Como suportar o fardo da injustiça
“Só vejo opressão e violência; diante de mim há discórdias e contendas. Por isso se quebranta a lei e se conculca a justiça, porque o ímpio assedia o justo, e o direito é falseado.” — Hab. 1:3, 4, “Missionários Capuchinhos”, 6.ª ed., 1973.
1. Como é a situação dos assuntos humanos muito bem descrita em Eclesiastes 1:15?
OPRESSÃO, injustiça e favoritismo são muito comuns neste mundo. Simplesmente não é possível endireitar uma multidão de coisas defeituosas, e as falhas nos assuntos humanos são inúmeras. Um dos governantes mais sábios dos tempos antigos, o Rei Salomão, disse: “Aquilo que foi feito torto não pode ser endireitado, e aquilo que é carente é que não se pode contar.” — Ecl. 1:15.
EFEITOS AFLITIVOS DE SE PRESENCIAR INJUSTIÇAS
2. O que têm perguntado, às vezes, aqueles que amam a justiça, e por quê?
2 Muitos, por causa de seu senso de justiça, acham muito aflitivo presenciar o aparente bom êxito dos que são desonestos e que não têm nenhuma consideração para com Deus ou o próximo. Iguais ao profeta hebreu Habacuque, outros amantes da justiça às vezes têm perguntado: ‘Por que Deus não faz alguma coisa?’ — Hab. 1:2-4.
3. (a) Como reagiram alguns a aparente prosperidade dos iníquos? (b) Quem era Asafe? (c) O que admitiu ele sobre determinado período de sua vida?
3 Para estes tem sido tão perturbador encarar a injustiça, que alguns servos de Deus passaram a entregar-se a sérias dúvidas sobre o valor de se levar uma vida reta. Isto foi o que aconteceu com Asafe,a destacado músico levita, durante o reinado do Rei Davi. Ele fez composições que por muitos séculos foram usadas na adoração pública. (2 Crô. 29:30) Junto com Hemã e Jedutum, Asafe ‘profetizou com harpas, com instrumentos de cordas e com címbalos’ (1 Crô. 25:1) Tais profecias, evidentemente, envolviam seus louvores e agradecimentos a Deus, ao passo que se acompanhavam com música instrumental. É provável que Asafe, Hemã e Jedutum fizessem isto com sentimento e intensidade caraterísticos dos profetas. Outrossim, suas expressões, ao acompanhamento da música, transmitiam mensagens vitais aos israelitas. Deveras, Asafe era altamente favorecido. Contudo, durante certo período de sua vida, veio a estar em grave perigo espiritual. Num de seus cânticos inspirados, o Salmo 73:2, Asafe admite: “Meus pés quase se tinham apartado, meus passos quase se fizeram escorregar.” — V. 2.
4. Segundo o Salmo 73:3-9, o que vira Asafe, que lhe era aflitivo?
4 O que vira Asafe, para ter tal efeito desequilibrante sobre ele? A resposta é encontrada nas palavras do Salmo 73:3-9. Quando Asafe viu a prosperidade dos iníquos, ficou com inveja. Homens inescrupulosos jactavam-se da riqueza que haviam acumulado por meios fraudulentos; Apesar de sua violação da lei, tudo parecia ir bem para eles. A aparência externa fornecia todos os indícios de que gozavam de paz e segurança. De fato, apesar de seu modo perverso de vida, ‘não tinham dores mortíferas’; até mesmo sua vida parecia ter um fim pacífico, sem a horrível agonia da morte. Tinham bastante alimento e não tinham grandes problemas de saúde para interferir em usufruírem as refeições. Não estavam com os olhos fundos, por falta de alimentação, mas ficaram ‘salientes por causa da gordura’. Estes homens, de maneira desavergonhada, continuavam no seu caminho iníquo. Sua arrogância e altivez eram para eles como ornamento, como “colar”. Eram tantos os seus atos violentos, que ‘os envolviam como um traje’. Estavam sempre revestidos de violência. Sendo bem sucedidos nas suas tramas injustas, “excederam as imaginações do coração”. Isto os incentivava a falarem sobre suas práticas fraudulentas “em estilo elevado”, de maneira arrogante. ‘Punham sua boca nos céus e sua língua andava pela terra.’ Não tinham nenhuma consideração para com alguém no céu ou na terra. Sua língua ficara desenfreada e sua boca proferia o que a língua queria.
5. Como mostram as palavras do Salmo 73:10, 11, que Asafe não era o único a ficar adversamente afetado ao ver que os iníquos conseguiam safar-se com a violação da lei?
5 Pelo visto, Asafe não era o único a ficar adversamente afetado por aquilo que presenciava. Ele prosseguiu, dizendo: “Por isso ele faz seu povo retornar para cá, e fazem-se escorrer para eles as águas daquilo que está cheio. E disseram: ‘Como veio Deus a saber isso? E há conhecimento no Altíssimo?’” (Sal. 73:10, 11) Pensando como os iníquos parecem conseguir safar-se com a sua violação da lei, os justos acham isso muito perturbador. Não conseguem tirá-lo da mente. Lembram-se disso vez após vez. O efeito que produz neles é comparável a terem de tomar uma bebida amarga. Isto os induz a perguntar: ‘Como pode Deus tolerar algo assim? Será que não vê o que está acontecendo?’b
6. O que fez Asafe pensar que servir a Jeová era em vão?
6 Comparando a sua própria sorte com a condição próspera dos iníquos, Asafe exclamou: “Decerto é em vão que purifiquei meu coração e que lavo minhas mãos na própria inocência. E vim a ser afligido o dia inteiro, e minha correção vem cada manhã.” (Sal. 73:12-14) De modo que o salmista começou a pensar realmente que não adiantava levar uma vida reta. Ao passo que os iníquos gozavam de prosperidade, ele era constantemente afligido. Achava que Deus o corrigia e repreendia cada manhã. Os iníquos, porém, pareciam conseguir safar-se com a mais grave das transgressões.
7. O que mostra que o salmista reconheceu o erro de se encarar o serviço a Deus como sendo fútil?
7 Todavia, Asafe deu-se conta de que era errado entregar-se a tais pensamentos. Ele disse: “Se eu me tivesse permitido continuar a falar assim, teria traído a família de Deus. Assim, pus-me a refletir nisso, mas o achei difícil demais para mim.” (Sal. 73:15, 16, Nova Bíblia Inglesa) Sim, o salmista reconheceu que, se achasse que era em vão servir a Deus, significaria na realidade ser desleal aos fiéis. Também, entregar-se ele a uma expressão pública de dúvida poderia minar a fé que outros tinham. Embora procurasse endireitar seu modo de pensar, Asafe simplesmente não podia entender como os iníquos conseguiam safar-se com a sua transgressão, ao passo que os justos sofriam.
COMO EVITAR PERDER O EQUILÍBRIO
8. (a) Aonde foi o salmista para reajustar seu modo de pensar? (b) O que devemos fazer, quando ficamos indevidamente perturbados com algo que vemos?
8 O que fez o salmista para reajustar seu modo de pensar? Asafe foi ao santuário. Ali, entre os adoradores congregados, chegou a reconhecer exatamente o que estava reservado para os iníquos. (Sal. 73:17) De modo similar, se você ficar perturbado com o que vê, procure encontrar as respostas da parte daqueles que estão procurando empenhar-se de todo o coração no serviço de Deus. O que chegou a reconhecer Asafe? Lemos: “De fato, tu [Jeová] os pões em terreno escorregadio. Fizeste que caíssem em ruínas. Como eles num instante se tornaram um assombro! Como chegaram ao seu término, deu-se cabo deles por meio de terrores repentinos! Igual a um sonho depois de acordar, ó Jeová, assim desprezarás a sua própria imagem ao despertar.” — Sal. 73:18-20.
9. Segundo os Salmos 49:6-12 e 73:18-20, o que devemos reconhecer a respeito da aparente prosperidade dos iníquos?
9 Estas palavras do salmista revelam um ponto vital, que pode ajudar-nos a suportar as injustiças dum sistema ímpio. A aparente prosperidade do iníquo é apenas temporária. Visto que a sua vida gira exclusivamente em torno dos bens materiais corrutíveis, eles estão “em terreno escorregadio” e em constante perigo de sofrer um terrível colapso, repentinamente e sem aviso. O mais tardar, sofrerão a morte na velhice, e seu lucro mal adquirido não será de valor algum em garantir-lhes uma vida mais longa. (Sal. 49:6-12) Sua prosperidade será como um sonho que passa depressa. Pode até mesmo acontecer que sejam apanhados pela justiça muito antes de atingirem a velhice. A imutável lei de Deus pode passar a vigorar contra eles: “O que o homem semear, isso também ceifará.” (Gál. 6:7) Visto que viraram as costas ao Altíssimo, o Único que poderia ajudá-los, cairá sobre eles o pleno impacto da calamidade. Ficarão completamente desamparados, sem esperança e consolo. Quando Jeová se levantar assim contra eles, encarará com desprezo a “imagem” deles, sua pompa e posição, como não valendo nada.
10. Relacionado com o aparente bom êxito dos iníquos, de que devemos lembrar-nos com respeito ao propósito de Deus?
10 Portanto, durante o tempo em que a injustiça, a violação da lei e a opressão parecem florescer, nunca devemos esquecer-nos de que os iníquos realmente não conseguem safar-se de nada. Jeová Deus está observando o que está acontecendo, e ele permite que as coisas se resolvam em harmonia com o seu grandioso propósito. Às vezes, quando as pessoas adotam um proceder errado e sofrem em resultado disso, elas caem em si e se voltam para o Criador, em sincero arrependimento. (2 Ped. 3:9) Por outro lado, se se endurecerem no seu proceder mau, tornar-se-á claro para todos os observadores que a execução do julgamento de Deus contra eles e justificada, plenamente justa. — Veja Romanos 9:14-24.
11. Que conceito sobre o tempo nos ajudará a esperar com paciência por Jeová Deus para retificar as injustiças?
11 Para nós, pode parecer que leva muito tempo para se executar justiça nos que merecem a punição. Mas, é um tempo muito curto aos olhos do Deus eterno. A Bíblia diz: “Mil anos aos teus olhos são apenas como o ontem que passou e como uma vigília durante a noite.” (Sal. 90:4) Quão comprido lhe parece hoje o dia de ontem? Pode ter tido um dia difícil, ou pode ter parecido que o dia nunca ia acabar. Agora que já passou, não lhe parece como se aquele dia nunca tivesse existido? Para o Criador, mil anos são assim, de fato, como a curta duração duma vigília de quatro horas durante a noite. Por isso, a duração da vida humana, de apenas 70 ou 80 anos, é virtualmente inexistente aos olhos de Deus. “Findamos os nossos anos como um sussurro”, escreveu o profeta Moisés. (Sal. 90:9) Sim, a brevidade da nossa vida pode ser comparada ao hálito que passa pelos nossos lábios ao sussurrarmos. Quando tomamos em consideração que Jeová Deus promete dar aos seus servos leais uma eternidade de vida feliz em paz e segurança, então mesmo toda uma vida de extremo sofrimento não é coisa alguma. Este conceito pode ajudar-nos a ser pacientes quando ficamos aflitos por termos de enfrentar injustiça, opressão e favoritismo.
12. (a) Qual é a alegação de Satanás a respeito dos homens? (b) Como isso pode ajudar-nos a suportar o fardo da injustiça?
12 Nesta questão ainda entra outro fator. O grande adversário da humanidade, Satanás, o Diabo, afirma que os que servem a Deus são motivados pelo egoísmo. Isto se torna evidente da acusação que Satanás levantou contra Jó: “Tudo o que o homem tem dará pela sua alma. Ao invés disso, estende agora tua mão, por favor, e toca-lhe até o osso e a carne, e vê se não te amaldiçoará na tua própria face.” (Jó 2:4, 5) Por isso, por mantermos nossa lealdade a Deus em face de injustiças, podemos demonstrar a motivação correta de nosso coração, assim como Jó.
13. Como podemos evitar reagir a circunstâncias desfavoráveis da maneira descrita no Salmo 73:21, 22?
13 Se nós mesmos formos vítimas de injustiça, por causa de preconceito ou por recusarmos participar na política, temos de ter cuidado para não reagir à permissão da injustiça, por Deus, apenas à base de sentimentos ou sensações, assim como o animal irracional. Isto poderia amargurar-nos bem no nosso intimo e desequilibrar nosso modo de pensar, induzindo-nos a encarar as coisas puramente de nosso próprio ponto de vista e a cegar-nos para com o propósito de Deus. Isto foi o que aconteceu com Asafe. Ele admitiu: “Meu coração azedou e tive dores agudas nos meus rins, e eu era irracional e nada sabia; tornei-me apenas como os animais, do teu ponto de vista.” — Sal. 73:21, 22.
14. Que relação devemos esforçar-nos a proteger?
14 Não importa o que nós mesmos possamos enfrentar pessoalmente, devemos esforçar-nos arduamente a proteger nossa relação com Jeová Deus, porque o nosso enaltecimento virá dele. Isto é o que o salmista veio a reconhecer. Lemos: “Estou constantemente contigo; seguraste-me a mão direita. Tu me guiarás com o teu conselho e depois me levarás à própria glória. A quem tenho nos céus? E além de ti não tenho outro agrado na terra. Falharam-me o organismo e o coração. Deus é a rocha de meu coração e meu quinhão por tempo indefinido. Pois, eis que perecerão os mesmos que se mantêm longe de ti. Certamente silenciarás a todo aquele que te abandona imoralmente. Quanto a mim, porém, chegar-me a Deus é bom para mim. Pus o meu refúgio no Soberano Senhor Jeová, para declarar todas as tuas obras.” — Sal. 73:23-28.
15. Como nos levará Jeová à glória?
15 Devemos lembrar-nos de que, em nenhuma circunstância, Jeová Deus nos abandonará, se permanecermos fiéis a ele. Estará sempre conosco. O Altíssimo nos tomará pela mão, para conduzir-nos e sustentar-nos. O conselho ou a admoestação de Jeová será nosso guia para um futuro feliz e seguro. Embora possamos sofrer humilhação, por um tempo, Jeová causará uma inversão da situação e nos levará à glória ou honra. Iguais a Asafe, só temos nosso Pai celestial em quem podemos estribar-nos para receber consolo.
16. (a) Em que sentido é Deus uma “rocha” para o nosso coração? (b) Como pode Jeová ser nosso “quinhão”? (c) O que devemos esforçar-nos a fazer em conexão com as obras maravilhosas de Jeová?
16 Termos uma condição aprovada perante Jeová deve ser nosso maior prazer. Mesmo que nosso organismo ou nosso coração nos falhe, Jeová nos fortalecerá. Dará estabilidade ao nosso coração, para que não percamos a esperança e a coragem, em face de adversidade. Deveras, o privilégio de usufruir a intimidade com nosso Pai celestial e poder servi-lo é um quinhão muitíssimo agradável, um bem de valor inestimável. Que nunca o larguemos, visto que isso significaria calamidade para nós, junto com todos os que abandonam a Jeová. Iguais ao salmista, cheguemo-nos a Jeová, confiando todos os nossos cuidados a ele. Isto é bom, porque promoverá nossa felicidade e nosso bem-estar. Outrossim, falemos a outros sobre as obras maravilhosas de Jeová, fortalecendo assim os que porventura tiverem dúvidas.
17. Qual deve ser o ponto focal na nossa vida, e como nos ajudará isso a suportar as injustiças?
17 Deveras, podemos hoje tirar grande proveito do que o salmista registrou sobre a sua própria experiência. Embora as injustiças observadas no atual sistema possam ser perturbadoras, podemos suportar este fardo com bom êxito por fazermos nossa vida girar em torno do serviço prestado a Deus. Se fizermos isso, nossa recompensa estará garantida. (Heb. 6:10) De fato, tão grande será a nossa recompensa que, em comparação, qualquer provação ou tribulação que possamos ter de enfrentar será apenas “momentânea e leve”. — 2 Cor. 4:17.
[Nota(s) de rodapé]
a O nome “Asafe” aparece nos cabeçalhos do Salmo 50 e dos Salmos 73 e 83. Visto que os Salmos 79 e 80 mencionam acontecimentos que ocorreram após o tempo do músico levita Asafe, alguns destes salmos devem ter sido escritos pelos seus descendentes. Por isso, o nome “Asafe”, pelo visto, deve ser entendido como incluindo toda a linhagem que ele iniciou. Não havendo nenhuma indicação no conteúdo do Salmo 73 de que ele seja dum período posterior, podemos concluir que o escritor foi o próprio músico levita, contemporâneo do Rei Davi.
b O texto hebraico também pode ser entendido em outro sentido. Visto que o iníquo parece ser bem sucedido, alguns dentre os servos de Deus adotam um modo corruto de pensar. São levados de volta à mesma maneira de pensar e à mesma condição que o homem contra a lei. Os que assim são desencaminhados dizem, na realidade: ‘Deus não se apercebe do que está acontecendo. Ele não vai agir contra o que é violação da lei.’
[Foto na página 16]
O prazer que até mesmo pessoas corrutas parecem tirar da vida suscita a pergunta: Vale a pena levar uma vida reta?