“A Tua Palavra É a Verdade”
Será gramática ou interpretação?
AO TRADUZIR o “Novo Testamento” do original grego para qualquer idioma moderno, há termos que podem ser vertidos de mais de um modo. Como se determinará a tradução correta? Em tais casos é óbvio que outra coisa além da gramática grega determina que palavras o perito moderno usará ao traduzir o original.
Exemplificando, considerável controvérsia se centraliza em torno de João 1:1 Reza, segundo a Versão Almeida de 1681-1691: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” No entanto, a Tradução do Novo Mundo (1971) diz na última parte deste versículo: “a Palavra era [um] deus.” Esta tradução é severamente criticada por alguns, visto que parece tornar a Palavra (Jesus, em sua existência pré-humana), um deus menor e não o próprio Deus Onipotente. Tais críticos apelam para a gramática grega para tentar deslocar esta última tradução.
Assim, certo teólogo afirma, a respeito do modo em que a Tradução do Novo Mundo tratou este versículo “Despercebe inteiramente uma regra estabelecida da gramática grega, que torna obrigatória a versão: ‘. . . e o Verbo era Deus’.” Outro comenta que a tradução “um deus” é “errônea e não é apoiada por qualquer boa erudição no grego . . . sendo rejeitada por todos os peritos reconhecidos da língua grega”. E, ainda outro observa que mostra “ignorância da gramática grega”. — O grifo é nosso.
Para apoiar uma linguagem tão forte, faz-se às vezes referência a uma regra da gramática grega formulada por E.C. Colwell. Será que tal regra realmente prova seu ponto? Considere o que o próprio Colwell realmente disse.
Em 1933, publicou um artigo no Journal of Biblical Literature (Jornal de Literatura Bíblica), intitulado: “Regra Definitiva Para o Uso do Artigo no Novo Testamento Grego.” Perto do fim de seu artigo, considera João 1:1. A última parte deste versículo reza literalmente no grego: “E DEUS ERA A PALAVRA.” Note que o artigo definido “A” aparece antes de “PALAVRA”, ao passo que nenhum “O” aparece antes de “DEUS”. A regra de Colwell a respeito de se traduzir o grego afirma: “Um definido predicado nominativo [por exemplo, “DEUS”, em João 1:1] tem o artigo [“O”] quando segue o verbo; não tem o artigo quando precede o verbo.” Em outras palavras, se for sempre verdadeira, a regra diz que, em João 1:1, o “O” antes de “Deus” acha-se subentendido na língua original e deve, portanto, aparecer nas traduções modernas.
Sua regra parece ser verdadeira em alguns lugares da Bíblia grega. No entanto, o próprio Colwell admitiu que há exceções à regra, que ela não é absoluta. (Veja, por exemplo, uma tradução interlinear de Lucas 20:33; 1 Coríntios 9:1, 2.) Com efeito, parece haver tantas exceções que, trinta anos depois de sua regra ser formada, certa gramática grega diz que a regra talvez só reflita uma “tendência geral”. Bem, então, o que dizer de João 1:1? Aplicar-se-ia aqui a regra?
O próprio Colwell responde: “O predicado [“DEUS”] . . . é indefinido nesta posição somente quando o contexto o exige.” Note, não é qualquer “regra” inviolável, mas o contexto é que é o fator crucial.
Assim, apesar da linguagem forte e confiante por parte de alguns, a “regra” mesma de Colwell não torna ‘obrigatória’ a tradução de certo modo, antes que de outro. Antes, como o tradutor interpreta os versículos circundantes e, deveras, o resto da Bíblia — é isso que determinaria como se traduz João 1:1.
É por isso que tais escritores adrede mencionados são tão dogmáticos em suas declarações. Para eles, Jesus é o próprio Deus. Um deles se refere a “Jesus Cristo, que é deveras Deus e deveras homem”. Outro observa que “Cristo afirmou ser igual a Jeová”. Obviamente, se tivessem de escolher, não gostariam que João 1:1 fosse traduzido para dar aparente apoio a seus próprios conceitos?
Por outro lado, a pessoa que aceita a declaração meridiano de Jesus de que “o Pai é maior do que eu”, compreenderá que Jesus não é igual ao Onipotente Jeová. (João 14:28) Todavia, isto não quer dizer que Jesus não possa ser mencionado como “deus” em certo sentido da palavra. Lembre-se de Êxodo 4:16; não diz ali Jeová a Moisés: “E tu lhe serás [Abraão] por Deus”? (Al) Mas, isto não tornava Moisés o Deus Todo-poderoso, tornava? O termo “deus” é aplicado até ao Diabo, visto que é poderosa criatura que controla o existente sistema de coisas. (2 Cor. 4:4) Por certo, então, Jesus, que fora exaltado acima de toda outra criação e que recebera o exercício de grande poder no céu e na terra por parte de seu Pai, poderia ser mencionado como sendo “um deus”. Tal tradução transmite a dignidade e o respeito que se devem a Jesus, ao passo que, ao mesmo tempo, evita dar a qualquer leitor a impressão de que Jesus seja o próprio Deus Onipotente.
A pretendida “regra” gramatical em relação com João 1:1 é apenas uma das muitas para as quais se apela em busca de aparente apoio de certas idéias religiosas. Mas, serve para ilustrar o ponto. a verdadeira questão envolve mais do que a gramática.
As regras gramaticais são necessárias para se entender uma língua. Mas, têm limitações. Conforme declara a Encyclopedia Americana: “Em toda a parte, encontramos a gramática operando em uma língua já feita . . . o cargo da gramática tem sido, não fixar o que uma língua deveria ser, ou tinha de ser, mas explicar o que uma língua já existente é. A gramática é exploratória e não criativa.”
Em conformidade com isso, até mesmo com respeito às línguas vivas, deve ser lembrado que, em última análise, sua ‘gramática’ não provém de ‘livros de gramática’. Como certo professor de inglês da Universidade de Chicago observa: “No uso dos nativos que falam, seja lá o que for, é correto.” Aqueles que falam uma língua, em especial as pessoas ‘melhor educadas’ — não os que fazem regras arbitrárias — determinam por fim o que é ‘correto’ ou ‘incorreto’.
Este mesmo princípio é verdadeiro com respeito à gramática do grego bíblico. Seu propósito é explicar como as coisas são ditas e não tentar impor na linguagem original o que o moderno gramático acha que devia ser dito. Tal ‘gramática’ deve ser tirada do que realmente diz o próprio texto grego bíblico. Até mesmo outros escritos na linguagem grega, mas de uma era diferente ou de outra parte do mundo, apenas são de valor limitado para se chegar ao entendimento das Escrituras. Conforme o proeminente gramático grego A. T. Robertson certa vez se expressou: “O que desejamos saber não é o que era bom grego em Atenas, nos dias de Péricles, mas o que era bom grego na Síria e na Palestina no primeiro século E. C.” Sim, o próprio texto bíblico em especial tinha de revelar o que é aceitável em matéria de sua gramática.
Assim, a pessoa não perita nas línguas bíblicas originais não precisa ficar tomada de reverência por aqueles que citam regras gramaticais. Nenhuma regra de gramática irá contradizer a mensagem geral da Bíblia. Semelhantemente, o honesto instrutor da Bíblia sabe que é o texto da Bíblia que é inspirado. Os livros de regras gramaticais não são, embora sejam de ajuda.