mandados para a Prisão Provincial de Palma de Majorca. por quinze dias.
Nessa prisão, abriu-se um novo território para eles. Podiam mesclar-se livremente com outros prisioneiros e assim dar testemunho. Quando chegou a data da Comemoração, pensaram nos seus irmãos lá fora E, quando saíram da prisão, em 26 de abril, havia um pequeno grupo de irmãos e irmãs que estavam ali para os acolher. Essas Testemunhas haviam celebrado a Comemoração em três grupos, apesar da ausência dos dois irmãos qualificados, Paul Baker e Francisco Córdoba.
MAIS “CONVIDADOS A DEIXAR O PAÍS”
Ao regressar à pensão, o irmão Baker descobriu que todas as suas revistas em espanhol, francês e em inglês haviam sido levadas pela polícia. Na manhã seguinte, quando foi tomar café, notou um estranho que tomava café não longe dele e que chamou sua atenção. Tratava-se de um agente secreto que fora enviado para o vigiar.
O que aconteceu com o pioneiro especial Francisco Córdoba? Ele havia sido proscrito da ilha e teve de voltar para a península espanhola.
Na sexta-feira de 3 de maio de 1957, Paul Baker casou-se com Jean Smith no consulado britânico em Palma. Para a sua lua-de-mel, viajaram através da ilha até Alcúdia e daí tomaram um navio até Minorca. Onde quer que fossem, havia alguém que os seguia como sombra. Circunstâncias não muito ideais para uma lua-de-mel!
Em fins de maio, Paul pediu renovação de sua permanência. Depois de ir diversas vezes à central de polícia, foi informado de que não seria renovada a sua permanência e de que ele devia dar a data em que tencionava deixar o país. Ele comprou passagem no navio que partiria de Barcelona para Gibraltar em 12 de junho.
Mesmo depois de chegarem a Barcelona, o irmão e a irmã Baker ainda estavam sendo seguidas pela polícia secreta, cujo disfarce não enganava a ninguém. Por exemplo, eles haviam reservado um quarto num hotel numa rua pouco movimentada, e, na manhã seguinte, um “marinheiro”, que exibia uma camisa em que estava inscrito o nome do navio deles, perambulava por acaso do outro lado da rua. É Óbvio que Paul era considerado um elemento muito perigoso. Naturalmente, esses eventos ocorreram pouco depois da primeira expulsão dos Berecocheas, e a polícia pensava estar desfazendo-se dos “líderes”.
Quando os Bakers chegaram ao cais no seu último dia na Espanha, alguns irmãos da congregação de Barcelona estavam esperando ali para se despedir deles. Estavam presentes também quatro missionários que restavam em Barcelona — o irmão e a irmã Ken Williams, Domenick e Elsa Piccone. Sua permanência na Espanha iria terminar em pouco tempo, pois eles também logo seriam expulsos do país.
Em fins do ano de serviço de 1957, o número dos formados da Escola de Gileade que ainda estavam na Espanha diminuíra de nove para quatro. Achou-se aconselhável transferir o “escritório” de Barcelona para Madri.
PIONEIROS POSTOS EM PRISÃO
O clero continuava a instigar seus rebanhos a dar parte junto à polícia quando qualquer Testemunha de Jeová se apresentasse a suas portas. Em resultado disso, durante o ano de serviço de 1957, treze pioneiros e seis publicadores foram detidos pela polícia e passaram de dois a trinta e seis dias na prisão por pregarem e por se associarem nas suas reuniões de estudo da Bíblia.
Por exemplo, pioneiros foram presas em Sevilha. Em março de 1957, Margarita Comas e Maruja Pufial foram designadas a trabalhar em Sevilha, onde já estavam trabalhando os pioneiros especiais José Rubiño e Manolo Sierra. Era difícil acostumar-se com o caráter despreocupado dos habitantes de Andaluzia, pois a pessoa podia fazer arranjos para um estudo bíblico ou uma revisita só para descobrir que a pessoa mudara de planos depois e não estava em casa. Era também difícil enfrentar o fanatismo dos habitantes. Sevilha é uma cidade onde se pratica o culto de “Nossa Senhora”, sob a forma de duas “virgens” ou imagens famosas, La Macarena e a Virgem de La Esperança. Essas duas imagens têm seus seguidores e crentes, como dois times rivais de futebol. Os fanáticos de cada “Virgem” cantam seus louvares em competição uns com os outros, especialmente durante as procissões, quando essas imagens cheias de jóias são levadas em desfile pelas ruas. Nessa cidade, a maior igreja é a catedral, que está construída no local de uma antiga mesquita muçulmana. A torre da catedral se chama La Giralda (O Galo ou Cata-vento), e a pessoa pode ver claramente que os primeiros dois terços da torre eram um minarete muçulmano, ao passo que o terceiro terço superior é de estilo da Renascença e obviamente de inspiração católica.
Os quatro pioneiros em Sevilha seguiam a rotina de se reunir cada manhã na praça, em frente da famosa Torre del Oro (Torre de Ouro). Certo dia, as moças compareceram ao encontro, mas os irmãos não apareceram. As irmãs acharam isso um tanto estranho, mas decidiram esperar até o encontro da tarde e, daí, aguardar de longe a chegada dos irmãos. Mas ainda assim não houve sinal deles. No dia seguinte, Margarita e Maruja foram ao domicílio dos irmãos e perguntaram discretamente a respeito deles. A dona da casa explicou que a polícia havia estado ali dois dias antes e levara os irmãos embora.
A sua suspeita estava então confirmada, e as irmãs sabiam que a polícia as procuraria a qualquer momento no domicílio delas. Portanto, tomaram naquele dia medidas de precaução e destruíram todos os papéis ou anotações confidenciais. Aquela noite, as irmãs voltaram para casa com coração pesaroso, e, quando a dona do alojamento abriu a porta, puderam compreender pela expressão de seu rosto que tinham visita. Dois policiais as aguardavam.
Embora fosse noite, as irmãs foram levadas para a delegacia de polícia para serem interrogadas. Os irmãos já estavam lá e vinham sendo submetidos a interrogatórios há dois dias. Tornaram-se mais difíceis esses interrogatórios devido a que a polícia de Sevilha havia recebido informações da polícia de Granada, onde José Rubiño servira antes. A polícia tinha fotografias que havia confiscado de Testemunhas de Granada, bem como papéis encontrados nos domicílios dos irmãos pioneiros. Durante os interrogatórios, feitos a cada irmão alternadamente a polícia tentava saber a identidade dos irmãos responsáveis e onde se encontravam esses. José e Manolo foram mentidos em frias celas separadas, e um banco de pedra lhes servia de cama, mas, de início, não se lhes permitiu nem mesmo dormir, pois os interrogatórios prosseguiam hora após hora.
Da mesma forma, esses interrogatórios foram difíceis para as irmãs. Tinham de tomar cuidado com as respostas que davam, pois a polícia procurava fazê-las dizer o que elas não haviam dito. Por exemplo, quando as irmãs declararam que estavam pregando o reino ou governo de Deus, o interrogador disse: “Então, vocês são contra todo governo humano estabelecido. É isso que querem dizer.” As irmãs negaram essa interpretação de suas crenças, pois era uma tentativa de dar cunho político às atividades das Testemunhas de Jeová.
Após o interrogatório, as irmãs foram colocadas numa pequeníssima cela junto com uma bêbada que vomitava todo o tempo. O cheiro era horrível, e parecia que iam passar o resto da noite ali. Mas, quando já era bem tarde, chegou um guarda e as retirou de lá, dizendo que não iria permitir que passassem a noite assim. Ele as levou para seu gabinete e lhes disse para dormirem nas poltronas ali até a manhã seguinte. As irmãs agradeceram silenciosamente a Jeová que se apresentara esse carcereiro bondoso e que as libertara daquela cela repugnante.
As irmãs foram retidas por trinta e seis horas sem alimentação, sendo submetidas a um interrogatório após outro, como se fossem criminosas da pior espécie Todavia, um outro policial teve pena delas e lhes trouxe café. Finalmente, tanto os irmãos como as irmãs foram levadas para a prisão provincial, para ali enfrentarem novas tribulações.
Ao chegarem à prisão, foi rapada a cabeça dos dois irmãos pioneiros antes de serem levados para a sua cela. Daí, eram cada dia submetidos a teste de integridade ao se içar e abaixar a bandeira.
FREIRAS COMO CARCEREIRAS!
As irmãs ficaram bastante surpresas ao chegarem à prisão’ pois as carcereiras eram freiras! Na recepção, uma freira lhes perguntou o que elas haviam roubado. Isso já era o cúmulo para Margarita! Ela exclamou: “Não estamos aqui nem como prostitutas, nem como ladras! Estamos aqui por sermos testemunhas do verdadeiro Deus!” Com isso, a freira deixou escapar um grito de espanto e logo se encolheu como se uma praga a tivesse atingido.
Nessa prisão, as freiras conduziam as prisioneiras para recitarem diariamente o ‘Pai-Nosso’, a ‘Ave Maria’, etc. Durante os períodos de exercício, as freiras contavam histórias para as detentas, dançavam com elas e recitavam o rosário. Margarita e Maruja começaram a dar testemunho, mas isso logo foi cortado pelas freiras que as proibiram de falar com outras detentas.
Depois de ter sido considerado o caso das irmãs, foi decidido que elas podiam ser postas em liberdade, se pagassem a fiança de 1.000 pesetas cada uma. Como elas não tinham esse dinheiro, e não havia ninguém em Sevilha que as pudesse ajudar passaram um mês na prisão. Não foi uma experiência agradável, pois foram colocadas numa grande sala com todas as outras detentas — na maior parte ladras, prostitutas e lesbíacas. Quando Maruja e Margarita recusaram despir-se na frente das outras para tomar banho, foram obrigadas a ficar numa cela disciplinar de apenas dois metros quadrados. Num canto, havia um buraco que servia de sanitário, e, no teto, havia uma pequena janela. Nessa cela não havia nenhum móvel, nem cama, nem cadeira e nem colchão. Por uma gentileza, um dos guardas lhes trouxe um litro de água para que as duas pudessem lavar-se.
E a alimentação? Era intragável, sem exagero. Duas vezes ao dia, as irmãs recebiam grão-de-bico com tanto bicarbonato de sódio que ficaram doentes. E cada uma recebia apenas um pedaço de pão por dia.
No fim de um mês de prisão, os quatro pioneiros puderam pagar as 1.000 pesetas de fiança cada um. Assim, foram postos em liberdade, mas com as acusações ainda pendentes. Na realidade, o caso deles nunca chegou ao tribunal, e puderam recuperar o dinheiro que haviam depositado.
Pode-se dizer que os pioneiros especiais se acostumaram a ser perseguidos pela polícia e a ter de mudar de uma cidade para outra em conseqüência disso. No caso em que um pioneiro especial não pudesse provar seus meios de subsistência ou provar que fazia serviço secular, aplicava-se-lhe a lei da vadiagem e o obrigavam a retornar para a sua cidade de origem.
AS SEMENTES DA VERDADE SÃO PLANTADAS NA GALIZA
Apesar da perseguição suportada pelo povo de Deus na Espanha, o trabalho de pregação do Reino progredia. Numa região em que isso se dava era a província da Galiza, no noroeste da Espanha. Como foram plantadas ali as sementes da verdade?
O verdadeiro cristianismo se implantara na Galiza por causa dos esforços de Jesús Pose Varela e de sua esposa. Eles haviam aprendido a verdade através de um parente enquanto moravam em Montevidéu, no Uruguai. Com o passar do tempo e com o seu conhecimento maior, Jesús começou a sentir responsabilidade para com sua irmã e o marido dela, e para com seu próprio filho José que moravam na Espanha. Portanto, em 1957, Jesús e sua esposa voltaram para sua província natal da Galiza, resolvidos a comunicar a verdade de Deus a seus parentes. De início, foram recebidos com alegria, mas a situação mudou drasticamente quando compreenderam que eles haviam retornado com uma nova religião. A mãe de Jesús até mesmo disse que seria melhor se o navio que os trouxe de volta tivesse afundado. Sua mãe e sua irmã evitavam qualquer relacionamento com ele, embora morassem na mesma casa.
Jesús persistiu, porém, e, aos poucos, removeu a barreira do preconceito cego, conseguindo por fim iniciar um estudo bíblico. Tudo isso não foi fácil, pois moravam numa pequena aldeia retirada que era dominada pelo sacerdote local. Por causa da influência sacerdotal, muitas das pessoas nem mesmo queriam tocar numa Bíblia, de medo de ficarem contaminadas. Não obstante, a paciência de Jesús foi recompensada na sua própria família e nos efeitos que resultaram finalmente, ultrapassando até mesmo as suas esperanças.
À medida que essas pessoas faziam progresso na verdade, compreendiam que morar numa área rural, retirada, não era a coisa melhor para se dar testemunho. Ao aceitarem a verdade, converteram um salão de baile de sua propriedade em galinheiro. Assim, sua renda financeira provinha de sua pequena granja e da criação de animais, bem como da loja de artigos em geral que tinham no mesmo prédio. Jesús e seu cunhado Ramón Barca cuidavam da granja e dirigiam a loja.
Para chegarem a um território suficientemente grande, porém, tinham de viajar até à cidade de La Coruña, a uma distância de trinta e um quilômetros. Isto não facilitou as coisas quando a esposa de Ramón se tornou pioneira regular e José, filho de Jesús, se tornou pioneiro especial. Finalmente, ambas as famílias venderam o sítio e a loja e se mudaram para a capital da província, onde podiam ser de maior utilidade para a congregação que crescia.
Olhando agora para o passado, parece incrível que as três congregações atuais de La Coruña, com uns 300 publicadores e pioneiros, tiveram início há uns vinte anos atrás como resultado dos esforços diligentes de um casal espanhol que havia voltado do Uruguai com a intenção de difundir as boas novas.
ALGUNS SERVEM ONDE A NECESSIDADE É GRANDE
Durante uma assembléia de distrito, em julho de 1957, realizada em Kiel, Alemanha, um dos discursos era sobre o tema de servir onde a necessidade é grande. Esse discurso influenciou grandemente a dois jovens pioneiros regulares alemães — Horst Mieling e Heinrich Nissen. Eles decidiram ir para a Espanha. Fizeram isso, chegando a Barcelona de trem, em 19 de outubro de 1957.
Era um contraste grande sair de um país onde havia aproximadamente 57.000 Testemunhas para ir a um que contava com apenas 780. Além do mais, o simples emprego da palavra “Bíblia” na Espanha era o suficiente para pôr fim a uma conversa. Uma vantagem, porém, que esses irmãos tinham é que, em geral, os espanhóis se interessavam muito pela Alemanha e pelos alemães.
Assim pois, esses irmãos foram praticamente os primeiros de uma longa lista de Testemunhas que foram para a Espanha principalmente procedentes da Alemanha, Grã-Bretanha e dos Estados Unidos para servir ali, onde era tão grande a necessidade de proclamadores do Reino, especialmente em anos passados.
O que fazia com que nossa obra impusesse mais pressão sobre os estrangeiros era a necessidade de constante vigilância ao se trabalhar de casa em casa. Quando um estrangeiro era apanhado, significava com quase toda a certeza ser expulso do país. Isto impunha tensão adicional, a de observar cuidadosamente as reações do ocupante da casa durante uma palestra e depois de se dar testemunho. Ao se fechar a porta, a Testemunha tinha de determinar se o morador estava usando o telefone para o denunciar. Bateu-se a porta ou foi fechada de modo cortês? Também, era necessário ficar alerta para ver se algum vizinho estava saindo do edifício com pressa, talvez para chamar a polícia. Naturalmente, era também bastante importante certificar-se de que não houvesse nenhum policial na vizinhança onde a pessoa estava pregando. A Bíblia e nossas publicações tinham de ser levadas discretamente, talvez debaixo de uma capa de chuva ou de um sobretudo nos meses de inverno. No verão, porém, não era tão fácil esconder nossas publicações. De modo que alguns publicadores até mesmo separavam os livros em cadernos ou seções e só levavam consigo a seção que seria estudada numa reunião ou durante um estudo bíblico.
Em 1959, o irmão e a irmã Taylor, que se haviam mudado da Inglaterra para a Espanha, a fim de servirem onde a necessidade era grande, foram designados como pioneiros especiais em Vigo, um porto no noroeste da Espanha. Pensava-se que por ser um porto internacional, ele não chamaria tanta atenção como estrangeiro. Mas não demorou muito para os sacerdotes ficarem em comoção e avisarem seus paroquianos, através do rádio, sobre esse casal que ia de casa em casa. Era fácil identificá-los — ela era espanhola e a que mais falava, ao passo que ele era estrangeiro.
Logo a polícia apareceu em cena e prendeu os Taylors. Eles foram levados para a delegacia de polícia, onde foram interrogados o dia inteiro, privados de alimento. Ao serem soltos foram-lhes retidos os passaportes e ordenou-se-lhes que voltassem à polícia cada terça-feira e cada sábado. Quando Ron informou seu caso ao cônsul britânico, devolveram-lhe o passaporte e recebeu o prazo de quinze dias para deixar o país.
Em conseqüência disso, Ron e sua esposa Rafaela serviram em Gibraltar por dois anos. Conseguiram lançar ali os alicerces de uma congregação que estava com vinte e cinco publicadores quando partiram de lá. Finalmente, as pressões do clero anglicano produziram resultado e, em dezembro de 1961, eles receberam ordens de deixar Gibraltar, junto com Ray e Pat Kirkup, um casal inglês que também se mudara para lá para servir onde a necessidade era grande.
Os Taylors e os Kirkups foram designados para servir em Sevilha em janeiro de 1962. Já havia ali quatro pioneiros especiais, mas apenas vinte e um publicadores para uma população de quase meio milhão de habitantes. Portanto, havia muito trabalho a fazer. Em 1963, Ron Taylor foi designado para trabalhar o circuito de Barcelona, e, algum tempo mais tarde, Ray Kirkup recebeu uma designação similar. No decorrer dos anos, havia falta de irmãos espanhóis qualificados para o trabalho de circuito e de distrito na Espanha, de modo que foram usados muitos estrangeiros nesse trabalho.
CHEGA MAIS AJUDA DA ESCOLA DE GILEADE
Durante o ano de serviço de 1958, o casal de missionários, Bob e Cleo Clay, partiu da Espanha com destino ao Marrocos, de modo que por um mês ou dois ficaram de resto apenas dois missionários de Gileade na Espanha. Veio, porém, reforço em março de 1958 com a chegada de René e Elsie Vázquez, bem como de dois irmãos solteiros, com o fim de estabelecerem pela primeira vez visitas regulares de circuito às congregações.
No ano de serviço de 1958, houve um aumento de 33 por cento na Espanha. Pela primeira vez, ultrapassou-se a cifra de 1.000 publicadores. Isso foi em agosto de 1958, quando 1.006 publicadores relataram serviço de campo. Levara onze anos (desde a revivificação da obra em 1947) para se atingir essa cifra. Mas, apenas três anos depois disso, atingiu-se a cifra de 2.000 publicadores, e em mais dois anos foi ultrapassada a cifra de 3.000. Em 1969, o número total de Testemunhas ativas era de quase 9.000. Desde então, aumentou progressivamente para 40.000 proclamadores do Reino em territórios sob a supervisão da filial da Espanha.
COMEÇA-SE A CANTAR LOUVORES A JEOVÁ NAS ILHAS CANÁRIAS
Ao largo da costa ocidental da África acha-se um grupo de treze ilhas que são território espanhol. Dentre essas, sete são as principais ilhas conhecidas por Ilhas Canárias — Tenerife, La Palma, Gomera, Hierro, Grande Canária, Lanzarote e Fuerteventura. Em 1958, a população total era de cerca de 940.000 habitantes.
Quando penetrou a verdade pela primeira vez nessas ilhas depois da guerra civil? Em 1958, quando uma pessoa interessada, procedente de Barcelona, se mudou para lá. Em setembro daquele ano, Carl Warner foi para lá como superintendente de circuito e deu o primeiro discurso bíblico proferido por uma Testemunha de Jeová. A assistência foi de seis pessoas — um começo pequeno, mas, pelo menos, um começo. Isso se deu na capital da província, Las Palmas da Grande Canária. Carl sugeriu que fossem enviados pioneiros especiais para lá. Isso não foi possível imediatamente, mas veio ajuda de outra fonte.
Na Assembléia Internacional da Vontade Divina, em 1958, na cidade de Nova Iorque, o irmão Knorr deu um discurso sobre servir onde a necessidade é grande. Suas observações foram ouvidas e seguidas por uma família dinamarquesa, os Gjedes. Estes decidiram deixar a Dinamarca e se fixar nas Ilhas Canárias, levando consigo seu filho John de vinte e um anos de idade. Ele foi às ilhas primeiro, em fevereiro de 1959 para ver a situação ali para seus pais, e certamente ficou muito contente de encontrar Irvin People, um irmão norte-americano, que já estava ali pelo mesmo motivo. De início, ambos permaneceram na casa de uma família interessada na verdade que se mudara para lá.
Para começar, estes irmãos tiveram o mesmo problema — o idioma. Isto foi resolvido por meio de uma coincidência incomum. Certo dia, enquanto procuravam determinado endereço para fazer uma revisita, pararam um senhor na rua para lhe pedir informações. Tratava-se de um professor e dono de uma escola também. Iniciaram uma palestra com ele e ficaram sabendo que ele estava precisando de alguém para ensinar inglês na sua escola. Eles, por sua vez, precisavam de alguém para lhes ensinar espanhol. Portanto, fizeram um trato. Ele lhes ensinaria espanhol se eles ensinassem inglês na sua escola. Ao mesmo tempo, isto abriu um novo campo de contatos para Irvin e John, que com o tempo resultou numa família de publicadores do Reino, a família Suárez, cuja filha, Angelines, se tornou mais tarde pioneira especial.
Houve outro desenvolvimento que seria decisivo na história posterior de nossa obra nas Ilhas Canárias. Em Madri, José Orzáez casou-se com Pilar (Pili) Benito em abril de 1959, e no mês de maio seguinte estavam servindo nas ilhas como pioneiros especiais.
Ao chegar a Las Palmas, José Orzáez notou que o grupo era dominado por um homem coxo que recebera testemunho pela primeira vez em Barcelona e estava então ensinando suas próprias idéias baseadas parcialmente na literatura da Sociedade. Quando José começou a dirigir as reuniões segundo o sistema normal, esse homem e a esposa se afastaram da verdade. Eis um exemplo clássico, repetido muitas vezes, de alguém que queria ser importante e desejava exaltar-se por meio de seus ensinamentos. Assim como em muitos casos, quando descobriu que a sua auto-importância não era apreciada caiu da verdade e voltou-se para as coisas que ficaram atrás, não obstante as tentativas feitas para ajudá-lo.
No ínterim, os pais de John Gjedes chegaram da Dinamarca. A atividade do grupo prosperava então com o exemplo dos pioneiros especiais, e, em abril de 1960, o número dos seis publicadores havia aumentado para vinte e um. Em dezembro, haviam atingido um novo auge de vinte e nove publicadores. Naturalmente, toda essa atividade não passava despercebida dos oponentes, que, em dezembro de 1960, fizeram sentir sua presença.
INTERROMPIDO UM GRUPO DE ESTUDO BÍBLICO
Na noite de 24 de dezembro de 1960, dezessete irmãos e pessoas interessadas estavam reunidos para o estudo da Bíblia em Las Palmas da Grande Canária. Entre eles, achava-se José Orzáez, sua esposa Pili, sua filha de três meses de idade e o superintendente de circuito Salvador Adriá. Às 20,30 horas, cinco políciais invadiram o apartamento, segurando armas escondidas nos seus bolsos. Um deles, cheio de ódio, disse a José Orzáez, o locatário do apartamento, que era seu costume invadir essas reuniões disparando sua arma.
A polícia não só invadiu o apartamento; cercou também o lugar. Ora, parecia que estavam invadindo uma reunião de anarquistas ou comunistas clandestinos, e não um grupo de estudo bíblico, pacífico!
Como é do conhecimento de qualquer policial, a primeira coisa a fazer ao se lidar com criminosos é desarmá-los. Foi o que fizeram nessa incursão. Confiscaram todas as Bíblias! Daí, tomaram os nomes das crianças e as mandaram ir para casa. Os quatorze adultos e o bebê de José foram todos conduzidos para a central de polícia. Não se lhes deu nenhum alimento naquela noite e nem na manhã seguinte, apesar dos choros do bebê que estava com fome. A polícia não fez caso das repetidas súplicas para liberar a mãe e o bebê.
Outro passo vital ao se prender criminosos é tirar-lhes as impressões digitais. Assim, tirou-se a impressão digital de todos os quatorze, mas, por piedade, não do bebê. Depois de dezoito horas sem dormir e sem alimento, as Testemunhas foram postas em liberdade, exceto José Orzáez e Salvador Adriá o superintendente de circuito. Estes foram lançados numa cela escura e suja, onde não havia outra coisa senão um banco de pedra. Os dois irmãos oraram então juntos. Às oito horas naquela noite, foram levados perante o tribunal, ainda sem terem recebido nenhum alimento. Tinham passado vinte e quatro horas sem alimentação alguma. Finalmente, às 11 horas da noite, foram submetidos a interrogatórios que duraram três horas. Os interrogadores constavam do juiz, seu secretário e o promotor público. Suas perguntas giravam em torno da tentativa de estabelecer que José havia sido enviado às Ilhas Canárias como líder e fundador da “seita” naquelas ilhas. Outrossim, insinuou-se que as atividades das Testemunhas eram subversivas.
Terminado o interrogatório, os irmãos foram levados para aquela cela pequena e sem cama, onde três homens já estavam dormindo no chão. Na manhã seguinte, foram transferidos para a penitenciária provincial e foram colocados em solitária, em celas infestadas de parasitas. Foi recusado o pedido de uma Bíblia a José Orzáez que, sozinho nessa cela, teve tempo para meditar. Perguntava-se qual seria a reação do pequeno grupo de vinte e nove publicadores depois de tal ataque contra eles.
O que teria motivado essa ação da polícia que fazia sentir a sua influência não só nas Ilhas Canárias, mas também em outras partes da Espanha? Normalmente, a polícia não toma ação de sua própria iniciativa em tais casos, visto que tem de lidar com muitos outros assuntos mais importantes. No nosso caso, o ciclo de ação começa com os clérigos, que notificam seus bispos da atividade das Testemunhas de Jeová. Eles, por sua vez, informam o governador civil, que põe a polícia em ação. A Hierarquia informa também o Ministério de Assuntos Internos e este Ministério avisa todas as centrais de polícia do país. Há de fato evidência oficial para provar que esses fatores estavam por trás da interrupção de um grupo de estudo bíblico, pacífico, por parte da polícia, em Las Palmas da Grande Canária, bem como por trás das ações contra o povo de Deus em outras partes da Espanha.
RESULTADO DO CASO ORZÁEZ
Depois de ficar detido durante os dias em que foi submetido a interrogatórios, José Orzáez foi solto. Ele ficou aliviado ao saber que o grupo de estudo bíblico estava com bom ânimo e que sua esposa e a filhinha tinham sido cuidadas durante sua ausência. O irmão Orzáez foi posto em liberdade sem pagar fiança, pois não tinha recursos financeiros, e teve de esperar até outubro de 1961 para que seu caso fosse julgado.
No ínterim, publicou-se simultaneamente o artigo “Revive a Inquisição Totalitária na Espanha”, na edição em inglês e em espanhol da Despertai! de 8 de setembro de 1961 (em português 22/10/61). Em fins de setembro, José foi intimado a comparecer novamente na central de polícia, e ele se perguntava qual seria o motivo desta vez. Logo o soube, pois a polícia começou a lhe ler o artigo de Despertai! que acabamos de mencionar. Ficara furiosa de ver que estava sendo tão abertamente exposta à opinião pública, e pôs-se a chamá-lo de mentiroso. José começou a desejar que a terra se abrisse e o engolisse. Perguntava-se se sairia de lá com vida, pois havia seis políciais furiosos em volta dele. Entretanto, ao prosseguir o interrogatório, ele compreendeu subitamente que o artigo lhe servia de proteção. Estavam com medo de pôr a mão nele, porque a ação deles poderia ser publicada numa outra edição de Despertai!
Em dado momento, o policial disse que a referência que o artigo fazia a um bebê de três meses de idade era mentira. José respondeu calmamente que sabia que era verdade, pois ele era o pai! Bem, ele saiu do ordálio com vida e regozijando-se, pois sabia então que doravante eles estavam obrigados a tratar a organização de Jeová com mais respeito.
O julgamento de José foi feito em outubro de 1961 perante um tribunal composto de três juízes, um deles servindo de presidente. Embora o caso não tivesse sido publicado na imprensa, a sala de espera do tribunal estava cheia de irmãos, pessoas interessadas, advogados, médicos e outros. Mais de sessenta pessoas assistiram ao julgamento.
O promotor público tentou provar que o irmão Orzáez era o “líder” do grupo de estudo bíblico em Las Palmas da Grande Canária. Mas as testemunhas de defesa não o reconheceram como seu líder. Outrossim, no seu sumário concludente, o conselho da defesa citou a Declaração Espanhola dos Direitos e mostrou também que até vinte pessoas podiam reunir-se sem permissão prévia. Quanto à acusação de proselitismo, que tinha sido feita contra o irmão Orzáez, citou-se novamente a Declaração dos Direitos, mostrando que permitia liberdade de expressão, no Artigo 12, que foi lido com a ênfase apropriada.
Não obstante a longa e razoável defesa, bem como a opinião geral de que a defesa havia conseguido a absolvição, o veredicto pronunciado foi “Culpado”, e impôs-se-lhe a pena de três meses de prisão. Todavia, interpôs-se recurso junto à Corte Suprema.
Dois anos e quatro meses mais tarde, o caso de José Orzáez foi finalmente levado perante a Corte Suprema. No ínterim, nossos casos estavam empilhando-se para recurso, em razão da onda feroz de perseguição que se alastrou pela Espanha a partir de 1960, e não diminuiu senão em 1966.
DECISÃO ANIMADORA
Em 2 de março de 1964, a Corte Suprema realizou audiência pública numa sala de tribunal que estava apinhada de umas duzentas pessoas procedentes de várias nações. Muitas outras pessoas estavam do lado de fora do prédio, aguardando a decisão.
Entre outras coisas, no seu sumário, o advogado de defesa salientou que a Lei Sobre Reuniões, de 15 de junho de 1880, ainda estava em vigor. O Artigo 2 declara que reuniões públicas são reuniões de mais de vinte pessoas, e que só se esse número for ultrapassado é que se tem de pedir permissão do governo para se reunir para fins lícitos. O advogado mostrou que as Testemunhas de Jeová em Las Palmas estavam fazendo todo empenho para se harmonizar com essa lei. Ele argumentou, outrossim, que se entende por “associações ilegais” as cujo objetivo é cometer crimes que poriam em perigo a segurança do Estado. Mas, ele tornou claro que as reuniões das Testemunhas de Jeová se baseiam na leitura e em comentários da Bíblia. Mostrou-se também que as Testemunhas de Jeová ensinam que aquele que comete crimes contra a segurança de qualquer Estado se rebela contra Deus, e que nunca se permitirá que tal pessoa seja testemunha de Jeová.
Em suma, a defesa salientou que o Artigo 6 da Declaração Espanhola dos Direitos foi violado abertamente no caso em questão, pois o Estado garante que “ninguém será molestado por causa de suas crenças religiosas, nem no exercício privado de seu culto”. O irmão Orzáez não só foi “molestado” pela polícia, mas foi julgado e condenado por ser apanhado ensinando a Bíblia durante uma reunião de dezessete pessoas.
Daí, foi a vez do promotor público para apresentar seus argumentos. Depois de dar um breve resumo da defesa apresentada, o promotor público causou uma comoção ao declarar: “Uno-me à defesa em solicitar a absolvição do acusado.”
Qual foi a decisão do Tribunal? Este declarou o seguinte: “Absolvemos o querelado, José Orzáez Ramírez, do crime de reunião ilegal, pelo qual foi acusado no atual caso, com declaração de exoneração de custas.”
Esta decisão, tomada em 1964, encorajou nossos irmãos espanhóis. Encorajou especialmente o fiel grupo de pioneiros especiais que, no decorrer de quatro anos, havia sofrido o pior dos ataques. A decisão foi um golpe para a intolerância religiosa que foi praticada em muitas províncias espanholas onde as Testemunhas de Jeová vinham sendo presas, encarceradas e multadas quando encontradas empenhando-se em estudo bíblico em grupo. A decisão foi um passo para estabelecer precedente quanto a defender o direito de reunião em particular para estudar a Bíblia.
OPOSIÇÃO IMPLACÁVEL
O Ministério de Assuntos Internos, porém, não se abrandou no seu desejo de extirpar as Testemunhas de Jeová do território espanhol, e, em 24 de fevereiro de 1966, enviou-se outra circular a todos os governadores civis. Já que a política de impor multas de pelo menos 2.500 pesetas não estava surtindo o desejado efeito, o Ministério de Assuntos Internos havia consultado o Ministério da Justiça e feito a seguinte recomendação:
“Em conseqüência disso, insto com Vossa Excelência, sob as ordens de Sua Excelência o Senhor Ministro de Assuntos Internos, que denuncie perante os tribunais encarregados da repressão dos crimes e da vadiagem a quantos membros da dita seita sejam surpreendidos desempenhando tais atividades, para que esses tribunais encontrem, no caso deles, motivos para tomar ação. Isto, sem detrimento da instauração de processo e da punição, por crimes que possam ser cometidos em resultado do proselitismo, e das medidas de segurança que os tribunais criminais poderão tomar nas sentenças condenatórias.” Isto foi um último esforço para suprimir a atividade de pregação das Testemunhas de Jeová e para pôr fim à sua obra por meio de intimidação. Foi, na verdade, uma questão de ‘forjar a desgraça por meio de decreto’. — Sal. 94:20.
MANTIDA A NEUTRALIDADE CRISTÃ
Além de enfrentarem oposição religiosa e outra, as Testemunhas de Jeová, debaixo do regime que existia então na Espanha tiveram de enfrentar problemas relacionados com a neutralidade cristã. (João 15:19) Mediante seu estudo particular da Bíblia, diversos jovens entre as Testemunhas naquela época chegaram à conclusão de que Isaías 2:4 e outras passagens da Bíblia requeriam sua firme neutralidade em assuntos nacionais. Quando alguém falava com eles a respeito disso, diziam que era a sua própria decisão conscienciosa, baseada no seu estudo pessoal da Palavra de Deus. Cada qual fez sua própria escolha. Por algum tempo, as autoridades espanholas não entendiam esta posição neutra, e alguns desses irmãos foram vítimas de tratamentos cruéis. Entretanto, em anos recentes, as autoridades adotaram um conceito mais tolerante sobre esses cristãos conscienciosos, tratando-os com mais compreensão. Com o passar dos anos, a fidelidade destas jovens Testemunhas, em circunstâncias provadoras, tem sido fonte de encorajamento para os demais. Temos o prazer de contar agora algumas de suas experiências ao seguirem um proceder de integridade.
Em fevereiro de 1958, Jesús Martín, de Madri, foi designado para prestar serviço militar em Melila, no enclave espanhol do Marrocos. Porque adotou um proceder de neutralidade cristã, Jesús foi severamente espancado e acabou indo parar numa prisão militar, conhecida por Rostrogordo (Rosto Gordo). Foi submetido ali a tratamento brutal sob as instigações do tenente-general que assumia então a função de chefe militar e autoridade civil da guarnição de Melila. Outro personagem “inesquecível” era o chefe da prisão militar, um homem cruel e despótico.
Depois de oito dias nessa prisão, Jesús Martín foi chicoteado durante aproximadamente vinte minutos sem parar, além de ser insultado e lhe darem pontapés, até que finalmente caiu por terra meio inconsciente. Não satisfeito ainda, o capitão pisou com a bota na cabeça de Jesús contra o chão, só desistindo quando começou a sair sangue da cabeça dele. Conduzido de volta para o gabinete do capitão, foi dito a Jesús que receberia tratamento similar todos os dias, e o capitão cruel o ameaçou também de mutilação física.
Mais tarde, na sua cela subterrânea, Jesús orou a Jeová pedindo-lhe força e ajuda. Lá embaixo, o rapaz não podia falar com ninguém, senão com os ratos. Cada dia Jesús era retirado de lá à ponta de fuzil para trabalhar oito horas quebrando pedras com uma picareta — um trabalho sem finalidade, destinado a lhe impor castigo desmoralizador.
Mas o que dizer da ameaça de ser espancado diariamente? Bem, no dia seguinte, Jesús recebeu azeite de oliva para seus ferimentos e lhe colocaram ataduras na cabeça. Nesse estado, ele foi conduzido para ser espancado pela segunda vez, desta vez às mãos de um cabo designado para executar a tarefa enquanto o capitão olhava para se certificar de que era executada corretamente. Este tratamento bárbaro causou indignação até mesmo entre os guardas e outros soldados. Começando a fraquejar na sua resolução, Jesús se perguntava se poderia realmente suportar cada dia tal tratamento.
No terceiro dia, Jesús foi chamado para fora da cela para sua tarefa de quebrar pedras. Na metade da manhã, porém, ele foi chamado novamente para o gabinete do capitão. Para seu alívio, encontrou ali um juiz militar que viera para investigar seu caso e instaurar processo contra ele. Quando o juiz viu as ataduras e os visíveis sinais de espancamentos, ele perguntou o que acontecera. Jesús estava quase com medo de lhe dizer, temendo represálias posteriores. Contudo, disse a verdade ao juiz. Diante disso, o juiz lhe assegurou que não seria mais espancado. Eis a resposta às suas orações feitas um dia antes! Durante os restantes seis anos de encarceramento, Jesús nunca mais foi maltratado. E estava seguro de que Jeová responde às orações dos fiéis. — Pro. 15:29.
Depois de quinze meses na África, Jesús Martín foi transferido para a prisão de Ocaña, na Espanha. Fato interessante, Jesús foi condenado a quinze anos de prisão por desobediência, e quatro anos, por sedição, visto que se supunha que seu exemplo poderia ter influenciado outros. Isso significava dezenove anos de prisão por recusar fazer dezoito meses de serviço militar! Mais tarde, recebeu outra condenação de três anos pela sua desobediência na prisão de Rostrogordo, perfazendo uma pena total de vinte e dois anos. Falando-se de passagem, a sua condenação de quinze anos é a mais longa que já houve até agora na Espanha por causa de neutralidade.
PRESERVAÇÃO DA BOA CONDIÇÃO ESPIRITUAL NA PRISÃO
Enquanto se achava encarcerado em Ocaña, Jesús Martin gozava de certas vantagens. No começo, as autoridades carcerárias ali, após terem lido sua história na prisão, concluíram que ele fosse um detento da espécie muito rebelde. Com o tempo, porém, deram-se conta de que ele era um detento exemplar. Tanto foi assim que ele se tornou o contador da prisão, encarregado do pagamento de todos os detentos, segundo o trabalho que faziam nas oficinas da prisão. Houve meses em que Jesús teve de pagar meio milhão de pesetas em salários (cerca de Cr$ 200.000,00 naquele tempo).
Uma vantagem de Ocaña era que Jesús podia receber visitas de seus pais, embora se lhes permitisse falar com ele apenas quinze minutos por vez. Mas como manteve ele uma boa condição espiritual? Bem, não se lhe permitiu que tivesse publicações da Sociedade Torre de Vigia, mas tinha a Bíblia de Nácar-Colunga. E imagine só! Ele leu certa vez toda ela — os livros apócrifos, comentários e tudo — em apenas vinte dias!
Jesús sabia que outros cristãos também haviam tomado uma posição de neutralidade, e orou fervorosamente para que um desses irmãos fosse designado para sua prisão. Depois de quatro anos de quase total isolamento, suas orações foram ouvidas, pois Alberto Contijoch foi enviado para lá. Os dois estudavam juntos e pregavam também mais abertamente na prisão. Com efeito, prepararam sua própria “terceira” edição do compêndio bíblico “Seja Deus Verdadeiro”. O recém-chegado fez a escrita, visto que podia lembrar-se melhor do conteúdo do livro, ao passo que Jesús corrigia e adaptava a matéria.
Mais tarde, em 1961, um terceiro cristão neutro, Francisco Dias Moreno foi designado para a prisão de Ocana. Os três rapazes conseguiram obter um exemplar do folheto “Estas Boas Novas do Reino”, e Jesús pôde preparar exemplares adicionais, usando a máquina de escrever do escritório onde ele trabalhava. Houve ocasião em que dirigiam quinze estudos bíblicos com os co-detentos.
Esses cristãos neutros tinham tão forte desejo de obter nova literatura bíblica que se arriscavam para consegui-la. Por exemplo, considere o que aconteceu em 24 de setembro de 1963 — a festa de “Nossa Senhora das Graças”, a mediadora católica dos prisioneiros e cativos. Era um feriado especial e foram permitidas visitas extras na prisão. Portanto, naquele dia, José e Pili Orzáez visitaram a prisão com sua filha de dois anos de idade, Ester Lídia. Permitiu-se que ela entrasse como “sobrinha” de Jesús, e ela lhe deu uma caixa de roupas que continha também dois livros encadernados da Sociedade. Em outra ocasião, os pais de Jesús lhe enviaram um livro “Certificai-vos de Todas as Coisas”, em inglês, mas o administrador da prisão não permitiu que ficasse com ele, dizendo que deixar tal livro cair em suas mãos seria como dar uma metralhadora de mão a um assaltante de banco.
Em 1963, o grupo dos cristãos neutros na prisão de Ocaña aumentou de três para quatro, com a chegada de Antonio Sánchez Medina. Ele já havia sofrido dificuldades carcerárias em outra parte, e, antes que pudesse associar-se com as outras três Testemunhas, tinha de completar um período de prova de trinta dias. Apesar de ser mantido incomunicável, Antonio achou, contudo, um meio de dar testemunho sem falar. Quando algum outro detento mostrava interesse na verdade, Antonio inventava um quebra-cabeça bíblico de palavras cruzadas para o co-detento resolver. Usando diversos tipos de quebra-cabeças de palavras cruzadas, Antonio conseguia fazer o detento pesquisar a sua Bíblia.
Perto do fim do seu primeiro período de isolamento de trinta dias, Antonio teve uma decepção. Enquanto estava preso antes em Saragoça, ele havia escrito uma carta para os irmãos a respeito de um detento interessado na verdade. Antonio havia escondido a carta no seu colchão, aguardando uma oportunidade para poder enviá-la para fora da prisão. Mas a carta foi encontrada durante uma busca feita na sua cela. Agora, ele tinha de sofrer as conseqüências em Ocaña — vinte dias nas celas disciplinares por ter escrito a carta e por ter feito proselitismo.
Antonio foi conduzido até o “tubo” — um túnel em que havia celas frias e obscuras. Não havia mobília na sua cela, só uma bacia para se lavar um vaso sanitário, um prato de alumínio e uma colher. A noite, trouxeram lhe um colchão e dois cobertores sujos. Mas ele não tinha nenhuma matéria para leitura e nem material para escrever. Portanto, como suportaria aqueles vinte dias de aborrecimento? A solução foi a idéia de um quebra-cabeça de palavras cruzadas. Mas, Antonio não tinha nem papel e nem lápis. Portanto, ele quebrou uma das asas do seu prato e a usou para escrever sobre os ladrilhos do chão de sua cela. Ele transformou o chão num gigantesco quebra-cabeça bíblico de palavras cruzadas! Ora, Antonio ficou tão absorto em lembrar personagens e passagens da Bíblia que aqueles dias passaram rapidamente!
Incontestavelmente, havia diversos modos de manter uma boa condição espiritual. Os quatro cristãos neutros na prisão de Ocaña tinham agora algumas revistas e outras publicações. Entretanto, toda a leitura tinha de ser feita secretamente, e a literatura tinha de ser escondida. Para esse fim, tinham um tabuleiro de jogo de xadrez e escondiam a literatura no fundo duplo do tabuleiro.
REALIZAM-SE REUNIÕES COM CAUTELA
Os quatro cristãos neutros na prisão de Ocaña estavam piamente cientes da necessidade de se reunir para o estudo da Bíblia. (Heb. 10:24, 25) Por conseguinte, fizeram finalmente arranjos para realizar reuniões semanais, embora as realizassem com extrema cautela.
Na prisão de Ocaña, as camas consistiam em dois beliches sobrepostos em fileiras paralelas, com cerca de oitenta detentos em cada dormitório. As quatro Testemunhas ocupavam dois conjuntos, lado a lado. Portanto, enquanto um deles ficava deitado em cima, escutando e vigiando os guardas, os outros três se sentavam embaixo, nos leitos inferiores, fazendo o melhor que podiam para apresentar suas partes no programa. Com todo o barulho dos outros detentos, bem como da música ou do jogo de futebol que se ouvia pelos alto-falantes acima de suas cabeças, não era tarefa fácil considerar assuntos bíblicos. Mas esses rapazes conseguiam fazer isso e até mesmo celebrar a Comemoração da morte de Jesús nessas circunstâncias elas durante 1962.
FINALMENTE A LIBERDADE — PARA UM DELES
No verão de 1964, Jesús Martín novamente se achou sozinho em Ocaña, visto que os outros três cristãos neutros partiram em 1963. Francisco Díaz Moreno havia cumprido um termo de prisão e tinha então de se apresentar novamente, esta vez em El Aaiún, no Saara Espanhol. Antonio Sánchez e Alberto Contijoch tiveram experiências similares. Todavia, antes de se separarem, haviam decidido usar uma nova tática. Todos os quatro solicitariam liberdade condicional. Nos casos de boa conduta, havia concessão de três meses de liberdade para cada ano passado na prisão.
O resultado deste empenho foi que três petições foram negadas. Mas a petição de Jesús Martín foi aceita. Ele gozaria de vinte e cinco meses de liberdade provisória e daí teria de se apresentar novamente às autoridades militares. Assim se deu que, em agosto de 1964, Jesús saiu da prisão depois de ter cumprido seis anos e seis meses de sua sentença. Por algum motivo, ele nunca mais foi convocado.
NÃO-BATIZADO MANTÉM A INTEGRIDADE
Depois de um ano em Ocaña, Francisco Díaz Moreno havia cumprido sua segunda sentença, e em janeiro de 1964 ele foi liberado provisoriamente por dois meses, esperando seu terceiro julgamento no tribunal militar. Ele usou esse tempo para se edificar espiritualmente antes de ir para o Saara. Em abril de 1964, Francisco havia sido transportado para um campo disciplinar, chamado La Sagia, mais no coração do deserto. Alberto Contijoch e Juan Rodríguez já se achavam ali. É interessante o fato de que Juan já havia passado três anos na prisão por causa de neutralidade e ainda não era testemunha batizada de Jeová. Ele tomara o lado da verdade da Bíblia antes de ter tido a oportunidade de ser imerso em símbolo de sua dedicação a Deus.
Num dos antigos lugares de encarceramento de Juan, entre outras coisas, usaram de fraude num esforço de fazê-lo violar sua neutralidade. O capelão da prisão — naturalmente um sacerdote católico — disse a Juan que outra Testemunha o visitaria e lhe traria as mais recentes instruções da Sociedade.
Conforme anunciado, um jovem de uniforme de marinheiro se apresentou como Testemunha de Jeová. Juan, o marinheiro e o sacerdote mal haviam começado a conversar quando a “Testemunha de Jeová”, o marinheiro, tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu um a Juan! Quando Juan perguntou ao “irmão” quais os livros que ele havia lido, o marinheiro mencionou Folhas Verdes e alguns outros títulos dos quais Juan nunca ouvira falar. Bem, a próxima vez que Juan viu o sacerdote sozinho, ele lhe disse que em ocasiões futuras deverá certificar-se de que a Testemunha que lhe trouxer para o visitar seja autêntica.
Enquanto Francisco, Alberto e Juan estavam em La Sagia, aguardando sua transferência para El Aaiún, decidiram batizar a Juan num dos poços fora do campo. Daí, foi recusada toda permissão de sair do acampamento. Portanto, como realizariam o batismo naquele deserto árido? Bem, havia no acampamento um grande reservatório de água, munido de duas aberturas, uma para encher e outra para retirar água com um balde. Mas só havia quinze centímetros de água nele.
Na noite de 19 de abril de 1964, porém, os três jovens já se haviam retirado para as suas tendas quando ouviram chegar o caminhão de abastecimento de água. De fato, a caixa d’água estava sendo enchida — e com suficiente água nela para alguém se afogar. Pode imaginar! Depois de uma breve consideração bíblica, os três escorregaram silenciosamente por sobre a areia até o reservatório de água e Juan Rodríguez foi batizado.
ELES PERSEVERARAM EM EL AAIÚN
Finalmente, depois de variadas experiências, como um período de encarceramento em Haussá, um posto ainda mais avançado no deserto, os quatro cristãos neutros — Alberto Contijoch, Francisco Díaz Moreno, Antonio Sánchez Medina e Juan Rodríguez — ficaram encarcerados em El Aaiún. As condições ali eram muito restritivas, pois a prisão era uma construção retangular, as portas das celas dando para o muro da prisão, que tinha arame farpado em cima e era coberto de cacos de vidro. Em cada canto do muro havia um posto para os guardas de serviço com fuzis automáticos. As celas eram pequenas, dois por três metros, e em cada uma havia dois ou três detentos. Os períodos de exercício duravam apenas uma hora todas as manhãs e todas as tardes. Mas o calor era mais suportável do que em outros lugares no deserto, porque essa prisão se situava a apenas cerca de vinte e cinco quilômetros do mar e isso ajudava a melhorar o clima.
No começo, os quatro cristãos neutros podiam pregar e dirigir estudos bíblicos, bem como realizar reuniões. Francisco, por exemplo, pôde falar com um jovem que fora condenado à morte, sob a acusação de ter instigado um homicídio, embora sua sentença tivesse sido substituída para trinta anos de prisão. Certo dia, ele procurou conversar com Francisco para lhe dizer que sua mãe lhe havia enviado uma Bíblia. Tanto sua mãe como sua tia eram protestantes evangélicas. Francisco usou com tato a Bíblia dele para lhe dar testemunho a respeito do nome de Deus, e despertou-se interesse, de modo que se iniciou um estudo bíblico, usando-se o livro “Seja Deus Verdadeiro”. Após apenas algumas semanas, o jovem foi transferido para a prisão de Santa Catarina, em Cádiz, no sudoeste da Espanha, mas a verdade já brotava no seu coração. Ele continuou a progredir e, com o tempo, foi batizado. Agora sua mãe e sua tia são também Testemunhas batizadas. Foi assim que no cativeiro Marcelino Martínez encontrou a verdadeira liberdade.
A situação em El Aaiún chegou a um ponto em que eram dirigidos quinze estudos bíblicos com os outros detentos. Finalmente, as autoridades carcerárias interferiram e separaram as Testemunhas dos outros detentos. Até mesmo a sua hora de exercícios foi mudada, para não coincidir com a dos outros. Não se daria nenhuma oportunidade para seu “proselitismo”.
NOVAS TÁTICAS SÃO ADOTADAS
Depois de quatro ou cinco anos na prisão, e não tendo as autoridades tomado nenhuma decisão, os detentos cristãos neutros começaram a estudar o Código Penal Militar, a fim de defenderem melhor a sua posição. Como parte de suas táticas, empreenderam escrever cartas a todos os ministros do governo, a fim de chamar a atenção das autoridades para o seu caso. Essas Testemunhas neutras estavam condenadas a bem dizer à prisão vitalícia, ao passo que um assassino convicto podia voltar a andar livremente pelas ruas em apenas sete anos.
Uma das dificuldades jurídicas residia no fato de que não se permitia às Testemunhas fazer declarações adequadas perante os tribunais militares as quais pudessem constar das atas do julgamento. Francisco Díaz Moreno decidiu mudar tudo isso. Ele havia lido no Código Penal Militar que as declarações finais do detento deviam ser incluídas na ata do julgamento. De modo que, quando chegou a vez de seu caso ser apresentado perante o tribunal militar de El Aaiún, ele esperou até que o promotor público e o advogado da defesa apresentassem nervosamente seus respectivos argumentos. Daí, deram-lhe ordens de se pôr de pé e perguntaram se ele tinha algo a dizer.
“Sim, Meritíssimo”, replicou Francisco. E pôs-se a ler a declaração que preparara. Diversas vezes, o magistrado que presidia ao tribunal tentou interrompê-lo e impedir a leitura. Todavia, quando viu a atitude resoluta que Francisco manifestava, chamou-o à parte junto ao assento dos juízes. “O que quer, jovem?” Francisco respondeu que queria apenas que suas declarações fossem oficialmente anexadas à ata do julgamento. “Bem, vamos cuidar disso e estudaremos o assunto . . .”, foi a resposta.
“Desculpe-me Meritíssimo”, disse Francisco. “Não é uma questão de cuidar disso e estudá-lo, mas, antes, minhas declarações têm de ser anexadas. De outra forma, o julgamento não é válido.”
Quando o presidente se deu conta de que não havia escapatória diante deste argumento, cedeu, e a declaração escrita de Francisco foi anexada à ata do julgamento. Depois disso, foi possível os cristãos neutros fazerem declarações semelhantes durante tais julgamentos diante dos tribunais militares em El Aaiún.
A PRISÃO MILITAR DE RISCO — E SEU COMANDANTE
Um dos piores estabelecimentos penitenciários para os cristãos neutros foi a prisão militar de San Francisco del Risco, nas Ilhas Canárias. O comandante ali era um oficial infame, apelidado “Pisamondongos”, expressão rude que se traduz por “Pisa Tripas”. Ele sentia prazer em violência sádica. Francisco Díaz Moreno passou ali algum tempo. Ao chegar, descobriu que Fernando Marín e Juan Rodríguez já haviam passado alguns meses nesse lugar.
Não demorou muito para Francisco se encontrar face a face com o comandante. “Você é Testemunha de Jeová?” perguntou o comandante. “Sim, senhor”, foi a resposta. “Outro traidor da Pátria!” vociferou o comandante, que recorreu também a linguagem obscena e ordenou que Francisco fosse revistado. Bem, acontece que Francisco tinha no bolso uma de nossas revistas e teve de entregá-la. Enquanto o sargento continuava a revistá-lo, o comandante saiu e voltou depois. Impaciente com a demora em ser revistado, o próprio comandante terminou a tarefa apressadamente. Mas não encontrou as revistas que Francisco havia escondido debaixo de uma faixa que usava na cintura diretamente contra a pele. Assim, entraram dentro da prisão exemplares da Sentinela que continham novas informações sobre a ressurreição.
As três Testemunhas foram mantidas numa cela à parte de outros detentos e não se lhes permitia falar com outros presos. No pátio externo, havia sido pintada no chão uma faixa branca. Os outros presos não podiam ultrapassá-la, para que não se comunicassem com os irmãos através da janela da cela. Alguns que haviam procurado falar com Fernando Marín durante seus nove meses prévios ali haviam sido cruelmente espancados. Perversamente, essa separação era para que as Testemunhas não fossem contaminadas pelos demais! Felizmente, porém, sua permanência em San Francisco del Risco não duraria muito tempo.
CRESCE A CONGREGAÇÃO DA PRISÃO DE CÁDIZ
Em outubro de 1965, Francisco foi enviado das Ilhas Canárias para a prisão de Santa Catarina, em Cádiz. No decorrer dos anos, essa prisão tinha chegado a ser famosa entre o povo de Jeová, pois atingira o ponto em que tinha tantas quantas cem Testemunhas ali. Outrossim, foi visitada por centenas de irmãos que foram para lá a fim de encorajar seus concrentes retidos cativos ali. Em maio de 1972, essa prisão foi até mesmo visitada por Grant Suiter, e, mais tarde, por Leo Greenlees, ambos membros do Corpo Governante, que tiveram o privilégio de falar perante essa grande congregação. Com efeito, a congregação da prisão era maior do que a de fora dela na mesma cidade.
É interessante notar que, através dos anos, os irmãos encarcerados na prisão de Santa Catarina, em Cádiz, puderam reproduzir o programa de todas as assembléias de circuito e de distrito. Pelo menos numa ocasião tiveram até mesmo representantes da imprensa estrangeira por ocasião do casamento de uma Testemunha dentre os detentos. A publicidade dada a este caso chamou a atenção do mundo inteiro para a situação lastimável da lei espanhola para os que têm escrúpulos de consciência. Diversos casamentos foram realizados nessa prisão, mas o primeiro foi o de Francisco Díaz Moreno com Margarita Mestre, em novembro de 1967, com a presença de um juiz de paz.
Entretanto, não se deve concluir que eram mínimos os problemas na prisão de Santa Catarina, Cádiz. Muitas vezes, por exemplo, as refeições incluíam chouriço de sangue, que as Testemunhas reclusas não podiam comer, porque estavam decididas a respeitar a lei de Deus sobre o sangue. (Gên. 9:3, 4) Entretanto, com o desenvolvimento de uma boa organização carcerária entre as Testemunhas, foram organizados certos grupos de trabalho de modo a permitir que os irmãos ganhassem algum dinheiro para comprar gêneros alimentícios aceitáveis. Estabeleceram, também, tabelas de horários para reuniões, para estudo de idiomas estrangeiros e outras atividades. Foram feitos arranjos para se dar testemunho por cartas de modo que cada mês certo número dentre eles podia ser “pioneiro de férias”, como eram chamados então. Todos estes arranjos ajudaram para o tempo passar mais rapidamente, circunstâncias em que às vezes brilhavam alguns raios de esperança e daí se desvaneciam. A incerteza de sua situação naquela época não ajudava a estimular o ânimo dos irmãos, embora ficassem acostumados com as decepções.
Por exemplo, em março de 1970, os jornais anunciaram que o governo estava preparando um projeto de lei para solucionar o problema dos que têm escrúpulos de consciência, e para regular a situação por meio de novas medidas jurídicas. Isto reanimou a esperança de muitos irmãos presas naquela época. Em setembro daquele ano, o projeto de lei foi debatido numa comissão do Parlamento espanhol. Os membros dela adotaram uma decisão sem precedentes, enviando de volta ao governo o projeto sem o aprovarem e solicitando uma revisão adicional. Quando essa notícia chegou até às prisões, foi como uma ducha de água fria que abateu o ânimo dos irmãos. De novo, em 1971, o governo tentou apresentar uma lei mais rigorosa que satisfaria os elementos extremistas da Comissão de Defesa do Parlamento. Quando o governo viu quão drasticamente a intenção original do projeto de lei havia sido mudada, retirou-o sem permitir consideração adicional.
O PRIMEIRO CASO DE NEUTRALIDADE NA REGIÃO BASCA
Nosso relato sobre aqueles primeiros anos que os cristãos neutros passaram na prisão não seria completo se não mencionássemos o proceder de integridade de Adolfo Peñacorada, de Bilbau, na região basca, e de Emílio Bayo, de Logroño. Eles passaram muitos anos nas mesmas prisões espanholas.
Em 16 de março de 1963, Adolfo Peñacorada apresentou-se no quartel de Burgos, onde seu pai havia servido como soldado trinta e cinco anos antes. Durante quatro Díaz não se distribuíram uniformes. Daí, no quinto dia, Adolfo teve uma longa palestra com o coronel sobre seus escrúpulos de consciência. Finalmente, quando o coronel se deu conta de que não conseguia nada, ele mudou de tática e gritou com Adolfo, dando ordens para que fosse levado para o “calabouço”. Os escrúpulos de consciência de Adolfo se tornaram o centro da conversa nos círculos militares de Burgos, cidade que se orgulhava de sua história militar e eclesiástica. Havia ocorrido o que era inconcebível — um homem se recusara a usar uniforme militar em Burgos!
Sob pena de castigo proibiu-se a todas as tropas de falar com Adolfo. Diversos oficiais foram à sua cela para tentar fazê-lo mudar de idéia, mas saíam sempre de lá pensativos, por causa do testemunho que ele lhes dava. Ele tinha afixado visivelmente na sua cela um texto bíblico que mencionava a Jeová e incluía as seguintes palavras: “Não tenhas medo. Eu mesmo te ajudarei.” (Isa. 41:10, 13) O nome de Jeová foi assunto de muita conversa. E foi em Jeová que Adolfo verdadeiramente depositou toda a sua fé e confiança.
Com o passar dos anos, Adolfo ouviu toda sorte de observações da parte de diversos oficiais. Por exemplo, um tenente, ajudante do coronel, declarou: “Adolfo, preciso dizer-lhe que a maioria pensa como eu penso. Estamos surpresos com você. Estamos fazendo tudo para tornar a vida impossível para você, e, quanto mais cruéis temos sido, tanto mais você tem sorrido e sempre tem uma palavra amável . . . você me fez pensar nos primeiros cristãos.”
Com o tempo, passaram a ter plena confiança em Adolfo, a tal ponto que a porta de sua cela era deixada aberta e diversos soldados costumavam entrar e lhe fazer perguntas sobre a Bíblia. Um deles disse: “Gostaria de estudar a Bíblia. Vejo que a sua religião é a verdadeira.”
Um dos guardas tinha tanto desejo de ler a Bíblia que ia à cela de Adolfo para ler. Enquanto isso, ele pedia que Adolfo ficasse de “guarda” fora da cela, caso alguém viesse surpreendê-los. Portanto, o prisioneiro montava guarda ao sentinela!
UM CRISTÃO NEUTRO ORIGINÁRIO DE LOGROÑO
Em setembro de 1963, Adolfo foi levado ao Tribunal Militar para ser julgado. Ali, ele chegou a ver Emilio Bayo, que estava sendo julgado na mesma ocasião. Eles já se conheciam, pois dois anos antes se achavam entre as Testemunhas que haviam sido detidas por ocasião de uma batida da polícia em Logroño.
Ao atingir a idade de vinte e um anos, Emilio se apresentara no quartel de Tudela, na província de Navarro. Era 16 de março de 1963, o mesmo dia em que Adolfo se apresentara em Burgos. No dia seguinte, Emilio recusara aceitar o uniforme militar e deixara de assistir à missa com os recrutas. Foi conduzido a uma masmorra, onde passaria suas dez primeiras semanas praticamente sem luz do dia e quase sem nenhum exercício físico ao ar livre. Cada manhã lhe tiravam a cama que lhe era trazida de volta à noite, e não se lhe permitia falar com ninguém. Foi só graças à bondade de um capitão que lhe deram uma cadeira para se sentar durante o dia.
Depois daquelas dez primeiras semanas, Emilio foi transferido para Burgos para seu julgamento. Durante o dia em que viajou, algemado com um guarda civil, ele falou, compensando o silêncio de dez semanas. Emilio deu testemunho no trem, usando sua Bíblia o melhor que pôde, apesar de estar com uma das mãos algemada. O guarda tentava esconder a mão algemada, mas Emilio procurava mostrá-la, para que as pessoas soubessem que ele estava em cadeias por causa de sua crença cristã.
Os julgamentos de Adolfo e de Emilio foram feitos separadamente. Mas os resultados foram os mesmos — a pena de três anos e um dia de prisão. Em novembro, foram transferidos para a Prisão Civil de Burgos, onde tiveram de associar-se com delinqüentes e criminosos civis de toda sorte.
Adolfo chegou primeiro e o administrador da prisão lhe disse rispidamente: “Eu conheço vocês e conheço os seus métodos. Se fizerem a mínima tentativa de proselitismo aqui, apodrecerão nas celas disciplinares.” Felizmente, depois de alguns Díaz, esse administrador foi substituído, e, em pouco tempo, Emilio e Adolfo reviraram a prisão com a sua pregação. Naturalmente, a única publicação que possuíam era a Bíblia católica de Nácar-Colunga, e revelou ser suficiente. Tudo o que eles disseram durante a semana chegou aos ouvidos do capelão da prisão a tempo para a missa de domingo. Entretanto, os irmãos já haviam granjeado o respeito e a admiração do novo administrador, bem como dos outros detentos. Portanto, o capelão não conseguiu fazê-los parar de pregar e não lhes podia causar nenhum dano. O administrador estava tão bem impressionado com eles que recomendou que fossem transferidos para uma prisão sob regime de semiliberdade, em Mirasierra não longe de Madri.
Emilio e Adolfo empreenderam viagem a essa nova prisão em janeiro de 1964. A caminho, tiveram de passar pelas prisões de Ávila e de Carabanchel. Finalmente, chegaram à prisão de Mirasierra.
A VIDA NA PRISÃO DE MIRASIERRA SOB REGIME DE SEMILIBERDADE
Mirasierra era um grupo de cabanas carcerárias usadas para detentos em quem se confiava, os quais trabalhavam para uma firma construtora de chalés, principalmente para estrangeiros. Na realidade, era como estar em liberdade, pois os detentos se associavam com os de fora durante as horas de trabalho. Para Adolfo e Emilio esta folga durou pouco — sete meses para se ser exato. Mas, pelo menos, foi uma trégua para se ganhar fôlego. O trabalho era pesado e difícil para esses rapazes que haviam passado quase um ano na prisão com muito pouca atividade física.
Adolfo e Emilio aproveitavam todas as oportunidades que tinham para dar testemunho, e obtiveram bons resultados. Por exemplo, iniciaram um estudo bíblico com uma pessoa que mais tarde se tornou um cristão batizado. Além disso, logo organizaram um estudo da Sentinela, que era realizado à entrada de um túnel de uma estrada de ferro ainda não usada. Quatro pessoas se sentavam nos trilhos e desfrutavam esse estudo interessante.
Depois de algum tempo, Adolfo e Emilio receberam tarefas mais leves a fazer no interior dos chalés. Isto os habilitou a dar testemunho a alguns dos proprietários. Outro testemunho excelente foi dado por um grupo de irmãos que os visitava todos os domingos, pois os guardas e os detentos podiam ver o amor que existia entre as Testemunhas de Jeová. — João 13:34, 35.
EM CAMINHO PARA A ÁFRICA
Terminadas suas sentenças em Mirasierra, Adolfo e Emilio foram postos em liberdade por um mês, mas com ordens de se dirigirem para El Aaiún, no Saara Espanhol. Eles usaram aquele mês de liberdade para se associar com seus concrentes e para se fortalecer espiritualmente. Revigorados física e espiritualmente, partiram para a sua nova prisão na África em fins de setembro.
Quando Adolfo e Emilio chegaram a El Aaiún, ficaram sabendo que três cristãos neutros — Francisco, Alberto e Juan — já se achavam presos ali, embora não houvesse possibilidade de os ver. Adolfo e Emilio estavam ansiosos de falar com esses três concrentes para se informar sobre questões que poderiam apresentar-se nesse novo lugar, especialmente visto que poderia haver pormenores sobre os quais teriam problemas em fazer decisões.
De El Aaiún, Adolfo e Emilio foram enviados para Haussá, onde sabiam que Antonio Sánchez se encontrava. Pensavam conseguir talvez algumas informações por meio dele. Mas, quando chegaram ali, ele já havia partido — apenas algumas horas antes. Tudo parecia estar perdido. Mas tiveram de ir ao barbeiro do acampamento, um certo Benito Egea, uma pessoa que vinha estudando recentemente a Bíblia com Antonio Sánchez. Ele pôde dar-lhes algumas informações úteis. Continuaram o estudo bíblico com ele até que foi decidido que seriam mudados de lá. Para El Aaiún? Não. Iriam para Vila Cisneros, a uns 1.000 quilômetros em direção do sul — para uma base militar onde as Testemunhas de Jeová nunca haviam sido enviadas até então. Lavrariam um novo campo. Diga-se de passagem que o barbeiro do acampamento foi mais tarde batizado e até mesmo serviu por vários anos como pioneiro especial.
Em 21 de dezembro de 1964, debaixo de chuva torrencial, o comboio de caminhões se pôs em marcha através do deserto. Aquela viagem desconfortável durou vários dias. Na manhã de sua primeira noite no quartel de Vila Cisneros, acordaram com a notícia de que um dos legionários havia matado outro por causa de ciúme sobre relações homossexuais. Tal era a espécie de mundo para o qual se haviam mudado. Estavam então totalmente isolados dos irmãos e da organização terrestre de Jeová, e não tinham a quem consultar senão a Jeová Deus. Fizeram isso intensamente, buscando a Sua orientação. Dentre 2.000 a 3.000 soldados, eles eram os únicos que andavam vestidos à paisana.
Emilio e Adolfo não estavam sempre certos de ter tomado a decisão mais acertada. Mas procuravam agradar a Jeová e, em fevereiro de 1965, a sua neutralidade se manifestou abertamente. O batalhão inteiro recebeu ordens de sair do quartel para efetuar manobras, mas os dois irmãos não quiseram obedecer. Diante disso, o tenente os tirou da cabana aos empurrões e dando pontapés neles, e fez que fossem colocados na última fila da formação. Daí, veio a ordem: “Para frente, marchar!” O batalhão inteiro se pôs em movimento, deixando para trás as duas figuras imóveis e solitárias, Adolfo e Emilio. Felizmente, o capitão os tratou com respeito e os entregou ao guarda do quartel.
Pouco depois, Adolfo e Emilio estavam no pelotão disciplinar. Os legionários encarregados tinham praticamente a liberdade de fazer o que bem quisessem com os presos, até mesmo matá-los, e não se exigia deles que prestassem contas. Quando se lhes ordenou que ficassem em sentido, os irmãos recusaram. O guarda vociferou insultos contra eles, e o cabo encarregado começou a lhes dar socos e a bater neles. Adolfo ficou com o olho todo roxo e com diversas contusões.
Adolfo e Emilio ficaram no pelotão disciplinar por um mês. Como não se lhes dava nenhum trabalho no quartel, eram conduzidos diariamente, ao clarear o dia, a uns três quilômetros da base. Ali, tinham de quebrar pedras e escavar a areia. Como o alimento era inadequado e muitas vezes não podia ser consumido por cristãos, passavam fome e ficavam exaustos. Às vezes, o guarda ficava com pena deles e lhes permitia abrigar-se do sol numa caverna próxima, onde podiam dormir um pouco. Mas a maioria dos guardas eram tiranos e os prisioneiros não podiam falar e nem fazer o que quer que fosse sem autorização deles.
Em abril daquele ano, Adolfo e Emilio saíram do lugar disciplinar e se perguntavam por quanto tempo poderiam suportar ainda a guerra de nervos em Vila Cisneros. A punição física era uma coisa, mas a tensão nervosa era outra. Havia luta constante para se manter a integridade para com Deus, para se manter neutro nessa atmosfera militar sufocante. Suas orações foram respondidas quando, em julho, foram enviados de volta a El Aaiún, de avião, para enfrentarem outro julgamento por causa de sua recusa de usar uniforme em Haussá.
Com a chegada deles a El Aaiún, o número de cristãos neutros ali passou para sete. Mal suspeitavam nessa época, em 1965, que o primeiro dos sete não seria posto em liberdade senão em 1970, e que quatro dentre eles ainda estariam na prisão em 1973.
Em janeiro de 1966, desfez-se o grupo dos sete. Quatro foram enviados para a prisão de Santa Catalina, em Cádiz, e os demais três foram mandados para a prisão militar de Mahón nas ilhas Baleares. Assim, Adolfo e Emilio, por exemplo foram separados depois de terem estado três anos encarcerados juntos. Emilio Bayo e Antonio Sánchez Medina foram enviados a Mahón chegando ali em abril de 1966, e pouco depois chegou Julio Beltrán. A viagem de três meses que fizeram incluía paradas em Cádiz, Vicálvaro, Madri e Saragoça.
Quando os dois irmãos chegaram a Saragoça, era 4 de abril, e no dia seguinte seria a Comemoração da morte de Jesus Cristo. Mal tinham começado a fazer arranjos para celebrar a comemoração quando receberam ordens de se prepararem para partir para Barcelona. Durante a viagem de trem, pediram permissão aos guardas para comprar um pouco de vinho, o que lhes foi concedido, e o esconderam, caso os próximos guardas o proibissem. Bem, perto das 18 horas, Emilio e Antonio explicaram aos guardas que era hora para fazerem uma celebração especial, com a consideração de um tema bíblico. Os guardas permitiram isso, e foi assim que os irmãos celebraram a Comemoração por meio de um discurso de quarenta e cinco minutos, discurso este que foi ouvido pelos guardas e por dois detentos com os quais as Testemunhas estavam algemadas. Embora no início o compartimento do trem estivesse vazio, perto do fim do discurso havia quatro ou cinco pessoas que estavam ouvindo. O discurso terminou precisamente no momento em que o trem entrou na estação de Barcelona.
CONSCIENCIOSA PERSEVERANÇA NA FÉ RESULTA EM GRANDE TESTEMUNHO
A cada momento, procurava-se quebrar a integridade dos cristãos neutros que estavam presos. Por exemplo, quando Emilio Bayo e Antonio Sánchez Medina chegaram a Mahón, ficaram sabendo que outro irmão, Francisco Diez Ferrer, já se achava ali por algum tempo. Fato interessante, tinha travado grande amizade com o Cabo Bernardo Linares, insuspeito de que esse homem havia sido designado para fazer amizade com ele e corromper a sua integridade para com Deus. Bem, isso não aconteceu. Ao invés, o resultado final foi que, depois de uma longa associação com Francisco, e mais tarde com Emilio e com Antonio, Bernardo Linares tornou-se também testemunha de Jeová. Em julho de 1967, ele disse ao capitão da prisão que iria tirar o uniforme e se unir aos que tinham escrúpulos de consciência. Embora se fizesse esforço para dissuadi-lo, foi tudo em vão. Ele ficou detido à espera de um julgamento, mas o capitão geral da região de Majorca anulou o contrato militar de Bernardo e o caso não foi mais além. Voltou à vida civil e empreendeu o serviço ativo de Jeová.
Não obstante as dificuldades que foram encontradas por esses cristãos neutros, houve crescimento espiritual e aumento dentro das prisões espanholas. Para ilustrar: À medida que o grupo em Cádiz continuava crescendo, desenvolvia-se a espiritualidade deles. Houve excelente progresso, e os irmãos até mesmo inauguraram um Salão do Reino na prisão em 5 de agosto de 1968, dois anos antes da legalização oficial da nossa obra na Espanha.
Podemos dizer que certos irmãos que mencionamos foram soltos da prisão no começo da década de 1970. Alberto Contijoch foi posto em liberdade em 1970, depois de ter passado onze anos na prisão, tendo sido sentenciado quatro vezes a uma pena total de dezenove anos de prisão. Francisco Díaz Moreno foi solto da prisão em abril de 1972, depois de completar onze anos, seis meses e dezenove dias da sentença total de vinte e seis anos. Juan Rodríguez foi solto em maio de 1972, depois de ter cumprido onze anos de prisão, e diversos outros foram soltos em fevereiro de 1974. Entre eles se achava Antonio Sánchez Medina, depois de doze anos de encarceramento; Adolfo Peñacorada e Emilio Bayo, depois de onze anos; e Fernando Marín, depois de passar dez anos atrás dos muros da prisão.
Naturalmente, muitos outros irmãos na Espanha sofreram encarceramentos como cristãos neutros. Mas esse tempo não foi um desperdício, pois serviu para dar testemunho a uma grande parte da população espanhola que, de outra forma nunca teria ouvido falar das Testemunhas de Jeová, de suas crenças e de sua integridade. Nos meios militares e judiciários também foi dado um grande testemunho, que repercutiu em todas as partes do país, pois esses cristãos neutros tiveram de se apresentar num número incalculável de quartéis e prisões militares e civis da Espanha. Assim, consta um registro de integridade e de neutralidade nos anais judiciários e militares desse país, e é prova da fidelidade das Testemunhas de Jeová aos princípios justos e pacíficos da Palavra de Deus, a Bíblia.
Durante o transcurso dos anos desde 1958, 825 irmãos foram condenados a um total de 3.218 anos de prisão, dos quais cumpriram 1.904 anos nas prisões militares e civis da Espanha. O escritor católico Jesús González Malvar fez provavelmente a observação mais adequada sobre tal registro de integridade, ao escrever o seguinte, debaixo do subtítulo “Um Exemplo Para os Católicos”:
“Assim é com as corajosas Testemunhas de Jeová, embora reconhecer isso seja humilhante para nós. Nisto eles estabeleceram certamente o ideal evangélico para nós. Esses homens valentes não ficam aterrorizados diante da perda da liberdade, mesmo que o encarceramento se prolongue mês após mês e ano após ano, tampouco temem os escárnios farisaicos de uma sociedade ainda tão remota do espírito das Beatitudes . . . Para a nossa grande vergonha, a realidade é que essas Testemunhas de Jeová, tão ridicularizadas e perseguidas, nos ultrapassaram a nós no nosso catolicismo tão militante, no que diz respeito a manifestar este carisma cristão, e é somente caminhando pelas suas sendas manchadas de sangue que os mais resolutos dentre nós ousaram aventurar-se no mesmo caminho. Não podemos negar, se formos honestos e sinceros, que compreenderam nisso, melhor do que nós, o espírito do Mestre, que, nem mesmo para defesa própria, permitiu o uso de armas.”
DECISÕES RECENTES RELATIVAS AOS CRISTÃOS NEUTROS
Que decisões foram tomadas recentemente na Espanha em favor destes cristãos neutros? Bem, em 1973, foi aprovada uma lei que limitou a pena por escusa de consciência a um só termo de prisão, que pode variar de três anos e um dia a no máximo oito anos. Isto pôs fim ao procedimento anterior de uma série de condenações indefinidas pela reincidência do mesmo delito, o de manter a neutralidade cristã por recusar fazer parte das organizações militares.
Os benefícios imediatos desta lei foram que todos os que haviam estado mais de três anos na prisão foram postos em liberdade, resultando em 114 irmãos ganharem a sua liberdade. Mais tarde, em 30 de julho de 1976, o Rei Juan Carlos proclamou uma anistia geral, e, em conseqüência disso, mais 204 irmãos foram postos em liberdade. Que alegria inesperada foi para eles assistir imediatamente às Assembléias de Distrito “Serviço Sagrado” e edificar ali as multidões reunidas com suas experiências de integridade cristã!
Há ainda cristãos neutros encarcerados na Espanha? Durante o outono de 1976, houve uma espécie de moratória de recrutamento dos que declaravam ter escrúpulos de consciência, e em dezembro de 1976, emitiu-se um decreto que permitia aos que, por convicções religiosas, não pudessem fazer o serviço militar “substituir” os dezoito meses atuais de treinamento militar por três anos de outros serviços.
Mas qual é o conceito dos jovens dentre as Testemunhas sobre esta questão? Já mais de 150 irmãos jovens demonstraram sua crença de que seria hipocrisia escusar-se do serviço militar por escrúpulos de consciência e daí participar em atividades que são reconhecidas como um substituto dos deveres militares. Em conseqüência disso, estão agora presos, a maioria aguardando seu julgamento num tribunal militar, por escusar-se do serviço substituto.
A reação das autoridades militares tem sido dura e implacável, e, em junho de 1977, diversos de nossos irmãos foram condenados à pena máxima de oito anos de prisão. Resta ver se o novo governo, formado em julho de 1977, tomará medidas para reduzir essas penas duras e propor uma lei mais razoável e eqüitativa.
MELHOR ORGANIZAÇÃO PARA O TRABALHO À FRENTE
Agora que já consideramos as experiências destes cristãos neutros, vamos retroceder no tempo e voltar ao fio de nossa história no ano de 1959. Naquela época, certos desenvolvimentos nos ajudaram a nos organizar melhor para o trabalho à frente.
Em abril de 1959, M. G. Henschel, da sede da Sociedade Torre de Vigia de Brooklyn (EUA), visitou a Espanha como superintendente de zona. Ele deu bons conselhos a Ray Dusinberre, que era naquela época o encarregado da filial na Espanha. O irmão Henschel recomendou que fossem aumentados os circuitos, de um para quatro, e que as visitas dos superintendentes de circuito fossem feitas de quatro em quatro meses, a fim de se edificar a espiritualidade dos irmãos.
Havia então sete missionários de Gileade na Espanha, inclusive duas irmãs. Quatro dos missionários serviam como superintendentes de circuito. Naquele mesmo ano de serviço, Sinforiano Barquín, o ex-católico fervoroso de Bilbau, tornou-se o primeiro superintendente de circuito espanhol. No fim do ano de serviço (1958-1959), 1.293 publicadores do Reino estavam associados com trinta congregações em cinco circuitos.
Com efeito, cada grupo pequeno dentro da congregação funcionava então como uma pequena congregação, todas as reuniões sendo dirigidas no seio daquele grupo. Isto significava que o superintendente de circuito tinha de visitar cada grupo. Quando havia apenas dois, a visita durava uma semana. Mas, com três ou quatro grupos, a visita durava duas semanas. Em anos posteriores, quando algumas congregações tinham até dez grupos, o superintendente de circuito tinha de visitar uma única congregação durante cinco semanas, a fim de servir todos os grupos.
A visita do irmão Henschel, em 1959, como superintendente de zona, acrescentou algo novo e especial para os irmãos espanhóis. Realizou-se uma assembléia espanhola em Perpignan, logo do outro lado da fronteira, na França meridional, e muitos dos irmãos foram ajudados financeiramente de modo a poderem assistir a ela. Para os que moravam no sul da Espanha, realizou-se outra assembléia em Tânger, no Marrocos.
A ORGANIZAÇÃO PERMANECE ATIVA DURANTE OS ANOS DIFÍCEIS
Durante os anos que vamos considerar agora, os do povo de Jeová na Espanha sofreram dificuldades e perseguições. Naturalmente, precisavam de literatura bíblica, a fim de permanecerem espiritualmente fortes e transmitirem a mensagem do Reino aos outros. De modo que muitos pacotes de publicações foram recebidos em diversos endereços de Madri. Com estoques relativamente grandes de literatura em Madri, grande quantidade das publicações era expedida de lá, e um dos formados de Gileade ficou encarregado desse trabalho quando o “escritório” da filial foi transferido de Madri para Barcelona em 1960.
Seja mencionado de passagem que todas as questões da filial eram tratadas em código e, naturalmente, os irmãos nunca sabiam onde se localizava o escritório filial. O lugar onde o irmão formado de Gileade trabalhava veio a ser conhecido por Cueva (Porão). Por que assim? Porque o esconderijo de nossa literatura era no subsolo de uma papelaria. Para a pessoa entrar no subsolo — o “porão” — tinha de levantar um alçapão e descer fazendo uso de uma escada dobradiça. Entretanto, era numa pequena peça situada atrás do balcão que se preparavam os pacotes de literatura. Naquele pequeno espaço, instalou-se um pequeno departamento de expedição de literatura, com um armário e uma mesa dobradiça. O irmão trabalhava ali por horas a fio, muitas vezes durante o frio cortante do inverno. Certamente, era preciso tomar cuidado para que os fregueses não chegassem a saber que um estrangeiro estava trabalhando ali. Portanto, ele não podia conversar e não podia deixar-se ver quando havia fregueses por perto. Ele cuidou deste trabalho até 1964, quando se tornou superintendente de circuito.
Mas falemos agora sobre as mudanças da filial durante aqueles anos difíceis. Entre 1948 e 1957, o trabalho na Espanha foi dirigido principalmente de diferentes endereços em Barcelona. Mas, quanto a por quanto tempo se podia usar determinado endereço, dependia da intensidade da atividade da polícia. Os arquivos da filial eram mantidos ao tamanho de mala de viagem, de maneira a permitir uma rápida fuga com eles a qualquer momento. Este arranjo de “fuga” se tornou possível porque diferentes irmãos permitiram que o escritório usasse seus lares, com grandes riscos para si mesmos.
Quando Ray Dusinberre assumiu a responsabilidade como superintendente de filial em 1957, o centro de operações mudou para Madri. Mas, em 1960, a filial foi novamente mudada para Barcelona por causa da pressão policial em Madri. No começo, funcionava na casa de um irmão, daí, num apartamento que tinha sido alugado pelos missionários. Na primavera de 1961, uma torre isolada (uma casa cercada de jardins) foi localizada em San Justo Desvern, nos arrabaldes de Barcelona. Incidentalmente, enquanto essa casa estava em uso, a esposa de Ray, Jean, ficou doente com tuberculose e os Dusinberres partiram relutantemente da Espanha em 1963.
A casa em San Justo Desvern serviu para o fim a que se destinava por dois anos. Daí, algo aconteceu que deixou os irmãos em estado de alerta. Dois homens que diziam ser da companhia de luz pediram para vistoriar as instalações elétricas. Tinham de verificar as luzes de cada peça na casa. Embora não houvesse prova de que fosse uma artimanha da polícia, parecia ser, de modo que a filial foi mudada mais uma vez — esta vez para um bangalô com um jardim em volta, situado na cidade de San Cugat del Vallés, a cerca de dezesseis quilômetros de Barcelona. Em 1967, porém, a casa foi arrombada por ladrões que, além de roubarem dinheiro, viram o escritório. Portanto, foi decidido que era apropriado fazer uma rápida mudança de local. Em questão de dois dias, a filial foi discretamente transferida para um apartamento em Barcelona — um lugar que serviu como lar de Betel e escritório filial até novembro de 1971, quando o pessoal de Betel, composto de treze pessoas, se mudou para o novo prédio da filial em Barcelona, à rua Pardo, N.º 65, endereço atual da Associação das Testemunhas de Jeová na Espanha.
Por sete anos, o trabalho na filial foi feito simultaneamente em três residências, pois nem todo o trabalho se centralizava na sede principal da filial. Como é que as congregações se comunicavam com a Sociedade e vice-versa? Bem, foram usados diversos endereços em Barcelona para o recebimento de cartas, e todos esses tinham contato com um mercado localizado no centro, onde vários irmãos trabalhavam.
Tínhamos também de usar de cautela no que dizia respeito à impressão e expedição de literatura. Parte da nossa impressão era feita em mimeógrafo. Por volta de 1960, o departamento de expedição foi transferido para um local coberto do pátio para o qual dava o apartamento de Francisco Serrano, em Barcelona. Esse abrigo veio a ser conhecido por Nevera (Geladeira), por causa da temperatura glacial ali durante o inverno. Este nome pegou por muitos anos como sendo o nome do departamento de expedição, mesmo quando, mais tarde, foi transferido para o apartamento de uma irmã, num antigo bairro gótico da cidade. O local da sede principal da filial era conhecido por Castillo (Castelo), onde quer que estivesse localizado.
GARANTIDO O “ALIMENTO” ESPIRITUAL
Não era possível importar naquela época nossas publicações bíblicas por meios legais. Portanto, um dos nossos grandes problemas era a escassez de publicações. Mas, em harmonia com a promessa de Jesus, os fiéis foram alimentados “no tempo devido”. (Lucas 12:42) Os turistas procedentes de outros países eram uma ajuda valiosa em introduzir publicações na Espanha. Um dos endereços mais usados era o da rua Menéndez y Palayo, em Barcelona, o escritório no lar missionário, que estava sob a responsabilidade de Eric Beveridge, durante os anos de 1965 até 1971. Muitos dos novos missionários passaram os seus primeiros meses naquele lar, aprendendo espanhol sendo a irmã Hazel Beveridge a instrutora. Também, dois veteranos formados da Escola de Gileade, Timothy e Judith Dickmon, serviram ali por algum tempo antes de serem transferidos para um novo lar missionário em Valência.
Aquele lar de Barcelona foi visitado por muitos turistas que traziam publicações, procedentes de toda a Europa ocidental e dos Estados Unidos da América. Embora os vizinhos soubessem que moravam estrangeiros naquele apartamento, ficavam surpresos, contudo, de ver que tinham tantos amigos em tantos países diferentes. As placas de licenciamento dos automóveis revelavam muitas vezes a nacionalidade dos visitantes.
Foi interessante a ocasião em que um irmão da França se apresentou na casa, cambaleando literalmente com o peso de sua mala. É lógico que estava cheia de livros. A fim de evitar suspeitas ao sair, ele caminhou rua acima cambaleando com o peso de sua mala — mas ela estava vazia!
Mais tarde, os irmãos espanhóis iam à França para obter publicações. Assim, organizou-se um trabalho semanal, com diferentes endereços, para se buscar literatura em Perpignan.
Alguns irmãos iam de carro particular, ao passo que outros viajavam de trem e de ônibus. Essa atividade era especialmente intensa durante os meses de janeiro a março, quando iam buscar os Anuários. Os irmãos estavam decididos a ter alimento espiritual.
Entre 1966 e 1970, foram usadas diversas impressoras comerciais para produzirem parte de nossas publicações. Felizmente, porém, em julho de 1970, nossa obra foi legalizada e, portanto, a partir de janeiro de 1971, nossas revistas foram importadas por meios normais, tendo sido obtida uma licença de importação. Graças a este arranjo, tem sido possível fazer importações de grandes quantidades de publicações, inclusive revistas — a ponto em que os livros chegam agora em containers que pesam de quinze a vinte toneladas cada remessa!
Lembra-se da Nevera (Geladeira)? Era o departamento de expedição que transferimos de debaixo de um abrigo para dentro de um apartamento. Por muito tempo, havia sido tão pequeno. Portanto, em 1970, foi possível mudá-lo para outro local. Alugou-se um armazém de dois pisos em Barcelona. No andar térreo, havia espaço para talvez vinte toneladas de publicações, e no andar de cima havia espaço para uma mesa comprida de trabalho e mais uma tonelada de livros ou revistas. Esse local recebia uma forte dose de luz do sol todos os dias e era um grande contraste com a antiga Nevera. Portanto, o novo local se chamou el Solarium, nome que poderia significar “a Casa do Sol”.
Em 1972, quando terminou a construção do novo Betel, o andar térreo foi usado para o departamento de expedição. Tínhamos então espaço suficiente para, pelo menos, cem toneladas de literatura, bem como bastante espaço para trabalho. Quando chegou o primeiro container de literatura, em junho de 1972, causou sensação na rua, e até mesmo os vizinhos se ajuntaram para ver o que estava acontecendo. Para muitos, era a primeira vez que viam uma esteira transportadora. Esta tem vinte e sete metros de comprimento, suficiente para permitir retirar as caixas do container e descê-las até o fundo do departamento de expedição. Quando um container chegava naquele tempo, por haver poucos trabalhadores, quase todos os membros do pessoal do escritório cooperavam em descarregá-lo, o que levava menos de duas horas.
Esta breve consideração torna evidente que Jeová sempre fez ampla provisão em sentido espiritual. É verdade que por muitos anos era difícil conseguir publicações cristãs na Espanha. Mas a mão de Jeová não foi curta e ele continuou a abençoar-nos abundantemente com alimento espiritual no tempo devido.
RESSURGE O ESPÍRITO DA INQUISIÇÃO
O espírito de intolerância religiosa que prevalecia na Inquisição Espanhola surgiu novamente para as testemunhas cristãs de Jeová. Entre outras coisas, foram acusadas falsamente de franco-maçonaria ou de serem financiadas por esta, uma grave acusação num país católico. Tal era o conceito da polícia de Granada entre 1958 e 1960. Além disso, foi implacável em perseguir o povo de Deus.
Considere, por exemplo, o que aconteceu com Manuel Mula Giménez, um pioneiro especial designado para trabalhar em Granada em outubro de 1958. Em 5 de outubro de 1960, Manuel mal acabava de dirigir um estudo bíblico e estava parado numa esquina de rua, conversando com alguns concrentes, quando um agente da polícia secreta se aproximou dele e ordenou-lhe que abrisse sua pasta de livros. Naturalmente, o policial encontrou publicações bíblicas nela e o acusou de violar a ordem da polícia de não pregar. Depois de tomar os nomes dos outros irmãos, o policial disse a Manuel que o acompanhasse até a delegacia de polícia. Manuel conta o seguinte: “Quando eu lhe disse que o único motivo que ele tinha para me prender era que eu estava falando com alguns amigos na rua e que eu gostaria de saber por que eu estava sendo detido, ele ficou tão irado que me disse: ‘Eu prendo você porque eu tenho uma insígnia como esta e uma arma com a qual posso encher sua cabeça de buracos’, e daí sacou da arma e a apontou para mim. Isto se deu no meio de uma das ruas mais centrais de Granada.”
Manuel foi conduzido para a sede do Governo Civil e foi acusado do crime de ensinar a Bíblia a outros, e de “distribuir folhetos e textos de tal forma que insultava deliberadamente a religião católica ultrajando os dogmas, os ritos e as cerimônias, e advogando abertamente a abolição das tradições nacionais”.
Manuel foi condenado a prisão provisória até que pudesse pagar a fiança de 50.000 pesetas (cerca de Cr$ 17.000,00). Como não pôde pagar tal fiança exorbitante, Manuel foi retido na prisão por quarenta e três dias. Durante vinte dias, ficou na prisão em solitária, e, depois disso, sob a ameaça de punição, foi-lhe proibido falar com quem quer que fosse sobre sua religião.
O capelão da prisão (sacerdote católico), que tinha a obrigação de dar conforto espiritual aos presos, cuidou de que não houvesse nada disso para Manuel. Esse sacerdote mandou que fosse retirada a única Bíblia que havia na biblioteca da prisão, e, quando um outro detento deu a Manuel um exemplar do Evangelho, isto lhe foi arrancado da mão Os guardas da prisão gritavam constantemente com Manuel e procuravam tornar-lhe a vida insuportável, tratando-o de uma maneira que nenhum outro preso tinha sido tratado. E quem era o instigas dor de tudo isso? Nenhum outro a não ser o sacerdote da prisão.
Tal perseguição não pôs fim à nossa obra em Granada, como tampouco em outros lugares. Em 18 de novembro de 1960, quando Manuel foi posto em liberdade, ele escreveu ao escritório filial da Sociedade, dizendo, em parte: “Tenho o prazer de dizer-lhes que agora, graças a Jeová, estou livre; também, após minha saída, encontrei a congregação participando em boa atividade teocrática . . . Aqui, um dirigente local de estudo pôde dirigir tudo de maneira organizada.” Fato interessante, este dirigente do estudo de livro tornou-se mais tarde um superintendente da congregação de Granada.
DETENÇÃO DE UM MISSIONÁRIO
Em março de 1960, um missionário fez uma visita de circuito à congregação de Usera, em Madri, e o irmão Patricio Herrero pediu-lhe que o ajudasse a trabalhar no território isolado de Vilaverde, a alguns quilômetros fora da cidade. Embora um estrangeiro naquela região pudesse chamar atenção, o arranjo parecia bastante seguro, porque o trabalho era o de iniciar estudos bíblicos com pessoas que já haviam mostrado interesse na verdade bíblica. Entretanto, não demorou a surgir dificuldade logo que o missionário pôs os pés em Vilaverde.
Embora Patricio usasse de precaução e não se aproximasse da parada do ônibus quando o superintendente de circuito desembarcou, mais tarde um dos espiões do sacerdote os viu caminhar juntos para fazer uma das revisitas. Os dois irmãos iniciaram um estudo bíblico com uma senhora acamada, acometida de uma doença cardíaca. Daí, quando estavam para sair, o missionário notou por uma janela que um grande grupo de mulheres se havia ajuntado à entrada do prédio de apartamentos. Mas os irmãos não disseram nada para a dona da casa, porque não queriam agravar o seu estado de saúde.
A polícia secreta começou a bater em todas as portas para encontrar as duas Testemunhas. Finalmente, houve uma batida na porta do apartamento onde estava sendo feita a revisita. A dona da casa disse para sua filha de quatro anos de idade que atendesse à porta. “Há dois homens aqui com pastas de livros?” perguntou a polícia rispidamente. Em toda a sua inocência, a menina de quatro anos de idade respondeu: “Aqui só estão alguns amigos de minha mãe.” Assim, a polícia foi embora.
Essa revisita foi prolongada até que parecia seguro sair de lá. Os irmãos planejaram ir a pé de volta a Madri, seguindo o trilho do trem, pois, sem dúvida, a polícia estaria vigiando a linha de ônibus. Mas, quando eles chegaram ao caminho férreo, os políciais estavam lá aguardando-os. Sabiam que, controlando a auto-estrada e a estrada de ferro, mais cedo ou mais tarde apanhariam sua presa. Antes que o missionário dissesse nem sequer uma palavra, perguntaram: “Você é estrangeiro, não é?” — aparentemente a julgar pela sua estatura, pois ele mede mais de um metro e oitenta e cinco.
Enquanto os irmãos estavam sentados esperando na delegacia de polícia, subitamente se abriram as portas por um momento e pôde-se ver um homem que acenava afirmativamente com a cabeça. Era o espião do sacerdote que registrava a queixa, e agora estava fazendo o reconhecimento dos irmãos. Daí, começou a jogada astuta da polícia para conseguir as informações desejadas. Mas os irmãos estavam decididos a não revelar o nome da senhora com quem estavam considerando a Bíblia.
INTERROGATÓRIOS DA POLÍCIA, UMA VALIOSA LIÇÃO
Não recebendo as respostas que queria, a polícia usou outro policial “duro” para tentar obter as informações à força e por meio de ameaças. Acusou os irmãos de terem ido a Vilaverde para colocar uma bomba, argumentando que a recusa de dizerem onde estiveram não fazia outra coisa senão provar que eram culpados. Mas eles permaneciam firmes em não dizer, o missionário não cessando de pedir que o deixassem entrar em contato com a embaixada norte-americana — permissão que nunca lhe foi concebida.
Como a tática dura não produziu o efeito desejado, a polícia usou de outra tática na sua jogada enganosa. Chegou outro policial dos serviços secretos e começou a repreender o policial “duro” por causa de seus métodos vis e baixos. Naturalmente tudo isto fazia parte da comédia, de modo que o policial “duro” saiu do cenário resmungando. Então, o outro começou com sua ‘fala doce’. “É verdade que recentemente temos tido ameaças de bombas por aqui”, disse ele, “e o nosso único interesse é verificar suas declarações, porque não os conhecemos; tampouco ouvimos falar de uma vizinha com doença do coração como descrevem. Se for verdade que estavam simplesmente visitando uma pessoa amiga interessada na Bíblia, serão soltos imediatamente. Mas não podem censurar-nos de estarmos um pouco desconfiados quando vocês dizem que só estavam empenhados em atividade inocente e não em delito e, contudo, recusam-se a nos fornecer as informações que os livrariam de qualquer suspeita”.
Depois de prolongada fala doce, concordou-se que só esse policial “bom” acompanharia Patricio até a casa que haviam visitado, a fim de comprovar a verdade, e que não diria nada à dona da casa. O policial simplesmente se certificaria de que ela realmente tinha uma doença do coração.
Logo que os dois saíram, o missionário foi levado às pressas para a Secretaria Geral da Segurança Pública no centro de Madri. Ele protestou dizendo que era preciso esperar a volta de Patricio para confirmar o relato deles, mas a polícia retorquiu maldosamente que ele também seria logo levado para o centro de Madri. As mentiras e astúcias da polícia haviam sido bem sucedidas, e os irmãos que haviam confiado demais caíram numa armadilha — uma lição que o missionário nunca mais esqueceria. Soube-se mais tarde que a senhora que haviam visitado foi severamente perseguida pela polícia, que a acusou de ter dado asilo aos irmãos sabendo que eram procurados durante a busca da polícia. Por medo, ela rejeitou visitas adicionais.
A polícia da Secretaria Geral da Segurança Pública desejava principalmente saber o endereço local do missionário. Não se lhe fez nenhuma pergunta sobre sua religião; tampouco foi revistada sua pasta de livros que, de qualquer forma, só continha uma Bíblia católica. Todavia, pouco tempo depois, foi convocado novamente e convidado a deixar o país. Ele respondeu que não queria tal convite, mas foi-lhe dito que, se não partisse voluntariamente, sua saída seria obrigatória — “uma experiência bastante desagradável tanto para você como para nós”, disse o comissário da polícia.
Quando ele perguntou o motivo da expulsão, o comissário respondeu em termos gerais, declarando que alguém podia ser expulso do país por três motivos — políticos, sociais “ou religiosos”. “Sabe”, disse o comissário, “na Espanha há apenas duas espécies de pessoas — os católicos e os descrentes — e não podemos tolerar nada mais”. Por conseguinte, em 6 de junho de 1960, esse missionário se mudou para Perpignan, na França, mas com a esperança de voltar para a Espanha algum dia, pois ele deixara o país “voluntariamente”. Com efeito, depois de três meses, ele estava de volta na Espanha onde ele serviu por alguns anos como superintendente da filial. Esse interrogatório foi uma experiência muito útil, e foi incluída mais tarde num programa de reunião de serviço, a fim de mostrar aos irmãos como responder às perguntas da polícia. Preparou-os para as táticas enganosas da polícia e os ajudou a evitar cair na armadilha que visasse trair os interesses do Reino ou de seus concrentes. Doravante, estavam realmente equipados para seguir a admoestação de Jesus Cristo: “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos; portanto, mostrai-vos cautelosos como as serpentes, contudo, inocentes como as pombas.” — Mat. 10:16.
CONVITES PARA A ESCOLA DE GILEADE
No decorrer dos anos, diversos formados da Escola Bíblica de Gileade da Torre de Vigia (dos EUA) serviram na Espanha, e o bom trabalho deles tem sido uma bênção. Mas, foi em 1958 que o pioneiro José Cejudo veio a ser o primeiro irmão da Espanha a cursar a Escola de Gileade. Falando-se de passagem, ele foi designado para servir na Argentina.
No começo de 1961, Salvador Adriá, superintendente de circuito, e sua esposa, Margarita Comas, estavam visitando o grupo de Torralba de Calatrava. O carteiro lhe trouxe uma carta bastante volumosa, e Salvador se afastou um pouco para a ler sozinho. Foi ai que Margarita o escutou exclamar: “Um convite para Gileade!” Por vários meses, eles vinham estudando inglês na esperança desse dia. Mas, daí, foi um choque. Só Salvador estava sendo convidado para um curso especial de dez meses. Imediatamente, Margarita pensou no refrão espanhol: ‘Mi gozo en um pozo’, que significa: ‘Minha alegria foi por água abaixo.’
No verão daquele ano, os Adriás assistiram à assembléia internacional do povo de Deus em Paris. Ouviram ali um discurso sobre a grande necessidade que existia em certos territórios da Espanha, onde a nossa obra não tinha ainda sido começada. Margarita decidiu pedir para a filial que a designasse a um desses enquanto seu marido estivesse na Escola de Gileade. No fim da assembléia, falaram com M. G. Henschel, que disse para Margarita que ela podia ir com seu marido a Londres por três meses para aperfeiçoar seu inglês, e que, se ela progredisse bem, seria convidada a ir a Gileade com Salvador. Ora Margarita mal se conteve de emoção e de surpresa.
Por conseguinte, em vez de voltarem para a Espanha, os Adriás foram ao Betel de Londres por três meses. Completaram ali seu estudo do idioma inglês, e, em novembro de 1961 partiram para a cidade de Nova Iorque, onde cursaram a Escola de Gileade. Os Adriás voltaram depois para a Espanha sendo o primeiro casal espanhol a receber treinamento em Gileade.
Há atualmente sessenta e nove formados da Escola de Gileade que servem em várias partes da Espanha. O trabalho deles é muito apreciado e são uma fonte de encorajamento para seus irmãos espanhóis.
ATAQUE POLICIAL NA GALIZA
Outra região em que as Testemunhas de Jeová tiveram de enfrentar perseguição através dos anos é a Galiza. Em fins de 1960, Francisco Córdoba e sua esposa, Margarita Roca, foram multados com 1.000 pesetas (cerca de Cr$ 400 00) cada um pelo crime de terem participado em fazer proselitismo como pioneiros especiais em La Coruña (Galiza) desde 1958. Na realidade, não foram surpreendidos fazendo pregação de casa em casa e não haviam sido denunciados por algum habitante daquela região. Tratava-se simplesmente de uma iniciativa da polícia tomada contra eles. Os recursos que interpuseram contra as multas foram em vão.
Nessa época, nossas reuniões eram realizadas numa granja em Joane, mas era preciso usar de extrema cautela. Como havia uma casa comercial junto à granja, os fregueses vinham e iam a qualquer hora do dia e da noite. Portanto, nossas reuniões eram realizadas num hórreo, uma construção estreita e retangular, típica da Galiza e que serve de celeiro. As reuniões começavam às 22 ou 23 horas e se prolongavam até depois da meia-noite. Toda vez que alguém entrava ou saía, apagavam-se as luzes para que numa granja próxima ninguém soubesse que pessoas entravam e saíam ali. Para chegar às reuniões, alguns viajavam até vinte e dois quilômetros de bicicleta, depois de terem trabalhado o dia inteiro nos campos. Os pioneiros especiais, Francisco Córdoba e Jesús Arenas, tinham de fazer uma viagem de setenta e sete quilômetros para visitar o grupo e dirigir as reuniões.
Em dezembro de 1961, a polícia se apresentou na granja, onde Ramón Barca, sua esposa, Carmen, e o irmão desta, Jesús Pose, estavam empreendendo suas tarefas diárias. Sem apresentar autorização judicial, a polícia revistou a granja e confiscou a literatura que encontrou, inclusive uma Bíblia versão Nácar-Colunga. As três Testemunhas foram presas e submetidas a interrogatórios durante dez horas no povoado próximo de lá, em Carbalo. Dois dias mais tarde, compareceram perante o juiz local que admitiu que podiam praticar a sua religião em particular, dentro de sua casa. Mas, afirmou que não podiam participar em nada que viesse a ser uma manifestação pública de sua fé. O veredicto lhes veio três semanas mais tarde — multa de 500 pesetas para cada um. As multas não foram pagas, visto que tínhamos por norma interpor recurso no tocante a todas as multas, ao invés de pagá-las, e assim tentar obter justiça por meios legais.
No seu relato ao governador provincial, o chefe da polícia declarou que a conduta da família era “favorável em todos os respeitos, que não tinha nenhum antecedente mau”, e Ramón Barca foi “classificado pela Gardia Civil como pessoa ordeira e de acordo com o regime”. Acrescentou que, embora os três fossem Testemunhas de Jeová, “é bem possível que nenhuma atividade de proselitismo era feita na aldeia, por causa da dificuldade que haveria em fazer membros em nossa região onde a crença católica está tão arraigada”. Portanto, ele disse que as Testemunhas provavelmente se tivessem “limitado à prática de ler comentários da Bíblia em particular, em suas próprias casa”. Todavia, observou-se que o casal visitava freqüentemente uma Testemunha na capital, em La Coruña. Portanto, presumiu-se que havia sido cometido o crime de ameaçar a enigmática “união espiritual da Espanha”.
Quanto aos compêndios bíblicos confiscados, o oficial da polícia opinou que, “como é de se supor, eles os distribuirão entre seus amigos ou futuros membros da referida seita”. O fato de se supor que alguém tinha a intenção de cometer um ato constituía ali base para acusação. Durante a busca que a polícia fez, encontrou alguns endereços de pessoas que, “sem dúvida, foram visitadas no seu trabalho de proselitismo”, embora “não se considere que as atividades em questão tenham tido grande repercussão”, concluiu o chefe da polícia. (O grifo é nosso.)
Apesar deste relatório relativamente favorável, as multas foram impostas. A notificação oficial faz subentender a razão disso. O governador provincial justificava assim a sua decisão: “Não só tínhamos presente o novo relatório emitido pela Chefatura Superior de Polícia, mas também o conteúdo da circular confidencial do Ministério dos Assuntos Internos . . . que avisa contra as atividades da seita ‘Testemunhas de Jeová’, à qual pertencem as três pessoas incriminadas.” Essa circular confidencial era a de março de 1961, que instruía os governadores a impor multas de pelo menos 2.500 pesetas às Testemunhas de Jeová. Portanto, do ponto de vista do governador provincial, as Testemunhas estavam saindo-se bem com multas de apenas 500 pesetas.
O caso foi levado perante a Corte Suprema, que decidiu cone siderá-lo privativamente e na ausência dos acusados e dos advogados. Em 27 de junho de 1964, a decisão da Corte foi que as três pessoas acusadas eram culpadas de cometer o crime de ameaçar a “união espiritual da Espanha”. Embora a Corte admitisse que a Declaração Espanhola dos Direitos permite o exercício privativo das religiões não-católicas, decidiram que a evidência era suficiente para provar que as três Testemunhas haviam participado em proselitismo e haviam violado a união espiritual (católica) dessa nação.
MENTALIDADE MEDIEVAL EM CÓRDOVA
Outro ponto focal de perseguição era Córdova, uma cidade de aproximadamente 200.000 habitantes naquela época, na região andaluza do sul da Espanha. A cidade tem tradições mourescas e árabes bem arreigadas, devido a séculos de ocupação pelos mouros. Um dos seus edifícios mais famosos é a Mezquita (mesquita) que se converteu num lugar de culto católico. Essa construção é um dos maiores edifícios religiosos do mundo, tendo 180 metros de comprimento e 130 metros de largura. Consiste em dezenove naves, e o edifício tem muitos arcos que repousam sobre 850 colunas. Encontra-se também nessa cidade uma sinagoga judaica, vestígio do tempo em que se praticava ali a tolerância religiosa. Mas quão diferente era a Córdova dos anos 60!
Entre as testemunhas cristãs de Jeová que sofreram perseguição em Córdova durante o começo da década de 1960, achavam-se os pioneiros Manuel Mula e Antonio Moriana. Eles haviam sido designados para Córdova em fevereiro de 1961. Um dia, dois políciais se apresentaram a eles e os levaram para a delegacia de polícia, bem como uma pequena quantidade de nossa literatura. Na delegacia, os irmãos foram interrogados, mas a polícia não conseguia com eles informações úteis. De modo que começaram a bater nos irmãos, primeiro com a mão e depois com um cacete de borracha, batendo nas costas e nas pernas deles. Manuel acabou ficando com um olho roxo, mas a polícia ainda assim não conseguiu nenhuma informação reveladora.
Os pioneiros foram conduzidos da delegacia de polícia para a prisão, onde foram retidos por quatro dias. Daí, receberam a notificação de que Antonio teria de pagar uma multa de 2.000 pesetas e Manuel, uma multa de 5.000 pesetas no prazo de dez dias. Manuel recebeu ordens de deixar a província, e em pouco tempo estava de volta a Barcelona, aguardando uma nova designação. Não obstante esse incidente, Antonio Moriana pôde continuar sua atividade em Córdova até maio de 1962.
O episódio que acabamos de relatar é bastante caraterístico. Na realidade, diversos pioneiros foram obrigados a deixar Córdova por causa da pressão da polícia. Mas a verdade é que a própria polícia estava sendo pressionada pelos clérigos, inimigos dos fiéis servos de Jeová.
Em razão da constante ameaça de detenção e expulsão da cidade de Córdova, nossa obra ali, como em todas as partes da Espanha naquela época, era feita com extrema cautela. Nenhuma de nossas publicações era oferecida e nem mesmo levada de casa em casa. As publicações eram colocadas nas revisitas, quando as pessoas manifestavam interesse genuíno. Ao invés de se trabalhar de porta em porta ao longo de uma rua, faziam-se visitas salteadas através de todo o território, e não se trabalhava nos prédios de modo consecutivo. Dessa maneira, a polícia encontrava grande dificuldade em localizar as Testemunhas à medida que se ia trabalhando o território.
Também, usava-se só a Bíblia católica no trabalho de pregação. Contudo, até mesmo isso era considerado arma perigosa nas mãos das Testemunhas de Jeová. Onde quer que pudessem, os clérigos exerciam pressão sobre as autoridades e as incentivavam a perseguir qualquer pessoa que estudasse com as Testemunhas. Às vezes, os políciais eram instrumentos voluntários deles, mas, em outras ocasiões, interferiam a contragosto. Naturalmente, isso dependia da cidade ou província. Em Córdova, eram instrumentos voluntários.
UM ATAQUE VERGONHOSO
Uma das agressões mais vergonhosas contra as Testemunhas de Jeová ocorreu em meados de 1962, no sítio de Los Lastres, perto de Lucena, no sul da província de Córdova. A família Montalbán ali aceitara a verdade e começara a pregá-la a seus vizinhos nos sítios da vizinhança. Organizaram-se logo reuniões cristãs, e cerca de vinte a trinta pessoas assistiram a essas.
Em 28 de maio, um sargento muito grosseiro, da Guardia civil, e outro guarda apresentaram-se no sítio dos Montalbáns. O sargento pediu para falar com o chefe da família e ameaçou prendê-lo, se o estudo no sítio não fosse descontinuado.
Apenas quatro dias mais tarde, em 1.º de junho, um capitão, um sargento e dois guardas adicionais se apresentaram no sítio. Murmuraram rispidamente algo a respeito de uma “denúncia anônima” de atividades políticas. Esses homens exigiram os nomes de todos os que visitavam o sítio para estudar a Bíblia, a maioria sendo parentes da família. Por imprudência e falta de experiência, esses nomes foram dados. Daí, os guardas revistaram o sítio, embora não tivessem ordem judicial para isso. Foram depois a outro sítio, e, embora o dono, que estava estudando a Bíblia, não estivesse em casa, revistaram sua casa e levaram embora algumas de nossas publicações.
Nessa ocasião, o único membro da família que já se batizara, Juan Montalbán Ortega, foi insultado abertamente e acusado de estar vivendo em concubinato, porque ele se casara em Gibraltar segundo a lei britânica, ao invés de aceitar um rito católico na Espanha. O capitão redigiu um relato sobre sua visita e disse aos que estavam presentes que todos tinham de assiná-lo. Mais uma vez, a falta de experiência os fez cair numa armadilha, e cerca de vinte e oito dentre eles assinaram o documento. Insistiram, contudo, em acrescentar as seguintes palavras: “Estudamos a Bíblia porque ela é a inspirada Palavra de Deus, e está declarado na Bíblia que é preciso pregá-la e torná-la conhecida, com o objetivo de se dar testemunho de salvação a todas as nações e daí virá o fim. — Mateus 24:14.”
Em 15 de junho, o governador civil de Córdova multou esses humildes camponeses numa soma total de 40.000 pesetas (cerca de Cr$ 13.320,00). Doze pessoas foram multadas, com multas desde a mínima de 2.500 pesetas, recomendada pela circular do Ministério dos Assuntos Internos, até a máxima de 5.000 pesetas que foram impostas a quatro dentre elas. Foram acusados com a frase de rotina, de “ameaçar a união espiritual da Espanha, por fazer proselitismo em favor da seita das Testemunhas de Jeová”.
Esse grupo de pessoas interessadas quis interpor recurso. Portanto, o pai, Antonio Montalbán, e seu filho Juan viajaram para Córdova, a capital, a fim de encontrar um advogado que quisesse fazer a defesa deles. Para a vergonha da ordem dos advogados naquela cidade, nem sequer um deles quis incumbir-se da defesa deles ou lhes prestar alguma ajuda. Por conseguinte, fizeram o melhor que puderam com o conhecimento limitado que tinham sobre a lei, depositando um terço do total das multas e apresentando recurso em favor de todos os doze querelados. Todavia, não se lhes informou que, para interpor recurso em favor das outras dez pessoas, precisavam uma autorização legal assinada por um tabelião público. Em razão desse pormenor técnico, o governador civil rejeitou esses dez recursos, mas guardou o dinheiro que havia sido depositado. Portanto, os únicos recursos válidos foram os do pai e do filho que haviam viajado até a cidade. Esses dois recursos foram rejeitados pelo governador civil e pelo Ministério dos Assuntos Internos, mas, visto que eram válidos, podiam ser levados perante a Corte Suprema. Entretanto, o resultado final dos dois recursos foi uma derrota para os irmãos e para a liberdade de expressão religiosa.
Apesar dos contratempos durante aqueles anos de perseguição, é animador saber que há atualmente quatro congregações prósperas em Córdova com cerca de 350 publicadores bem como mais oito congregações na província, inclusive uma em Lucena, não longe do sítio de Los Lastres.
COMO FAZER FACE ÀS PERSEGUIÇÕES CONTÍNUAS
Essas perseguições contínuas das testemunhas cristãs de Jeová na Espanha demonstravam que as autoridades políciais estavam tomando a peito as circulares enviadas pelo Ministério dos Assuntos Internos desde 1959 até 1966. Detenções, prisão arbitrária, junto com multas, atingiram os pioneiros em lugares tais como Córdova, San Sebastián, Jaén, Castellón de la Plana e Múrcia, bem como um grupo de cinco publicadores em Ciudad Real. Na maioria dos casos, impôs-se a multa mínima de 2.500 pesetas, embora nunca fosse paga voluntariamente. Digamos, para esclarecer isso, que, nos casos levados perante a Corte Suprema, as multas tinham de ser depositadas antes, e, se se perdesse a causa, a multa ficava automaticamente perdida. Por outro lado, se se ganhasse a causa, podia-se reclamar o reembolso dessa soma, embora levasse muito mais tempo para reembolsar do que o tempo mínimo exigido por lei para depositá-la.
Não era fácil conseguir a assistência de um advogado. Por exemplo, considere o que aconteceu com duas pioneiras especiais, Francisca López e Francisca Almarza. Enquanto serviam na capital provincial de Palência, no começo da década de 1960, mais de uma vez foram multadas em elevadas somas por causa do seu trabalho de pregação. Certa vez, pagou-se um advogado para interpor recurso para o caso delas, mas ele deixou de fazer isso. A negligência dele fez com que as duas pioneiras passassem trinta dias na prisão.
Este problema com o referido advogado reflete a situação que prevalecia em toda a Espanha — a falta de advogados dispostos a defender as Testemunhas de Jeová. Foram encontrados um ou dois com boas intenções de início, mas, quando foram intimidados, dizendo-se-lhes que, se defendessem as Testemunhas, poderiam prejudicar a sua carreira, seu ardor de luta esfriou da noite para o dia. Uma exceção animadora a isso foi a defesa corajosa das Testemunhas de Jeová, feita pelo advogado Eduardo Ajuria, que, embora não sendo Testemunha, revelou estar verdadeiramente devotado à causa da justiça por meio da lei. Ele tem representado as Testemunhas de Jeová em inúmeras ocasiões, até mesmo perante a Corte Suprema.
VITÓRIAS NA CORTE SUPREMA
Houve ocasiões em que as Testemunhas de Jeová na Espanha foram vitoriosas em batalhas judiciais perante a Corte Suprema. Portanto, desejamos contar-lhe algumas de nossas vitórias ali.
Em 1963, alguns investigadores da polícia visitaram a pensão de “Monte Cario” em Málaga, de propriedade de Francisco Alonso Valle e de sua esposa, Esperanza. Estes foram acusados de realizar reuniões sem autorização. A propriedade foi vasculhada, e entre aqueles cuja impressão digital foi tirada se achavam duas criancinhas de apenas oito e quatro anos de idade. Uma pessoa que assistia às reuniões, o irmão Fernández, foi tão molestado na barbearia onde trabalhava que acabou perdendo seu emprego. Em resultado dessa investigação da polícia, quatro dos acusados foram multados em 500 pesetas cada um, e o irmão Fernández, como reincidente, foi multado em 2.000 pesetas. Ele havia sido multado um ano antes por ser Testemunha de Jeová e havia passado quinze dias na prisão em vez de pagar a multa.
Apresentou-se recurso ao Ministro dos Assuntos Internos no caso dessas cinco pessoas. Mas o recurso foi rejeitado à base de que se considerava que as Testemunhas, mediante suas atividades, haviam “ameaçado a união espiritual da Espanha”. Portanto, o caso foi levado perante a Corte Suprema. Em 20 de outubro de 1966, essa Corte revogou a decisão do governador civil de Málaga. Argumentou que, obviamente, os comentários feitos sobre a Bíblia, nessas reuniões privativas, seriam de acordo com a doutrina professada em comum e que, por cone seguinte, não poderiam ser considerados como propaganda de proselitismo. Outrossim, não se provou que mais de vinte pessoas assistiam às reuniões, de modo que não era ilegal como reunião não-autorizada. Essa foi uma vitória notável no que dizia respeito às nossas reuniões.
É interessante notar que, durante os três anos de 1964 a 1967, a Corte Suprema confirmou trinta e oito dentre as mais de cinqüenta condenações contra as quais as Testemunhas de Jeová apresentaram recurso junto à referida Corte. A maioria dessas causas perdidas tinha a ver com a atividade de pregação, que, segundo os juízes, constituir uma manifestação pública de crenças religiosas não-católicas, que eles consideravam ser infração da lei que então vigorava.
Em 10 de junho de 1964, duas irmãs jovens, Santiaga Sánchez e Encarnita Garcia, foram presas enquanto esperavam no ônibus que haviam tomado para voltar para seu povoado de Torralba de Calatrava. Foram levadas para a delegacia de polícia em Ciudad Real, onde foram interrogadas desde as 20 horas até às 4,30 da manhã. Ambas receberam multas de 2.500 pesetas (cerca de Cr$ 840,00) cada uma por “pertencerem à seita ‘Testemunhas de Jeová’” e “por fazerem viagens para esta capital com o fim de efetuarem atividades de proselitismo para a referida seita”. Naquela mesma noite em que as irmãs foram interrogadas, mais três “suspeitos” haviam sido detidos e interrogados, resultando em serem multados na soma mínima estipulada de 2.500 pesetas. Foram apresentados recursos quanto a essas multas junto ao Ministério dos Assuntos Internos, que as sustentou. A única solução era então recorrer à Corte Suprema.
A pergunta feita à Corte foi: É em si base para incriminação alguém admitir durante um interrogatório que é Testemunha de Jeová? A Corte observou que, “à parte dos interrogatórios individuais”, a declaração escrita da polícia “havia sido feita sem nenhuma outra diligência ou atividade, nem documentaria e nem por testemunhas, quer direta, quer referencial, que pudesse servir de elemento comprovante”. Os juízes perceberam “não só imprecisão” na investigação policial, mas uma falta total de prova, de evidência necessária “em qualquer caso para serem considerados verídicos os fatos em que se baseia a suposição”. Por conseguinte, a Corte concluiu que, pelos “interrogatórios, só se deduz uma convicção pessoal”. Quanto à acusação de proselitismo público, a Corte considerou que “não se faz nenhuma comprovação, tampouco tenta fazer isso a declaração escrita”. Por esses motivos, os cinco acusados foram absolvidos, embora nunca conseguissem o reembolso da soma total das multas depositadas.
Comparadas com as condenações sustentadas, as vitórias jurídicas foram poucas e espacejadas. Todavia, apesar de encarceramentos, multas e expulsões de suas designações, os pioneiros continuaram na sua intensa atividade de pregação e seguiram fielmente o exemplo dos apóstolos. (Atos 5:27-29) Embora os publicadores de congregações fossem atingidos pela perseguição, foram os pioneiros que sofreram o pior dos ataques, e amiúde em designações isoladas, onde nem mesmo tinham o encorajamento da associação e das reuniões numa congregação.
A VERDADE DENTRO DE UMA CASCA DE NOZ
Gostaríamos de abrir aqui um parêntese em nosso relato para contar a maneira incomum de alguns irmãos cuidarem das necessidades espirituais e físicas de seus concrentes encarcerados. Tudo começou em 7 de dezembro de 1961, quando Félix Llop estava dirigindo estudo com um pequeno grupo em Oviedo. Sem aviso, dois carros cheios de políciais chegaram, vasculharam a casa e confiscaram Bíblias e publicações bíblicas. Félix e Sergio Cruz, este último um irmão cubano, foram levados para a cadeia. No dia seguinte, exigisse que as esposas deles comparecessem na delegacia de polícia. Depois de um interrogatório de dois dias, elas também foram postas na cadeia. Todos os quatro foram fotografados e se lhes tirou a impressão digital, daí foram retidos na cadeia por dez dias antes do julgamento. O governador civil decretou uma soma total de 17.000 pesetas (cerca de Cr$ 5.660,00) em multas para os quatro, por “atos de proselitismo clandestino em Oviedo para a seita chamada Testemunhas de Jeová”. Não se lhes concedeu liberdade provisória.
Mas, enquanto as quatro Testemunhas estavam na prisão, os irmãos do lado de fora estavam cônscios de suas necessidades físicas e espirituais. De modo que, certo dia, um prisioneiro digno de confiança entregou alguns itens alimentícios para Félix. Estava incluído neles um saco de nozes. Félix deu um punhado para o prisioneiro e mandou metade do saco para Sergio. Pouco depois, o prisioneiro voltou dizendo: “Olhe o que encontramos dentro das nozes!” Havia no interior delas páginas do livro “Certificai-vos de Todas as Coisas”! Félix abriu rapidamente as nozes que tinha e encontrou em todas elas páginas dessa publicação. Um dos irmãos abrira cuidadosamente todas as nozes, extraíra a amêndoa, e introduzira no lugar uma página dobrada, fechando depois a noz com cola. Félix e Sergio esconderam as páginas dentro de livros que haviam tomado emprestados da biblioteca para poderem lê-las sem ser apanhados.
Mais tarde, naquele mês, Félix e sua esposa, Maria, foram enviados de volta para a sua província de origem, Barcelona, a uns 1.130 quilômetros de distância. Sua viagem durou onze longos dias e passaram por seis prisões sujas. Durante todo esse tempo, Félix estava continuamente algemado com criminosos comuns. Ao chegarem a Barcelona, não terminou sua dura experiência, pois houve mais interrogatórios e não foram finalmente postos em liberdade provisória senão depois de terem passado trinta e sete dias em prisões diferentes.
CRIANÇAS TESTEMUNHAS TAMBÉM SOFREM
Durante os muitos anos de perseguição, as crianças das Testemunhas de Jeová na Espanha também sofreram oposição e outras dificuldades. Por exemplo, em 20 de outubro de 1961 na escola primária de Torralba de Calatrava (Ciudad Real), todas as crianças tinham de fazer fila para ir à missa. Juan García, o filho de nove anos de idade de uma Testemunha daquele local, saiu da fila e explicou ao professor, como já havia explicado antes, que pertencia a outra religião e, por conseguinte, não podia assistir a missa. O professor mandou que recolhesse seus livros e deixasse a escola para nunca mais voltar.
O pai de Juan foi até a escola e procurou raciocinar com o professor. Mas o professor manteve a sua posição de que não podia tolerar alunos não-católicos numa escola católica. O pai salientou-lhe que não havia no povoado nenhuma escola não-católica, e, visto que a lei garantia instrução para toda criança, não era justo expulsar seu filho por causa de uma questão de princípio religioso. Todavia, o professor não quis ceder e recusou-se a readmitir a criança.
O prefeito local levou o caso perante autoridades mais elevadas, e, em fevereiro de 1962, exigiu-se do professor que aceitasse Juan García de novo na escola. No ínterim, ele havia perdido três meses de escola por causa dessa atitude intolerante.
Ocorreu um caso similar em outra cidade pequena, a apenas alguns quilômetros de lá, em Carrión de Calatrava, onde um professor bateu em Félix Angulo de dez anos de idade e o levou à força para a missa. Ele foi depois expulso da escola junto com seu irmão e sua irmã. Isto ocorreu três meses depois de ter sido resolvido o caso de Torralba.
Surgiu outro caso em Manresa, Barcelona, com Juanito Belmonte, o filho de onze anos de idade de José Belmonte. O professor havia ordenado que todas as crianças ficassem de pé para saudar a bandeira nacional. Juanito ficou de pé, mas não saudou. O professor começou a golpeá-lo e a tentar forçar sua mão para cima em saudação mas em vão. Ordenou-se então que o menino deixasse a escola para não voltar mais. — Êxo. 20:4-6; Sal. 3:8; 1 João 5:21.
O pai de Juanito, José, procurou raciocinar com o professor indicando que saudar a bandeira não era um requisito preliminar para se receber instrução numa escola. José mostrou também que seu filho havia mostrado mais respeito por aquilo que a bandeira representa do que o professor, que havia cometido um ato de agressão e ataque e havia tomado arbitrariamente a ação de expulsar Juanito da escola. Mas o professor recusou-se a raciocinar e bateu a porta no rosto do pai.
O assunto não terminou ali. O professor denunciou o pai e o filho junto à polícia por suposta falta de respeito pela bandeira e por realizar reuniões bíblicas ilegais em casa. Cumprindo o seu papel, a polícia foi ao local de trabalho do irmão e o prendeu com o fim de obter uma declaração dele. O resultado foi que José Belmonte foi multado em 5.000 pesetas pelo governador civil de Barcelona por supostamente ter instigado seu filho a cometer atos de desrespeito para com a bandeira.
ADOLESCENTES SOFREM PERSEGUIÇÃO
Em outubro de 1962, Jesús Laporta, um pioneiro regular de dezesseis anos de idade, mudou-se para Castellón de la Plana, na costa oriental mediterrânea da Espanha. Seu companheiro pioneiro era Florentino Castro. A presença deles aumentou o grupo ali para um total de cinco proclamadores do Reino e deu ímpeto à atividade de pregação. Naturalmente, isto chamou a atenção dos clérigos e da polícia local para eles.
Em julho de 1963, a obra de pregação naquela área estava produzindo pequenos grupos de crentes, não só em Castellón, mas também nos povoados vizinhos, espalhados em toda essa rica região produtora de laranjas. Em 5 de julho, Florentino foi detido pela polícia, e, três dias depois, a polícia localizou a Jesús Laporta na pensão em que morava. Ambos foram acusados de estar fazendo propaganda e proselitismo ilegalmente, sendo mantidos presas por trinta dias.
Em dezembro de 1963, Jesús tornou-se pioneiro especial, e nesse mesmo tempo, sua irmã de quatorze anos de idade foi morar com ele em Castellón. Em 2 de abril de 1964, a polícia forçou a entrada da casa enquanto ele estava ausente e, sem ordem judicial para revistá-la, vasculhou a casa e confiscou Bíblias e publicações bíblicas, bem como as chaves da casa. Quando a polícia invadiu a casa, encontrou o pioneiro regular Florentino Castro e o prendeu. Enquanto estavam revistando, um pioneiro regular de dezessete anos de idade se apresentou na casa e foi preso. Por não haver suficiente tempo para interpor recurso contra as multas impostas a esses dois irmãos, eles tiveram de passar vinte dias na prisão.
Cerca de uma semana depois da batida da polícia em sua casa, Jesús, que vinha sendo procurado, foi detido. Foi multado em 5.000 pesetas (cerca de Cr$ 1.660,00), mas interpôs-se recurso imediatamente. Todavia, Jesús passou oito dias na cadeia, e durante esse tempo, sua irmã adolescente ficou sozinha, sem ninguém para protegê-la.
As autoridades perseguiram sem piedade este grupo de jovens, tornando a atacá-los em setembro de 1964, quando prenderam novamente a Florentino Castro e a Juan Pedro Ruiz. Por “propagarem idéias e empenharem-se em atividades de proselitismo” da “seita protestante das Testemunhas de Jeová”, foram multados em 5.000 pesetas cada um. De modo que, em quinze meses, Florentino foi multado três vezes pelo mesmo delito.
O recurso interposto contra a multa imposta a Jesús foi ouvido na Corte Suprema em 4 de fevereiro de 1966, e a defesa se baseava no fato de que não havia evidência ou prova contra o acusado. Não havia nenhuma acusação contra ele. O promotor público baseou seus argumentos na reputação anterior de Jesus e na declaração da polícia de que ele era conhecido como tendo participado em proselitismo. A Corte Suprema confirmou a sentença e estabeleceu um precedente perigoso que condenaria a qualquer pessoa conhecida como sendo Testemunha de Jeová. Felizmente, porém, essa decisão foi contrabalançada em novembro daquele mesmo ano pela decisão favorável em Ciudad Real que já mencionamos
Em 1966, Florentino ainda estava trabalhando em Castellón, embora não como pioneiro. Às 12,15 horas do dia 22 de março dois políciais se apresentaram no seu local de trabalho e o prenderam. Durante os interrogatórios na central de polícia ele foi golpeado duas vezes durante a tentativa de obter dele informações sobre outros irmãos do grupo. Florentino foi acusado de infração contra a lei nacional da vadiagem, embora ele fosse preso no local de seu trabalho, o que obviamente indicava que ele não era vadio. Todavia, depois de seis dias na prisão, chegaram ordens de Madri para o soltarem, visto que estava claro que a acusação não tinha fundamento.
Durante aqueles anos de perseguição intensa, o progresso foi lento em Castellón. Portanto, em março de 1966 — depois de quatro anos de atividade de pioneiros — ainda havia apenas treze publicadores do Reino naquela área.
Apesar da Lei da Liberdade Religiosa, passada em 1967, a polícia de Castellón ainda procurava molestar as Testemunhas de Jeová, de modo que, em abril de 1970, invadiu uma casa particular onde dezesseis adultos e cinco crianças estavam reunidos para considerar a Bíblia. A polícia apresentou uma ordem judicial para revistar, mas, quando viu que havia interrompido um estudo da Bíblia, partiu, entrando em acordo com os irmãos para se apresentarem na delegacia de polícia. Na delegacia foram acusados de realizar uma reunião ilegal, e a acusação havia sido entregue ao juiz local. Foram tomadas medidas para a questão ser levada à atenção da recém-estabelecida Comissão da Liberdade Religiosa. Isto foi o suficiente para a polícia não tomar ação adicional, e era evidente que até certa medida a Comissão podia garantir a liberdade religiosa.
Em 1970, a congregação de Castellón havia florescido de modo surpreendente. Em abril, relataram 79 publicadores, e em junho, o número havia aumentado para 108. Pouco tempo depois, foram formados grupos separados nos povoados vizinhos de Burriana e de Vali d’Uxó. Daí, quando a Associação das Testemunhas de Jeová foi legalizada, Castellón foi a primeira congregação que construiu seu próprio Salão do Reino. Este salão, com a capacidade de acomodar mais de 200 pessoas sentadas, foi inaugurado pelo superintendente de filial na primavera de 1971. Que mudança de circunstâncias depois de nove anos de hostilidade por parte da polícia! Eis aqui outro exemplo de como uma campanha de oito anos, da parte do Ministério dos Assuntos Internos, para extirpar as Testemunhas de Jeová fracassou totalmente, não obstante a zelosa obediência às suas ordens e circulares da parte da polícia local.
DETENÇÕES EM ALMERIA
Naquela época, havia hostilidade da parte da polícia num lugar após outro, inclusive na cidade de Almeria, na costa meridional da Espanha. As jovens pioneiras especiais Ester Sillas Evangelio e Ana Maria Torregrosa foram designadas para trabalhar ali em março de 1962. Em abril, foram visitadas pelo superintendente de circuito Enrique Roca e sua esposa, que se hospedaram com elas no seu apartamento alugado.
Certa manhã, bateram na porta e Ester perguntou quem era. A resposta? “¡La policía!” “¿La policía?” repetiu Ester em voz alta. Foi para avisar o superintendente de circuito e sua esposa embora a polícia nunca soubesse disso. Ester, com a mesma presença de espírito, agiu imediatamente e perguntou aos políciais se possuíam uma ordem oficial para dar busca. Não tinham, mas ela tinha de acompanhá-los até a delegacia de polícia. Naturalmente, enquanto eles estavam na delegacia, Enrique e sua esposa partiram. Com efeito, o irmão Roca partiu tão rápido que se esqueceu de arrumar o quarto, de modo que, quando a polícia entrou ali, havia uma cama estreita de solteiro e, no chão, um colchão em que ele havia dormido — com seus pijamas deixados em plena vista!
O policial perguntou a Ester quem havia dormido ali. “Eu”, disse ela. “O quê? Em ambos os leitos?” perguntou o policial. Ester procurou levar a coisa na brincadeira, respondendo: “O colchão é tão confortável que, quando eu canso de dormir na cama, uso o colchão.” O policial riu e não fez mais perguntas nessa ocasião.
As irmãs foram detidas na cadeia da delegacia de polícia por quatro dias e três noites. Foram constantemente interrogadas e geralmente em separado. Os interrogatórios não eram feitos por amadores. Ester foi colocada sob um holofote e cercada de políciais que a crivaram de perguntas. Ela se fazia um pouco de idiota, de modo que suas respostas amiúde não tinham lógica para eles. Mas, quando a apanharam triunfantemente numa contradição, ela perguntou: “Uma contradição? Por favor, deixem-me ver o que eu assinei ontem.” Deram-no para que o lesse, e ela o leu completamente e com bastante cuidado para não cometer o mesmo erro novamente. Ela não era tão idiota como se fazia. Quando lhe faziam perguntas difíceis, Ester pedia um momento para se concentrar — tempo que ela usava bem para orar a Jeová pedindo ajuda. — Veja 1 Samuel 21:12-15.
UM JUIZ BONDOSO
As pioneiras foram em seguida conduzidas perante o tribunal para serem interrogadas pelo juiz e para assinarem outra declaração. Segundo o procedimento dos tribunais espanhóis, depois de a polícia tomar as informações ou declarações, o acusado é levado perante o tribunal para ser interrogado pelo juiz, que decide então se houve delito ou não. Em caso afirmativo, ele determina a Venalidade. Por um procedimento administrativo diferente, os casos podem ser decididos pelo governador civil, que baseia sua decisão na evidência apresentada pelo relatório policial e pelas declarações do acusado. A maioria dos casos que envolviam as Testemunhas de Jeová foram decididos segundo este último método.
Depois de as irmãs terem assinado uma declaração para o juiz, ele começou a lhes fazer mais perguntas, mas de modo bondoso. Ele lhes disse que não tinham nada a temer, elas haviam assinado as declarações e não se acrescentaria mais nada contra elas. Ester fez uso dessa oportunidade para dar testemunho na presença de cerca de quatorze pessoas, inclusive autoridades da justiça e políciais. Ao terminar de falar, qual não foi sua surpresa quando o juiz disse que elas estavam livres para ir embora e que podiam apanhar seus pertences que a polícia havia levado durante a busca!
Mas, logo que as irmãs saíram para o corredor, a situação mudou. Dois políciais uniformizados se dirigiram às moças e lhes disseram para os acompanharem até a delegacia de polícia, a fim de tratarem de um assunto pendente. Quando Ester e Ana Maria chegaram ali, foram informadas de que o governador civil as multara em 2.000 pesetas cada uma, e que, se não pagassem, iriam para a cadeia. Portanto, foram para a cadeia.
Abriu-se um novo território para elas na prisão, visto que podiam pregar a co-detentas, aos funcionários e às freiras que se achavam ali. Entretanto, foi difícil encontrar meios de dar testemunho a outras presas, visto que as freiras faziam tudo o que podiam para tornar impossíveis esses contatos. Quando chegava a hora do recreio, todas as detentas podiam caminhar livremente, exceto Ester e Ana Maria que ficavam retidas na sua cela. Isto, porém, não era um obstáculo, pois as outras presas que queriam falar com as irmãs trepavam numa figueira que havia do lado de fora da janela da sua cela e falavam com elas. As irmãs, por sua vez, colocavam sua cama contra a parede da cela e subiam nela para continuar a dar testemunho. Quando as freiras apareciam ali e as irmãs não podiam comunicar-se, elas entoavam cânticos do Reino, o que deixava as outras co-detentas surpresas. Como é que elas podiam ser tão felizes quando todas as demais estavam tão tristes?
A permanência de um mês na prisão foi proveitosa para Ester de uma maneira inesperada. Forneceu-lhe tempo e oportunidade para ler a Bíblia do começo ao fim.
Miguel Gil, o pioneiro especial em Granada, foi enviado a Almeria para procurar um advogado que pudesse ajudar as irmãs. O advogado falou com o juiz que tratara do caso delas e o juiz ficou tão indignado com o tratamento dado às moças que ele foi à prisão para vê-las. Entretanto, não lhe foi permitido isso, sob pretexto de que estavam incomunicáveis, o que era mentira. Ele insistiu em vê-las e finalmente conseguiu. O juiz ofereceu às irmãs toda sorte de ajuda, até mesmo escrevendo para a família delas para tranqüilizá-la. Ele até mesmo as incentivou a continuar a fazer o bom trabalho que faziam, ao saírem da prisão, dizendo-lhes que teria o prazer de receber a visita delas depois de serem soltas. Esta intervenção bondosa foi um grande encorajamento para Ester e para Ana Maria.
Finalmente, quando as moças saíram da prisão, tiveram a alegria de encontrar Miguel Gil que estava ali para as acolher. Falando-se de passagem, toda a evidência indicava que a sua prisão de um mês era em razão das atividades do sacerdote de Pescadería, um bairro da cidade. Ele suscitara medo na população e, sem dúvida, era ele quem havia denunciado as irmãs junto à polícia.
Naturalmente, esse não foi o único encontro com a polícia em Almeria. Mas esse caso foi notório por causa da bondade expressa pelo juiz dessa cidade. Com o passar dos anos a congregação de Almeria tem crescido. Em 1972, depois de algumas dificuldades com a prefeitura, os irmãos inauguraram ali seu Salão do Reino. A congregação tem atualmente nessa cidade 124 publicadores, oito pioneiros regulares e dois pioneiros especiais.
A LUTA CONTINUA EM MAJORCA
Depois de termos falado sobre algumas das experiências do povo de Jeová na península, consideremos suas atividades na ilha de Majorca. Em 1961, piorou a situação dos irmãos em Majorca. Todos os que recebiam pacotes de literatura eram vigiados, e as Testemunhas que caminhavam pelas ruas com publicações nas suas pastas corriam o risco de passar uma semana “na sombra”, se a polícia as detivesse. Em junho daquele ano, os irmãos eram molestados mesmo dentro de suas casas com a constante visita da polícia.
Nunca se sabia quando surgiriam problemas. Por exemplo certa vez Antonio Molina e Gabriel Vaquer estavam pregando em Palma de Majorca quando um morador os convidou a entrar e considerar o folheto “Estas Boas Novas do Reino” com ele. Primeiro, ele tinha de buscar os óculos. Daí, a esposa saiu para comprar um pouco de leite. Em poucos minutos ela voltou com o “leite” — dois políciais vestidos à paisana que começaram a interrogar os irmãos. Antonio e Gabriel pediram que eles se identificassem. Bem, um deles era tenente-coronel da Guardia Civil e o outro, um brigadeiro. Esse “leite” era realmente azedo! Outrossim, o morador também era membro da Guardia Civil. Os irmãos foram interrogados e daí conduzidos para a prisão, onde ficaram detidos por quinze dias.
Era trágica a situação para os do povo de Jeová em Palma. Parecia haver espiões e inimigos em toda a parte, que só esperavam uma ocasião para apanhá-los ao falarem a respeito da Palavra de Deus. Por exemplo, em 27 de maio de 1962, Félix Lumbreras, o pai de três crianças, e Catalina Forteza de Mula, a esposa de Manuel Mula, preso muitas vezes, estavam conversando com uma senhora interessada na verdade. Enquanto conversavam, um guarda que morava do outro lado do corredor saiu de sua casa e desceu as escadas. Quando as Testemunhas iam saindo do edifício, depararam com o guarda que os estava esperando para prendê-los. Receberam multas de 1.000 pesetas cada um.
Em 14 de novembro de 1963, Jaime Sastre e Antonia Galindo foram detidos pela polícia enquanto estavam pregando de casa em casa. Sem o saber, apresentaram um sermão bíblico para um guarda civil. Quando a esposa de Jaime foi à polícia para saber do paradeiro dele, negaram que estivesse preso. Mas ela foi até o gabinete do governador civil e, por intermédio de seu secretário, chegou a saber que seu marido estava detido na central da Guardia Civil. Portanto, ela foi ali para saber dele, e lhe disseram que, a próxima vez que seu marido fosse apanhado, significaria três meses de prisão. Depois disso, ele seria encerrado numa cela e a chave seria jogada fora. Não lhe permitiram vê-lo, mas o resultado foi que ambos foram multados, e o governador civil rejeitou os recursos que eles interpuseram.
Em 25 de dezembro de 1963, cinco irmãos da congregação Inca estavam dando testemunho no povoado não-designado de Petra. Enquanto esperavam o trem de volta para Inca, os irmãos notaram que uma pessoa fanática que haviam encontrado naquela manhã apareceu na estação e logo foi embora. Pouco tempo depois, apareceu um guarda civil, pedindo aos irmãos que o acompanhassem até a delegacia de polícia. Foram revistados e todas as publicações que tinham, inclusive Bíblias foram confiscadas. Cada irmão teve de fazer depoimento e daí foram postos em liberdade. Posteriormente, quatro dentre eles foram multados.
O VEREDICTO DA CORTE SUPREMA
Em 10 de dezembro de 1965, a Corte Suprema decidiu agrupar vários casos judiciais em Majorca. Portanto, pronunciou seu veredicto quanto aos recursos de Félix Lumbreras e Catalina Forteza de Mula, Jaime Sastre e Antonia Galindo, bem como de quatro irmãos de Inca que foram detidos em Petra.
O veredicto único no tocante a todos esses casos foi que as Testemunhas não se limitaram ao exercício privado de sua religião. Antes, alegou-se que “preferiram manifestar-se abertamente como agentes ativos e conscientes de proselitismo, exercido por meio da difusão de propaganda e visitas abundantes nos lares, por meio do que invadiram obviamente a esfera da proibição”. Os recursos foram rejeitados e todas as causas foram perdidas.
Não havia dúvida quanto à atitude das autoridades a respeito do povo de Jeová. Estavam decididos a extirpar os servos de Deus por meio da intimidação e constantes encarceramentos. Um irmão em Inca foi visitar um tenente da Guardia Civil que ele pessoalmente conhecia. No decorrer da conversa, o tenente disse: “Até agora não tentamos causar-lhes dano algum, mas agora recebemos ordens de ‘exterminá-los’. Em vez de perder meu uniforme, prefiro ver vocês todos dançar. . . . Recebemos ordens do governador para ir de casa em casa em Inca, a fim de avisar todos os moradores de que, quando vocês os visitarem, devem avisar-nos. Recebemos ordens de levá-los algemados, de onde quer que os encontrarmos, diretamente para a cadeia.”
A RESPONSABILIDADE DO CLERO
Naturalmente, a igreja católica estava por trás desta perseguição e o clero se regozijava com os maus-tratos infligidos às Testemunhas. Por exemplo em 18 de setembro de 1962, o bispo de Majorca disse pelo rádio: “Agradecemos a Deus que nos ajudou a identificar os que realmente fazem o bem. Agradecemos a Deus que nos ajudou a identificar os que na realidade falsificam a Palavra do bom Deus. Olhem para eles! Estão nas prisões, sendo perseguidos e punidos. . . Olhemos agora para a religião católica. Mais uma vez agradecemos a Deus que ela ainda continua a ser a religião verdadeira.” Em vez de agradecer a Deus, faria melhor se expressasse agradecimentos ao governador civil e à Guardia Civil por tentarem preservar o monopólio católico.
O sacerdote da paróquia de Cristo Rey, da cidade de Inca foi um adversário fanático das Testemunhas de Jeová. Ele fez também emissões radiofônicas contra as Testemunhas, e publicou artigos difamatórios contra o povo de Deus. Outrossim, ele foi de casa em casa para recolher as publicações deixadas pelas Testemunhas de Jeová para as queimar. Dez anos mais tarde, houve uma surpreendente repercussão de tudo isso. Luis Salazar estava tirando férias em Inca no ano de 1971 e, por acaso, visitou a casa deste sacerdote. Foi convidado a entrar e, depois de uma breve palestra sobre assuntos bíblicos, o sacerdote disse que desejava pedir perdão pelas suas ações anteriores contra as Testemunhas de Jeová. Compreendia então o seu erro e se dava conta de sua atitude anticristo. O sacerdote mostrou ao irmão Salazar que ele tinha os livros da Sociedade na sua estante de livros, e passou a dizer: “Se existem homens bons ou santos neste mundo, estão entre as Testemunhas de Jeová.”
A PERSEGUIÇÃO FORTALECE AS TESTEMUNHAS
Aqueles anos de dificuldade em Majorca só serviram para fortalecer o povo de Jeová. Em dezembro de 1972, havia 500 publicadores em Majorca, 26 na ilha de Ibiza e 40 na ilha de Minorca. Há atualmente 950 publicadores em Majorca, 61 em Ibiza e 91 em Minorca. É interessante notar que em Palma há uma Testemunha para cada 385 habitantes, ao passo que a média para o país é de uma para cada 908 habitantes.
Por meio de sua organização visível, Jeová ajudou seu povo em toda a Espanha durante os anos especialmente difíceis de 1958 a 1967. Durante aquele período havia perseguição de alguma espécie na maioria das cidades grandes. Este relato abrange apenas alguns exemplos representativos dos maus-tratos sofridos pelos pioneiros e pelas Testemunhas de Jeová em geral.
Entre outros, houve também casos em Huelva e Alicante. Em Manresa (Barcelona) quatorze pessoas foram presas em 1962 por estudarem a Bíblia juntos, embora mais tarde ficassem sem efeito as acusações. Em Saragoça, onde o pioneiro especial Máximo Murcia e sua esposa foram detidos por quinze dias em 1960, uma família norte-americana foi molestada pelo sacerdote e pela polícia por permitir reuniões bíblicas no seu lar privativo. Poderíamos continuar a lista incluindo a expulsão do missionário Carl Warner em 1961. Com efeito houve inúmeros casos de perseguição, e contínua hostilidade em toda a Espanha durante aquele período de dez anos. Mas todas essas dificuldades fortaleceram a fé dos irmãos, e Jeová os ajudou a continuar a fazer a vontade divina, de modo que o aumento continuou a passos largos.
A oposição do clero — tanto católico como protestante — nunca parou. Naturalmente, tiveram a colaboração ativa do Ministério dos Assuntos Internos durante anos. Como evidência clara de que não houve mudança de parecer, embora o governo estivesse preparando a Lei da Liberdade Religiosa, citamos partes da Circular N.º 5, de 1966, do diretor geral do Interior, do Ministério dos Assuntos Internos. Com data de 24 de fevereiro de 1966, declarava, em parte, como norma para todos os governadores civis:
“É necessário tomar medidas mais exemplares de repressão das atividades ilícitas de proselitismo que os membros da seita conhecida por ‘Testemunhas de Jeová’ vêm desempenhando em todo o território nacional. . . . O motivo disso reside no fato de que as medidas atuais, de natureza monetária, não foram suficientemente eficazes em reprimir tais atividades. . . . Por conseguinte, insto com Vossa Excelência, sob as ordens de Sua Excelência o Ministro dos Assuntos Internos”, que denuncie, perante os tribunais que lidam com casos de vadiagem, “todos os membros da dita seita que forem apanhados desempenhando tais atividades”. Dezoito meses mais tarde, entrou em vigor a Lei da Liberdade Religiosa e a atitude geral para com as Testemunhas de Jeová se tornou mais favorável. Também, a atitude oficial se tornou mais flexível em conseqüência da nova lei.
UM JURISTA EMINENTE ANALISA A BATALHA JURÍDICA
A batalha travada pelas Testemunhas de Jeová durante esses anos de amarga perseguição serviu de notável testemunho nos círculos jurídicos dessa nação. Muitos advogados e juízes tiveram seu primeiro contato com o povo de Deus por causa da nossa tenacidade em levar cada caso possível perante a Corte Suprema, para se conseguir justiça e liberdade religiosa. Este fato foi notado por um eminente jurista espanhol, Lorenzo Martín-Retortillo, ex-professor de direito da Universidade de Salamanca e agora da Universidade de Saragoça. Em 1970, ele publicou um estudo de jurisprudência sobre a Liberdade Religiosa e a Ordem Pública.
Essa obra de setenta e oito páginas consiste numa análise de muitos casos que foram levados perante a Corte Suprema e que a obrigaram a definir o exercício privado da expressão religiosa na Espanha, e a interpretar a frase “a união espiritual da Espanha”.
Em resultado do estudo que este jurista fez das acusações nos casos que considerou ele escreveu o seguinte: “Não é difícil chegar a uma conclusão: os tipos de conduta seguintes são sancionados e considerados como sendo contrários à ordem pública: realizar reuniões para fazer comentários sobre a Bíblia ou sobre outros compêndios religiosos; a posse de literatura propagandista da religião; fazer visitas nos lares de amigos ou de pessoas desconhecidas, com o fim de propagar a religião, viajar e fazer contatos com o mesmo objetivo em vista, etc. Por conseguinte, é uma questão de atos de celebrando religiosa, conforme se dá com muitas das reuniões . . . ou dos atos de evangelismo religioso.”
Embora sejam citados em cada página os casos das Testemunhas de Jeová, o terceiro capítulo dessa obra é especificamente intitulado “A incidência especial de sanções contra as ‘Testemunhas de Jeová’”. Em parte, declara: “Qualquer que estudar dez anos de Jurisprudência, e observar as sanções governamentais por razões de perturbação da ordem pública que influem na conduta religiosa, ficará surpreso de constatar o seguinte fato: É que, em quase todos os casos considerados, os que se interpuseram são membros de apenas um grupo religioso. Os que interpuseram recurso contra as decisões administrativas são, praticamente em todos os casos, membros das ‘Testemunhas de Jeová’.”
Em resultado desta conclusão, o Señor Martín-Retortillo propõe as seguintes perguntas: “São as ‘Testemunhas de Jeová’ o único grupo entre os não-católicos que desempenham as suas atividades ultrapassando os limites tolerados? Acha a Administração que este grupo deve ser objeto de atenção especial por causa de seu perigo, de sua importância, de sua atividade ou por quaisquer outras circunstâncias especiais? . . . Como se pode perceber, essas são perguntas às quais não posso responder agora, tampouco procuro responder. . . . Todavia, isso não impede expressar a perplexidade que produz o fato de descobrir que, durante o período em estudo, e em relação com o assunto de religião, as sanções se centralizaram unanimemente nos membros de uma determinada confissão.”
Uma das conclusões fundamentais a que o Señor Martín-Retortillo chegou, mediante sua análise, foi que a perseguição oficial das Testemunhas de Jeová era em resultado de sua atividade de proselitismo, de seus escrúpulos de consciência e porque algumas de suas publicações criticaram o regime espanhol. Naturalmente, as Testemunhas de Jeová são, na realidade, neutros quanto à política. (João 17:16) Todavia, diante disto, podemos chegar à conclusão de que, se as seitas protestantes não foram oficialmente objeto de perseguições, obviamente não se empenharam em atividade de pregação pública e não mantiveram a neutralidade cristã — dois requisitos fundamentais para os seguidores de Jesus Cristo.
BENEFÍCIOS DA ESCOLA DO MINISTÉRIO DO REINO
Durante os anos de perseguição intensa, fez-se todo esforço para prover ajuda e orientação espiritual. Para este fim, em dezembro de 1961, a filial da Sociedade na Espanha organizou as primeiras classes da Escola do Ministério do Reino. Naturalmente, a escola não podia funcionar como em outros países — por um mês ou, mais tarde por duas semanas. Em vez disso, tinha de durar dois meses e ser à noite. As duas primeiras classes foram realizadas em Barcelona. E, para não chamar atenção, as classes não tinham mais de doze a quinze estudantes.
Entre 1962 e abril de 1968, 347 servos e pioneiros receberam treinamento e instrução na Escola do Ministério do Reino. Quando foi realizado o curso em Barcelona, os membros da filial puderam chegar a conhecer pessoalmente os superintendentes e ouvir seus problemas. Também, os discursos foram proferidos por cinco membros da família de Betel. Até o presente, 1.342 pessoas fizeram o curso da Escola do Ministério do Reino na Espanha.
ASSEMBLÉIAS EDIFICANTES
Durante todos os anos de nossa atividade “clandestina”, continuamos a receber o alimento espiritual por meio de arranjos especiais feitos para a realização de assembléias de circuito. Já que era perigoso reunir todos os irmãos num mesmo lugar ao mesmo tempo, adotou-se um método especial em que o programa da assembléia podia ser transmitido a todas as congregações em cada circuito. Os superintendentes recebiam cópias do programa e daí assistiam à assembléia. Deste modo, a assistência ficava limitada a um grupo de cerca de 100 a 200 pessoas. Outrossim, os locais para as assembléias eram escolhidos com cautela, geralmente ao ar livre, como nos bosques, nos montes ou numa praia. Também, uma casa particular servia bem, estando ela suficientemente isolada. De qualquer forma, os superintendentes que assistiam a elas seguiam o programa com atenção, fazendo anotações. Mais tarde, o programa da assembléia era repetido nas suas próprias congregações.
Era preciso tomar muitas precauções para assegurar-se de que a polícia não descobrisse o local da assembléia. Surgiu uma dificuldade durante uma assembléia de circuito em 1969, quando a polícia de Sevilha ficou sabendo de uma grande reunião no pátio de uma casa particular, e chegou ali com carros e camionetas da polícia. Aproximadamente 250 irmãos e pessoas interessadas estavam presentes. Todos os homens e as irmãs solteiras foram levados à central de polícia para interrogatório, e todos os livros foram confiscados, sem nunca serem devolvidos. Dez irmãos ficaram detidos na prisão por quatro dias. Um dos detidos era o marido opositor de uma irmã, o qual assistira por curiosidade. Ele ficou tão bem impressionado com a conduta dos irmãos na prisão que, ao ser solto, começou a estudar e se tornou um irmão batizado. Essa batida da polícia recebeu publicidade mundial, e, talvez em conseqüência disso, não se tomou nenhuma ação judicial contra os irmãos.
ASSEMBLÉIAS DE DISTRITO NO EXTERIOR
Que dizer das assembléias de distrito durante esse período de perseguição? Como tiraram os irmãos proveito desses programas? Bem, eram alugados trens e ônibus especiais cada ano, e os irmãos iam à França, Itália ou Suíça para assistir a essas assembléias.
Por exemplo, em 1969, os irmãos espanhóis ficaram encantados de assistir a uma assembléia em Roma. Como a maioria deles eram ex-católicos, regozijavam-se de pensar que podiam realizar um congresso no “quintal” do papa. Naturalmente, o paradoxo da situação era que não podiam realizar uma assembléia na Espanha “mais papista que o papa”! Falando-se de passagem, enquanto estavam em Roma, algumas Testemunhas espanholas visitaram as catacumbas, outrora associadas com o cristianismo primitivo. Essas suscitaram muita curiosidade visto que os irmãos espanhóis ainda estavam na sua época de “catacumba”, de reuniões ocultas de seus perseguidores.
Em julho de 1970, a obra das Testemunhas de Jeová foi reconhecida legalmente na Espanha, e podiam assim realizar doravante assembléias ali. Todavia, já havia sido assinado o contrato para a assembléia de distrito de 1971 a ser realizada em Tolouse, França. Devido ao temor de epidemia de cólera no último minuto na Espanha, as autoridades francesas recusaram permissão para a assembléia espanhola. De modo que foram tomadas medidas imediatas para se encontrar um local adequado para uma assembléia em Barcelona. Depois de serem vencidas grandes dificuldades, foi possível alugar a mais antiga e mais suja das duas arenas para touradas de Barcelona, a chamada Las Arenas. O tempo era curto, e os irmãos trabalharam arduamente para limpar a arena. Com efeito, o zelador disse que nunca a vira tão limpa em trinta anos, e ficou admirado de ver o espírito dos irmãos.
Mas, daí, uma notícia foi como uma bomba. O governador civil de Barcelona estava ausente e seu substituto recusou permissão para a realização da assembléia por causa de um pormenor técnico — o fato de que a permissão não havia sido solicitada dez dias úteis antes do evento. Esta notícia chegou aos irmãos que estavam trabalhando na arena um dia antes da data prevista da assembléia. Muitas Testemunhas de lugares distantes do país já estavam a caminho do congresso. Ao chegarem a Barcelona, ficaram sabendo da notícia triste. Mas, graças à sua típica adaptabilidade espanhola, transformaram sua viagem em turismo e visitaram Salões do Reino locais bem como Betel e outros lugares de interesse. Portanto, tiraram algum proveito espiritual de sua viagem. Mais tarde, foram realizadas assembléias substitutas em diversos lugares, com uma assistência total de 20.176 pessoas. Durante essas assembléias, 483 pessoas foram batizadas.
Nos últimos anos, encontramos muitas dificuldades para realizar assembléias cristãs. Todavia, com a ajuda de Jeová, temos podido vencer esses problemas de uma forma ou outra. Até o presente, na década de 1970, temos tido muitas assembléias esplêndidas e espiritualmente edificantes.
A última vez que os irmãos espanhóis tiveram de ir ao estrangeiro para uma assembléia foi em 1973, quando se tornou impossível alugar um local adequado para uma assembléia internacional na Espanha. Assim, mais uma vez tomaram aviões fretados, trens e ônibus, bem como carros particulares, resultando em mais de 19.000 pessoas se ajuntarem no enorme local de assembléia do Campo da Feira Mundial de Bruxelas, na Bélgica. Essa Assembléia Internacional da “Vitória Divina” foi uma alegria para as Testemunhas espanholas, visto que se associaram com 31.000 irmãos de muitos países de língua francesa, flamenga e portuguesa. Que regozijo foi ver 1.273 novos cristãos espanhóis batizar-se em símbolo de sua dedicação!
Desde então, as assembléias de distrito têm sido realizadas na Espanha em diversas cidades e locais, inclusive em estádios de futebol em Salamanca, Gijón, Sabadell, Almeria e Estepona, e em arenas de Barcelona, Madri e Marbela. Cada assembléia tem fornecido aos irmãos espanhóis uma experiência valiosa, e a assembléia internacional de 1978, em Barcelona, foi aguardada com muita ansiedade, pois daria aos irmãos espanhóis a oportunidade de servir seus concrentes de muitos países, especialmente os que os serviram tão hospitaleiramente nas décadas passadas na França, Suíça, Itália e Bélgica.
A OBRA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ É LEGALIZADA EM 1970!
Por muitos anos antes de ser emitida a Lei da Liberdade Religiosa em 1967, as Testemunhas de Jeová vinham fazendo empenho para que sua organização fosse legalmente reconhecida na Espanha. A primeira tentativa foi feita em 1956, quando se fez um requerimento e se apresentou uma cópia dos estatutos propostos ao governador civil de Barcelona para aprovação. Mas essa tentativa não teve êxito. Fez-se outro esforço em 1965, quando o irmão Knorr dirigiu um apelo por escrito ao governo espanhol, perguntando quais as medidas a tomar para a legalização da Sociedade e das Testemunhas de Jeová. Novamente, foi sem resultado.
Em 28 de junho de 1967, depois de um prolongado debate em Las Cortes (o Parlamento espanhol) e uma preparação mais longa ainda por peritos judiciais e eclesiásticos, a Lei da Liberdade Religiosa foi aceita e aprovada. Embora fosse uma lei que permitisse a liberdade religiosa, introduzia também controle religioso, pois as provisões da lei obrigavam cada religião, exceto a católica romana, a expor-se ao escrutínio por parte do Ministério da Justiça. A lei fazia provisão de controle estrito dos membros e também uma apresentação anual das contas, com uma definição clara da fonte das receitas e despesas.
As seitas protestantes não gostaram da lei e demoraram em requerer legalização, de modo que o governo concedeu um prazo de registro até maio de 1968. Todavia, a Sociedade Torre de Vigia foi provavelmente a primeira a requerer registro, e apresentou seu requerimento em 12 de dezembro de 1967. O catálogo do Ministério da Justiça, datado de 31 de maio de 1969, revelava que a primeira religião a ser registrada foi a Igreja Presbiteriana Reformada, tendo um só lugar de culto e um só ministro registrado, aprovado em maio de 1968. Essa edição do catálogo alistava 105 grupos religiosos — entre eles os chamados Irmãos, Ciência Cristã, mórmons, judeus, pentecostais, anglicanos, batistas, adventistas, Assembléia de Deus, evangélicos, muçulmanos — com efeito, praticamente todas as religiões, exceto uma especialmente notória pela sua ausência, as Testemunhas de Jeová. A legalização delas teve de esperar até 10 de julho de 1970. Quando essa lista de religiões aprovadas foi emitida, as Testemunhas de Jeová eram o N.º 131. Mas, por fim, haviam sido legalizadas na Espanha!
A última catalogação era datada de 15 de dezembro de 1975 estando incluídos 238 grupos religiosos. Esse folheto mais recente contém um total de 83 páginas, em que cada grupo religioso está alistado por cidades e povoados, e também segundo os lugares de culto. As Testemunhas de Jeová ocupam 37 por cento de todas as páginas do catálogo, o que as torna incontestavelmente a maior religião na Espanha depois da Igreja Católica.
Obtida a legalização, foram feitos planos imediatamente para abertura de Salões do Reino e a obtenção de um lugar apropriado para o lar de Betel. O primeiro Salão do Reino foi inaugurado em 19 de dezembro de 1970, no Barrio del Pilar, uma nova zona de construção num bairro operário, populoso, de Madri.
Em fevereiro de 1971, o irmão Knorr visitou novamente a Espanha e falou perante assistências públicas em Madri e em Barcelona, com uma assistência total de mais de 14.000 pessoas. Até mesmo ele achava difícil de acreditar que estava falando realmente perante tão grande número de irmãos espanhóis, e isso na Espanha!
O irmão Knorr aproveitou essa visita para ver possíveis prédios para a filial, e optou por um prédio de cinco andares em Barcelona, à rua Pardo, N.º 65, onde se acham hoje o escritório filial e o lar de Betel. Completada a compra, organizou-se o trabalho de reforma. Foram convidados voluntários das congregações de Barcelona, e pioneiros profissionais foram chamados para o serviço de carpinteiro, de pedreiro, de rebocador, de pintor, etc. O prédio era uma construção nova e nunca tinha sido usado, e, de fato, fora projetado originalmente para fins industriais. Portanto, não havia paredes divisórias em nenhum andar, e nem dependências. Por conseguinte, começando do princípio, o arquiteto da Sociedade projetou cada andar segundo as sugestões que o irmão Knorr havia deixado. Os irmãos trabalharam durante treze meses para completarem as instalações do novo escritório e lar, com provisão de quartos para dezesseis trabalhadores.
Em 2 de junho de 1972, o irmão Knorr inaugurou o novo prédio da filial da Espanha, e, no dia seguinte, ele deu um discurso especial perante 13.350 irmãos reunidos na principal arena de touradas de Barcelona, La Monumental. Essa visita e o discurso na arena receberam boa publicidade na imprensa, mas serviram também para acentuar a oposição contra o povo de Jeová. Certos elementos nos “círculos elevados” não se agradaram do fato de se ter dado permissão às Testemunhas de Jeová, e aumentaram a sua pressão sobre a Comissão da Liberdade Religiosa para “cortar as asas” dessa religião novata. Depois disso, tivemos algumas dificuldades em obter permissão de usar locais para assembléias de distrito e de circuito.
A legalização significava a abertura de Salões do Reino, conforme já mencionamos. A partir de dezembro de 1970 até maio de 1977, 482 Salões do Reino foram aprovados pelo Ministério da Justiça. Nas cidades grandes, como Madri, Barcelona e Valência, os aluguéis são elevados, de modo que a maioria dos salões são usados por mais de uma congregação, para serem divididas as despesas financeiras. Havia em fins de 1977 dezesseis Salões do Reino dentro dos limites da cidade de Barcelona, sendo usados por cinqüenta congregações. Adicionalmente noventa e duas congregações da província de Barcelona realizavam suas reuniões em setenta e cinco Salões do Reino. Em Madri, vinte e cinco salões eram usados por quarenta e seis congregações. Somos gratos a Jeová pela liberdade que desfrutamos agora e por esses excelentes lugares de reunião.
O REINO MESSIÂNICO É PROCLAMADO EM ANDORRA
Agora, falemos um pouco sobre Andorra, um diminuto e montanhoso principado, apertado entre as fronteiras espanhola e francesa. Do lado da Espanha, acha-se a vila de Seo de Urgel. Seu bispo é co-regente de Andorra, junto com o presidente da França. Essa soberania dupla foi instituída em 1278 E.C. para por fim às batalhas sangrentas que havia entre as forças do bispo católico de Seo de Urgel e o exército dos condes franceses de Foix.
Hoje, Andorra tem uma população de uns 32.500 habitantes, a maioria deles trabalhando nas lojas e nos hotéis que têm a ver com o constante negócio de turismo. Os preços das mercadorias são muito mais baixos em Andorra do que na Espanha ou na França, de modo que o comércio é a principal atividade. Alguns dos habitantes locais ainda se devotam a criar ovelhas à agricultura e ao cultivo do fumo, mas essas são agora as ocupações menos freqüentes, e a tendência geral é de materialismo.
Até 1962, havia sido dado algum testemunho esporádico em Andorra, mas nesse ano uma família espanhola decidiu mudar-se de Barcelona para se fixar ali e começar a pregar ali sistematicamente. Era a família de Manuel Escamilla. Apesar dos problemas financeiros e de saúde, permaneceu em Andorra por sete anos, e, aos poucos, o pequeno grupo de cristãos ali prosperou.
A primeira pessoa que mostrou interesse foi Rosé Boronat que recebera testemunho de sua tia em Barcelona e havia sido também incentivado por uma irmã francesa que costumava visitar Andorra. A família Escamilla começou a realizar reuniões e, com a presença de Rosé, havia uma assistência de quatro pessoas. Surgiram logo problemas, pois Rosé perdeu o emprego e seu quarto de pensão. Daí, teve de fazer uma decisão quanto a seu noivo que não era favorável à verdade. Ela escolheu a verdade e o noivado foi rompido. Entretanto, pouco tempo depois, os irmãos de Barcelona puderam dar-lhe testemunho, ele aceitou a verdade e, em 1964, tanto ele como Rosé foram batizados. Quando Manuel Escamilla teve de partir junto com sua família em 1969, esse irmão, Miguel Barbé, assumiu a responsabilidade pelo grupo. Em novembro de 1971 ele e sua esposa foram designados como pioneiros especiais para cuidar do território de Andorra e de Seo de Urgel.
É interessante notar que embora exista liberdade de religião na França e na Espanha, as Testemunhas de Jeová não conseguiram obter permissão para abrir um Salão do Reino em Andorra, onde há atualmente uma próspera congregação de oitenta e quatro publicadores. Por que não? Por causa da influência feudal do bispo de Seo Urgel que põe obstáculos no caminho. No ínterim, os irmãos continuam a realizar suas reuniões em lares particulares, o que, naturalmente, representa um fardo mais pesado sobre os dois anciãos que servem ali.
ENCLAVES ESPANHÓIS NO MARROCOS
Na costa mediterrânea, setentrional, do Marrocos, há dois enclaves espanhóis — Ceuta, não muito longe de Tânger, e Melila, mais para o leste. O exército espanhol tem guarnições nesses enclaves. Ricardo e Consuelo Gutiérrez, originários de Barcelona, foram designados diretamente das fileiras dos publicadores para o trabalho de pioneiro especial devido à necessidade de proclamadores do Reino em Ceuta. Ricardo havia sido militar ali e já sabia falar francês e um pouco de árabe. Esses idiomas, junto com o espanhol, são as línguas faladas em Ceuta.
O irmão e a irmã Gutiérrez aceitaram essa designação apesar de terem um filho de sete anos de idade, e começaram a servir em Ceuta em janeiro de 1969. Depois de seis anos de serviço valioso e exemplo fiel, Consuelo morreu de câncer. Eles ajudaram a lançar os alicerces da congregação de Ceuta que tem atualmente trinta e um publicadores e três pioneiros especiais. A congregação tem também seu Salão do Reino, o único lugar legalizado de reunião das Testemunhas de Jeová em toda a África do norte.
Há em Melila comunidades judaicas e muçulmanas, bem como espanholas, de modo que os pioneiros designados ali em 1970 tiveram um território interessante para trabalhar. No começo, tiveram muita dificuldade com a polícia, que procurava interferir com o seu trabalho de pregação de casa em casa. Mas depois que a filial da Sociedade na Espanha tomou medidas judiciais, não mais foram molestados, e todas as publicações confiscadas lhes foram devolvidas.
Até agora, a população de Melila, de 53.000 habitantes, tem produzido vinte proclamadores do Reino, apesar das dificuldades que surgiram em razão da mentalidade militar que predomina nessa cidade de guarnição.
A população é uma mistura de espanhóis e árabes, os primeiros diminuindo em número e os últimos aumentando. Os pioneiros especiais estão fazendo um bom trabalho ali, e diversos de seus estudos bíblicos são com mulheres muçulmanas, no momento em que redigimos este relato.
AFROUXAMENTO DA CENSURA
Uma das conseqüências da legalização da Associação das Testemunhas de Jeová em 1970 foi que todas as nossas publicações tinham de passar pelas mãos do censor oficial do governo. Embora a maioria delas fosse aprovada para circulação, algumas, como Aprenda a Ler e a Escrever e, por algum tempo, “Certificai-vos de Todas as Coisas”, foram colocadas na lista das publicações proibidas. Durante um ano, mais de metade de todas as edições da Sentinela e de Despertai! foram proibidas para distribuição pública. Entretanto, a Sociedade interpôs recurso em diversos casos, e agora há mais de um ano que nenhuma edição foi interditada. Sem dúvida, o afrouxamento geral do controle em muitos campos tem favorecido também a nossa situação.
A publicação mensal Nosso Serviço do Reino, conhecida na Espanha como Nuestro Servicio Teocrático, tem agora uma circulação de mais de 60.000 exemplares.
VISITA DE MEMBROS DO CORPO GOVERNANTE
Nos anos recentes tem havido visitas encorajadoras de vários membros do Corpo Governante, e essas visitas tem sido apreciadas grandemente pelos irmãos espanhóis. Em 1974, os irmãos N. H. Knorr e F. W. Franz visitaram juntos a Espanha, e estava previsto que dariam discursos perante uma grande multidão de irmãos na arena de touradas de Barcelona. Entretanto, as autoridades não concederam permissão, visto que a data coincidia com o feriado religioso de 25 de dezembro. Imediatamente, os planos foram mudados e todos os pioneiros e anciãos foram convidados para uma reunião especial que seria realizada a uns vinte e um quilômetros de Barcelona, num prédio industrial que não estava em uso e que estava sendo considerado para compra como salão de assembléias. Mais de 5.000 pessoas se apinharam ali para ouvir o discurso do irmão Knorr sobre a expansão mundial da obra, e daí prestaram atenção indivisa à exposição do Salmo 91 pelo irmão Franz. Apenas um ano mais tarde, o irmão Raymond Franz foi convidado a inaugurar o mesmo prédio, que havia sido convertido num magnífico salão de assembléias, com 1.300 assentos, bem como um amplo refeitório e uma piscina para batismo.
Antes disso, em novembro de 1975, F. W. Franz inaugurara um salão de assembléias em Madri, que era antes um cinema. Foram feitas outras visitas por M. G. Henschel em maio de 1974, e por L. K. Greenlees, em 1976. O irmão Henschel falou perante 22.417 irmãos na arena de touradas de Barcelona. A máxima assistência até então em qualquer reunião foi durante a visita de L. A. Swingle, quando houve uma assistência de 27.215 pessoas em Las Arenas de Barcelona, em 1.º de maio de 1977. O irmão Swingle falou também em reuniões em Madri e nas Ilhas Canárias, de modo que a assistência total nos seus quatro discursos veio a ser de 45.617 pessoas.
PUBLICIDADE NA IMPRENSA E PELO RÁDIO
Em muitos casos, a imprensa fez cobertura justa e imparcial das Testemunhas e de suas assembléias. O diário de Madri, El País, devotou uma página inteira aos ensinamentos e à história das Testemunhas, baseando-se numa entrevista com um advogado, o irmão Julio Ricote. Vários redatores defenderam as Testemunhas, como no caso do católico que escreveu no jornal Sur, de 12 de novembro de 1976: “Talvez as Testemunhas estejam erradas na sua interpretação, mas ninguém pode “duvidar da imensa fé que as anima. Nessa religião, não seita, não pode haver mentiras, nem fornicação e nem roubo, os três pecados mais abomináveis aos olhos de Deus. Quanto o mundo tem a aprender das Testemunhas neste respeito!” Outro, escrevendo na Hoja del Lunes de Gijón (21 de junho de 1976), sob o título “O Bispo de Santander e as Testemunhas de Jeová”, declarava: “Acontece que as Testemunhas de Jeová . . . têm conhecimento mais profundo e mais minucioso da Bíblia do que a maioria dos católicos.”
Em razão das questões sobre objeção de consciência ao serviço militar e recusa de aceitar transfusões de sangue, as Testemunhas têm sido mencionadas freqüentemente nos jornais. Um eminente cirurgião espanhol, genro do falecido General Franco, convidou as Testemunhas a participar de seu programa de rádio sobre assuntos médicos, junto com outro médico e um sacerdote, para considerarem a questão da transfusão de sangue. Entre os irmãos que tomaram parte, havia um advogado que pôde fazer uma boa defesa de nossa posição nessa questão. Numa outra ocasião, uma emissora de rádio de Barcelona convidou representantes das Testemunhas para uma entrevista e para tratar de perguntas dos ouvintes. Estas duas emissões despertaram realmente o interesse do público.
Quanto à televisão, a Igreja Católica exerce controle quase total sobre os canais nacionais, até o tempo da escrita deste relato. Alguns sacerdotes aproveitaram da situação para atacar as Testemunhas.
A RAINHA DA ESPANHA FICA FAVORAVELMENTE IMPRESSIONADA
No decorrer do ano de 1976, deu-se um excelente testemunho nos meios universitários. Tudo começou quando uma Testemunha de Jeová, estudante de medicina na universidade de Madri, deu testemunho a alguns de seus colegas. Alguns deles faziam também outros cursos no Departamento Interfacultativo de Humanidades Contemporâneas, organizados para o benefício dos estudantes e graduados. Como resultado, as Testemunhas de Jeová foram convidadas a fazer um discurso sobre o tema “O Homem Novo e Seu Futuro”. Duas Testemunhas desenvolveram o tema, destacando as facetas da nova personalidade e o propósito de Jeová para com a terra. Este discurso resultou mais tarde num convite para apresentar uma série de nove discursos sobre os ensinamentos das Testemunhas de Jeová. Entre os estudantes, achava-se a rainha Sofia da Espanha, que prestou muita atenção aos argumentos, fez anotações, e participou plenamente nos diálogos depois de cada discurso. Depois do discurso sobre a alma e sobre o inferno de fogo, a rainha disse que nunca conhecera alguém que usasse a Bíblia com tanto conhecimento e facilidade para responder a perguntas de toda sorte. “Para cada assunto parecem ter a resposta na sua Bíblia”, comentou ela.
Essas conferências criaram grande interesse, e a última, sobre “O Sangue, a Medicina e a Lei de Deus”, foi feita por causa do interesse especial da rainha sobre o assunto, embora o curso já tivesse terminado. Esse último discurso foi proferido por um irmão patologista na presença de diversos clérigos e médicos, e assim se deu um testemunho bom e explícito.
EXPANSÃO EM BETEL
Desde o começo, já se sabia que o prédio original da filial, à rua Pardo, N.º 65, não seria suficientemente grande para a expansão futura. Mas, em vista da incerteza em 1970 quanto à aplicação da liberdade religiosa, achou-se que seria melhor um começo em pequena escala. Desde então, a Sociedade comprou mais três apartamentos situados na esquina do mesmo quarteirão, sendo usados como alojamento para quinze membros da família de Betel. Em 1975, a Sociedade adquiriu também uma grande propriedade com armazém, a uma distância de apenas duas quadras, e isso tem sido uma bênção para o departamento de expedição que já estava com grandes problemas de estocagem de literatura. Podia-se ter então estoque suficiente para cerca de dois anos de atividade de pregação, prevenindo-se assim de dificuldades que poderiam surgir por causa de greves ou outros conflitos.
Para atender melhor às necessidades das congregações das Ilhas Canárias, um arquipélago ao largo da costa ocidental da África, a Sociedade comprou um depósito e um pequeno apartamento em Santa Cruz de Tenerife. Desta maneira, as vinte e cinco congregações localizadas nas seis ilhas maiores recebem seus livros e suas revistas desse depósito.
UM GRANDE TRABALHO RESTA A FAZER
Reconhece-se que um tremendo trabalho resta a fazer na Espanha. Calcula-se que aproximadamente um milhão de espanhóis ainda não foram alcançados com as boas novas de maneira regular. As fileiras dos pioneiros especiais estão aumentando, e há atualmente mais de 600 pregando especialmente nos territórios de maior necessidade em Estremadura, Andaluzia, Galiza e nas Astúrias.
Em alguns casos, há necessidade de grande persistência e coragem para perseverar nesses lugares. Por exemplo, em junho de 1976, na cidade de Iecla, uma irmã foi assassinada pelo seu marido fanático, depois de ter ameaçado a ela e os irmãos, tendo até mesmo usado de violência física contra os pioneiros especiais ali. Esse homicídio ocorreu apenas nove dias depois da inauguração do Salão do Reino. Mais tarde, veio uma turba de amotinados e quebrou as janelas do Salão do Reino, jogando tinta vermelha na fachada, e, daí, deixando na porta uma inscrição que acusava falsamente os irmãos de serem “Filhos da Pasionaria” (uma famosa oradora comunista).
Pouco depois, um jovem começou a freqüentar as reuniões tratava-se, porém, de um membro da turba de delinqüentes da cidade. Mas, ele aceitou a verdade, mudou seu modo de vida e foi batizado. Isto serviu para dar testemunho a muitos de seus amigos e parentes que ficaram surpresos com a mudança de seu coração. Por exemplo, um dia, outro jovem veio a uma reunião e disse que queria saber o que as Testemunhas haviam feito a um dos seus amigos (o ex-delinqüente, agora batizado), que era malvado, mas, agora, mais manso do que um cordeiro. Embora esteja agora estudando e assistindo às reuniões, este segundo jovem era membro da turba que havia jogado a tinta vermelha na fachada do Salão do Reino.
Já se passaram uns 1923 anos desde que Paulo escreveu aos Romanos: “Quando eu estiver em caminho para a Espanha, espero, acima de tudo. . . poder ver-vos.” (Rom. 15:24) Do lugar que Paulo ocupa agora nos céus, ele se regozija, sem dúvida, de ver o paraíso espiritual tão evidente entre seus irmãos cristãos do século vinte neste país encantador e hospitaleiro. Não sabemos quanto tempo resta para este sistema de coisas, mas, se for da vontade de Jeová, esperamos mais aumento na Espanha, e fazemos planos para maior expansão. O Corpo Governante aprovou a construção de um novo lar de Betel e oficina gráfica perto de Barcelona. Isto permitirá a impressão de nossas revistas na Espanha, e aumento futuro.
Todos os louvores e agradecimentos sejam dados a Jeová Deus, por meio de Cristo Jesus, pelos excelentes resultados obtidos por meio dos atos das testemunhas cristãs de Jeová na Espanha dos tempos atuais.
[Mapa na página 136]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
ESPANHA
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La Línea
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ANDORRA
ILHAS BALEARES
PORTUGAL