Que dizer dos “textos que provam” a Trindade?
AFIRMA-SE que alguns textos bíblicos fornecem prova em favor da Trindade. Contudo, ao ler tais textos, devemos ter em mente que a evidência bíblica e histórica não apóia a Trindade.
Qualquer referência bíblica apresentada como prova precisa ser entendida dentro do contexto do coerente ensino da Bíblia inteira. Muitíssimas vezes o verdadeiro significado de textos assim é esclarecido pelo contexto dos versículos circundantes.
Três em Um
A Nova Enciclopédia Católica apresenta três de tais “textos que provam”, mas também admite: “A doutrina da Santíssima Trindade não é ensinada no A[ntigo] T[estamento]. No N[ovo] T[estamento], a mais antiga evidência se encontra nas epístolas paulinas, especialmente 2 Cor 13.13 [versículo 14 em algumas Bíblias], e 1 Cor 12.4-6. Nos Evangelhos, a evidência da Trindade se encontra explicitamente apenas na fórmula batismal de Mt 28.19.”
Nesses versículos, as três “pessoas” são alistadas do seguinte modo em A Bíblia de Jerusalém. A Segunda aos Coríntios 13:13 (14) põe os três juntos da seguinte maneira: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!” A Primeira aos Coríntios 12:4-6 diz: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.” E Mateus 28:19 reza: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”
Dizem esses versículos que Deus, Cristo e o espírito santo constituem uma Divindade Trina, que os três são iguais em substância, poder e eternidade? Não, não dizem, assim como o fato de alistar três pessoas, como fulano, sicrano e beltrano não significa que sejam três em um.
Esse tipo de referência, admite a Cyclopedia of Biblical, Theological, and Ecclesiastical Literature (Ciclopédia de Literatura Bíblica, Teológica e Eclesiástica), de McClintock e Strong, “apenas prova que existem os três personagens mencionados, . . . mas não prova, em si mesmo, que todos os três pertençam necessariamente à natureza divina, e possuam igual honra divina”.
Embora apóie a Trindade, essa fonte diz sobre 2 Coríntios 13:13 (14): “Não podemos com justiça inferir que elas possuíam igual autoridade, ou a mesma natureza.” E sobre Mateus 28:18-20 diz: “Este texto, contudo, tomado isoladamente, não prova decisivamente nem a personalidade dos três personagens mencionados, nem a sua igualdade ou divindade.”
Quando Jesus foi batizado, Deus, Jesus e o espírito santo também foram mencionados no mesmo contexto. Jesus “viu o espírito de Deus descendo sobre ele como pomba”. (Mateus 3:16) Isto, porém, não diz que os três sejam um. Abraão, Isaque e Jacó são mencionados juntos numerosas vezes, mas isso não os torna um. Pedro, Tiago e João são mencionados juntos, o que tampouco os torna um. Ademais, o espírito de Deus desceu sobre Jesus por ocasião de seu batismo, indicando que Jesus não fora ungido com o espírito até aquele momento. Sendo assim, como poderia ele ser parte duma Trindade em que sempre fosse um com o espírito santo?
Outra referência que fala dos três juntos se encontra em algumas traduções bíblicas mais antigas, em 1 João 5:7. Os peritos reconhecem, porém, que estas palavras não se encontravam originalmente na Bíblia, mas foram adicionadas muito mais tarde. A maioria das traduções modernas corretamente omite a parte espúria desse versículo.
Outros “textos que provam” dizem respeito apenas à relação entre dois — o Pai e Jesus. Consideremos alguns deles.
“Eu e o Pai Somos Um”
ESTE texto, em João 10:30, é muitas vezes citado para apoiar a Trindade, embora não se mencione ali uma terceira pessoa. Mas o próprio Jesus mostrou o que quis dizer por ser “um” com o Pai. Em João 17:21, 22, ele orou a Deus em favor de seus discípulos, dizendo: “Que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em união comigo e eu estou em união contigo, para que eles também estejam em união conosco, . . . a fim de que sejam um, assim como nós somos um.” Estava Jesus orando para que todos os seus discípulos se tornassem uma única pessoa? Não, Jesus obviamente orava para que fossem unidos em pensamento e em propósito, como ele e Deus eram. — Veja também 1 Coríntios 1:10.
Em 1 Coríntios 3:6, 8, Paulo diz: “Eu plantei, Apolo regou . . . Quem planta e quem rega é um só.” Paulo não queria dizer que ele e Apolo eram duas pessoas em uma; ele quis dizer que eles estavam unidos em propósito. A palavra grega que Paulo usou ali para “um” (hen) é neutra, literalmente “uma só (coisa)”, indicando unicidade de cooperação. É a mesma palavra que Jesus usou em João 10:30 para descrever a sua relação com o seu Pai. É também a mesma palavra usada por Jesus em João 17:21, 22. Assim, quando ele usou a palavra “um” (hen) nestes casos, ele falava a respeito de união de pensamento e de propósito.
A respeito de João 10:30, João Calvino (que era trinitarista) disse no livro Commentary on the Gospel According to John (Comentário do Evangelho Segundo João): “Os antigos usaram mal essa passagem para provar que Cristo é . . . da mesma essência que o Pai. Pois Cristo não argumenta a respeito da unidade em substância, mas sim a respeito do estado de concordância dele com o Pai.”
No próprio contexto dos versículos depois de João 10:30, Jesus enfaticamente argumentou que as suas palavras não eram uma afirmação de que ele era Deus. Ele perguntou aos judeus que erroneamente tiraram essa conclusão e queriam apedrejá-lo: “Como dizeis de quem o Pai santificou e enviou ao mundo: ‘Blasfemas!’ porque eu disse: ‘Sou Filho de Deus’?” (João 10:31-36, BV) Não, Jesus não afirmou que ele era Deus, mas sim o Filho de Deus.
“Fazendo-se Igual a Deus”?
OUTRO texto apresentado em apoio da Trindade é João 5:18. Diz que os judeus (como em João 10:31-36) queriam matar Jesus porque “também chamava a Deus de seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”.
Mas, quem disse que Jesus estava fazendo-se igual a Deus? Não foi Jesus. Ele se defendeu contra essa falsa acusação logo no versículo seguinte (João 5:19): “Retomando a palavra, Jesus lhes disse: ‘ . . . o Filho, por si mesmo, nada pode fazer mas só aquilo que vê o Pai fazer.’” — BJ.
Com isso, Jesus mostrou aos judeus que ele não era igual a Deus e que, por conseguinte, não podia agir por iniciativa própria. Podemos imaginar alguém igual ao Deus Todo-poderoso dizer que, “por si mesmo, nada pode fazer”? (Compare com Daniel 4:34, 35.) É curioso que o contexto tanto de João 5:18 como de João 10:30 mostra que Jesus se defendeu contra acusações falsas de judeus que, como os trinitaristas, estavam tirando falsas conclusões!
“Igual a Deus”?
EM FILIPENSES 2:6 a católica Douay Version (Versão Douay [Dy]), de 1609, diz a respeito de Jesus: “O qual, sendo em forma de Deus, achou não ser roubo ser igual a Deus.” A King James Version (Versão Rei Jaime [KJ]), de 1611, diz basicamente o mesmo. Várias traduções similares ainda são usadas por alguns para apoiar a idéia de que Jesus era igual a Deus. Mas, note como outras versões traduziram esse versículo:
1869: “o qual, sendo em forma de Deus, não achou que ter igualdade com Deus fosse algo de que devesse apossar-se.” The New Testament, de G. R. Noyes.
1965: “Ele — realmente de natureza divina! — nunca se fez, com auto-confiança, igual a Deus.” Das Neue Testament, edição revisada, de Friedrich Pfäfflin.
1968: “o qual, embora sendo em forma de Deus, não achou que ser igual a Deus fosse algo do que gananciosamente se apoderar.” La Bibbia Concordata.
1973: “Ele sempre teve a mesma natureza de Deus, mas não tentou ser, pela força, igual a Deus.” A Bíblia na Linguagem de Hoje.
1985: “O qual, sendo em forma de Deus, não achou que a igualdade com Deus fosse algo do que se apossar.” The New Jerusalem Bible.
1986: “o qual, embora existisse em forma de Deus, não deu consideração a uma usurpação, a saber, que devesse ser igual a Deus.” Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas.
Contudo, alguns afirmam que até mesmo essas traduções mais exatas significam que (1) Jesus já tinha igualdade, mas não desejava retê-la, ou que (2) ele não necessitava usurpar a igualdade porque já a tinha.
Sobre isso, Ralph Martin, em The Epistle of Paul to the Philippians (A Epístola de Paulo aos Filipenses), diz a respeito do grego original: “É questionável, porém, se o sentido do verbo pode desviar de seu sentido real de ‘usurpar’, ‘arrebatar violentamente’, para o de ‘reter com firmeza’.” The Expositor’s Greek Testament (Testamento Grego do Expositor) diz também: “Não encontramos passagem alguma em que ἁρπάζω [har·pá·zo] ou qualquer um de seus derivativos tenha o sentido de ‘conservar a posse’, ‘reter’. Parece invariavelmente significar ‘usurpar’, ‘arrebatar violentamente’. Assim, não é permissível desviar o verdadeiro sentido de ‘apossar-se de’ para o sentido totalmente diferente de ‘reter’.”
Do acima fica evidente que os tradutores de versões como a Douay e a Rei Jaime violam as regras para apoiar objetivos trinitaristas. Longe de dizer que Jesus achava ser apropriado ser igual a Deus, o grego, em Filipenses 2:6, ao ser lido objetivamente, mostra justamente o contrário, isto é, que Jesus não achava que isso era apropriado.
O contexto dos versículos circundantes (Filipenses 2:3-5, 7, 8, Dy) esclarece como o Filipenses 2 versículo 6 deve ser entendido. Instou-se aos filipenses: “Em humildade, que cada um considere os outros melhores do que a si mesmo.” Daí, Paulo usa Cristo como notável exemplo dessa atitude: “Exista em vós esta mente, que também existia em Cristo Jesus.” Que “mente”? ‘Achar não ser roubo ser igual a Deus’? Não, isso seria exatamente o contrário do argumento que estava sendo apresentado! Ao contrário, Jesus, que ‘reputava a Deus como sendo melhor do que ele’, jamais ‘se apossaria da igualdade com Deus’, mas, em vez disso, “humilhou-se, tornando-se obediente até a morte”.
Por certo, não se poderia dizer isso a respeito de uma parte do Deus Todo-poderoso. Falava-se a respeito de Jesus Cristo, que ilustrou com perfeição o argumento de Paulo ali — a saber, a importância da humildade e da obediência àquele que é o Superior e Criador, Jeová Deus.
“Eu Sou”
EM JOÃO 8:58, várias traduções, como A Bíblia de Jerusalém, apresentam Jesus como dizendo: “Antes que Abraão existisse, EU SOU.” Ensinava Jesus ali, como afirmam os trinitaristas, que ele era conhecido pelo título “Eu Sou”? E, como afirmam, significa isso que ele era o Jeová das Escrituras Hebraicas, visto que a versão Almeida (Al) diz em Êxodo 3:14: “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU”?
Em Êxodo 3:14 (Al) a expressão “EU SOU” é usada como título para Deus, para indicar que ele realmente existia e que cumpriria o que prometera. O The Pentateuch and Haftorahs (O Pentateuco e as Haftorás), editado pelo Dr. J. H. Hertz, diz sobre essa expressão: “Para os israelitas em cativeiro, o significado seria ‘Embora Ele ainda não tenha demonstrado Seu poder para convosco, Ele assim o fará; Ele é eterno e certamente vos redimirá.’ A maioria dos [tradutores] modernos segue Rashi [comentarista francês da Bíblia e do Talmude] ao traduzir [Êxodo 3:14] ‘Eu serei o que eu serei’.”
A expressão em João 8:58 é muito diferente daquela usada em Êxodo 3:14. Jesus não a usou como nome ou título, mas sim como maneira de explicar a sua existência pré-humana. Assim, note como outras traduções bíblicas vertem João 8:58:
1869: “Desde antes de Abraão existir, eu tenho existido.” The New Testament, de G. R. Noyes.
1935: “Eu já existia antes de Abraão nascer!” The Bible—An American Translation, de J. M. P. Smith e E. J. Goodspeed.
1965: “Antes de Abraão ter nascido, eu já era aquele que eu sou.” Das Neue Testament, de Jörg Zink.
1978: “Antes de Abraão nascer, já eu era aquele que sou.” O Novo Testamento, Interconfessional.
1986: “Antes de Abraão vir à existência, eu tenho sido.” Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas.
Assim, a verdadeira idéia do grego usado aqui é que o “primogênito” de Deus, Jesus, que foi criado, já existia muito antes de Abraão nascer. — Colossenses 1:15; Provérbios 8:22, 23, 30; Revelação (Apocalipse) 3:14.
De novo, o contexto mostra que esse é o entendimento correto. Nessa ocasião, os judeus queriam apedrejar a Jesus por este ter afirmado ‘ter visto a Abraão’, ainda que, como disseram, ele ainda não tivesse 50 anos de idade. (Versículo 57 de João 8) A resposta natural de Jesus seria dizer a verdade a respeito de sua idade. Assim, ele disse, com naturalidade, que “antes de Abraão nascer, já eu era aquele que sou.” — O Novo Testamento, Interconfessional.
“A Palavra Era Deus”
EM JOÃO 1:1, a versão Almeida diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” Os trinitaristas afirmam que isso significa que “o Verbo” [ou, “a Palavra”] (grego: ho ló·gos) que veio à terra como Jesus Cristo era o próprio Deus Todo-poderoso.
Note, porém, que novamente neste caso o contexto estabelece a base para o entendimento correto. Até mesmo a versão Almeida diz: “O Verbo estava com Deus.” (O grifo é nosso.) Alguém que está “com” outra pessoa não pode ser ao mesmo tempo aquela outra pessoa. De acordo com isso, a Journal of Biblical Literature (Revista de Literatura Bíblica), editada pelo jesuíta Joseph A. Fitzmyer, observa que se a última parte de João 1:1 fosse interpretada como significando “o” Deus, isso “contradiria a expressão anterior” que diz que a Palavra [ou, o Verbo] estava com Deus.
Note, também, como outras versões traduziram esta parte do versículo:
1808: “e a palavra era um deus.” The New Testament in an Improved Version, Upon the Basis of Archbishop Newcome’s New Translation: With a Corrected Text.
1864: “e um deus era a palavra.” The Emphatic Diaglott, versão interlinear, de Benjamin Wilson.
1928: “e a Palavra era um ser divino.” La Bible du Centenaire, L’Evangile selon Jean, de Maurice Goguel.
1935: “e a Palavra era divina.” The Bible—An American Translation, de J. M. P. Smith e E. J. Goodspeed.
1946: “e a Palavra era de espécie divina.” Das Neue Testament, de Ludwig Thimme.
1950: “e a Palavra era [um] deus.” Tradução do Novo Mundo das Escrituras Gregas Cristãs.
1958: “E a Palavra era um Deus.” The New Testament, de James L. Tomanek.
1975: “e um deus (ou: da espécie divina) era a Palavra.” Das Evangelium nach Johannes, de Siegfried Schulz.
1978: “e da sorte semelhante a Deus era o Logos.” Das Evangelium nach Johannes, de Johannes Schneider.
Em João 1:1 ocorre duas vezes o substantivo grego the·ós (deus). A primeira ocorrência se refere ao Deus Todo-poderoso, com quem a Palavra estava (“e a Palavra [ló·gos] estava com Deus [uma forma de the·ós]”). Este primeiro the·ós é precedido pela palavra ton (o), uma forma do artigo definido grego que aponta para uma identidade distinta, neste caso o Deus Todo-poderoso (“e a Palavra estava com o Deus”).
Por outro lado, não existe artigo antes do segundo the·ós, em João 1:1. Assim, uma tradução literal seria “e deus era a Palavra”. Todavia, temos visto que muitas versões traduzem este segundo the·ós (um substantivo predicativo) como “divino”, “semelhante a Deus”, ou “um deus”. Com que autoridade fazem isso?
A língua grega coiné tinha artigo definido (“o”), mas não tinha artigo indefinido (“um”). Assim, quando um substantivo predicativo não é precedido por artigo definido, pode ser indefinido, dependendo do contexto.
A Revista de Literatura Bíblica diz que expressões “com um predicativo anartro [sem artigo] precedendo ao verbo, têm primariamente sentido qualificativo”. Como diz a Revista, isto indica que o ló·gos pode ser assemelhado a um deus. Diz também a respeito de João 1:1: “A força qualitativa do predicado se destaca tanto que o substantivo [the·ós] não pode ser considerado como determinativo.”
Assim, João 1:1 destaca a qualidade da Palavra, que ela era “divina”, “semelhante a deus”, “um deus”, mas não o Deus Todo-poderoso. Isto se harmoniza com o restante da Bíblia, que mostra que Jesus, ali chamado de “a Palavra” em seu papel de Porta-voz de Deus, era um subordinado obediente enviado à terra por seu Superior, o Deus Todo-poderoso.
Há muitos outros versículos bíblicos nos quais quase todos os tradutores em outras línguas coerentemente inserem o artigo “um” ao traduzirem sentenças gregas com a mesma estrutura. Por exemplo, em Marcos 6:49, quando os discípulos viram Jesus andar sobre a água, a versão Almeida, atualizada (ALA), diz: “Pensaram tratar-se de um fantasma.” No grego coiné não existe “um” antes de fantasma. Mas, quase todas as traduções em outras línguas acrescentam “um” para que a tradução se ajuste ao contexto. Do mesmo modo, visto que João 1:1 mostra que a Palavra estava com “Deus”, a Palavra não podia ser Deus, mas sim “um deus”, ou “divina”.
Joseph Henry Thayer, teólogo e perito que trabalhou na American Standard Version (Versão Padrão Americana), diz simplesmente: “O Logos era divino, não o próprio Ser divino.” E o jesuíta John L. McKenzie escreveu em seu Dictionary of the Bible (Dicionário da Bíblia): “Jo 1:1 deve rigorosamente ser traduzido . . . ‘a palavra era um ser divino’.”
Violando Uma Regra?
ALGUNS afirmam, porém, que tais traduções violam uma regra da gramática do grego coiné publicada pelo perito em grego E. C. Colwell, em 1933. Ele afirmou que em grego o substantivo predicativo “tem o artigo [definido] quando segue ao verbo; não tem o artigo [definido] quando precede ao verbo”. Com isso ele quis dizer que um substantivo predicativo que precede o verbo deve ser entendido como se tivesse o artigo definido (“o”) na frente dele. Em João 1:1 o segundo substantivo (the·ós), o predicado, precede o verbo — “e [the·ós] era a Palavra”. Assim, afirmou Colwell, João 1:1 deve rezar “e [o] Deus era a Palavra”.
Mas, considere apenas dois exemplos encontrados em João 8:44. Ali Jesus disse a respeito do Diabo: “Esse foi um homicida” e ele “é um mentiroso”. Assim como em João 1:1, os substantivos predicativos (“homicida” e “mentiroso”) precedem os verbos (“foi” e “é”) no grego. Não existe artigo indefinido na frente desses substantivos porque não havia artigo indefinido no grego coiné. Mas a maioria das traduções insere a palavra “um” [expressa ou subentendida] porque a gramática grega e o contexto o exigem. — Veja também Marcos 11:32; João 4:19; 6:70; 9:17; 10:1; 12:6.
Colwell teve de reconhecer isso a respeito do substantivo predicativo, pois ele disse: “É indefinido [“um”] nessa colocação apenas quando o contexto o exige.” Assim, ele mesmo admite que quando o contexto o exige, os tradutores podem inserir um artigo indefinido na frente do substantivo nesse tipo de construção de frase.
Exige o contexto um artigo indefinido [expresso ou subentendido] em João 1:1? Sim, pois o testemunho da inteira Bíblia é que Jesus não é o Deus Todo-poderoso. Assim, não a questionável regra gramatical de Colwell, mas sim o contexto deve guiar o tradutor nestes casos. E, o fato de que muitas traduções [em outras línguas] inserem o artigo indefinido “um” em João 1:1 e em outros lugares, torna evidente que muitos peritos discordam com tal regra artificial, como também o faz a Palavra de Deus.
Não Há Conflito
SERÁ que dizer que Jesus Cristo é “um deus” se conflita com o ensino bíblico de que existe um único Deus? Não, pois às vezes a Bíblia emprega esse termo para referir-se a criaturas poderosas. O Salmo 8:5 diz: “Também passaste a fazê-lo [o homem] um pouco menor que os semelhantes a Deus [hebraico: ’elo·hím]”, isto é, anjos. Na defesa de Jesus contra a acusação dos judeus, de que ele afirmava ser Deus, ele notou que a Lei “chama de deuses aqueles aos quais a palavra de Deus foi dirigida”, isto é, a juízes humanos. (João 10:34, 35, BJ; Salmo 82:1-6) Até mesmo Satanás é chamado de “o deus deste sistema de coisas”, em 2 Coríntios 4:4.
Jesus tem uma posição bem superior à de anjos, homens imperfeitos, ou Satanás. Visto que estes são chamados de “deuses”, poderosos, certamente Jesus pode ser e é “um deus”. Por causa de sua posição ímpar em relação a Jeová, Jesus é um “Deus Poderoso”. — João 1:1; Isaías 9:6.
Mas, não indica “Deus Poderoso”, com iniciais maiúsculas, que Jesus é em algum sentido igual a Jeová Deus? De modo algum. Isaías meramente profetizou que esse seria um dos quatro nomes pelos quais Jesus seria chamado, e na língua portuguesa tais nomes são escritos com iniciais maiúsculas. Ainda assim, embora Jesus fosse chamado de “Poderoso”, pode haver apenas um só “Todo-poderoso”. Chamar a Jeová Deus de “Todo-poderoso” pouco significaria se não existissem outros que também são chamados de deuses, que, no entanto, ocupam uma posição inferior.
O Boletim da Biblioteca John Rylands, da Inglaterra, diz que, segundo o teólogo católico Karl Rahner, ao passo que the·ós é usado em textos como João 1:1 com referência a Cristo, “em nenhum desses exemplos ‘theos’ é usado de tal modo que identifique Jesus com aquele que em todas as outras partes no Novo Testamento aparece como ‘ho Theos’, isto é, o Deus Supremo”. E o Boletim acrescenta: “Se os escritores do Novo Testamento criam que fosse vital que o fiel devesse confessar a Jesus como ‘Deus’, será que a quase total ausência de justamente essa forma de confissão no Novo Testamento é explicável?”
Mas, que dizer da exclamação do apóstolo Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!”, feita a Jesus, em João 20:28? Para Tomé, Jesus era como “um deus”, especialmente nas circunstâncias miraculosas que provocaram essa sua exclamação. Alguns peritos sugerem que Tomé talvez estivesse simplesmente fazendo uma exclamação emocional de assombro, falando a Jesus, mas dirigindo-se a Deus. Seja como for, Tomé não pensava que Jesus fosse o Deus Todo-poderoso, pois ele e todos os outros apóstolos sabiam que Jesus jamais afirmou ser Deus, mas ensinou que apenas Jeová é “o único Deus verdadeiro”. — João 17:3.
De novo, o contexto ajuda-nos a entender isso. Alguns dias antes, o ressuscitado Jesus havia dito a Maria Madalena que dissesse aos discípulos: “Eu ascendo para junto de meu Pai e vosso Pai, e para meu Deus e vosso Deus.” (João 20:17) Apesar de que Jesus já tivesse sido ressuscitado como poderoso espírito, Jeová ainda era seu Deus. E Jesus continuou a referir-se a Ele como tal, mesmo no último livro da Bíblia, depois que foi glorificado. — Revelação 1:5, 6; 3:2, 12.
Apenas três versículos depois da exclamação de Tomé, em João 20:31, a Bíblia esclarece adicionalmente o assunto, dizendo: “Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”, não o Deus Todo-poderoso. E a Bíblia quer dizer “Filho” em sentido literal, como no caso de um pai e seu filho, não como uma misteriosa parte duma Divindade Trina.
Precisa Harmonizar-se com a Bíblia
AFIRMA-SE que vários outros textos bíblicos apóiam a Trindade. Mas, estes são similares aos considerados acima, no sentido de que, quando examinados cuidadosamente, não oferecem apoio real algum. Tais textos apenas ilustram que, ao se considerar algum pretenso apoio à Trindade, deve-se perguntar: Harmoniza-se a interpretação com o coerente ensino da Bíblia inteira — de que apenas Jeová Deus é Supremo? Se não, a interpretação deve estar errada.
Também temos de ter em mente que nem mesmo um único dos “textos que provam” a Trindade dizem que Deus, Jesus e o espírito santo são um em alguma Divindade misteriosa. Nenhum texto em qualquer parte na Bíblia diz que os três têm a mesma substância, poder e eternidade. A Bíblia é coerente em revelar o Deus Todo-poderoso, Jeová, como único Supremo, Jesus como seu Filho criado, e o espírito santo como a força ativa de Deus.
[Destaque na página 24]
“Os antigos usaram mal [João 10:30] para provar que Cristo é . . . da mesma essência que o Pai.” — Comentário do Evangelho Segundo João, de João Calvino.
[Destaque na página 27]
Alguém que está “com” outra pessoa não pode ao mesmo tempo ser aquela outra pessoa.
[Destaque na página 28]
“O Logos era divino, não o próprio Ser divino.” — Joseph Henry Thayer, perito bíblico.
[Foto nas páginas 24, 25]
Jesus orou a Deus para que seus discípulos fossem ‘todos um’, assim como ele e seu Pai ‘são um’.
[Foto na página 26]
Jesus mostrou aos judeus que ele não era igual a Deus por dizer que ‘nada podia fazer por si mesmo, mas apenas o que via o Pai fazer’.
[Foto na página 29]
Visto que a Bíblia chama humanos, anjos, e até mesmo Satanás de “deus[es]”, ou poderoso[s], o superior Jesus no céu pode corretamente ser chamado de “deus”.