Terra Nova
Junto à costa leste do Canadá acha-se a ilha, rodeada pelo mar, da Terra Nova. Sendo a décima-sexta maior ilha do mundo, tem menos da metade do tamanho do Reino Unido e tem uma população de 530.000 habitantes. A Terra Nova resplandece de beleza primitiva e agreste, e de sua linha costeira tortuosa, de mais de 9.600 quilômetros de rochedos elevados, penhascos malhados pelas tempestades e perigosas ondas. A população — composta mormente de pescadores, madeireiros e caçadores de peles nos seus dias primitivos — são robustos descendentes dos ingleses, escoceses e irlandeses. Obter a subsistência do mar e do solo rochoso significava verdadeiro teste de perseverança. Dominados por tanto tempo pelos clérigos de várias seitas da cristandade, os terra-novenses, na maior parte, contudo, são dotados de espírito ardentemente independente, conjugado ao respeito por Deus e sua Palavra escrita — por certo um solo adequado para o plantio da mensagem da verdade por parte das hodiernas Testemunhas de Jeová!
Uma das fiéis servas de Deus, Edith Mason, branda senhora de 40 anos, ocupava-se em disseminar a mensagem do Reino na província continental canadense da Nova Escócia no ano de 1914. Apenas uns 145 quilômetros a separavam da Terra Nova, e ela amiúde ficava imaginando o que acontecia com sua gente. ‘Precisam também da mensagem! Quão felizes ela os tornaria!’ Ela conversou com irmãos locais sobre levarem o Fotodrama da Criação até lá. Estava segura de que este filme sonoro, combinado com diapositivos, delineando o propósito de Deus, desde a criação até o reinado milenar de Cristo, seria de benefício para os terra-novenses. Embora a ocasião não parecesse propícia para esse passo, ela continuava pensando nesse assunto.
Daí, certa noite, em tranqüila oração, ela decidiu que iria ser pioneira sozinha ali. Essa resolução havia de ter resultados de longo alcance. Jeová usaria esta corajosa senhora para satisfazer a muitas pessoas famintas pela verdade na Terra Nova. De início, ela não conseguia encontrar ninguém que apreciasse o que tinha a dizer. Mas, vez após vez, quando possuía alguns penses para gastar, ela se sentia atraída à casa do Capitão Gibbon na Colina de Cárter. Eis como ela conta a história:
“Este velho capitão de escuna dirigia uma pensão e apreciava muito conversar com os homens do norte, quando estavam no porto. Muitos dos capitães e comerciantes marítimos que chegavam à capital, vindos dos ‘portos secundários’ se hospedavam na casa dele. Logo descobri que, se fosse à casa do capitão Gibbon para jantar aos domingos, muitos desses homens . . . estariam reunidos junto à sua lareira. Usualmente . . . prevalecia uma atmosfera piedosa, de modo que começava a lhes falar sobre o Reino.” Dois desses homens, jovens pescadores de Cat Harbour ou de Lumsden, pequena aldeia na desolada costa nordeste, eram Eli Parsons e Wesley Howell. Ficaram impressionados com o que ouviam, aceitaram exemplares de Estudos das Escrituras, e os levaram de volta a seus lares distantes.
Acontecia que Wesley Howell era leitor leigo da igreja metodista no lado norte do povoado, e Edgar Gibbons, outro do grupo que obteve publicações da irmã Mason, era leitor leigo da igreja do lado sul. Ambos decidiram que agora realmente dispunham de algo para pregar. Mas, certo dia, o clérigo fez uma visita especial ao escritório comercial de Wesley e comentou amargurado: ‘Você será bem recebido se voltar ao púlpito, mas deixe sua nova religião fora dele!’ Wesley recusou inteiramente isso. O pregador enfurecido redargüiu: ‘Sua família vai amaldiçoá-lo por causa disso’, e se foi desajeitadamente.
Por volta dessa mesma época, a presidente do grupo de Assistência das Senhoras Anglicanas ouviu por acaso a parte concludente dum discurso do irmão A. H. Macmillan, da sede da Sociedade Torre de Vigia (EUA) em Brooklyn, Nova Iorque, sobre um assunto que ela deveria ter conhecido, a saber, a Oração do Pai Nosso. Poucos dias antes de ela morrer, em dezembro de 1970, com a sublime idade de 91 anos, ela recordava aquela noite há muito tempo atrás: “O Salão Laranja estava lotado, mas Wesley Howell conseguiu arranjar lugares para nós. O irmão Macmillan explicava o significado do Pai Nosso, e embora tivesse sido criada num estrito lar da Igreja Anglicana, jamais soubera seu significado. Era como se eu estivesse num calabouço escuro por toda a minha vida e, naqueles poucos instantes, o irmão Macmillan acendesse a luz. Eu reconhecera a verdade apenas por uma parte do último discurso.” Essa anterior presidente das Assistências das Senhoras Anglicanas se tornou a irmã Mary Goodyear.
OBTENDO UM PONTO DE APOIO
Foi nessa época que o irmão Macmillan organizou a primeira congregação do povo de Jeová em Cat Harbour (Lumsden) no ano de 1916. O grupo de estudo bíblico cresceu em número mais de uma dúzia de pessoas, alguns dos participantes caminhando muitos quilômetros sobre praias arenosas e costas acidentadas, até mesmo em tempo tempestuoso.
A irmã Mason, sozinha ali na capital, S. João, ainda planejava e orava para que o Fotodrama fosse trazido à Terra Nova, onde muitas pessoas ainda eram leais à Bíblia. Por meio de fundos providos por amigos do local onde ela antes fora colportora, e com a ajuda dum donativo feito pelo presidente da Sociedade Torre de Vigia (EUA), Charles T. Russell, de seu próprio bolso, ela por fim fez arranjos para que o irmão Black, de Nova Escócia, trouxesse os diapositivos e o equipamento de projeção da Sociedade. Assim, em 5 de maio de 1916, o Fotodrama começou a ser exibido por três semanas em S. João. Tantos eram os cidadãos locais, pescadores e comerciantes visitantes, dos portos secundários e do Labrador que vieram vê-lo, que dificilmente havia lugar para as grandes multidões. Ao todo, 10.825 pessoas assistiram a uma ou a outras das quatorze exibições noturnas e quinze exibições à tarde.
Depois que os irmãos voltaram às suas próprias designações no Canadá ou em outras partes, a irmã Mason decidiu visitar o pequeno grupo de Lumsden. Aproveitou a oportunidade para edificar fortes alicerces para aquela pequena congregação remota. Um bom número dos que, mais tarde, eram publicadores ativos, obtiveram inicialmente apreço pelos propósitos de Deus naquela época.
Ao se passarem os anos, muitos irmãos diferentes visitaram Lumsden para nutrir e fortalecer o grupo crescente. Todo o mundo se lembra do tempo em que o irmão Clifford Roberts veio visitá-los do “continente”. Um senhor idoso do povoado, que sofria do coração, não conseguiria suportar a longa caminhada até o Salão Laranja para ouvir o discurso público do visitante. Para grande surpresa de todos, este idoso cavalheiro fez arranjos para que se usasse o prédio da igreja local, e ali o irmão Roberts falou a uma assistência de centenas de pessoas. Ao progredir o discurso, foi momentaneamente interrompido por um senhor que surgiu no fundo da igreja, gritando: “Este grupo tomou conta da minha igreja!” Na conclusão, o senhor idoso mencionou que ele tinha esperado viver o bastante para ouvir a verdade ser pregada na igreja; naquele dia, as suas esperanças se tinham realizado.
A irmã Josephina Parsons, daquela área, recorda-se da visita do irmão John Cutforth, um dos “peregrinos” como eram então conhecidos os representantes viajantes da Sociedade. Ela reprime o riso ao relatar este incidente engraçado: “Amiúde ficamos imaginando como John se sentiu quando solicitou uma cama ao senhor da pensão, e a resposta foi: ‘Acho que não temos uma bastante comprida para o Sr.’ Sabem, o irmão Cutforth tinha mais de um metro e oitenta.”
Lembra-se daquela predição do clérigo de que a família de Wesley Howell o amaldiçoaria por se ter desviado dos ensinos da cristandade? Ao invés disso, colheu resultado abençoado. Atualmente, vários filhos, netos e bisnetos daqueles iniciais crentes na verdade bíblica podem ser achados entre as fileiras dos pioneiros na Terra Nova.
Em 1945, cerca de uma dúzia de Testemunhas ativas foram organizadas numa congregação em Lumsden Sul. No mesmo ano, a congregação Lumsden Norte converteu o segundo andar da “Loja Cooper” num Salão do Reino. Daí, em 1947, o primeiro Salão do Reino em Lumsden Sul foi construído. Bem adiante em “Straight Shore” (Praia Direita, assim chamada pela falta de baía) acham-se as congregações de Musgrave Harbour e Aspen Cove. Estas se compõem dos descendentes naturais, e muitos descendentes espirituais, também, das Testemunhas originais em Cat Harbour ou Lumsden.
A PREGAÇÃO NOS PRIMEIROS TEMPOS
A atividade de pregação naqueles dias iniciais revela o amor, a coragem e a tenacidade dos pregadores das boas novas. Não havia estradas, mas apenas algumas trilhas estreitas. Na década de 1930 e de 1940, muitas viagens tinham de ser feitas de barco, em mares agitados e tempo inclemente. As Testemunhas amiúde ficavam mareadas. Uma das filhas de Wesley Howell relata a seguinte experiência: “Depois duma viagem de barco de quinze milhas até Wesleyville, andávamos os oito quilômetros até Templeman. Isto não era fácil, ao nos arrastarmos por trilhas rochosas, debatendo-nos através de pantanais úmidos e com nascentes d’água, carregados duma pasta [de publicações] em uma das mãos e um fonógrafo na outra. Muitas vezes, colocávamos nossos fonógrafos como alpendres então nos debatíamos com nossas pastas para conseguir retirar nossos corpos cansados do pantanal. . . . Em muitas localidades, grupos de rapazes que vaiavam, costumavam seguir-nos enquanto íamos a diferentes casas para tocar os discursos. Um desses jovens ex-zombadores se tornou superintendente em Lumsden. Seus pais idosos, junto com sua esposa e sua família, são Testemunhas de Jeová. Dois de seus filhos estão no serviço de tempo integral.”
O que estavam fazendo a irmã Edith Mason e sua colega, irmã Whitmore, desde que ouvimos falar delas pela última vez? Em 1918, o clero da cristandade aproveitava-se da febre de guerra para livrar-se de uma vez por todas, segundo imaginavam, dos pestíferos Estudantes da Bíblia. Podemos ter idéia dos esforços ridículos a que chegavam através do que essas inofensivas senhoras missionárias contam de suas experiências: “A Terra Nova era o último ponto no continente da América do Norte e, dali, a Estação Transatlântica Marconi servia as nações aliadas no Atlântico e do outro lado do mar. Daí, alguém tentou balear o operador da Marconi. Por vários meses, tínhamos sido chamadas de espiãs. Eu e a irmã Whitmore fomos amiúde acusadas de ser agentes secretas alemãs, e fomos [acusadas] de portar armas sob nossos vestidos. As pessoas eram suspeitosas e cheias de medo. Daí, em 1.º de setembro de 1918, deportaram-nos como suspeitas no caso Marconi.” Naturalmente, as irmãs eram inteiramente inocentes.
Nos anos de 1919 a 1923, as congregações continuaram a crescer lentamente: um pequeno grupo em Port Union, cinco pessoas em S. João e o grupo de Lumsden. Nessa última área, tinha-se chegado a um ponto em que o clero não mais a visitava; seus rebanhos tinham sido despojados. Em 1924, a perseverante irmã Mason retornou a S. João, desta feita determinada a trabalhar a ilha toda de ferrovia, chamada “Newfie Bullet” ou pelos barcos que paravam nos portos secundários da ilha.
Eis como ela nos conta isso: “No verão setentrional de 1924, indo até 1925, viajei por grande parte do país. Às vezes ia nos barcos postais do governo, o Susa, Prospect, Clyde ou Portia. Toda vez ficava terrivelmente mareada. Outras vezes, pegava uma escuna de porto em porto. Desembarcavam-me a qualquer hora da noite em algum molhe insignificante, ao passo que uma solitária buzina de cerração me servia como companhia. Eu levava meus livros em barris de farinha e açúcar, de modo que amiúde passava a noite arrumando as embalagens e separando-as, para que pudesse cobrir a enseada e ir para a seguinte. . . . Com freqüência, tinha de acordar às quatro da manhã para pegar uma carona num barco.”
Junto com outra companheira, desta vez a irmã Ann Dowden, de Halifax, a irmã Mason labutou por todo o verão e inverno setentrionais de 1926, velejando pela costa da Terra Nova, pregando o Reino em toda oportunidade. Daí, em 1926, ela deixou a ilha pela última vez. Muitos anos depois, seus olhos bondosos cegos pelas cataratas, ela recordava: “As pessoas me perguntam por que eu amava aquele local. Eu mesma dificilmente sei por quê. Acho que vi as alegrias das pessoas ao terem seus olhos espirituais abertos para a verdade. . . . Sempre senti a mão de Jeová sobre meu trabalho e me sinto muito feliz de ter tido um quinhão na vindicação de seu querido nome.” Muitas das “sementes” que havia semeado tornaram-se saudáveis “plantas” que demonstram a glória de Jeová!
RETORNA UM FILHO NATIVO
Era o dia 29 de agosto de 1929. E o local? Pequena aldeia pesqueira na ponta oriental da Península de Avalon, que dá para o tempestuoso Atlântico. Um dos filhos nativos da Baía de Verde, Jack Keats, acabara de chegar de volta à sua cidade natal, depois de gastar algum tempo no “continente”. Para surpresa de sua família e seus amigos, começou a pregar a eles — crenças que soavam deveras estranhas aos ouvidos dos habitantes conservadores.
Felizmente, a família de Jack Keats ouviu o que ele tinha a dizer e o apreciou. Daí, começou a testemunhar a seu primo William, melhor conhecido como “Billy Jim” Keats, membro beato da igreja, ativo na Orange Lodge, membro do coro e chefe de família altamente respeitado. Billy Jim escutou atentamente, mas não aceitou tudo de imediato. Queria prova, e foi isso que obteve. A tradição do ‘inferno de fogo’ de sua igreja foi um dos tópicos vitais da palestra. Não era bem que ele realmente quisesse crer num lugar de infindável tormento. Mas, se estava errado, que dizer de sua igreja? Em que posição ficaria? As palestras levaram à verdade sobre o assunto. Na movimentada estação de pesca de 1930, Billy Jim não freqüentou regularmente a igreja. Aproveitava a oportunidade para descansar. Ah!, mas a verdadeira razão era que sua mente estava sendo transformada. A semente da verdade tinha sido semeada em solo excelente. (Mar. 4:8, 20) Pouco depois disso, Billy Jim rompeu todos os laços com Babilônia, a Grande.
No ínterim, começou a fraquejar a saúde do irmão de Jack Keats, Isaac, que aceitara prontamente os ensinos do Reino. Antes de sua morte, deixou claro que não queria que nenhum clérigo presidisse seu funeral e não queria ser enterrado no cemitério anglicano. A família arranjou pequeno lote de terra acima do povoado. Essa decisão provocou a ira do clero e de seus sequazes. Ora, não era nem sequer “terra consagrada”! Ademais, o pároco recusou-se redondamente a dar um atestado de óbito. Apesar de tudo, o serviço fúnebre foi dirigido pelo irmão Earke, de S. João, e os restos foram enterrados no lote de terra ‘não consagrado’.
O clérigo queixou-se ao Departamento de Saúde sobre o enterro num campo aberto, sob o pretexto de preocupar-se com o bem-estar da comunidade local. Um policial e um magistrado local vieram investigar o assunto, mas foi-lhes dado testemunho e foram embora satisfeitos de que tudo estava em ordem. Antes disso, o clérigo tinha sugerido que os filhos de todas as Testemunhas e dos que ajudaram no enterro em terra ‘não consagrada’ fossem impedidos de freqüentar as escolas, a maioria das quais eram denominacionais. Apenas os filhos dos pais que pedissem desculpas a ele teriam permissão de voltar e freqüentar as aulas. Os irmãos levaram o caso à Junta de Educação em S. João, e ordenou-se ao clérigo que permitisse a volta de todas as crianças, e isso sem pedidos de desculpas. Os filhos das Testemunhas foram ignorados e sofreram zombarias por parte de seus colegas, e o professor lhes deu tão pouca atenção quanto a lei permitia, mas o pároco sofrera grande queda de sua posição como chefe inquestionado da comunidade.
Jack Keats logo ampliou seus esforços a fim de pregar as boas novas em muitas outras partes da Terra Nova, viajando, por vezes, de pônei e carroça, ou de trem ou de barco de pesca. A fim de continuar ‘pescando homens’, de tempos a tempos costumava retornar aos peixes mesmos. (Mat. 4:19) Em 1939, ficou gravemente enfermo e teve de passar praticamente dois anos num sanatório em S. João, dali em diante voltando para Deer Lake, onde estabeleceu seu lar.
O primo de Jack, Billy Jim, mais tarde retomou as coisas onde Jack as deixara, na área da Baía de Verde. Acompanhado de sua esposa, viajou pela região a cavalo e de charrete, tocando discos de sermões bíblicos em seu fonógrafo para qualquer pessoa que quisesse ouvir, e a maioria das pessoas deveras ouvia naqueles dias. Não havia hotéis nem restaurantes. Mas as pessoas eram hospitaleiras e, quando chegava a hora das refeições, os publicadores aceitavam o generoso convite de partilhar o que os moradores possuíam em suas mesas. No fim de longo dia no serviço de campo, quando as trevas transformavam o mar em escuridão total, e as lamparinas de óleo começavam a cintilar nas janelas das casas humildes, aceitavam a oferta bondosa: “Ponha seu cavalo no estábulo e descansem um pouco.” Daí, enquanto o animal descansava a noite, Billy Jim e esposa conversavam com seus hospedeiros até as primeiras horas da manhã e então conseguiam descansar um pouco antes de começarem outro dia.
Outros, além de Billy Jim e esposa, cresciam espiritualmente. Como sabemos? Porque, num certo dia de verão de 1939, quando um irmão de S. João chegou para dirigir um batismo, havia seis pessoas agitadas que se ofereciam quais candidatos. Todas andaram os quase cinco quilômetros pelas colinas escarpadas até uma lagoa, onde deram evidência externa da dedicação de sua vida a Deus. Daí, seguiram-se muitos anos de perseverança na obra do Reino em face da indiferença e apatia por parte da população da Baía de Verde. Em 1965, dois pioneiros especiais foram designados para ajudar a congregação e, como resultado, os publicadores foram treinados e as reuniões foram estabelecidas em base firme, havendo programas que ajudavam a todas sem exceção a melhorar seu serviço de campo. Em 1971, a congregação terminou a construção de excelente Salão do Reino.
PREGAR DE BARCO AS BOAS NOVAS
Ainda assim, o território disponível na Terra Nova pouco tinha sido tocado. Seus mais de 108.700 quilômetros quadrados só tinham cinco comunidades, com uma população que ultrapassava 5.000 pessoas. Até mesmo a capital, S. João, não tinha mais de 55.000 habitantes no fim da Segunda Guerra Mundial. Isso significava que a maior parte da população vivia em centenas de pequenos povoados e colônias espalhados pelos 9.600 quilômetros de costas selvagens. As Testemunhas vieram a compreender que o mar era o modo mais acessível de entrar em contato com as pessoas.
Com o passar dos anos, a Sociedade Torre de Vigia (EUA) fez arranjos para a compra de quatro diferentes barcos a serem usados nesta obra. O primeiro deles, o “Morton”, era um barco costeiro, de uns 20 metros de comprimento, esguio e lindo, quando visto do cais. F. J. Franske, colocado pela Sociedade como encarregado do barco, conta a experiência que partilhou com outro irmão:
“No início de maio de 1929, Jimmy James e eu fomos enviados do Canadá para a Terra Nova, para assumir a operação do barco costeiro da Sociedade, o ‘Morton’. . . . Achamos os terra-novenses pessoas calorosas e amigáveis, cuja hospitalidade é notável qualidade. E até mesmo quando discordavam de nós, ainda nos ouviam e nos tratavam com cortesia. Uma coisa que nos intrigava de início era seu hábito de não vir atender à porta quando batíamos. Às vezes ficavam sentados junto à janela e nos observavam de pé junto às portas de sua casa, mas não vinham à porta. . . . Parece que, devido ao isolamento, as pessoas ficaram tão aparentadas entre si que ninguém era considerado um estranho, e simplesmente iam entrando e saindo da casa uns dos outros, como se fossem da mesma família. . . . Toda família, parece-me, tinha sua história trágica de entes queridos que tinham saído para o mar e não voltaram. Visitamos a muitos desses enlutados e os confortamos com a clara verdade da Santa Palavra de Deus, a Bíblia.”
A depressão econômica tinha atingido duramente a Terra Nova. Muitos estavam sem nada. A pensão de velhice era de cerca de Cr$ 500,00 por ano. Noventa por cento da população se empenhava na pesca — trabalho duro, de pouquíssimo rendimento. Um quintal métrico de peixes (51 quilos) era vendido por Cr$ 55,00 ou menos. As dificuldades eram tão certas como a morte e os impostos. Em troca das publicações bíblicas, as pessoas ofereciam roupas tecidas em casa, mitenes, meias, suéteres, itens de pele de foca, peles, pequenos adornos feitos de osso de baleia e marfim, e peixe seco. E, naturalmente, o aparecimento do “Morton” em muitas enseadas não era bem recebido por muitos, especialmente pelo clero. Zombavam das Testemunhas, chamando-as de falsos profetas, proibiam seus paroquianos de ler publicações da Torre de Vigia, ou até de receber as Testemunhas em suas casas. Podemos reviver tais experiências ao lermos do diário do irmão Franske:
“Tentamos trabalhar em Presque, Bonah, St. Kyrans e Paradise sem êxito. Todos tinham sido avisados pelo ‘Padre’, que não queria que ninguém desmanchasse seu ninho. A visita às Ilhas Flat compensou tudo isso. A entrada da baía é muito rochosa, e um pescador veio encontrar nosso barco numa canoa e serviu-nos de prático para entrarmos na baía. Tanto homens como mulheres vieram em massa a bordo do ‘Morton’. . . . Jamais tivemos uma recepção assim antes. Propiciamos-lhes um pouco de música e um discurso, e ficaram até à meia-noite. Tais pessoas tinham fome pela verdade. No dia seguinte inundaram-nos de flores. . . . Embora elas fossem pobres, colocamos muitos livros e respondemos a muitas perguntas bíblicas.”
Na estação seguinte, em 1930, o “Morton” de novo velejou, desta feita com novo companheiro para o irmão Franske — Philip Parons, pescador de Rose Blanche que estava bem familiarizado com barcos e acostumado a navegar em condições difíceis. Ainda bem que isso se deu, pois se havia decidido ir em direção ao norte e trabalhar todas as ilhas e a costa nas áreas de Notre Dame e Baía White (Branca). Em junho tal viagem pode ser excitante. O fluxo de gelo está em pleno vigor. “Growlers” (rosnadores, nome que os marujos dão aos gigantescos monumentos estruturais que provêm do Ártico) reluzem como enormes castelos ao sol. Podem assemelhar-se a qualquer coisa, desde blocos quadrados flutuantes até aparições semelhantes a catedrais, com elevadas agulhas. Daí, também, há os campos aparentemente infindáveis de gelo quebrado à deriva, que pode tornar perigosa a navegação. Para evitar ser esmagada, a tripulação do “Morton” tinha de manter ocupadas suas lanças de pique, afastando os maiores blocos de gelo. Os perigos da viagem foram grandemente recompensados pelo deleite de pregar a mensagem a pessoas que jamais a tinham ouvido antes. Colocaram-se milhares de publicações.
CONTINUA O CRESCIMENTO
O grupo na cidade de S. João crescia numericamente e gozava do benefício de muitas visitas de representantes viajantes da Sociedade. Por exemplo, M. A. Howlett veio em 1927. Mais tarde, o irmão Cutforth estava ali. Os programas de rádio da Sociedade eram ouvidos regularmente por meio duma estação da Nova Escócia. No entanto, houve pouca intrepidez real para a proclamação da mensagem do Reino. Parecia que havia certo elemento na congregação que impedia o fluxo do espírito de Jeová. Com a aceitação do nome “Testemunhas de Jeová”, em 1931, tornou-se claro que havia uma divisão. Alguns preferiam o termo suave de “Estudantes da Bíblia”. Conseguiram influenciar a maior parte da congregação, apenas poucos ficando firmes e leais em apoio da obra mundial da Sociedade Torre de Vigia (EUA). Os números de 15 de agosto e de 1.º de setembro de 1932 de A Sentinela, com seus artigos sobre “A Organização de Jeová”, lançaram fora quaisquer dos fracos que restavam. Alguns dos anteriores “anciãos eletivos” da congregação e seus seguidores tornaram-se, depois disso destacados na sociedade local, e até mesmo passaram a gozar das boas graças do clero. Os poucos fiéis agora tinham a vantagem de terem sido purificados de toda a influência dos temerosos e tíbios.
A atenção volta-se agora para a segunda maior comunidade da Terra Nova, Corner Brook, na costa ocidental. A irmã Mason estivera ali em 1923, mas depois disso não se fizera nenhum esforço real de procurar os semelhantes a ovelhas. Daí, em 1933, Earl Senior, dedicado irmão terra-novense, trabalhava no Departamento de Estradas de Rodagem, e os negócios o levaram a Corner Brook. Enquanto estava ali, começou a distribuir o folheto Onde Estão os Mortos? Encontrou ouvidos atentos numa pequena loja de artefatos de madeira em que Alfred Johnson e Reuben Barnes trabalhavam juntos. Esse folheto era tudo de que precisavam para abrir os olhos.
Logo um novo grupo de estudo se formara e, mais tarde, quando Lloyd Stewart foi enviado pela filial canadense da Sociedade, organizou pequena congregação, tendo as famílias de Barnes e Johnson como seu núcleo. A pequenina Reta Johnson e o jovem Gus Barnes participavam nessas primeiras reuniões. Ambos iriam mais tarde tornar-se missionários da Escola de Gileade e ter bom quinhão no desenvolvimento da atividade do Reino na Terra Nova.
Jack Keats mais tarde juntou-se às famílias Barnes e Johnson em Corner Brook e vigorosa campanha de pregação das boas novas do Reino foi realizada. Não se despercebeu nenhuma oportunidade de pregar. Nos campos madeireiros, nas comunidades pesqueiras, entre os empurradores de madeira nos rios, em trens da meia-noite — em toda a parte tocavam-se os sermões no fonógrafo e a verdade bíblica era considerada! A cidadezinha de Corner Brook, dominada pelo clero, ficou em verdadeiro tumulto!
De novo tornou-se uma questão o assunto de se usar terra não consagrada para enterros. Mais uma vez, o povo local e o clero ficaram chocados quando os irmãos passaram a enterrar seus mortos em seu próprio lote de terreno ‘não consagrado’. O pleno impacto desses incidentes talvez não seja inteiramente avaliado hoje, quando os líderes religiosos e seus costumes são causa para suspeita; mas, naqueles dias, a palavra do clérigo era lei, e qualquer desafio das tradições estabelecidas pela igreja era sacrilégio.
CONCENTRANDO-SE NA CAPITAL
Ao passo que Corner Brook era cenário destes acontecimentos, a filial da Sociedade no Canadá enviou um casal mui devotado para S. João, a fim de cuidar dos interesses do Reino na Terra Nova. Eram Ray e Betty Gillespie. Construiu-se um depósito de publicações e um carro-sonante começou a ser usado para cobrir a área, transmitindo para grandes multidões em toda a parte a potente voz de J. F. Rutherford, naquele tempo presidente da Sociedade Torre de Vigia (EUA). Interessante incidente é contado sobre esses tempos estimulantes, quando o clero tresloucado instigava violência contra as Testemunhas:
‘Certa vez, quando o irmão Gillespie tocava um disco no carro-sonante na Ilha Bell, uma multidão começou a atirar pedras nele. Instigou-se um rapazinho a atirar algumas das pedras. Foi sua pedrada que atingiu o fonógrafo e o parou. Essa noite, o rapazinho voltou triste para casa, afligido no coração. Através dos anos, esse assunto o atormentava com freqüência. Certo dia, anos depois, um pioneiro visitou aquele rapazinho, agora já homem feito, e começou a estudar com ele. Depois do estudo, ele quis aliviar-se mediante uma confissão do que por tanto tempo pesava em seu coração. Mencionou sua culpa e sua tristeza e pediu perdão. Tal homem mais tarde se tornou Testemunha.’
A década de 1930 foi difícil período para o povo de Jeová na Terra Nova, e especialmente em S. João, onde as disposições amiúde se esquentavam, onde troca de berros, apedrejamentos e desafios para briga eram comuns. Nesta atmosfera chegou o irmão e a irmã Ernest Ellis, que já provaram a violência dos motins nos Estados Unidos. Enfrentaram muitos desafios. Por exemplo, certa manhã, quando o irmão Ellis trabalhava no extremo leste da cidade, algumas mulheres junto com suas famílias, instigadas pelos sacerdotes, o atacaram e rasgaram suas Bíblias e livros. Ernest ficou firme e não se curvou até conseguir chamar a polícia. Ele levou o assunto aos tribunais, onde um juiz de mente liberal castigou severamente os agressores, para grande surpresa dos cidadãos. O intimorato irmão Ellis voltou à mesma área vez após vez com a mensagem de paz e conforto.
Quando em S. João, Ernest tinha um vizinho que era contato para os homens que chegavam à S. João vindo de um porto secundário chamado Princeton. Depois de visitarem Ernest, tais homens voltavam para casa em Princeton como Testemunhas de Jeová. O interesse suscitado em tal parte da Terra Nova era grande. Mais tarde, essa área produziu vários missionários graduados da Escola de Gileade.
O irmão Ellis também envidou esforços de obter estatutos locais, formando a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia de Terra Nova Limitada. Isto foi no começo de 1940.
Já então, as autoridades locais estavam saturadas com Ernest Ellis. Foram dados passos para deportá-lo como estrangeiro que pregava uma religião estrangeira. Mas, Ernest estimulou os irmãos, e subitamente as autoridades se viram diante de forte delegação de terra-novenses que defenderam sua causa com êxito, de modo que Ernest permaneceu lá. Surpreendente número de assinaturas em uma petição em favor dele foi poderoso fator para se obter tal resultado. Até mesmo alguns “inimigos” assinaram a petição, por admirarem o espírito combativo deste homem baixinho. Mais tarde, quando a Segunda Guerra Mundial ameaçava e parecia que outra tentativa de deportá-lo teria êxito, a Sociedade Torre de Vigia (EUA) o chamou de volta aos Estados Unidos, e os opositores jamais tiveram o gostinho de expulsá-lo do país, como haviam planejado.
A Segunda Guerra Mundial veio em 1939. A chegada de A Sentinela pelo correio tornou-se quase que impossível, devido à rígida censura instituída. No entanto, um soldado estadunidense que servia em Forte Pepperrell, nos arredores de S. João, tornou-se interessado e assinou a revista. Sua correspondência chegava sem dificuldades, de modo que, com o tempo, os irmãos podiam contar com o exemplar dele. Compraram um mimeógrafo e, deste modo, conseguiram suprir os cem assinantes em toda a Terra Nova. Mas, multiplicavam-se as dificuldades. Aqueles lutadores zelosos pela justiça que não eram naturais da Terra Nova estavam sendo pressionados a partir, quando não eram deportados diretamente. O que aconteceria em seguida?
Lá em Corner Brook, o jovem Gus Barnes tinha crescido. Seu pai, Reuben, era sempre bondoso, firme pela verdade e devotado à disseminação das boas novas. Amiúde falava a Gus sobre as grandes questões envolvidas e a necessidade de vincular intimamente todos os interesses em Terra Nova e estabelecer-se a organização numa base por todo o país. “Gostaria de ser jovem e poder fazer esse trabalho”, dizia.
Assim, foi um dia feliz para o idoso Reuben quando seu filho se dirigiu a ele e lhe disse que decidira gastar o restante de sua vida no serviço de pioneiro. Gus economizou suficiente dinheiro naquele inverno para comprar sua passagem de trem até S. João e obter alguns itens de equipamento. Falou sobre seus planos com outro jovem em Pasadena, Terra Nova, e este decidiu acompanhá-lo. Assim, na primavera setentrional de 1940, Gus Barnes e Herbert Dawe chegaram à capital, Gus com apenas uns Cr$ 52,70 em seu bolso. E, nos dez anos seguintes, apesar de problemas e dificuldades, nunca ficou mais pobre, em sentido financeiro.
EM TEMPOS ATRIBULADOS
No depósito de publicações, os irmãos Barnes e Dawe conheceram Dougal McCrae, pioneiro canadense que estava prestes a ser deportado. Este lhes disse que o governo estava prestes a proscrever todas as publicações da Sociedade, e que o suprimento de discos e de livros no depósito, por conseguinte, corria o risco de ser confiscado.
Os irmãos formularam um plano. Lotaram a escuna do irmão Howell com a maioria das publicações e discos para serem enviados para Lumsden. Outros foram enviados para Princeton e para outros locais menores. Quando as autoridades deveras deram sua batida no depósito, já era tarde demais — as prateleiras estavam praticamente vazias.
No ínterim, os irmãos Barnes e Dawe podiam ver que durante a guerra, seria melhor limitar suas atividades do Reino aos portos secundários distantes ao longo da costa brava. ‘Eu não era marujo’, admitiu Gus Barnes, ‘pois nada sabia sobre marés e tempestades, cartas e bússola, ondas gigantes e os perigos dum mar sempre turbulento’.
Foi preciso muita dose de engenho e determinação para equipar e preparar o barco da Sociedade, de 9,50 metros, que com grandes esperanças no futuro, chamaram de “Barco do Reino N.º 1”. Os irmãos em Princeton foram excelente fonte de encorajamento. Ali, Bob Moss juntou-se à tripulação, ajudando-os a criar confiança no trabalho que agora empreendiam. Afirma o irmão Barnes: ‘O primeiríssimo dia de nosso serviço marítimo foi agitado, nosso barquinho mergulhando no meio das ondas dum modo assustador. Nosso primeiro porto visitado, Salvage, era habitado por beatos apoiadores da Igreja Anglicana. O resultado: logo estávamos sendo apedrejados e expulsos do porto como espiões alemães. Com efeito, alguém no povoado mandou avisar a polícia no sentido de que tocávamos um disco Intitulado “Hitler não Pode Perder”. Partimos graciosamente e fomos trabalhar numa outra enseada mais tranqüila, embora, o dia inteiro, continuássemos a ouvir dizer que a polícia estava procurando por nós. Quando desembarcamos, eu e Bob nos separamos, ele indo em uma direção e eu na outra, pensando que nos encontraríamos mais tarde nesse dia.
‘Por fim, passadas muitas horas do tempo esperado, deveras o encontrei. Ao dar a volta num ponto solitário da estrada vi ali Bob tocando um disco para o benefício dum policial alto, muito mais alto do que ele. O disco tinha chegado ao ponto em que o irmão Rutherford alistava todos os que estão do lado do Diabo no Armagedom. “Do lado do Diabo”, trombeteava a potente voz, “no Armagedom estarão os exércitos e as marinhas de todas as nações, a força policial, a força policial, a força policial . . .” — repetia o disco naquele ponto! Bob estava vermelho como uma beterraba e, temendo o pior, eu imaginava se deveria correr, quando subitamente, vendo a graça da situação, o policial soltou uma risada alta. Com efeito, ele se tornou um de nossos bons amigos depois disso.’
Continuando sua história, Gus Barnes prosseguiu: ‘Era um dia de grandes vagas quando uma tripulação nervosa, com medo do mar, aproximou-se da costa perigosa em Cat Harbour (agora Lumsden) à entrada da Baía de Dead Man. Nenhum estranho conseguiria jamais entrar naquela enganosa enseada, assim, ao flutuarmos entre as rochas, que alívio foi ver um grande barco pesqueiro aproximar-se de nós! O caloroso e simpático pescador que nos acolheu era Elmore Howell, que iria tornar-se como um pai para nós em nossos esforços nos anos vindouros. Aqui em Lumsden os amigos nos alimentaram, incentivaram, substituíram alguns de nossos equipamentos gastos, colocaram provisões em nosso barco e nos enviaram para algumas das baías no norte. Falaram da irmã Mason, do irmão Macmillan, bem como dos irmãos Howell e Parsons que haviam persistido na verdade desde 1915!’
Quando chegou o inverno, tornou-se imprático continuar com o barco; assim, a alternativa foi pegar os trilhos com um trenó carregado do fonógrafo, Bíblias e publicações. Gus Barnes fala de épocas em que costumava colocar até 500 livros por mês. Por outro lado, havia a acusação de que eram “espiões”. Pelo menos em certa ocasião, isso significava dormir ao relento, enroscado num trenó, observando a aurora boreal. Essa noite que Gus passou do lado de fora “inverteu as posições”, por assim dizer, pois as pessoas da comunidade ficaram intensamente interessadas nele e ficaram seguras de que ele não era nenhum “espião alemão”.
Naquele tempo, as autoridades começaram a dar batidas em várias casas das Testemunhas em que esperavam apoderar-se de publicações ‘proscritas’. Mas, os estoques de publicações estavam seguramente escondidos em lugares que só poucas pessoas tinham acesso, e assim era possível, de tempos a tempos, que as congregações e os pioneiros substituíssem seus estoques e continuassem a obra do Reino, usando apenas a Bíblia em seu contato inicial nas casas.
No início da primavera setentrional de 1941, Gus Barnes e Bob Moss retornaram a Princeton, para passar algumas semanas aprontando o barco para outra viagem de verão. Isso ofereceu a oportunidade de ajudar o grupo ali a ficar bem organizado para os estudos da Sentinela e o estudo de grupo semanal do livro Salvação. “Enquanto estávamos ali naquela primavera”, relata Gus, “amiúde conversava com Ford e Bill Prince, dois rapazes que estavam profundamente interessados no que fazíamos. Eu não compreendia então que, ambos os rapazes passariam, daquelas conversas iniciais que mantínhamos, a se tornarem pioneiros e, mais tarde, cursar a Escola de Gileade e serem enviados quais missionários.
A segunda viagem de verão do bom barco “Reino N.º 1” foi excitante, para se dizer o mínimo. Em Lumsden, os irmãos Moss e Barnes foram batizados, embora já estivessem pregando agora por vários anos. Daí, dirigiram-se para Lewisporte. Gus Barnes nos conta o que aconteceu: ‘O barco fazia água, de modo que entramos numa pequena enseada a várias milhas de Lewisporte. Decidimos consertar o vazamento ali, de modo que bem cedo de manhã levamos nossas publicações e provisões de volta para o mato e os cobrimos com uma lona para protegê-los da chuva. Mas, as notícias de nossa presença se espalharam rapidamente — “um barco estranho com alto-falantes no teto, talvez sejam espiões alemães!” Subitamente, vimo-nos cercados por um grupo de soldados do Exército Canadense. Rebocaram-nos sob vigilância até Lewisporte, onde apareceu toda a cidade para ver estes presos desesperados. . . . Exigi ver o oficial encarregado. Quando isto me foi negado, disse ao capitão que, em vista do acordo entre os militares canadenses e o estado independente da Terra Nova, seus homens interferiam com os civis e menosprezavam a autoridade da polícia local. Daí, exigi ser levado para a polícia terra-novense. Logo os policiais ficaram satisfeitos e estávamos a caminho de lá. Só paramos o suficiente para apanhar nossas provisões de publicações, e então fomos para a longínqua península setentrional. Depois disso os policiais e os fiscais alfandegários amiúde nos visitavam, mas muitos deles nem sequer tinham uma cópia do edito de proscrição, de modo que nos deixavam em paz. No outono, já voltáramos para Corner Brook, depois de estimulante verão em que colocáramos milhares de publicações.’
No fim de 1941, Gus Barnes e seu companheiro já haviam retornado a S. João, morando no depósito e esforçando-se de reerguer de novo o que se tornara pequeníssimo grupo de estudo. O materialismo e o temor tinham esfriado as afeições de muitos. Até mesmo se dizia: ‘Talvez a obra tenha terminado.’ No caso de alguns, esse desejo sem dúvida originara a idéia. Daí, vieram notícias da morte do irmão Rutherford em 8 de janeiro de 1942. Que estaria à frente?
CONTATO COM A SEDE DE BROOKLYN
O irmão Barnes nos conta como os publicadores obtiveram a resposta para essa pergunta vital: ‘Jeová conhecia nossas necessidades e, quase como que por milagre, A Sentinela de 1.º de fevereiro de 1942 (em inglês) chegou às minhas mãos. Resultou ser a coisa certa no tempo certo. Seu artigo “Ajuntamento Final” mostrava como Jeová propôs realizar grande “obra de pesca e caça”. Os irmãos da Terra Nova estavam a par da pesca e da caça literais, e isto os ajustou para a obra à frente. Os irmãos sabiam que havia muito trabalho a ser feito, e estavam prontos a fazê-lo, mas precisavam de ajuda e de instruções da Sociedade. Mas, como obtê-las, em vista da censura e de outras circunstâncias da proscrição?’
Ford Prince se ofereceu para isso. Logo foi contratado para trabalhar num barco de passageiros como marinheiro mercante. Não se abalava com o fato de que os submarinos alemães afundavam muitos navios. Sabia da sua missão. Os irmãos em Terra Nova precisavam de ajuda para obterem um barco bom, em boas condições de navegar, publicações e outros materiais para promoverem a obra do Reino. Em Brooklyn, explicou a situação a Milton Henschel, do escritório do presidente da Sociedade, N. H. Knorr, e lhe foi assegurado que todos os problemas seriam cuidados imediatamente.
Por causa dos deveres a bordo, Ford não pôde ficar para jantar, mas voltou no dia seguinte. Deveras, havia uma caixa para ele, contendo publicações e discos fotográficos. Esta foi a primeira das muitas viagens importantes que iria fazer para trazer cargas valiosas para seus irmãos na terra natal. Mediante uma carta do irmão Knorr, Gus Barnes soube que se tornariam disponíveis fundos para a compra dum barco melhor. Por apenas Cr$ 6.000,00, o irmão Barnes comprou um iate de uns 13 metros de comprimento. Assim não demorou muito até que um novo barco do Reino, chamado “Hope” (Esperança) começou a trabalhar na disseminação das boas novas.
O plano era trabalhar a costa sul de Port-aux-Basques até à Baía de Placentia. Em Burgeo, porto de entrada, os fiscais alfandegários e a Polícia Montada subiram ao “Hope”. Sabiam da proscrição de publicações, e queriam agir, mas hesitaram e decidiram aguardar instruções de S. João. Relata um dos membros da tripulação do “Hope”:
‘Naquela noite, à medida que desceu a neblina e a costa ficou envolvida em escuridão, decidimos arriscar-nos com nosso barquinho a remo e levar todas as nossas publicações, discos e equipamento, pensando em escondê-los em alguma enseada erma. Não haviam colocado sentinelas para nos vigiar. Daí, aconteceu algo surpreendente! Por volta da meia-noite, ouvimos a lancha da guarda costeira apitar, ao seguir seu caminho para ancorar numa baía encoberta pela neblina, nas praias externas. Rapidamente pegamos nossa bússola e cartas e remamos através da neblina até captarmos as luzes de marcação daquela lancha. Subindo pela escada de cordas e andando pelo convés, conseguimos entrar em contato com o comissário de bordo, dissemos-lhe que tínhamos uma carga a despachar. Concordou em aceitá-la, e sem perda de tempo esvaziamos o barquinho e todo o nosso equipamento teocrático foi mandado pela costa, a umas setenta milhas. Na manhã seguinte, os oficiais chegaram lá, conforme esperávamos para tomar tudo que tínhamos. Não encontraram nada! Queriam reter-nos indefinidamente no porto, mas protestamos junto ao governo e expediu-se uma ordem para nos liberar.
‘Algumas semanas depois, chegamos ao porto para onde havíamos mandado, mais ou menos às cegas, nossas publicações. O negociante local, por curiosidade, abrira uma das caixas e desfrutava imensamente ler o livro Inimigos quando nós chegamos. Deveras, forneceu-nos meios de embrulhar e enviar de volta publicações para todos os interessados cujos nomes e endereços tínhamos anotado. Quando essa mesma lancha costeira subia de novo a costa, levou centenas de livros e folhetos, em pacotes bem feitos, dirigidos a pontos por todo o caminho até Burgeo.’
Então chegou o outono setentrional, com grandes ondas e mares agitados. O “Hope” estava na costa da Península de Burin, uma das pontas mais meridionais da Terra Nova. A caminho de Epworth, ocorreu um incidente que muito contribuiu para remover o estigma de “espiões” e “contrabandistas” que se havia apegado ao “Hope” como cracas. Aqui está a anotação de Gus Barnes no diário de bordo: ‘Velejávamos por um mar tempestuoso pelo litoral sombrio quando ouvimos tiros de espingarda de alguém aflito. Manobrando, por fim conseguimos enviar sinais para o barco à deriva, com treze pessoas a bordo, a maioria mulheres e crianças. Tinham ficado ao léu e corriam grave perigo de ser arrastados até os terrores do oceano hibernal. Durante muitas horas, tinham clamado por socorro. Conseguimos reavivá-los, servindo-lhes bebidas quentes, e então os rebocamos até seu porto natal de Corbin. Aqui, o inteiro povoado é católico, mas estas pessoas se tornaram então nossos amigos, e podíamos transmitir-lhes a mensagem do Reino.’
LIVRES PARA EXPANDIR
A proscrição de importar e distribuir publicações da Sociedade Torre de Vigia (EUA) foi suspensa em março de 1945. Esse foi certamente um tempo de grande expansão dos interesses do Reino na Terra Nova. Da sede de Brooklyn se solicitou uma remessa de 75.000 publicações. Também, no antigo depósito foi estabelecida uma filial, graduados da Escola Bíblica de Gileade da Torre de Vigia sendo designados a servir nas cidades principais, e superintendentes de circuito e de distrito foram designados para visitar congregações e organizar edificantes assembléias semestrais. Assim, a organização tornou-se mais firmemente unida.
Logo as instalações da filial ficaram pequenas demais e novas e mais amplas instalações foram obtidas em 6 de junho de 1946, na Rua Pennywell, 239, em S. João. Charles Clemons, um dos missionários recém-chegados, foi designado superintendente da filial. Foram feitos arranjos para que os missionários se concentrassem nas duas maiores comunidades, S. João e Corner Brook. O barco “Hope” continuou a levar a mensagem do Reino aos povoados costeiros isolados. Mas, com o passar dos anos, estradas começaram a cruzar a ilha. Seguiram-se outros serviços públicos, e a pregação por via marítima decresceu em importância. Praticamente todos os povoados, com a exceção das costas do sul e do Labrador, logo podiam ser alcançados por meio de estradas de rodagem.
Lá na década de 1940, contudo, os superintendentes de circuito ainda provavam dificuldades de viagens. George Stover, por exemplo, fala de uma viagem arriscada: ‘A volta não foi fácil. O inverno tomava conta do país, e, durante a caminhada de 53 quilômetros, a temperatura caiu para uns 29 graus centígrados abaixo de zero. Na primeira noite, pousei com alguns homens num campo madeireiro, e aproveitei a oportunidade para falar com eles. No dia seguinte, comecei a última etapa de minha viagem. Comecei cruzando um lago. Antes de alcançar o outro lado, soprou uma tempestade e fechou a trilha, de modo que não podia ver onde é que estava indo. Coloquei minha pasta sobre a neve, sentei-me nela e comecei a orar, pedindo orientação. Com confiança renovada peguei minha pasta e, depois de alguns passos, deparei com pegadas frescas na neve, vindas de outra direção do lago. Minha única esperança era de que esta trilha me levasse na direção correta. Começava a escurecer. Logo mais não conseguiria ver a trilha. Daí, ao erguer a cabeça e olhar bem em frente, para minha alegria pude ver as luzes da cidade. Quão grato fiquei a Jeová por seu cuidado e sua proteção!’
Em 1946, Gus Barnes e Ford Prince foram convidados para a primeira turma internacional da escola de Gileade, de treinamento missionário, depois da guerra. Ambos depois disso retornaram à Terra Nova. O irmão Barnes continuou no serviço de circuito e o irmão Prince a supervisionar as operações do “Hope”. O barco ainda tinha muito que fazer em favor dos interesses do Reino antes de ser retirado de serviço em dezembro de 1955. Dezenas de pessoas isoladas tinham sido contatadas durante seus anos de atividade, muitas delas tornaram-se ativos publicadores do Reino e associados no número crescente de congregações.
O ano de serviço de 1946-1947 resultou ser notável para os irmãos em Terra Nova. Oito pioneiros e 38 publicadores colocaram um total de 25.000 publicações. Mas, a alegria culminante de 1947 foi a assembléia de verão, quando os irmãos Knorr e Henschel foram os visitantes especialmente acolhidos. Esta era a primeira vez que um presidente da Sociedade Torre de Vigia visitava a ilha. “O Governante Permanente de Todas as Nações” era o título do amplamente anunciado discurso nessa ocasião. O próprio irmão Knorr teve a alegria de participar na publicidade dele, quando estava a bordo de “Hope” e, com a ajuda do equipamento sonoro, fez anúncio por toda a baía de S. João a respeito do vindouro discurso.
Charles e Eva Barney, mais conhecidos entre os terra-novenses, como Barney e Eva, foram designados quais missionários à área de Corner Brook — um território amplamente espalhado. Em sua chegada, verificaram que o grupo original havia mudado, deixando apenas um par de famílias interessadas. Nenhuma atividade de pregação estava sendo relatada à filial. Mas, nos seis anos seguintes, quando os missionários palmilhavam de alto a baixo as colinas da vizinhança, houve grande transformação. Quando o casal Barney partiu, havia progressiva congregação que louvava a Jeová em Corner Brook.
Walter e Grace Kienitz, outro casal de missionários que veio junto com o primeiro grupo designado à Terra Nova no outono setentrional de 1945, já passaram agora trinta anos na ilha. Em 1962, receberam a designação de trabalhar em Argentina e nos povoados próximos, onde a maior parte de seu território envolvia testemunhar ao pessoal da Marinha do Estados Unidos ali lotado. Bom número de esposas, em especial, aceitaram a mensagem do Reino, e daí, mais cedo ou mais tarde, voltaram aos Estados Unidos.
Já no ano de 1952, havia 21 congregações, com 315 publicadores, ativos na Terra Nova. Naquele ano também, M. F. Latyn foi designado superintendente da filial.
Ano após ano foram estabelecidas novas congregações que adicionaram seus esforços à disseminação da mensagem do Reino. Em 1952, foi formada nova congregação em Bonavista, em resultado dos empenhos dos missionários treinados em Gileade, Bernard e Elizabeth Mahler. Outra congregação foi formada em Joe Batt’s Arm em 1953; também congregações em Stephenville, Musgrave Harbour e Mount Pearl em 1955; em Port-aux-Basques e Epworth em 1957, como resultado da atividade dos graduados de Gileade; e uma em Norris Point em 1958. E, nos anos posteriores, outras congregações foram estabelecidas em Lewisporte, Happy Valley, Bay Roberts e Weybridge. Também na cidade de S. João, ocorriam grandes eventos; a congregação se tornara tão grande que, em 1963, formaram-se vários grupos.
A mudança de famílias para onde havia maior necessidade tem dado bons resultados em Terra Nova. Foi isso que levou à formação de uma nova congregação na Cidade de Labrador em 1964, à formação de outra congregação em Carbonear, em 1967, e a ainda outra em Shoal Harbour em 1968. Os esforços diligentes de pioneiros especiais produziram outras novas congregações em Springdale e Baie Verte em 1969. Desde então, a história tem sido de progresso teocrático.
Rememorar os feitos do povo de Jeová lá na Terra Nova faz, deveras, com que nossos corações se encham de gratidão a Jeová. Desde o tempo em que foi organizada a primeira congregação, pelo irmão Macmillan, em 1916, até o ano de 1974, os registros mostram que mais de 3.600.000 publicações já foram distribuídas pelas cidades, aldeias e portos secundários, por toda a Terra Nova. Mais de três milhões de horas foram gastas neste trabalho. Para nutrir os interessados, bem mais de 1.000.000 de revisitas foram feitas. Com que resultado? Ora, durante os últimos 25 anos apenas, mais de 1.180 pessoas dedicaram sua vida a Deus e simbolizaram isto pelo batismo em água! Um auge de 1.131 publicadores relatou atividades em maio de 1975. Todavia, muito mais pessoas são atraídas à organização de Jeová, pois 2.041 compareceram à celebração da Refeição Noturna do Senhor em 27 de março de 1975.
Pode-se ver a mão de Jeová pelo modo em que pessoas humildes e isoladas têm sido alcançadas, e estas, por sua vez, têm pregado a outros. (Compare com Atos 11:19-21.) As boas novas estão sendo espalhadas a lugares remotos. É estimulante compreender que nosso Deus ainda se agrada de usar os irmãos da Terra Nova em sua grande obra de proclamação do Reino. E, por sua vez, eles sentem-se felizes de receber tal maravilhoso favor!